Relação entre capacidade funcional, estado nutricional e variáveis sociodemográficas de idosos institucionalizados

Resumo

Objetivo

Analisar a relação entre a capacidade funcional, o estado nutricional e as variáveis sociodemográficas de idosos residentes em instituições de longa permanência.

Método

Trata-se de um estudo transversal conduzido com 82 idosos institucionalizados. Para a coleta de dados foram aplicados o Índice de Barthel para avaliação do grau de independência no desempenho das atividades básicas de vida diária e a Mini Avaliação Nutricional (MNA) para a avaliação do estado nutricional dos idosos. Os dados foram coletados em cinco instituições de longa permanência situadas na região Sul do Brasil. Análises de regressão logística ordinal foram realizadas para verificar as associações dos fatores contextuais com a capacidade funcional dos idosos institucionalizados

Resultados

A maioria dos participantes apresentou independência total no desempenho das atividades de vida diária (39,0%) e estado nutricional deficiente (59,8%). A análise de regressão ordinal multivariada demonstrou que idosos institucionalizados com maiores escores na avaliação nutricional estão associados com melhores indicadores de capacidade funcional (RC=1,33; IC 95%=1,15 a 1,54; p<0,001). Não se encontrou associação entre escolaridade, lesões por pressão, índice de massa corpórea e a capacidade funcional.

Conclusão

O estado nutricional é um importante preditor para a dependência de idosos institucionalizados.

Palavras-Chave:
Estado Funcional; Nutrição do Idoso; Atividades Cotidianas; Instituição de Longa Permanência para Idosos

Abstract

Objective

To analyze the relationship between functional capacity, nutritional status, and sociodemographic variables of older adults living in long-term care facilities.

Method

This is a cross-sectional study conducted with 82 institutionalized older adults. For data collection, we used the Barthel Index to assess the degree of independence in the performance of basic activities of daily living and the Mini Nutritional Assessment (MNA) to assess the nutritional status of older adults. Data were collected in five geriatric long-term care facilities located in southern Brazil. Ordinal regression analyses were performed to identify associations between contextual social factors, and nutritional status with the functional capacity of institutionalized older adults.

Results

Most participants showed complete independence in performing activities of daily living (39.0%) and poor nutritional status (59.8%). The multivariate ordinal regression analysis showed that older adults with higher scores in the nutritional assessment are associated with better indicators of functional capacity (OR=1.33; 95% CI=1.15 to 1.54; p<0.001). We did not find an association between educational level, pressure injuries, body mass index, and functionality.

Conclusion

Nutritional status is a significant predictor for dependency in institutionalized older adults.

Keywords
Functional Status; Elderly Nutrition; Activities of Daily Living; Homes for the Aged

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento é caracterizado pelo declínio global e progressivo das funções fisiológicas. A manutenção da capacidade funcional tem implicações na saúde e na qualidade de vida dos idosos por estar relacionada com a habilidade de desempenhar atividades cotidianas básicas que são necessárias para uma vida independente. A caracterização da capacidade funcional dos idosos é de grande relevância, uma vez que se trata de um indicador do estado de saúde dessa população e essencial para a escolha da melhor intervenção e monitorização do estado clínico dos idosos¹.

A sarcopenia e a diminuição da força muscular podem causar limitações na capacidade funcional do idoso. A perda da massa muscular, em torno de 1 a 2% anual a partir dos 50 anos, ocorre principalmente pelo declínio na síntese de proteínas, causando a substituição do tecido muscular por tecido adiposo e fibrótico²,³. O estado nutricional também pode ser comprometido nos idosos, tanto em relação às patologias inerentes à idade avançada ou pelas alterações fisiológicas vividas nesse período. Estudos têm mostrado um aumento significativo de idosos desnutridos, com prevalência variando entre 15 e 60%, dependendo do local de residência do idoso⁴–⁷.

Muitas famílias tendem cada vez mais a dividirem as responsabilidades do cuidado dos idosos com as instituições de longa permanência, pois necessitam de ajuda no que se refere às condições de saúde e aos cuidados do dia a dia. Esse tipo de serviço é uma forte tendência de atenção à saúde e torna-se cada vez mais necessária⁵,⁶,⁸. Estudos identificaram que a incapacidade funcional está relacionada a fatores multidimensionais que contribuem para a redução do bem-estar e da qualidade de vida dos idosos⁹,¹⁰. No entanto, poucos estudos no Brasil realizaram investigações sobre funcionalidade, especificamente com idosos institucionalizados¹⁰–¹².

