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Circunferências medidas em diferentes locais do tronco e fatores de risco cardiometabólico

Resumos

Os objetivos deste estudo foram comparar medidas de circunferências da cintura e abdominal e analisar suas relações com fatores de risco cardiometabólico em servidores de uma universidade da Bahia. Para tanto, cinquenta e cinco homens e setenta e uma mulheres (36,4 ± 11,2 anos) foram submetidos à avaliação antropométrica bem como medidas das pressões arteriais sistólica e diastólica, glicemia, triglicerídeos, colesterol total e frações HDL e LDL. Apesar das fortes correlações (P < 0.01) entre as diferentes medidas (r > 0,93), a circunferência da cintura foi significativamente menor que a circunferência abdominal em ambos os sexos, sendo a diferença média entre locais maior em mulheres (8,6 ± 4,1 vs 3,8 ± 4,2 cm; P < 0,01). A circunferência da cintura foi significativamente relacionada a dois e quatro fatores de risco em homens e mulheres, respectivamente. Por outro lado, a circunferência abdominal foi significativamente relacionada a um fator em homens e cinco em mulheres. Não foram observadas diferenças significativas (P > 0,05) entre coeficientes de correlação nos casos em que ambas as circunferências se relacionaram significativamente a um fator de risco. Esses resultados sugerem que o local de mensuração tem influência substancial sobre a circunferência tomada na região inferior do tronco, particularmente, em mulheres, porém, não evidenciam clara superioridade de uma das medidas quanto às relações com fatores de risco cardiometabólico tradicionais em amostra brasileira. Estudos devem ser conduzidos, buscando comparar a capacidade preditiva de diferentes medidas de circunferência para o desenvolvimento de fatores de risco e doenças cardiovasculares em diferentes populações.

Antropometria; Obesidade central; Fatores de risco


The objectives of this study were to compare waist and abdominal circumference and to analyze their association with cardiometabolic risk factors in employees of a university in Bahia. Fifty-five men and 71 women (36.4 ± 11.2 years) were submitted to anthropometric assessment and measurement of systolic and diastolic blood pressure, blood glucose, triglycerides, total cholesterol, and HDL and LDL fractions. Despite strong correlations (P < 0.01) between the different measures (r > 0.93), waist circumference was significantly lower than abdominal circumference in the two genders, with the mean difference being greater in women (8.6 ± 4.1 vs 3.8 ± 4.2 cm; P < 0.01). Waist circumference was significantly associated with two and four risk factors in men and women, respectively. On the other hand, abdominal circumference was significantly associated with one risk factor in men and with five factors in women. No significant differences (P > 0.05) between correlation coefficients were observed in cases in which the two circumference measures were significantly associated with one risk factor. These results suggest that the site of measurement has substantial influence on circumference measured in the lower region of the trunk, particularly in women. However, there is no clear evidence of the superiority of a single measure in terms of the association with traditional cardiometabolic risk factors in the Brazilian sample studied. Further investigations are needed to compare the predictive capacity of different circumference measures for the development of risk factors and cardiovascular diseases in different populations.

Anthropometry; Central obesity; Risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Circunferências medidas em diferentes locais do tronco e fatores de risco cardiometabólico

Viviane Valentim AlvesI; Luiz Fernando Paulino RibeiroI, II; Rosinei BarrosIII; Sandra Rocha GadelhaIV; Stênio Carvalho SantosIV

IUniversidade Estadual Paulista. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade. Rio Claro, SP. Brasil

IIUniversidade Estadual de Santa Cruz Departamento de Ciências da Saúde. Ilhéus, BA, Brasil

IIIUniversidade Estadual de Santa Cruz. Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Ilhéus, BA, Brasil

IVUniversidade Estadual de Santa Cruz. Departamento de Ciências Biológicas. Ilhéus, BA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Viviane Valentim Alves Avenida 32, n° 1120 CEP: 13500-560. Rio Claro, SP. Brasil. E-mail: vivialves84@yahoo.com.br

