Acessibilidade / Reportar erro

Saúde bucal de pessoas idosas domiciliadas acompanhadas na atenção primária: estudo transversal

Resumo

Objetivo

caracterizar a condição de vida, saúde e saúde bucal das pessoas idosas domiciliadas cadastradas na atenção primária e os cuidados realizados em domicílio.

Método

estudo transversal, de base domiciliar com amostra de conveniência, em Florianópolis, sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu por meio de questionário e exame clínico, os quais incluíram variáveis sociodemográficas, condição de dentes e mucosa, higiene bucal, acesso a atendimento odontológico e visita de cirurgião-dentista no domicílio. Procedeu-se análise de frequência absoluta e relativa e análise bivariada (qui-quadrado, IC=95%).

Resultados

participaram 123 idosos com idade média de 81,3 anos, 62,6% eram mulheres. Possuíam cuidador 87%, 60% encontravam-se domiciliados por até 5 anos e 89,4% eram frágeis. Quanto à presença de dentes, 56,1% eram edêntulos e 40,5% possuíam de 1 a 8 dentes. Restos radiculares foram observados em 12,8%, lesão de cárie não tratada em 25,2%, biofilme visível em 69,9%, e lesões na mucosa em 8,9%. Necessitavam de auxílio para higiene bucal 45,5% e não realizavam limpeza diária 24,4%. A dificuldade de acessar atendimento odontológico por estar domiciliado foi relatada por 32,5% e visita do cirurgião-dentista ocorreu em 16,3%. Sexo feminino e menor escolaridade estiveram associados à ausência de dentes e menor força física.

Conclusão

a saúde bucal das pessoas idosas estudadas é precária pela presença de problemas bucais que demandam intervenção. Há dependência de terceiros para cuidados bucais, que não são garantidos de modo consistente, no domicílio. O estudo aponta necessidade de atendimento odontológico no domicílio no âmbito dos serviços públicos de saúde.

Palavras-Chave:
Idoso; Saúde bucal; Atenção primária à saúde; Fragilidade; Pacientes domiciliares

Abstract

Objective

to characterize the life, health, and oral health conditions of homebound older people registered in the primary care teams and oral homecare provided.

Method

cross-sectional, household based study with a convenience sample, in Florianópolis, southern Brazil. Data collection through a questionnaire and clinical oral examination which included sociodemographic variables, condition of teeth and mucosa, oral hygiene, access to dental care and dentist providing homecare. Absolute and relative frequency analysis and bivariate analysis (chi-square, CI=95%) were performed.

Results

123 older people participated with mean age of 81.3 years, 62.6% were women. Living with a caregiver were 87%, 60% were domiciled for up to 5 years, and 89.4% were frail. Regarding the presence of teeth, 56.1% were edentulous and 40.5% had from 1 to 8 teeth. Root remains were observed in 12.8%, untreated caries lesions in 25.2%, visible biofilm in 69.9%, tooth mobility in 57.7% and mucosal lesions in 8.9% of the elders; 45.5% needed help with oral hygiene and 24.4% did not perform daily mouth cleaning. The difficulty in accessing dental care due to homeboundness was reported by 32.5% and home visits provided by the dentist occurred in only 16.3%.

Conclusion

the oral health of the older adults studied is poor due to the presence of oral problems that require intervention. There is dependence on third parties for oral care, which is not consistently guaranteed at home. The study points to the need for dental homecare provided by public health services.

Keywords
Aged; Oral Health; Primary Health Care; Frailty; Homebound Persons

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento é complexo e, acompanhado de senilidade, pode levar à deterioração da funcionalidade da pessoa idosa, aumentando as chances de comprometimento da sua saúde - geral e bucal - e das condições de vida dessa população - deficiências, fragilidades e dependências11 World Health Organization. World report on ageing and health. Luxemburg; 2015.,22 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902.. As comorbidades crônico-degenerativas associadas à idade avançada podem comprometer a qualidade de vida das pessoas idosas, pois as levam à perda de independência e autonomia, resultando no aumento do número de idosos vivendo restritos em seus domicílios (domiciliados), devido ao acúmulo de fragilidades11 World Health Organization. World report on ageing and health. Luxemburg; 2015.,22 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902..