Considerando que idosos institucionalizados apresentam maior prevalência de desnutrição e de dependências para as atividades da vida diária (AVDs) do que os que vivem na comunidade²,¹³, torna-se fundamental a identificação dos fatores associados ao declínio da capacidade funcional para sustentar estratégias de promoção e atenção à saúde para essa população específica. Diante desse contexto, o estudo teve como objetivo analisar a relação entre a capacidade funcional com variáveis sociodemográficas e o estado nutricional de um grupo de idosos residentes em instituições de longa permanência no município de Curitiba (PR), Brasil.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal conduzido com 82 idosos residentes em cinco instituições de longa permanência (ILP) na cidade de Curitiba (PR) durante o período entre 2015 a 2016. A população amostral, selecionada por conveniência, foi constituída por idosos institucionalizados, com idade igual ou superior a 60 anos. Foram excluídos idosos que apresentaram alterações cognitivas graves que afetavam a capacidade perceptiva, de discernimento e de linguagem.

Os pesquisadores seguiram os preceitos éticos dispostos na Resolução n°. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná sob no. 80.215.901, assim como foi autorizado formalmente pelos responsáveis das instituições envolvidas. Todos participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e a confidencialidade dos dados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Inicialmente, foram coletados os dados sociodemográficos dos participantes: idade (em anos), sexo, estado civil, escolaridade (em anos de educação formal), tempo de institucionalização (em meses desde o ingresso na ILP), presença de lesões por pressão, quantidade de medicamentos e presença de polifarmácia, definida no presente estudo como mais de cinco medicamentos por paciente¹⁴.

A avaliação do estado funcional dos idosos foi realizada mediante a aplicação do Índice de Barthel (IB)¹⁵. Foi avaliado o nível de independência para dez atividades básicas da vida diária: alimentação, higiene pessoal, uso dos sanitários, tomar banho, vestir-se, controle dos esfíncteres, deambulação, transferência da cadeira para a cama e subir e descer escadas. A pontuação total da escala varia entre 0 (dependência total) a 100 (completa independência). No presente estudo, o IB foi avaliado como variável contínua e categorizada como: dependência total (0-20), dependência grave (21-60), dependência moderada (61-90), dependência leve (91-99) e independência (100)¹⁵.

Para a avaliação nutricional dos idosos utilizou-se a versão traduzida para o português brasileiro da Mini Avaliação Nutricional (MNA®) (Société des Produits Nestlé SA, Trademark Owners). A MAN é um instrumento validado, sensível e apropriado para identificação de idosos desnutridos ou com risco de desnutrição e amplamente utilizado com populações de idosos em diferentes contextos⁴,¹⁶,¹⁷. É composto por 18 itens que abrangem aspectos antropométricos, avaliação clínica global, avaliação dietética e estado nutricional. O escore final é o resultado da soma das pontuações de todos os itens, que permite uma identificação tanto do estado nutricional quanto dos riscos para os idosos. Os escores adotados para classificação do estado nutricional dos participantes foram: desnutrição (<17), risco de desnutrição (17-23,5) e estado nutricional normal (24-30)¹⁶.

As medidas antropométricas de peso, de altura e as medidas das circunferências da cintura, do quadril, do braço e da panturrilha foram coletadas conforme procedimentos preconizados pelo Ministério da Saúde¹⁸ e pela Organização Mundial da Saúde¹⁹. A classificação do índice de massa corpórea (IMC) foi baseada nos pontos de corte específicos para idosos estabelecida no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, sendo: baixo peso (≤22 kg/m²), eutrófico (>22 e <27 kg/m²) e sobrepeso (≥27 kg/m²)¹⁸. As entrevistas e a coleta de dados foram conduzidas de maneira padronizada pela primeira autora. Os dados foram coletados em um momento único, em locais reservados nas ILP a fim de preservar a privacidade dos respondentes.