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram comparar medidas de circunferências da cintura e abdominal e analisar suas relações com fatores de risco cardiometabólico em servidores de uma universidade da Bahia. Para tanto, cinquenta e cinco homens e setenta e uma mulheres (36,4 ± 11,2 anos) foram submetidos à avaliação antropométrica bem como medidas das pressões arteriais sistólica e diastólica, glicemia, triglicerídeos, colesterol total e frações HDL e LDL. Apesar das fortes correlações (P < 0.01) entre as diferentes medidas (r > 0,93), a circunferência da cintura foi significativamente menor que a circunferência abdominal em ambos os sexos, sendo a diferença média entre locais maior em mulheres (8,6 ± 4,1 vs 3,8 ± 4,2 cm; P < 0,01). A circunferência da cintura foi significativamente relacionada a dois e quatro fatores de risco em homens e mulheres, respectivamente. Por outro lado, a circunferência abdominal foi significativamente relacionada a um fator em homens e cinco em mulheres. Não foram observadas diferenças significativas (P > 0,05) entre coeficientes de correlação nos casos em que ambas as circunferências se relacionaram significativamente a um fator de risco. Esses resultados sugerem que o local de mensuração tem influência substancial sobre a circunferência tomada na região inferior do tronco, particularmente, em mulheres, porém, não evidenciam clara superioridade de uma das medidas quanto às relações com fatores de risco cardiometabólico tradicionais em amostra brasileira. Estudos devem ser conduzidos, buscando comparar a capacidade preditiva de diferentes medidas de circunferência para o desenvolvimento de fatores de risco e doenças cardiovasculares em diferentes populações.

Palavras-chave: Antropometria; Obesidade central; Fatores de risco.

INTRODUÇÃO

Apesar da controvérsia acerca da superioridade de uma única medida antropométrica para a predição do risco cardiovascular1,2, circunferências mensuradas na região inferior do tronco são frequentemente adotadas em estudos epidemiológicos como indicadores de adiposidade central3-5 e parte dos critérios para diagnóstico da Síndrome Metabólica em todo o mundo6-8.

Uma questão importante encontrada por aqueles interessados na medida de tais circunferências diz respeito ao local em que estas devem ser tomadas, dada a grande variabilidade de protocolos existente na literatura. Diferentes referências ósseas bem como pontos anatômicos externos, incluindo a menor linha da cintura e a linha umbilical, são adotadas com este propósito6,9-11. Devido à praticidade, referências externas são amplamente utilizadas, pois comparadas às ósseas exigem menor exposição da superfície corporal, tempo e experiência para sua localização9,12,13. Tendo em vista divergências quanto à terminologia empregada para a designação de um mesmo local, no presente estudo utilizaremos a denominação circunferência da cintura (CC) para a medida tomada na menor linha entre a crista ilíaca e a última costela, e circunferência abdominal (CA) para a medida na linha umbilical.

Apesar de elevadas correlações, diferenças significativas entre circunferências tomadas em diferentes locais têm sido encontradas9,11,14, com CC e CA proporcionando, respectivamente, os menores e maiores valores em ambos os sexos. Contudo, são limitadas informações que subsidiem a preferência por quaisquer dos protocolos acima citados.

Em revisão, Ross et al.12 argumentam que o local de mensuração não tem influência substancial sobre as associações entre circunferências tomadas na região inferior do tronco e diabetes, morbidade por doenças cardiovasculares (DCV), mortalidade cardiovascular e por todas as causas. Em contrapartida, estudos recentes sugerem ser a CC melhor relacionada a alguns fatores de risco cardiometabólico, quando comparada a medidas realizadas em outros locais, ao menos em mulheres caucasianas9,11. Tais resultados, porém, devem ser analisados com cautela, uma vez que diferenças étnicas têm sido reportadas no que diz respeito às relações entre parâmetros antropométricos, gordura visceral e risco cardiometabólico15-18.

Em trabalhos envolvendo amostras brasileiras, correlações semelhantes têm sido verificadas entre circunferências tomadas em diferentes locais do tronco, percentual de gordura abdominal19 e resistência à insulina avaliada pelo índice HOMA-IR20. Contudo, apesar do uso crescente dos parâmetros antropométricos em questão, em trabalhos nacionais1,3,5,8,17, as consequências do emprego de diferentes locais de mensuração nesta população necessitam de maiores investigações, tendo em vista o pequeno número de estudos sobre o assunto19,20. Assim, os objetivos deste estudo foram comparar medidas de circunferências da cintura e do abdome e analisar suas relações com fatores de risco cardiometabólico em amostra de servidores aparentemente saudáveis de uma universidade.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Sujeitos

Entre Maio e Setembro de 2008, estudo transversal foi realizado em amostra representativa de servidores da Universidade Estadual de Santa Cruz, localizada em Ilhéus, cidade costeira do estado da Bahia, Nordeste do Brasil. Após consulta à Gerência de Recursos Humanos da instituição, foi identificada população de 291 servidores (46,7 % homens e 53,2 % mulheres) com idade igual ou superior a dezoito anos, na ativa e à disposição no Campus.