A literatura relata uma prevalência de pessoas idosas domiciliadas de 5,6% nos EUA33 Ornstein KA, Leff B, Covinsky KE, Ritchie CS, Federman AD, Roberts L, Kelley AS, Siu AL, Szanton SL. Epidemiology of the Homebound Population in the United States. JAMA Internal Medicine 2015;175(7):1180., 17,7% a 19,5% em Israel44 Cohen-Mansfield J, Shmotkin D, Hazan H. Homebound older persons: Prevalence, characteristics, and longitudinal predictors. Archives of Gerontology and Geriatrics 2012;54(1):55-60., e 24,1%55 Ayala A, Pujol R, Abellán A. Prevalencia de personas mayores confinadas en su hogar en España. Medicina de Familia. SEMERGEN 2018 ;44(8):562-71. na Espanha. No Brasil, estima-se que 4,9% das pessoas idosas estejam acamadas66 Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069.. Esses números são relevantes pois o isolamento domiciliar está fortemente associado a desfechos negativos em idosos66 Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069.,77 Choi NG, Sullivan JE, Marti CN. Low-income homebound older adults receiving home-delivered meals: Physical and mental health conditions, incidence of falls and hospitalisations. Health Soc Care Community. 2019;27(4): e406-e416., como por exemplo, úlceras de pressão88 Jaul E, Barron J, Rosenzweig JP, Menczel J. An overview of co-morbidities and the development of pressure ulcers among older adults. BMC Geriatr. 2018;18(1):305., sintomas depressivos66 Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069.,77 Choi NG, Sullivan JE, Marti CN. Low-income homebound older adults receiving home-delivered meals: Physical and mental health conditions, incidence of falls and hospitalisations. Health Soc Care Community. 2019;27(4): e406-e416., saúde nutricional precária99 Ross JM, Sanchez A, Epps JB, Arikawa A, Wright L. The impact of a food recovery-meal delivery program on homebound seniors’ food security, nutrition, and well-Being. J Nutr Gerontol Geriatr. 2022;41(2):175-189., doenças bucais1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226. e sarcopenia1111 Uemura K, Makizako H, Lee S, Doi T, Lee S, Tsutsumimoto K, Shimada H. The impact of sarcopenia on incident homebound status among community-dwelling older adults: A prospective cohort study. Maturitas 2018;113:26-31.. Quando aliado ao isolamento social, o isolamento domiciliar aumenta o risco de mortalidade1212 Sakurai R, Yasunaga M, Nishi M, Fukaya T, Hasebe M, Murayama Y, Koike T, Matsunaga H, Nonaka K, Suzuki H, Saito M, Kobayashi E, Fujiwara Y. Co-existence of social isolation and homebound status increase the risk of all-cause mortality. Int Psychogeriatr 2019;31(5):703-711.. Embora a literatura reporte uma melhora das condições de vida e saúde da população em geral, devido aos progressos políticos, econômicos, sociais e ambientais, assim como aos avanços na saúde pública e na medicina, a ocorrência de doenças bucais na faixa etária idosa ainda é prevalente1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.. O acesso limitado aos serviços de saúde bucal ao longo da vida aumenta o risco e severidade das doenças bucais, com comprometimento da saúde geral1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.. A situação bucal da pessoa idosa torna-se ainda mais grave para aquelas que são domiciliadas, pois às demandas de saúde bucal são adicionadas barreiras relacionadas às limitações físicas, perdas cognitivas, dependência de terceiros, resultando em menor acesso aos serviços odontológicos1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.,1414 Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2013;16(1):181–189., pior condição de saúde bucal e maior necessidade de atendimento1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.,1515 Salmi R, Närhi T, Suominen A, Suominen AL, Lahti S. Perceived oral health and oral health behaviours among home-dwelling older people with and without domiciliary care. Gerodontology 2022;39(2):121-130.,1616 Strömberg E, Holmen A, Gustafsson MLH, Gabre P, Wardh I. Oral health-related quality-of-life in homebound elderly dependent on moderate and substantial supportive care for daily living. Acta Odontol Scand 2013;71:771-777..

A literatura aponta que o ambiente domiciliar influencia na dificuldade de acesso das pessoas idosas aos serviços de saúde e que o viver sozinho influencia na necessidade de cuidado à saúde bucal direcionado ao contexto do domicílio44 Cohen-Mansfield J, Shmotkin D, Hazan H. Homebound older persons: Prevalence, characteristics, and longitudinal predictors. Archives of Gerontology and Geriatrics 2012;54(1):55-60.. Além disso, as restrições financeiras afastam idosos dos serviços odontológicos1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.,1717 Shimaru M, Ono S, Morita K, Matsui H, Yasunaga H. Domiciliary dental care among homebound older adults: a nested case-control study in Japan. Geriatr Gerontol Int 2019;19(7):679-683.. O cuidado domiciliar prestado às pessoas idosas na atenção primária à saúde (APS) busca garantir a integralidade com ações que atendam às necessidades dessa população específica. A partir das visitas domiciliares, e do diagnóstico da realidade, torna-se possível planejar intervenções que são necessárias para cada família. Por meio da ação domiciliar e multidisciplinar da APS ocorre o contato da equipe de saúde bucal com a realidade do idoso domiciliado e seus cuidadores1414 Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2013;16(1):181–189.,1818 Kamijo S, Sugimoto K, Oki M, Tsuchida Y, Suzuki T. Trends in domiciliary dental care including the need for oral appliances and dental technicians in Japan. J Oral Sci 2018;60(4):626–633.. No entanto, com a sobrecarga dos serviços clínicos-assistenciais, ações de caráter preventivo e de preservação ficam prejudicadas, levando à baixa frequência e pouca priorização das ações domiciliares envolvendo profissionais da saúde bucal1818 Kamijo S, Sugimoto K, Oki M, Tsuchida Y, Suzuki T. Trends in domiciliary dental care including the need for oral appliances and dental technicians in Japan. J Oral Sci 2018;60(4):626–633.,1919 Beaton L, Boyle J, Cassie C, Young L, Marshall J. Engaging vocational dental practitioners in care of the dependent elderly: findings from a pilot project. Br Dent J. 2020;228(4):285-288..

Estudos que possam contribuir com o retrato da atual condição de saúde bucal da população idosa domiciliada, sua qualidade de vida e demandas vindas destas e seus cuidadores, podem produzem dados importantes para auxiliar no planejamento de ações de cuidado domiciliar e multidisciplinar no contexto da organização da APS. Dessa forma, o presente estudo objetivou caracterizar a condição de vida, saúde e saúde bucal de pessoas idosas domiciliadas cadastradas pelas equipes de APS em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, sul do Brasil, bem como os cuidados à saúde bucal realizados no âmbito do domicílio.

MÉTODOS

Tipo de Estudo e Contexto

Trata-se de um estudo transversal, realizado no contexto dos serviços de atenção primária à saúde do município de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina (SC), sul do Brasil. A cidade possui elevado índice de desenvolvimento humano (IDH=0,847). Segundo o Censo de 2010, as pessoas com 60 anos ou mais representam, nesta cidade, 48.136 pessoas, 11,4% da população.

A pesquisa foi submetida a Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos aprovada sob parecer 3.230.210. Aos participantes foi fornecido uma cópia em papel do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos manifestaram o aceite em participar da pesquisa por meio de assinatura do TCLE. Quando o idoso não possuía capacidade de manifestar seu consentimento, o mesmofoi dado pelo cuidador responsável.