As análises estatísticas descritivas foram realizadas para apresentar e resumir os dados coletados. As variáveis categóricas foram apresentadas por frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio padrão (DP) quando normalmente distribuídas, e como mediana e intervalo interquartil (IQR) quando não distribuídas normalmente. As variáveis foram testadas quanto à normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para verificar a associação entre as variáveis independentes e a capacidade funcional dos idosos institucionalizados, considerando as categorias do IB como variável dependente, foram aplicados os testes exato de Fisher, análise de variância unidirecional e Kruskal-Wallis. Todas as variáveis independentes que apresentaram associação significativa na análise univariada (p≤0,25) foram incluídas no modelo multivariado. Para a análise multivariada foi utilizado o modelo de regressão logística ordinal de chances proporcionais²⁰, estimando-se as razões de chances (odds ratio) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Os pressupostos para regressão ordinal de ausência de multicolinearidade entre as variáveis independentes e de probabilidades proporcionais (proportional odds) foram atendidos. A multicolinearidade foi avaliada usando fatores de inflação de variância (VIF) que permaneceram entre 1,05 a 1,10. A suposição de probabilidades proporcionais foi verificada pelo teste de linhas paralelas para o modelo ajustado (p=0,065). Para a análise da qualidade do ajuste do modelo foram utilizados os testes de Pearson e deviance. Os resíduos para cada covariável incluída no modelo foram calculados por meio de regressão logística binária para todos os pontos de corte da variável dependente. O nível de significância de 5% foi adotado em todas as análises.

RESULTADOS

Participaram do estudo 82 idosos, com mediana de idade de 74,5 anos, variando entre 64 a 92 anos e mediana do tempo de institucionalização de 42,9 meses. A maioria dos participantes eram homens, solteiros, analfabetos, eutróficos e não apresentavam lesões por pressão. Polifarmácia foi observada em 57,3% dos idosos, com mediana de consumo de cinco medicamentos. As características sociodemográficas dos participantes estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos idosos institucionalizados. (N=82). Curitiba, PR, 2015-2016.

Variáveis	Frequências
Sexo*
masculino	51 (62,20)
feminino	31 (37,80)
Idade (anos)**	74,50 (70,00 - 80,20)
Idade (categorizada em anos)*
60-69	19 (23,20)
70-79	39 (47,60)
80-89	22 (26,80)
>90	2 (2,40)
Estado Civil*
Solteiro	33 (40,30)
Casado / união estável	2 (2,40)
Separado / divorciado	20 (24,40)
Viúvo	27 (32,90)
Escolaridade*
Analfabeto	49 (59,80)
Ensino fundamental	21 (25,60)
Ensino médio	12 (14,60)
Tempo de institucionalização** (meses)	42,90 (24,00 - 96,00)
Tempo de institucionalização* (categorizado em meses)
0 -11	10 (12,20)
12- 59	39 (47,60)
60-119	19 (23,20)
>120	14 (17,10)
Lesões por pressão*
Não	61 (74,40)
Sim	21 (25,60)
Quantidade de medicamentos**	5,00 (3,00 – 8,00)
Polifarmácia*
Não	35 (42,70)
Sim	47 (57,30)
Índice de Massa Corpórea** (kg/m2)	23,50 (21,00 – 26,40)
Índice de Massa Corpórea* (categorizado)
Baixo peso	27 (32,90)
Eutrófico	36 (43,90)
Sobrepeso	19 (23,20)

• *Variáveis categóricas apresentadas com números absolutos e porcentagens; ** Variáveis contínuas apresentadas como mediana e 1° e 3° quartis.

Quanto à capacidade funcional dos idosos institucionalizados, a mediana do IB foi de 95,0. A maioria apresentou independência total (39,0%) no desempenho das atividades básicas de vida diária. Cerca de 46,0% apresentou grau de dependência leve a moderada e apenas 14,6% grau de dependência grave a total. Com relação à avaliação nutricional dos idosos, a média do escore do MAN foi de 22,5 (±3,19) e a maioria classificada com risco de desnutrição.

Tabela 2
Classificação dos idosos institucionalizados de acordo com Índice de Barthel e Mini Avaliação Nutricional (N=82). Curitiba, PR, 2015-2016.

Variáveis	Frequências
Índice de Barthel (contínuo)	95,00 (80,00 – 100,00)
Índice de Barthel (categorizado)
Dependência total	4 (4,80)
Dependência grave	8 (9,80)
Dependência moderada	24 (29,30)
Dependência leve	14 (17,10)
Independência	32 (39,00)
Mini Avaliação Nutricional (contínuo)	22,50 ± 3,19
Mini Avaliação Nutricional (categorizado)
Desnutrido	3 (3,70)
Sob risco de desnutrição	46 (56,10)
Normal	33 (40,20)

• O Índice de Barthel é apresentado como mediana e 1° e 3° quartis e a Mini Avaliação Nutricional como média e desvio padrão.