Adotando-se nível de confiança de 1,96 (intervalo de confiança de 95 %), prevalência de obesidade central estimada de 20 %, de acordo com os critérios propostos por Lean et al.21 e erro tolerável de amostragem de cinco pontos percentuais, o tamanho necessário da amostra apontado pelo cálculo proposto por Luiz e Magnanini22 foi de 171 indivíduos. Após acréscimo de 20% para eventuais perdas, 205 servidores foram sorteados e convidados a participar do estudo. O desenho amostral utilizado foi o aleatório estratificado por sexo, com alocação proporcional de homens e mulheres em relação à população total de servidores.

Foram adotados como critérios de não inclusão: tabagismo,uso de agentes hipoglicemiantes, anti-hipertensivo ou hipolipemiantes, gravidez, doenças sistêmicas e o não cumprimento das recomendações pré-avaliação. Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Santa Cruz (N° do processo 072/06), e realizado conforme a Declaração de Helsinki.

Após assinarem termo de consentimento esclarecido, os voluntários foram submetidos à mensuração da pressão arterial, avaliação antropométrica e coleta sanguínea em visita única, após jejum noturno, bem como responderam de forma autorreportada à anamnese, contendo dados pessoais e socioeconômicos. As pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) foram aferidas por método auscultatório, utilizando esfigmomanômetro aneróide calibrado (Glicomed®, Brasil) colocado em torno do braço. Após 10 minutos de repouso, sentado em ambiente silencioso, duas medidas foram tomadas, com 2 minutos de intervalo entre elas, sendo os valores médios considerados para análise.

Massa corporal e estatura foram determinadas com precisões de 0,1 Kg e 0,5 cm, respectivamente, utilizando balança mecânica calibrada com estadiômetro acoplado (Filizola®, Brasil), estando os sujeitos sem sapatos e com vestimenta leve. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado pela divisão da massa corporal pelo quadrado da estatura (Kg/m2), com os pontos de corte para sobrepeso e obesidade de > 25 e > 30 Kg/m2 respectivamente23.

A variável cor da pele foi autorreportada pelos sujeitos de acordo com as seguintes categorias: pardo, branco, negro, amarelo e indígena, sendo as duas últimas posteriormente agrupadas como minorias.

A circunferência abdominal (CA) foi tomada na linha do umbigo, e a circunferência da cintura (CC) na menor linha da cintura entre a crista ilíaca e a última costela. Duas medidas foram realizadas em cada local por um único avaliador treinado, usando fita metálica inextensível (Sanny®, Brasil) colocada diretamente sobre a pele, perpendicularmente ao eixo longitudinal do corpo e horizontalmente ao chão, no final de uma expiração normal. Para tanto, os indivíduos estavam com os pés juntos, olhando para frente e com os braços relaxados ao lado do corpo. Foram calculados os valores médios para cada local.

Após a tomada das medidas antropométricas, amostras de 5 mL de sangue foram coletadas da veia ante-cubital para posterior análise do colesterol total (CT), HDL-colesterol (HDL-c), triglicérides (TG) e glicemia por procedimentos enzimático-colorimétricos (Doles®), utilizando espectrômetro (VERSAMax microplate reader). A fração LDL-colesterol (LDL-c) foi determinada através da equação de Friedwald para TG < 400 mg/dl.

Análise estatística

Previamente ao emprego da estatística paramétrica, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para confirmação da normalidade dos dados. A estatística descritiva envolveu a apresentação da média e desvio padrão para todas as variáveis estudadas. Coeficientes de correlação intraclasse (ICC) foram empregados para análise de reprodutibilidade das medidas de circunferência e o erro técnico de medida (ETM) relativo, calculado conforme Silva et al.24. Para comparações entre gêneros e locais de medida, foram adotados testes t pareados e não pareados, respectivamente. Já as correlações entre circunferências e fatores de risco, foram analisadas por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Os dados foram analisados para cada gênero em ambiente SPSS 13.0 for Windows (SPSS Inc., Chicago, USA). Comparações entre coeficientes de correlação significativos foram realizadas pelo teste Z de Steiger25, usando planilha disponível em http://www.stat-help.com/spreadsheets.html. Para todo o tratamento estatístico, foi adotado nível de significância inferior a 5 %.

RESULTADOS

Dos 205 indivíduos convidados a participar do estudo, 179 atenderam à solicitação (taxa de resposta = 87,3 %), e após emprego dos critérios de não inclusão, foram considerados para análise 126 sujeitos (55 homens e 71 mulheres).