Participantes e Critérios de elegibilidade

A população do estudo foi constituída por indivíduos com 60 anos ou mais de idade que se encontram na condição de domiciliados (restritos ao domicílio por algum motivo). Considerou-se pessoa idosa domiciliada aquela que possui incapacidade(s) (física, mental e/ou outra) que resulta(m) em limitação de deslocamento para fora do domicílio77 Choi NG, Sullivan JE, Marti CN. Low-income homebound older adults receiving home-delivered meals: Physical and mental health conditions, incidence of falls and hospitalisations. Health Soc Care Community. 2019;27(4): e406-e416.. Eram elegíveis ao estudo as pessoas idosas cadastradas e atendidas na APS. Nos casos em que a pessoa idosa não tivesse condições físicas, mentais ou emocionais de responder à pesquisa, os cuidadores (os quais deveriam ser maiores de 18 anos) as substituíam. Foram excluídos as que se encontravam hospitalizadas no momento da coleta.

Plano Amostral

O cálculo amostral foi realizado com base nos dados do Censo de 2010, que contabilizou 48.423 pessoas com mais de 60 anos no município. Destes, aplicou-se a estimativa de uma proporção de 4,9% de acamados66 Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069.. Considerando uma amostra homogênea, um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%, chegou-se ao número de 223 pessoas.

Para alcançar esse quantitativo, procedeu-se uma amostragem por conveniência, estratificada em dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteadas 20 áreas de abrangência de equipes de saúde (das 120 do município), cinco em cada um dos quatro Distritos Sanitários do município. Foi estimado que haveria de 10 a 12 pessoas idosas domiciliadas acompanhadas por equipe de saúde. No segundo estágio, em cada área de abrangência, foi solicitada à equipe correspondente, pessoalmente ou via telefone, a listagem atualizada de pessoas idosas domiciliadas acompanhadas na APS com nome, endereço, telefone e data de nascimento. Todas as pessoas da listagem foram ordenadas por data de nascimento em uma planilha.

De posse das listagens, as 20 equipes de saúde foram contatadas novamente pelos pesquisadores e convidadas a contribuir com o prosseguimento do estudo, permitindo-se que acompanhassem as visitas domiciliares às pessoas idosas. Nos casos em que não foi possível acompanhar os membros das equipes da saúde, o contato foi realizado diretamente via telefone, por um dos pesquisadores. No caso de aceite após o contato telefônico, a ida do pesquisador ao domicílio foi previamente agendada. Pessoas idosas e/ou cuidadores que se recusaram a participar da pesquisa após primeiro contato dos pesquisadores, presencialmente no momento da visita domiciliar ou via telefone, estiveram ausentes do domicílio após três tentativas de contato presencial, por parte da equipe de pesquisadores, ou haviam se mudado de endereço, foram considerados como perda amostral.

A amostra inicial do estudo foi definida após disponibilização das listagens de pessoas idosas pelas equipes de saúde. Considerando as 20 listas fornecidas, e após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram contabilizados um total de 236 idosos domiciliados. Durante o processo de coleta dos dados, houve 31 perdas.

Variáveis

Foram coletados dados referentes às condições sociodemográficas, de vida e saúde, e de saúde bucal do idoso domiciliado e aos cuidados a sua saúde bucal realizados no domicílio.

Para traçar o perfil da pessoa idosa participante, as variáveis sociodemográficas foram: sexo, idade (no momento da coleta), renda familiar (total do domicílio, em salários mínimos), escolaridade (anos de estudo formal), presença de cuidador, tempo domiciliado (em anos, no momento da coleta; quando menor que 11 meses, foi arredondando para um).

Para avaliação das condições de vida e saúde foi aplicado o instrumento de avaliação multidimensional Kihon Checklist 22 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902.,2020 Satake S, Senda K, Hong Y, Miura H, Endo H, Sakurai T, et al. Validity of the Kihon Checklist for assessing frailty status. Geriatr Gerontol Int 2016;16(6):709–715.,2121 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Ogita M, Arai H. Validation and translation of the Kihon Checklist (frailty index) into Brazilian Portuguese. Geriatr gerontol Int 2014;14:561–569., que contempla os seguintes domínios: força física, nutrição, alimentação, socialização, memória, humor e estilo de vida, constando 25 itens de resposta dicotômica (sim/não). Em função da maioria dos idosos estar acamada, o item relativo à medição do peso e da altura, para medir o Índice de Massa Corpórea do idoso, foi substituído pela Medida da Circunferência da panturrilha2222 Pagotto V, Santos KF, Malaquias SG, Bachion MM, Silveira EA. Calf circumference: clinical validation for evaluation of muscle mass in the elderly. Rev Bras Enferm 2018;71(2):322-328.. Foi avaliado o escore geral e escore de cada domínio2121 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Ogita M, Arai H. Validation and translation of the Kihon Checklist (frailty index) into Brazilian Portuguese. Geriatr gerontol Int 2014;14:561–569., a saber:

  • Estilo de vida (itens 1 a 20): o idoso frágil obteve 10 pontos ou mais;

  • Força física (itens 6 a 10): três pontos ou mais indicam baixa força física;

  • Nutrição (itens 11 e 12): dois pontos indicam baixo estado nutricional;

  • Alimentação (itens 13 a 15): dois pontos ou mais no domínio sugere alimentação comprometida;

  • Socialização (itens 16 e 17): resposta negativa na pergunta 16 ou 17 indica limitação à casa;

  • Memória (itens 18 a 20): um ponto ou mais no domínio da memória sugere baixa função cognitiva;

  • Humor (itens 21 a 25): dois pontos ou mais no domínio do humor indica risco de depressão.