A partir da análise univariada entre a capacidade funcional com os fatores contextuais, apenas a variável MAN foi estatisticamente associada com o escore do IB (Tabela 3). Quatro variáveis analisadas foram incluídas no modelo multivariado (p<0,25): escolaridade, lesões por pressão, IMC e MAN.

Tabela 3
Análise univariada entre capacidade funcional e variáveis sociodemográficas e o estado nutricional de idosos institucionalizados. (N=82). Curitiba, PR, 2015-2016.

	Índice de Barthel
Variáveis independentes	Total (n=4)	Grave (n=8)	Moderada (n=24)	Leve (n=14)	Independência (n=32)	p-valor
Sexo						0,708*
masculino	3 (5,9)	5 (9,8)	12 (23,5)	9 (17,6)	22 (43,1)
feminino	1 (3,2)	3 (9,7)	12 (38,7)	5 (16,1)	10 (32,3)
Idade (anos)	76,00 (71,0-79,0)	79,50 (72,0-85,0)	75,00 (72,5-79,5)	72,00 (68,0-83,0)	74,00 (68,0-80,0)	0,666**
Estado Civil						0,496*
Solteiro	0 (0,0)	3 (9,1)	12 (36,4)	4 (12,1)	14 (42,4)
Casado/união estável	1 (50,0)	0 (0,0)	0 (0,0)	0 (0,0)	1 (50,0)
Separado/divorciado	1 (5,0)	1 (5,0)	6 (30,0)	4 (20,0)	8 (40,0)
Viúvo	2 (7,4)	4 (14,8)	6 (22,2)	6 (22,2)	9 (33,3)
Escolaridade						0,089*
Analfabeto	4 (8,2)	4 (8,2)	17 (34,7)	7 (14,3)	17 (34,7)
Ensino fundamental	0 (0,0)	1 (4,8)	7 (33,3)	3 (14,3)	10 (47,6)
Ensino médio	0 (0,0)	3 (25,0)	0 (0,0)	4 (33,3)	5 (41,7)
Tempo de institucionalização	54,0 (24,5-72,0)	36,0 (12,0-36,0)	42,0 (15,0-96,0)	44 (24,0-96,0)	50,0 (24,0-96,0)	0,544**
Lesões por pressão						0,130*
Não	3 (14,3)	1 (4,8)	8 (38,1)	2 (9,5)	7 (33,3)
Sim	1 (1,6)	7 (11,5)	16 (26,2)	12 (19,7)	25 (41,0)
Quantidade de medicamentos	8,00 (6,00-9,00)	6,50 (3,50-8,00)	6,00 (3,50-9,00)	5,00 (2,00-8,00)	4,00 (1,50-6,50)	0,385**
Polifarmácia						0,569*
Não	1 (2,9)	2 (5,7)	9 (25,7)	6 (17,1)	17 (48,6)
Sim	3 (6,4)	6 (12,8)	15 (31,9)	8 (17,0)	15 (31,9)
Índice de Massa Corpórea	19,8 (17,74-22,12)	22,56 (20,80-26,71)	25,55 (21,50-29,86)	23,11 (19,90-28,70)	23,66 (22,04-25,75)	0,139**
Mini Avaliação Nutricional	17,37 ± 4,76	21,50 ± 1,75	21,52 ± 3,22	23,32±2,99	23,81±2,43	<0,001***

• Variáveis categóricas apresentadas com números absolutos e porcentagens; Variáveis contínuas apresentadas como mediana e 1 e 3° quartis, ou média e desvio padrão; *Teste Exato de Fisher; **Teste Kruskal Wallis; ***ANOVA de uma via.

A análise multivariada entre a capacidade funcional e as variáveis escolaridade, lesões por pressão, IMC e MAN resultou em um modelo estatisticamente significativo (Tabela 4). Após o ajuste do modelo, os resultados indicam que MAN permaneceu significativamente associado com a capacidade funcional (p<0,001). O teste da suposição de linhas paralelas não foi violado (p=0,065). Idosos institucionalizados com maiores escores no MAN tem 33,4% mais chances de apresentar melhores indicadores de capacidade funcional.