A amostra foi composta predominantemente por pardos (n = 72; 57,1 %), seguidos por brancos (n = 29; 23,0 %), negros (n = 21; 16,7 %) e minorias (n = 4; 3,2 %). Sobrepeso e obesidade, caracterizados por IMC > 25 e 30 kg/m2, respectivamente, foram verificados em 38,9 e 12,7 % dos sujeitos. Não foram encontradas diferenças significativas (p > 0,05) entre os gêneros para idade, IMC, CT e LDL-c. No entanto, homens apresentaram valores significativamente maiores (p < 0,05) para estatura, massa corporal, pressões arteriais, glicemia e TG, enquanto níveis de HDL-c foram significativamente maiores (p < 0,05) entre mulheres. As características dos voluntários são apresentadas na tabela 1.

Coeficientes de correlação intraclasse elevados e significativos (p < 0,01) foram observados para CA (ICC = 0,990) e CC (ICC= 0,996), as quais apresentaram erros técnicos de medida de 0,71 e 0,70 %, respectivamente. Apesar das altas correlações entre as circunferências tomadas nos diferentes locais (p < 0,01), a CA foi significativamente maior que a CC (p < 0,01) em ambos os sexos, sendo a diferença média entre elas significativamente maior nas mulheres (p < 0,01) (Tabela 2).

As relações entre circunferências tomadas nos diferentes locais e fatores de risco cardiometabólico são mostradas na tabela 3. A CC foi significativamente relacionada a dois (PAS e PAD) e quatro (PAS, PAD, TG e HDL-c) fatores em homens e mulheres, respectivamente. Por outro lado, a CA foi significativamente relacionada a um fator de risco (PAS) em homens e cinco fatores (PAS, PAD, TG, HDL-c e LDL-c) em mulheres. Não foram observadas diferenças significativas (P > 0,05) entre coeficientes de correlação nos casos em que ambas as medidas se mostraram significativamente relacionadas a um fator de risco.

DISCUSSÃO

No presente estudo, verificamos ser a CC significativamente relacionada e também significativamente inferior à CA em ambos os sexos, sendo essa diferença maior entre mulheres (Tabela 2). Estes achados corroboram aqueles em outras populações9-11,14,20, indicando influência substancial do local de medida sobre as circunferências tomadas na região inferior do tronco.

Considerando a diversidade de protocolos adotados em estudos envolvendo amostras brasileiras1,3,5, comparações entre estes devem ser feitas com cautela uma vez que estimativas de prevalências de obesidade central10 e Síndrome Metabólica11 são afetadas pelo local de tomada das circunferências. Apesar disto, até recentemente, pouca atenção tem sido dada aos fundamentos científicos para a escolha do local exato de mensuração na região inferior do tronco, o qual deveria ser considerado superior comparado a outros, tendo como base sua relação com fatores de risco cardiometabólico13.

Em indivíduos de meia idade com sobrepeso/obesidade e leve a moderada dislipidemia, Willis et al.11 encontraram melhores correlações entre CC e oito fatores de risco em comparação à CA em mulheres pós-menopausadas, com evidências menos claras favorecendo o primeiro local entre homens. Recentemente, Mason & Katzmarzyk9 relataram magnitude similar das relações entre circunferências mensuradas em quatro locais e fatores de risco cardiometabólico em amostra predominantemente branca (idade entre 20 e 66 anos; IMC entre 18,6 e 49,2 Kg/m2), sendo única exceção o fato da CC ter sido significativamente melhor associada à PAD e HDL-c entre mulheres se comparada às medidas feitas nas linhas do umbigo, crista ilíaca e ponto médio entre esta e a última costela.

A partir dos estudos acima citados, parece plausível considerar que a CC seja ligeiramente superior àquela medida em outros locais, pelo menos em mulheres caucasianas. No entanto, isso não deve ser generalizado dadas as diferenças etno-raciais existentes, no que tange às relações entre parâmetros antropométricos, gordura visceral e risco cardiometabólico15-18. Particularmente, a população brasileira é caracterizada por grande mistura de raças18,26,27, evidenciada neste estudo pela predominância de pardos, grupo genérico incluindo aqueles não classificados como brancos, negros ou minorias (amarelos e indígenas)26.

Em homens saudáveis vinculados à Universidade Federal de Viçosa, Vasques et al.20 observaram associações moderadas porém significativas entre o índice HOMA-IR e circunferências aferidas nas linhas da menor cintura e umbilical, imediatamente acima das cristas ilíacas e no ponto médio entre última costela e crista ilíaca. Apesar dos autores sugerirem melhor desempenho desta última na predição da resistência à insulina, correlações semelhantes foram verificadas entre as diferentes medidas e o fator de risco (r = 0,434 a 0,464). Infelizmente, no referido estudo, não são apresentadas informações acerca da distribuição étnica da amostra.