A condição de saúde bucal, avaliada por meio de exame clínico bucal, considerou as seguintes variáveis: presença de biofilme visível sobre dentes e/ou próteses (sim/não); número de dentes naturais presentes; número de lesões cavitadas por cárie; número de raízes residuais; presença de fístula ou exsudato (sim/não); e presença de mobilidade dental (sim/não); lesões/alterações da mucosa oral (sim/não).

Em relação aos cuidados bucais realizados no contexto domiciliar, as variáveis foram: limpeza diária da boca (sim/não); necessidade de auxílio para higiene bucal (sim/não); dificuldade de acessar atendimento odontológico em momento de necessidade por estar domiciliado (sim/não) e ocorrência de visita de cirurgião-dentista no domicílio (sim/não).

Procedimentos de Coleta

Quatro equipes compostas por um cirurgião-dentista e um estudante de curso de graduação em Odontologia, como auxiliar, participaram de um treinamento de 4 horas para padronização dos fluxos, dos instrumentos e dos critérios. A coleta dos dados ocorreu entre 02 de setembro de 2019 e 17 de março de 2020, data última definida pela impossibilidade de seguimento da coleta pela pandemia da covid-19. Previamente, foi realizado um estudo piloto em uma área de abrangência não sorteada no processo de amostragem. Esse serviu para testar e aprimorar os instrumentos, bem como para auxiliar na organização do trabalho de campo.

A coleta de dados foi realizada nos domicílios, por meio de questionário, respondido pelo idoso ou cuidador. Posteriormente, procedeu-se o exame clínico realizado pelo cirurgião-dentista utilizando espátula de madeira e sob luz artificial (lanterna). O idoso acamado foi entrevistado e examinado no leito, em outras condições, sentado em uma cadeira ou sofá. As informações coletadas foram registradas pelo estudante, em um formulário do Google Forms® elaborado especificamente para a pesquisa. Na ausência de rede de internet, foram utilizados formulários de papel.

Análise dos dados

Os dados foram tratados primeiramente por análise estatística descritiva das variáveis. Também se procedeu análise bivariada por meio de teste qui-quadrado e teste exato de Fisher (IC=95%), tendo como variáveis independentes sexo, idade (</≥ 80 anos), escolaridade (≤/> 4 anos) e renda (≤/> 3 salários mínimos). As variáveis dependentes foram as dimensões do Kihon checklist e as relacionadas com a condição de saúde bucal e cuidados no domicílio. Foi adotado o nível de significância estatística de 95%.

RESULTADOS

Participaram do estudo 123 pessoas idosas domiciliadas, 52,1% em relação ao quantitativo inicial do total de pessoas idosas domiciliadas acompanhadas pelas equipes da APS. Além das 31 perdas, não foi possível o contato com mais 82 pessoas idosas para se atingir o tamanho amostral calculado, devido à interrupção antecipada da coleta. As 123 pessoas idosas estavam distribuídas nos quatro Distritos Sanitários do município sendo 44 no Centro, 43 no Sul, 21 no Norte e 15 no Continente.

A Tabela 1 apresenta a caracterização sociodemográfica das pessoas idosas participantes, com o predomínio de mulheres (62,6%), correspondente à faixa etária entre 70 e 79 anos (35%), média de 81,3 anos (min. 61 e máx. 107 anos) com até quatro anos de estudo (61%), com renda de até três salários mínimos (70,7%), domiciliadas por até quatro anos (52%) e com cuidador em regime diário (87%).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica (N=123). Florianópolis, 2019/2020.

Em relação à condição de vida e saúde, destacou-se a presença de fragilidade (89,4%), a baixa força física (95,1%), o risco de depressão (73,2%), a limitação social (69,9%) e a baixa função cognitiva (65,9%) (Tabela 2).

Tabela 2
Condição de vida e saúde segundo Kihon Checklist (N=123). Florianópolis, 2019/2020.

A saúde bucal das pessoas idosas domiciliadas foi marcada pelo edentulismo (56,1%), biofilme visível (69,9%), e lesões cavitadas de cárie (57,4%). Identificou-se a necessidade de ajuda de terceiros para a limpeza diária da boca (45,5%) e também a ausência desse autocuidado (24,4%). Dificuldade de acessar atendimento odontológico por estar domiciliado foi relatada por 32,5% dos participantes e a ocorrência de visita do profissional cirurgião-dentista ao domicílio foi relatada por apenas 16,3% dos participantes (Tabela 3).

Tabela 3
Condição de saúde bucal e cuidados bucais no domicílio (N=123). Florianópolis, 2019/2020.

A Tabela 4 apresenta a distribuição dos dados da condição de vida e saúde, saúde bucal, necessidade de auxílio para limpeza da boca, dificuldade de acesso aos serviços e visita do dentista no domicílio, segundo sexo e idade. Com relação ao sexo, houve associação estatisticamente significativa (p<0,05) para força física, número de dentes naturais e raízes residuais. As mulheres possuem mais comprometimento da força física, possuem maior frequência de edentulismo ou presença de 9 ou mais dentes, e menos raízes residuais quando comparadas aos homens. Não houve associação estatística quando considerada diferença da distribuição entre os grupos etários menor de 80 anos e igual ou maior a 80 anos.

Tabela 4
Análise bivariada da distribuição dos dados da condição de vida e saúde, saúde bucal e cuidados bucais no domicílio, segundo sexo e idade. Florianópolis, 2019/2020.

A Tabela 5 apresenta a distribuição dos mesmos dados, segundo escolaridade e renda das pessoas idosas. Com relação à escolaridade houve associação estatisticamente significativa (p<0,05) para o estilo de vida, a força física, o humor e o número de dentes naturais. Pessoas idosas com menor escolaridade são mais frágeis, possuem força física comprometida, tem mais risco de depressão e são mais edêntulos, quando comparadas aos de maior escolaridade. Não houve associação estatística quando consideradas as diferenças entre os grupos de renda.