Tabela 4
Modelo de regressão logística ordinal multivariada entre capacidade funcional como variável dependente e escolaridade, lesões por pressão, índice de massa corpórea e avaliação nutricional em idosos institucionalizados. (N=82). Curitiba, PR, 2015-2016.

Índice de Barthel
Variáveis independentes	RC	IC 95%	p-valor
Escolaridade
Analfabeto	1,18	0,34 a 4,10	0,792
Ensino fundamental	2,15	0,52 a 8,89	0,290
Ensino médio	1,00
Lesões por pressão
Não	0,75	0,28 a 1,99	0,569
Sim	1,00
Índice de Massa Corpórea	0,97	0,90 a 1,05	0,537
Mini Avaliação Nutricional	1,33	1,15 a 1,54	<0,001*

• RC, razões de chance (odds ratio); IC 95%, intervalo de confiança de 95% ajustado para as demais variáveis inseridas no modelo de regressão logística ordinal. Resumo do modelo: F(5)=19,42, p=0,002; Pseudo R² Nagelkerke= 0,225; Teste de Pearson p=0,660; Teste de deviance p=1,000.
  *Variáveis estatisticamente significativas (p≤0,05).

DISCUSSÃO

No presente estudo, demonstramos que o estado nutricional é um importante preditor para a dependência dos idosos institucionalizados. Os resultados do modelo de regressão ordinal multivariado indicaram que idosos com maiores escores na avaliação nutricional tem 1,33 mais chances de apresentar maiores escores no IB (dependência leve e independência). O estado nutricional deficiente foi identificado em 59,8% dos idosos institucionalizados. A desnutrição é uma condição frequente entre idosos, porém muitas vezes subestimada pelos profissionais da saúde nas investigações diagnósticas e terapêuticas²¹,²². A alta prevalência de risco nutricional em idosos residentes também foi identificada em ILP em diferentes regiões do Brasil, com proporções variando entre 39,6 a 76,2%⁸,²²–²⁴.

O estado nutricional deficiente tem como consequência a diminuição da força muscular e a fadiga, com impactos negativos na capacidade física e na qualidade de vida³,⁷. Sousa et al.⁸ encontraram que o baixo peso é um importante fator associado à incapacidade funcional de idosos institucionalizados, com razão de prevalência de 1,2 vezes em comparação com os indivíduos eutróficos. Nesse estudo, 33,0% dos idosos eram independentes em suas AVD e 67,0% apresentaram algum grau de dependência. Moreira e Boas¹² avaliaram a capacidade funcional de 54 idosos institucionalizados mediante aplicação das escalas de atividades básicas da vida diária (ABVD) e as atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Os autores constataram que a capacidade diminuída para ABVD estava diretamente relacionada com baixo peso, com razão de prevalência de 2,3.

Em nosso estudo não encontramos associação entre a quantidade de medicamentos e a capacidade funcional. A utilização de diversos medicamentos de uso contínuo pode acarretar prejuízo na absorção de nutrientes, aumentando o risco de desnutrição em idosos²⁵. Diversos estudos têm demonstrado associação entre o declínio da capacidade funcional e polifarmácia em idosos, com consequente aumento dos riscos de desfechos clínicos adversos¹⁴,²⁵–²⁸. Entretanto a maioria desses estudos foi realizada com idosos da comunidade. Nenhuma associação entre polifarmácia e estado funcional foi encontrada em dois estudos longitudinais realizados especificamente com idosos institucionalizados²⁹,³⁰. Uma possível explicação pode ser o fato de que a variável “quantidade de medicamentos” utilizada no estudo foi medida por autorrelato. Não podemos excluir a possibilidade de que o emprego de medidas mais refinadas para o uso de medicamentos e que estudos com delineamento longitudinais possam ajudar na identificação da associação entre polifarmácia e funcionalidade. Ainda, consideramos que fatores relacionados às condições de acesso aos sistemas de saúde e aos medicamentos precisam ser investigados com maior profundidade.

Na análise de regressão ordinal multivariada, não encontramos associação entre o tempo de institucionalização e a capacidade funcional. A maioria dos idosos (47,6%) residiam nas ILP entre 1 a 5 anos. Oliveira e Mattos¹³ também não encontraram associação ao avaliarem a capacidade funcional de idosos institucionalizados em Cuiabá (MT), a maioria com tempo de permanência inferior a cinco anos. Assim como, associação entre o tempo de permanência e o estado nutricional de idosos institucionalizados não foi identificada no estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ)²². Lacerda et al.³¹ constaram que o grau de dependência pode variar de acordo com a instituição acolhedora. Isso porque a instituição passa a assumir todas as responsabilidades que originalmente seria do idoso levando a um aumento de sua dependência e consequentemente diminuição da capacidade funcional.