Corroborando estudos prévios10,11,28, coeficientes de correlação fracos a moderados foram encontrados entre as circunferências tomadas nos diferentes locais do tronco e os fatores de risco investigados (Tabela 3). Em concordância com a escassa literatura sobre o tema9,11, as correlações variaram de acordo com o gênero, local de medida e fator de risco específico, com valores consistentemente maiores entre mulheres. De forma geral, porém, CC e CA proporcionaram relações similares com a maioria dos fatores de risco analisados, achados estes semelhantes aos de Mason & Katzmarzyk9 e Vasques et al.20.

No sexo feminino, a CA foi significativamente relacionada a um maior número de fatores de risco comparada à CC (5 vs 4). Situação inversa foi observada entre homens, nos quais CC e CA foram significativamente relacionadas a 1 e 2 fatores, respectivamente. Ainda que tais resultados possam ser interpretados, à primeira vista, como evidências de superioridade das circunferências abdominal no sexo feminino e da cintura no sexo masculino, uma análise mais cautelosa dos dados revela tendência à significância da correlação entre CC e LDL-c entre mulheres (p = 0,052), além de ausência de diferenças significativas entre coeficientes de correlação em ambos os sexos. Coletivamente, esses achados parecem não indicar vantagem consistente para um dos locais de medida.

Divergências em relação ao estudo de Willis et al.11 podem ser explicadas não só pelas características da amostra estudada, mas também pelos diferentes fatores analisados por tais autores, como tamanho da partícula HDL colesterol e sensibilidade à insulina, cujas relações com CC se aproximaram da superioridade estatística em relação à CA em mulheres.

Tem sido sugerido que a possível superioridade de um local de medida da circunferência do tronco, no que se refere às correlações com fatores de risco cardiometabólico, possa ser explicada pela melhor correlação desta com o tecido adiposo visceral (TAV). Nesse contexto, apesar de investigações anteriores mostrarem que diferentes locais de mensuração proporcionam estimativas semelhantes de gordura corporal total e do tronco13,14,18,19, Willis et al.11 observaram correlação ligeiramente superior entre CC e área de TAV, determinada por tomografia computadorizada, em relação à CA. No entanto, tal questão deve ser melhor investigada em indivíduos com diferentes características, antes de maiores especulações.

Considerando a alta correlação entre os protocolos existentes e ausência de justificativa biológica clara até o presente momento, segundo Agarwall et al.13 , a preferência por um deles deve levar em consideração a maximização da conveniência e a minimização do erro de medida. Porém, os valores de ETM intra-avaliador, aqui verificados, foram reduzidos e muito semelhantes para CC (0,71 %) e CA (0,70 %), não sustentando a opção por uma das medidas com base neste último critério.

Podem ser consideradas limitações do presente estudo a miscigenação da amostra investigada e a análise de apenas dois locais de medida da circunferência. Embora potencialmente confundidora na busca por relações étnicas específicas, vale destacar que a distribuição de nossa amostra foi similar às de outros relatos, envolvendo brasileiros17,18,19,27, o que aumenta a validade externa de nossos resultados. Ainda, a opção pela investigação de CC e CA se deve ao fato de ambas envolverem referências anatômicas de localização relativamente simples, sendo amplamente utilizadas9,11,12.

CONCLUSÃO

Os resultados aqui encontrados sugerem que o local de mensuração tem influência substancial sobre a circunferência tomada na região inferior do tronco em brasileiros, particularmente em mulheres. Estes achados aumentam o corpo de evidências, indicando a necessidade da padronização de um protocolo de medida objetivando comparações válidas entre estudos regionais e internacionais. No entanto, considerando as relações com fatores de risco cardiometabólico tradicionais, nossos dados não indicaram clara superioridade de uma única medida (CC ou CA). Estudos longitudinais de larga escala devem ser conduzidos a fim de comparar a capacidade preditiva de diferentes medidas de circunferência para o desenvolvimento de fatores de risco cardiometabólico e DCV em diferentes populações.

Agradecimentos

Agradecemos aos sujeitos deste estudo, à Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humano e a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UESC.

Recebido em 16/02/11

Revisado em 25/03/11

Aprovado em 26/04/11

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Fev 2011
    • Aceito
      26 Abr 2011
    • Revisado
      25 Mar 2011
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