Tabela 5
Análise bivariada da distribuição dos dados da condição de vida e saúde, saúde bucal e cuidados bucais no domicílio, segundo escolaridade e renda. Florianópolis, 2019/2020.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo reforçam o apontado na literatura sobre a precariedade da condição de saúde bucal da população idosa em geral1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15., e especialmente dos domiciliados1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.,1515 Salmi R, Närhi T, Suominen A, Suominen AL, Lahti S. Perceived oral health and oral health behaviours among home-dwelling older people with and without domiciliary care. Gerodontology 2022;39(2):121-130., os quais apresentam pior autopercepção da saúde bucal e mais dificuldades de alimentação e mastigação quando comparados aos não domiciliados1515 Salmi R, Närhi T, Suominen A, Suominen AL, Lahti S. Perceived oral health and oral health behaviours among home-dwelling older people with and without domiciliary care. Gerodontology 2022;39(2):121-130.. Esse cenário é resultado de um modelo de atenção à saúde bucal excludente do grupo populacional idoso, pouco preventivo, centrado em práticas curativas e mutilador de elementos dentais, aliado a hábitos e comportamentos individuais, prejudiciais ao longo da vida1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.. Da mesma forma, neste estudo foram identificados problemas, tanto ocorridos no passado (perdas dentárias) como presentes (lesões de cárie não tratada ou restos radiculares), que demandam algum tipo de atenção odontológica.

Levando em consideração esses achados, considera-se relevante a discussão sobre a necessidade de cuidado à saúde bucal das pessoas idosas domiciliadas, para que sejam impactados positivamente os indicadores de saúde e qualidade de vida. Importante considerar a influência observada do gênero e do nível educacional das pessoas idosas domiciliadas33 Ornstein KA, Leff B, Covinsky KE, Ritchie CS, Federman AD, Roberts L, Kelley AS, Siu AL, Szanton SL. Epidemiology of the Homebound Population in the United States. JAMA Internal Medicine 2015;175(7):1180. na condição de saúde e saúde bucal, as quais refletem as repercussões do curso de vida e do padrão de utilização de serviços de saúde e saúde bucal. Portanto, na medida em que há um aumento proporcional do número de idosos na população11 World Health Organization. World report on ageing and health. Luxemburg; 2015., vê-se um novo problema a ser enfrentado por meio de políticas públicas, em especial as de saúde. Novas estratégias de cuidado são necessárias, uma vez que as ofertas de serviços nesse campo passam a não corresponder exatamente às necessidades dos idosos1717 Shimaru M, Ono S, Morita K, Matsui H, Yasunaga H. Domiciliary dental care among homebound older adults: a nested case-control study in Japan. Geriatr Gerontol Int 2019;19(7):679-683.,2323 Cunha CRH, Harzheim E, de Medeiros OL, D’Avila OP, Martins C, Wollmann L, et al. Carteira de serviços da atenção primária à saúde: garantia de integralidade nas equipes de saúde da família e saúde bucal no Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1313-26..

Os participantes do estudo apresentaram, em sua maioria, condição de fragilidade. Nessas circunstâncias, ressalta-se a importância de conhecer a limitações impostas por tal situação, que inclui aspectos físicos, psicológicos, emocionais e sociais.22 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902.,2828 Bonfá, K et al. Perception of oral health in home care of caregivers of the elderly. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017;20(5):650-659. Essa condição pode ter como resultado o comprometimento das funções e necessidade de cuidado a longo prazo, incluindo os cuidados à saúde bucal2424 Horibe Y, Ueda T, Watanabe Y, Motokawa K, Edahiro A, Hirano H, et al. A 2-year longitudinal study of the relationship between masticatory function and progression to frailty or pre-frailty among community-dwelling Japanese aged 65 and older. J Oral Rehabil 2018;45(11):864–870.,2525 Niesten D, Witter DJ, Bronkhorst EM, Creugers NHJ. Oral health care behavior and frailty-related factors in a care-dependent older population. J Dent 2017;61:39-47..

Ao observar que essa população de idosos possui limitações funcionais, a avaliação longitudinal da condição de fragilidade possibilita a antecipação de ações que propiciem menor chance de futuras incapacidades e necessidade de cuidados22 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902.,2020 Satake S, Senda K, Hong Y, Miura H, Endo H, Sakurai T, et al. Validity of the Kihon Checklist for assessing frailty status. Geriatr Gerontol Int 2016;16(6):709–715.,2121 Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Ogita M, Arai H. Validation and translation of the Kihon Checklist (frailty index) into Brazilian Portuguese. Geriatr gerontol Int 2014;14:561–569.. Cabe inicialmente à APS, por meio das equipes de saúde, identificar as relações entre condição bucal e geral de saúde dessas pessoas idosas, visualizando a complexidade de demandas e agravos a serem considerados em seu contexto de saúde, levando ao melhor planejamento e oferta do cuidado, além de melhor direcionamento para a formulação de políticas públicas2626 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2015;18(1):179-188..