Diferentes instrumentos são aplicados para a avaliação do estado nutricional e funcional dos idosos. A falta de padronização na classificação da dependência e a utilização de diferentes pontos de corte para o mesmo instrumento são fatores que dificultam a comparação dos resultados entre os estudos realizados com os idosos¹³. No presente estudo utilizamos o Índice de Barthel e a MAN para o diagnóstico do estado funcional e nutricional dos idosos. A MAN é um importante instrumento de triagem nutricional para a identificação precoce de risco nutricional em grupos de idosos e que pode ser utilizado tanto em ILP quanto na comunidade¹⁶. O IB é um instrumento desenvolvido com o objetivo de avaliar o grau de independência no desempenho das atividades básicas de vida diária, com resultados de confiabilidade e de validade consistentes e previamente aplicado com populações de idosos em ILP¹,²⁸,³²,³³.

Identificamos que a maioria dos idosos apresentou independência funcional, com mediana de 95,0 no IB. Um estudo realizado em três ILP em Presidente Prudente (SP) avaliou o estado funcional de 115 idosos e encontraram que 75,6% apresentavam independência para as AVDs, com média de 80 pontos no IB³⁴. A capacidade funcional está relacionada com as atividades básicas, instrumentais e avançadas da vida diária. Os efeitos do envelhecimento somados a condições que causam dependência reduzem a capacidade dos idosos de superar os desafios ambientais¹. A inatividade física pode potencializar a incapacidade funcional do idoso e, consequentemente, o declínio de aspectos relacionados a sua saúde pode resultar na redução ainda maior do nível de atividade física e aumento do risco de quedas⁹,³⁵.

Os resultados deste estudo devem ser interpretados com cautela. A amostra de conveniência limita a generalização e extrapolação dos dados, assim como inferências causais entre a capacidade funcional e as variáveis analisadas não podem ser realizadas em decorrência do delineamento transversal. Diante disso, destacamos a necessidade de condução de estudos longitudinais e multicêntricos que avaliem os fatores de risco para dependência funcional no contexto das ILP, sobretudo para nortear as estratégias de promoção da saúde, diminuição do risco nutricional e independência do idoso institucionalizado.

A institucionalização pode ser um fator para o declínio funcional dos idosos⁹. Ressalta-se que o caráter progressivo da incapacidade funcional entre os idosos em relação ao aumento da idade não se deve apenas à fatores cronológicos e não é um resultado inevitável do envelhecimento em si mesmo. O que define a autonomia na vida diária dos idosos é a qualidade da assistência prestada, o estímulo e apoio à realização das tarefas e o respeito aos seus hábitos e preferências alimentares, principalmente em contexto institucional.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo permitiram evidenciar que o estado nutricional pode estar associado ao declínio funcional dos idosos residentes em instituições de longa permanência em Curitiba (PR). A maior proporção dos idosos participantes da pesquisa apresentou estado nutricional deficiente, fato que denota atenção em relação aos cuidados nutricionais dessa população. A identificação das variáveis associadas com a redução da capacidade funcional contribui para a compressão desse fenômeno e permite o norteamento das práticas desenvolvidas nas ILP que previnam os agravos à saúde dos idosos institucionalizados. Com base nos resultados encontrados, destacamos a necessidade de investir em ações integralizadas que promovam a independência funcional do idoso institucionalizado, atentando para o estímulo dos níveis de funcionalidade e diminuição do risco nutricional.

A funcionalidade exige um olhar para além das doenças crônicas, deve-se buscar compreender todos os aspectos funcionais do indivíduo que envelhece. Logo, a presença de uma equipe multidisciplinar no cuidado do idoso institucionalizado é essencial para realizar um diagnóstico precoce de deficiência nutricional e para trabalhar na manutenção da autonomia e redução da incapacidade funcional, essenciais para garantir a melhoria da qualidade de vida dessa população.

• Financiamento da pesquisa: CNPQ, processo Nº 233004/2014-9.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  18 Out 2021
• Aceito
  09 Mar 2022