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Influência do gene da apolipoproteína-E sobre a relação perfíl lipídico, atividade física e gordura corporal

Influence of apolipoprotein-E gene on lipid profile, physical activity and body fat relationship

Resumos

A atividade física e a gordura corporal modulam a lipemia, e esse efeito parece ser influenciado pelo polimorfismo do gene da apolipoproteina-E (APOE). Desse modo, a presente revisão tem como objetivo sintetizar os principais resultados de pesquisas que abarcaram a interação do gene APOE acerca do efeito da atividade física e gordura corporal sobre as concentrações de triglicerídeos, colesterol total e lipoproteína de baixa (LDL) e alta densidade (HDL). Os artigos foram buscados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - SciELO, Web of Science e PubMed. As palavras-chave utilizadas em combinação foram: genótipos APOE, polimorfismo da apoliproteína-E, exercício físico, atividade física, exercício aeróbio, gordura corporal e obesidade. Foram incluídos artigos originais realizados com seres humanos, e excluídos aqueles que envolveram amostras com doenças, exceto obesidade e/ou distúrbios lipêmicos. Os resultados sugerem que os portadores do alelo ε2 são os que mais se beneficiam dos efeitos da atividade física sobre a lipemia. Ademais, a gordura corporal parece agir de forma mais pronunciada sobre a elevação dos triglicerídeos e das LDLs nos portadores do alelo ε2 e ε4, respectivamente. Entretanto, inferências seguras ainda não podem ser feitas acerca da alteração do polimorfismo da APOE, no efeito da atividade física e da gordura corporal sobre a lipemia, haja vista o reduzido número de trabalhos e suas divergências. Assim, se fazem necessárias novas pesquisas que analisem outras populações e um maior número de voluntários por alelo, bem como outras modalidades e intensidades de exercício físico.

Apolipoproteinas E; Exercício; Dislipidemias; Genótipos; Obesidade


Physical activity and body fat modify lipemia, and this effect seems to be influenced by apolipoprotein - E (APOE) gene polymorphism. Thus, the purpose of this article was to review main results of studies that have analyzed the relation of APOE gene with physical activity and body fat on triglycerides, total cholesterol and low (LDL) and high density lipoprotein (HDL) concentrations. The Scientific Electronic Library Online - SciELO, Web of Science and PubMed database were used to locate the articles. The keywords used in combination were: apoe genotype, apolipoprotein - E polymorphism, physical exercise, physical activity, aerobic exercise, body fat and obesity. Originals scientific investigations performed with humans were included, and excluded those ones which involved samples with diseases, except obesity and/or lipemic disorders. It was observed a trend, that ε2 allele carriers are the ones with the greater improvements on lipemia from physical exercise. In addition, the body fat impact on the elevation of triglycerides and LDL are stronger in carriers of the ε2 and ε4 allele, respectively. Considering the small number of originals scientific investigations and their divergent results, reliable inferences can not be made about the APOE gene polymorphism influences on physical activity and body fat effect on lipemia. Thus, further studies with others populations and more volunteers for allele, as well as others exercise modalities and intensities, are necessary.

Apolipoproteins E; Exercise; Dyslipidemias; Genotype; Obesity


ARTIGO DE REVISÃO

Influência do gene da apolipoproteína-E sobre a relação perfíl lipídico, atividade física e gordura corporal

Influence of apolipoprotein-E gene on lipid profile, physical activity and body fat relationship

Thales Boaventura Rachid NascimentoI; Maria Fátima GlanerII; Otávio de Toledo NóbregaIII

IUniversidade Católica de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Brasília. DF, Brasil

IIUniversidade Estadual de Londrina. Departamento de Educação Física. Londrina, PR. Brasil

IIIUniversidade de Brasília. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ceilândia. Brasília, DF. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Fátima Glaner Departamento de Educação Física, Universidade Estadual de Londrina Rod. Celso Garcia Cid, km 380, Campus Universitário CEP 86051-990, Londrina, PR, Brasil E-mail: mfglaner@gmail.com