Assim como outros estudos2727 Ornstein KA, DeCherrie L, Gluzman R, Scott ES, Kansal J, Shah T, et al. Significant unmet oral health needs of homebound elderly adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(1):151-157.,2828 Bonfá, K et al. Perception of oral health in home care of caregivers of the elderly. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017;20(5):650-659., os resultados indicam que as pessoas idosas domiciliadas possuem a saúde bucal ruim ao apresentarem presença de biofilme visível, cárie não tratada e raízes residuais, situações com necessidade de alguma intervenção. Os participantes eram em sua maioria edêntulos, mesmo com a tendência atual de maior retenção de dentes por idosos1313 Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.. Percentual menor de edentulismo (24%) foi observado em pessoas idosas norte-americanas domiciliadas. Porém, entre os dentados, 45,6% necessitavam de exodontia e 78,9% possuíam pelo menos um dente com lesão de cárie1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.. Esses números ficam ainda piores pela observação de que 96% nunca havia recebido a visita do dentista após terem se tornado domiciliadas; 58,6% haviam consultado o dentista há mais de 3 anos1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.. No Brasil, também é reconhecida a pobre condição de saúde bucal das pessoas idosas, quadro que se agrava entre as que se encontram institucionalizadas e domiciliadas, pela presença de edentulismo e alta prevalência de perda dentária, ocasionada mormente pela doença cárie2626 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2015;18(1):179-188.. Dados nacionais ainda indicam a pouca utilização de serviços odontológicos após a pessoa idosa tornar-se domiciliada já que ampla maioria relata não ter realizado consulta nos 5 anos anteriores2626 Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2015;18(1):179-188.. Esse padrão parece ser diferente do que ocorre com as consultas médicas. Estudo realizado no Brasil indicou que idosos acamados realizam 4 ou mais consultas médicas no ano anterior à pesquisa66 Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069..

Sabendo que a condição de saúde bucal influencia na condição de saúde geral da pessoa idosa1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.,1616 Strömberg E, Holmen A, Gustafsson MLH, Gabre P, Wardh I. Oral health-related quality-of-life in homebound elderly dependent on moderate and substantial supportive care for daily living. Acta Odontol Scand 2013;71:771-777.,2929 Mikami Y, Watanabe Y, Motokawa K, Shirobe M, Motohashi Y, Edahiro A, et al. Association between decrease in frequency of going out and oral function in older adults living in major urban areas. Geriatr Gerontol Int 2019;19(8):792-797. os resultados são um alerta para a conjuntura de vulnerabilidade na situação de saúde dessa população. Sendo assim, sublinha-se a necessidade de cuidadores/familiares serem devidamente orientados sobre cuidados de rotina à saúde bucal, manejo e limpeza de dentes, próteses e mucosa bucal. Ademais, chama para devida atenção para a responsabilização da equipe atuante na APS para identificação e superação dessas necessidades, por meio de ações direcionadas que levem à prática da correta higiene bucal e controle da presença de biofilme visível no idoso domiciliado.

Apesar de ter sido observada a presença de placa visível, lesões cavitadas de cárie e raízes residuais, situações que geram risco de infecção e exposição à situação de dor, apenas uma minoria relatou a presença do cirurgião-dentista ao longo do tempo de restrição no domicílio. Logo, poder-se-ia estimar que estar domiciliado implicou em maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde bucal. Gluzman et al.1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226. mostraram que quase a totalidade dos idosos investigados não consultaram o dentista desde que se tornaram domiciliados. Bonfá et al.2828 Bonfá, K et al. Perception of oral health in home care of caregivers of the elderly. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017;20(5):650-659. revelaram que ocorre a visita domiciliar dos profissionais da APS, principalmente do agente comunitário de saúde e do médico, entretanto, há ausência e desconhecimento sobre a atuação do cirurgião-dentista no domicílio.

Embora não tenha sido considerado como variável de estudo para avaliação da saúde bucal das pessoas idosas domiciliadas, é interessante destacar o resultado do domínio Alimentação do Kyhon Checklist, que se apresentou comprometido para quase a metade dos idosos. Esse domínio é composto por itens relativos à dificuldade de mastigação de alimentos duros e desconforto com boca seca, situações ligadas à condição de saúde bucal dos idosos. Mikami et al.2929 Mikami Y, Watanabe Y, Motokawa K, Shirobe M, Motohashi Y, Edahiro A, et al. Association between decrease in frequency of going out and oral function in older adults living in major urban areas. Geriatr Gerontol Int 2019;19(8):792-797. reportam associação entre dificuldade de mastigação e boca seca e a diminuição da frequência de sair de casa. Também um estudo de coorte, com acompanhamento após 6 anos, mostrou que possuir dificuldade de mastigação e ter menos de 20 dentes remanescentes são condições preditoras de confinamento domiciliar. Esse efeito também foi visto de forma reversa, indicando que estar domiciliado no início do estudo previu a dificuldade de mastigação no acompanhamento3030 Koyama S, Aida J, Kondo K, Yamamoto T, Saito M, Ohtsuka R, et al. Does poor dental health predict becoming homebound among older Japanese? BMC Oral Health 2016;16(1):51..

A literatura também aponta relevantes barreiras de acesso ao cuidado à saúde bucal nessa população, em especial à assistência odontológica. Ao não saírem de casa por terem comorbidades, limitações físicas e perda de autonomia3030 Koyama S, Aida J, Kondo K, Yamamoto T, Saito M, Ohtsuka R, et al. Does poor dental health predict becoming homebound among older Japanese? BMC Oral Health 2016;16(1):51. há a necessidade de que o cuidado à saúde bucal chegue ao domicílio3131 Abbas H, Aida J, Kiuchi S, Kondo K, Osaka K. Oral status and homebound status: A 6-year bidirectional exploratory prospective cohort study. Oral Diseases. 2022. Ahead of print.. Logo, é preciso que as ações, especialmente as levadas à cabo pela APS, estejam ao alcance dessa população, por meio dos serviços de atenção domiciliar, que devem incluir a equipe de saúde bucal3232 Musich S, Wang SS, Ruiz j, Hawkins K, Wicker E. The impact of mobility limitations on health outcomes among older adults. Geriatr Nurs 2018;39(2):162-169.,3333 Sullivan J. Challenges to oral healthcare for older people in domiciliary settings in the next 20 years: a general dental practitioner’s perspective. Prim Dent Care 2012;19(3):123-127.. No entanto, constatou-se neste estudo a ínfima presença do cirurgião-dentista (tanto dos serviços públicos, quanto privados) realizando consultas em domicílio ou visitas domiciliares. Desse modo, não somente é limitado o acesso a procedimentos curativos, mas também estima-se haver negligência em relação aos procedimentos preventivos como uso racional de fluoretos tópicos ou acompanhamento de lesões bucais suspeitas de malignidade, por exemplo1010 Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.,2727 Ornstein KA, DeCherrie L, Gluzman R, Scott ES, Kansal J, Shah T, et al. Significant unmet oral health needs of homebound elderly adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(1):151-157..

A assistência realizada pelas equipes da APS no domicílio é planejada por meio da atenção domiciliar, prevista como atribuição da APS, a partir de estratégias que, por serem multidisciplinares, devem incluir a equipe de saúde bucal. Tal prática assistencial é muito importante para manutenção da saúde das pessoas idosas com algum grau de comprometimento da capacidade funcional, além de estimular a participação efetiva das famílias no cuidado1414 Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2013;16(1):181–189.,3434 Bizerril DO, Saldanha KGH, Silva JP, Almeida JRS, Almeida MEL. Papel do cirurgião-dentista nas visitas domiciliares: atenção em saúde bucal. Rev. bras. med. fam. comunidade. 2015;10(37):1-8.. Assim, possibilitar a oferta de saúde bucal às populações com limitações no acesso aos serviços tradicionais, em consultório, deve ser uma prioridade dos sistemas de saúde3434 Bizerril DO, Saldanha KGH, Silva JP, Almeida JRS, Almeida MEL. Papel do cirurgião-dentista nas visitas domiciliares: atenção em saúde bucal. Rev. bras. med. fam. comunidade. 2015;10(37):1-8.,3535 Ohara Y, Iwasaki M, Motokawa K, Hirano H. Preliminary investigation of family caregiver burden and oral care provided to homebound older patients. Clin Exp Dent Res. 2021;7(5):840-844..

O presente estudo apresenta limitações decorrentes da estratégia de amostragem por conveniência, das perdas amostrais e da impossibilidade de seu seguimento devido à pandemia da covid-19. Em não sendo representativo para o município, pela seleção de conveniência dos participantes, os dados não podem ser generalizados. Também não foram exploradas, nesta pesquisa, as práticas assistenciais atualmente realizadas pela APS para os participantes, para além da visita domiciliar. Isso seria interessante de ser investigado para a melhor compreensão do contexto de cuidado da pessoa idosa. Sugere-se a continuidade de estudos sobre a saúde bucal dos idosos domiciliados para que se construam as melhores evidências sobre práticas de cuidado à saúde bucal nesse contexto e população, nos serviços públicos de saúde, que repercutam em melhores indicadores de saúde e bem-estar.

CONCLUSÃO

As pessoas idosas domiciliadas apresentaram fragilidade e precária condição bucal pela presença de problemas bucais que demandam intervenção, tais como: restos radiculares, lesões de cárie não tratadas, mobilidade dental e presença de biofilme. Identificou-se dependência de terceiros para os cuidados bucais, os quais não são garantidos de modo consistente, no domicílio, sugerindo uma situação de vulnerabilidade dos mesmos.

O estudo apontou, portanto, a necessidade de atendimento odontológico e cuidados com a saúde bucal no domicílio de modo contínuo. No âmbito dos serviços públicos de saúde, defende-se a plena incorporação do cuidado à saúde bucal no domicílio, por meio de ações desenvolvidas na atenção primária pelas equipes de saúde e saúde bucal. Atenta-se também para a necessidade de investimento nas ações de promoção de saúde e prevenção de doenças bucais ao longo da vida, evitando o acúmulo de necessidades odontológicas na complexa situação de estar domiciliado, em idade mais avançada.

  • Financiamento da pesquisa: Bolsa CAPES Demanda Social – Doutorado.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. World report on ageing and health. Luxemburg; 2015.
  • 2
    Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Arai H. Systematic review of the Kihon Checklist - Is it a reliable assessment of frailty? Geriatr Gerontol Int 2016;16(8):893–902.
  • 3
    Ornstein KA, Leff B, Covinsky KE, Ritchie CS, Federman AD, Roberts L, Kelley AS, Siu AL, Szanton SL. Epidemiology of the Homebound Population in the United States. JAMA Internal Medicine 2015;175(7):1180.
  • 4
    Cohen-Mansfield J, Shmotkin D, Hazan H. Homebound older persons: Prevalence, characteristics, and longitudinal predictors. Archives of Gerontology and Geriatrics 2012;54(1):55-60.
  • 5
    Ayala A, Pujol R, Abellán A. Prevalencia de personas mayores confinadas en su hogar en España. Medicina de Familia. SEMERGEN 2018 ;44(8):562-71.
  • 6
    Bordin D, Loiola AFL, Cabral LPA, Arcaro G, Bobato GR, Grden CRB. Fatores associados à condição de acamado em idosos brasileiros: resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020;23(2):e200069.
  • 7
    Choi NG, Sullivan JE, Marti CN. Low-income homebound older adults receiving home-delivered meals: Physical and mental health conditions, incidence of falls and hospitalisations. Health Soc Care Community. 2019;27(4): e406-e416.
  • 8
    Jaul E, Barron J, Rosenzweig JP, Menczel J. An overview of co-morbidities and the development of pressure ulcers among older adults. BMC Geriatr. 2018;18(1):305.
  • 9
    Ross JM, Sanchez A, Epps JB, Arikawa A, Wright L. The impact of a food recovery-meal delivery program on homebound seniors’ food security, nutrition, and well-Being. J Nutr Gerontol Geriatr. 2022;41(2):175-189.
  • 10
    Gluzman R, Meeker H, Agarwal P, Patel S, Gluck G, Espinoza L, Ornstein K, Soriano T, Katz RV. Oral health status and needs of homebound elderly in an urban home-based primary care service. Spec Care Dentist 2012;33(5):218-226.
  • 11
    Uemura K, Makizako H, Lee S, Doi T, Lee S, Tsutsumimoto K, Shimada H. The impact of sarcopenia on incident homebound status among community-dwelling older adults: A prospective cohort study. Maturitas 2018;113:26-31.
  • 12
    Sakurai R, Yasunaga M, Nishi M, Fukaya T, Hasebe M, Murayama Y, Koike T, Matsunaga H, Nonaka K, Suzuki H, Saito M, Kobayashi E, Fujiwara Y. Co-existence of social isolation and homebound status increase the risk of all-cause mortality. Int Psychogeriatr 2019;31(5):703-711.
  • 13
    Liu WY, Chuang YC, Chien CW, Tung TH. Oral health diseases among the older people: a general health perspective. J Mens Health 2021;17(1):7-15.
  • 14
    Rocha DA, Miranda AF. Atendimento odontológico domiciliar aos idosos: uma necessidade na prática multidisciplinar em saúde: revisão de literatura. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2013;16(1):181–189.
  • 15
    Salmi R, Närhi T, Suominen A, Suominen AL, Lahti S. Perceived oral health and oral health behaviours among home-dwelling older people with and without domiciliary care. Gerodontology 2022;39(2):121-130.
  • 16
    Strömberg E, Holmen A, Gustafsson MLH, Gabre P, Wardh I. Oral health-related quality-of-life in homebound elderly dependent on moderate and substantial supportive care for daily living. Acta Odontol Scand 2013;71:771-777.
  • 17
    Shimaru M, Ono S, Morita K, Matsui H, Yasunaga H. Domiciliary dental care among homebound older adults: a nested case-control study in Japan. Geriatr Gerontol Int 2019;19(7):679-683.
  • 18
    Kamijo S, Sugimoto K, Oki M, Tsuchida Y, Suzuki T. Trends in domiciliary dental care including the need for oral appliances and dental technicians in Japan. J Oral Sci 2018;60(4):626–633.
  • 19
    Beaton L, Boyle J, Cassie C, Young L, Marshall J. Engaging vocational dental practitioners in care of the dependent elderly: findings from a pilot project. Br Dent J. 2020;228(4):285-288.
  • 20
    Satake S, Senda K, Hong Y, Miura H, Endo H, Sakurai T, et al. Validity of the Kihon Checklist for assessing frailty status. Geriatr Gerontol Int 2016;16(6):709–715.
  • 21
    Sampaio PYS, Sampaio RAC, Yamada M, Ogita M, Arai H. Validation and translation of the Kihon Checklist (frailty index) into Brazilian Portuguese. Geriatr gerontol Int 2014;14:561–569.
  • 22
    Pagotto V, Santos KF, Malaquias SG, Bachion MM, Silveira EA. Calf circumference: clinical validation for evaluation of muscle mass in the elderly. Rev Bras Enferm 2018;71(2):322-328.
  • 23
    Cunha CRH, Harzheim E, de Medeiros OL, D’Avila OP, Martins C, Wollmann L, et al. Carteira de serviços da atenção primária à saúde: garantia de integralidade nas equipes de saúde da família e saúde bucal no Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1313-26.
  • 24
    Horibe Y, Ueda T, Watanabe Y, Motokawa K, Edahiro A, Hirano H, et al. A 2-year longitudinal study of the relationship between masticatory function and progression to frailty or pre-frailty among community-dwelling Japanese aged 65 and older. J Oral Rehabil 2018;45(11):864–870.
  • 25
    Niesten D, Witter DJ, Bronkhorst EM, Creugers NHJ. Oral health care behavior and frailty-related factors in a care-dependent older population. J Dent 2017;61:39-47.
  • 26
    Dutra CESV, Sanchez HF. Organização da atenção à saúde bucal prestada ao idoso nas equipes de saúde bucal da Estratégia Saúde da Família. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2015;18(1):179-188.
  • 27
    Ornstein KA, DeCherrie L, Gluzman R, Scott ES, Kansal J, Shah T, et al. Significant unmet oral health needs of homebound elderly adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(1):151-157.
  • 28
    Bonfá, K et al. Perception of oral health in home care of caregivers of the elderly. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2017;20(5):650-659.
  • 29
    Mikami Y, Watanabe Y, Motokawa K, Shirobe M, Motohashi Y, Edahiro A, et al. Association between decrease in frequency of going out and oral function in older adults living in major urban areas. Geriatr Gerontol Int 2019;19(8):792-797.
  • 30
    Koyama S, Aida J, Kondo K, Yamamoto T, Saito M, Ohtsuka R, et al. Does poor dental health predict becoming homebound among older Japanese? BMC Oral Health 2016;16(1):51.
  • 31
    Abbas H, Aida J, Kiuchi S, Kondo K, Osaka K. Oral status and homebound status: A 6-year bidirectional exploratory prospective cohort study. Oral Diseases. 2022. Ahead of print.
  • 32
    Musich S, Wang SS, Ruiz j, Hawkins K, Wicker E. The impact of mobility limitations on health outcomes among older adults. Geriatr Nurs 2018;39(2):162-169.
  • 33
    Sullivan J. Challenges to oral healthcare for older people in domiciliary settings in the next 20 years: a general dental practitioner’s perspective. Prim Dent Care 2012;19(3):123-127.
  • 34
    Bizerril DO, Saldanha KGH, Silva JP, Almeida JRS, Almeida MEL. Papel do cirurgião-dentista nas visitas domiciliares: atenção em saúde bucal. Rev. bras. med. fam. comunidade. 2015;10(37):1-8.
  • 35
    Ohara Y, Iwasaki M, Motokawa K, Hirano H. Preliminary investigation of family caregiver burden and oral care provided to homebound older patients. Clin Exp Dent Res. 2021;7(5):840-844.

Editado por

Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2022
  • Aceito
    15 Ago 2022
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com