RESUMO

A atividade física e a gordura corporal modulam a lipemia, e esse efeito parece ser influenciado pelo polimorfismo do gene da apolipoproteina-E (APOE). Desse modo, a presente revisão tem como objetivo sintetizar os principais resultados de pesquisas que abarcaram a interação do gene APOE acerca do efeito da atividade física e gordura corporal sobre as concentrações de triglicerídeos, colesterol total e lipoproteína de baixa (LDL) e alta densidade (HDL). Os artigos foram buscados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - SciELO, Web of Science e PubMed. As palavras-chave utilizadas em combinação foram: genótipos APOE, polimorfismo da apoliproteína-E, exercício físico, atividade física, exercício aeróbio, gordura corporal e obesidade. Foram incluídos artigos originais realizados com seres humanos, e excluídos aqueles que envolveram amostras com doenças, exceto obesidade e/ou distúrbios lipêmicos. Os resultados sugerem que os portadores do alelo ε2 são os que mais se beneficiam dos efeitos da atividade física sobre a lipemia. Ademais, a gordura corporal parece agir de forma mais pronunciada sobre a elevação dos triglicerídeos e das LDLs nos portadores do alelo ε2 e ε4, respectivamente. Entretanto, inferências seguras ainda não podem ser feitas acerca da alteração do polimorfismo da APOE, no efeito da atividade física e da gordura corporal sobre a lipemia, haja vista o reduzido número de trabalhos e suas divergências. Assim, se fazem necessárias novas pesquisas que analisem outras populações e um maior número de voluntários por alelo, bem como outras modalidades e intensidades de exercício físico.

Palavras-chave: Apolipoproteinas E; Exercício; Dislipidemias; Genótipos; Obesidade.

ABSTRACT

Physical activity and body fat modify lipemia, and this effect seems to be influenced by apolipoprotein - E (APOE) gene polymorphism. Thus, the purpose of this article was to review main results of studies that have analyzed the relation of APOE gene with physical activity and body fat on triglycerides, total cholesterol and low (LDL) and high density lipoprotein (HDL) concentrations. The Scientific Electronic Library Online - SciELO, Web of Science and PubMed database were used to locate the articles. The keywords used in combination were: apoe genotype, apolipoprotein - E polymorphism, physical exercise, physical activity, aerobic exercise, body fat and obesity. Originals scientific investigations performed with humans were included, and excluded those ones which involved samples with diseases, except obesity and/or lipemic disorders. It was observed a trend, that ε2 allele carriers are the ones with the greater improvements on lipemia from physical exercise. In addition, the body fat impact on the elevation of triglycerides and LDL are stronger in carriers of the ε2 and ε4 allele, respectively. Considering the small number of originals scientific investigations and their divergent results, reliable inferences can not be made about the APOE gene polymorphism influences on physical activity and body fat effect on lipemia. Thus, further studies with others populations and more volunteers for allele, as well as others exercise modalities and intensities, are necessary.

Key words: Apolipoproteins E; Exercise; Dyslipidemias; Genotype; Obesity;

INTRODUÇÃO

As doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte (29,4%) no Brasil1. Dentre os fatores de risco para o seu desenvolvimento têm-se os distúrbios de lipemia sérica (dislipidemias), os quais são caracterizados por elevados valores de triglicerídeos, colesterol total (CT)2 e lipoproteínas de baixa densidade (LDL)3, bem como baixos valores de lipoproteína de alta densidade (HDL)2.

Maiores valores de consumo de oxigênio estão associados a menores concentrações de CT, LDL, triglicerídeos e razão CT/HDL4, sendo que a prática de exercícios físicos promove uma redução dos triglicerídeos5,6 e aumento da HDL séricos7,8. Até mesmo atividades físicas de baixa intensidade, porém em maior volume, estão associadas a uma lipemia de menor potencial aterogênico9. Apesar disso, a prática de atividade física regular constitui um comportamento minoritário, tanto em crianças (35,1%) e adolescentes (18,7%)10, quanto em adultos (45,4%)11.

As concentrações de CT, triglicerídeos e LDL correlacionam-se positivamente com a gordura corporal, enquanto as de HDL, negativamente12, sendo que indivíduos com sobrepeso e obesidade apresentam maiores concentrações de triglicerídeos, LDL e CT13. Ademais, o acúmulo excessivo de gordura corporal está associado à presença de dislipidemias14. Somado a isso, o excesso de adiposidade corporal acomete uma parcela significativa da população, haja vista que, em torno de 47,8% das crianças, 25,4% dos adolescentes e 63,8% dos adultos15 encontram-se em estado de sobrepeso/obesidade.

Tem sido relatado que os polimorfismos alélicos do gene da apolipoproteina-E (APOE) modulam os efeitos do exercício físico7,8,16 e da atividade física17-19 bem como da gordura corporal20-25 sobre a lipemia. Entretanto, até o presente momento, nenhum estudo de revisão que abordasse, prioritariamente, os achados referentes a essa interação foi encontrado. Desse modo, torna-se relevante reunir e analisar os principais achados acerca da influência do gene APOE sobre a relação atividade física/gordura corporal e lipemia, o que possibilitaria verificar a consistência das evidências cientificas já existentes, bem como nortear pesquisas futuras.

Diante do exposto, a presente revisão tem como objetivo sintetizar os principais resultados de pesquisas que abarcaram a interação do gene APOE acerca do efeito da atividade física e gordura corporal sobre as concentrações de triglicerídeos, CT, LDL e HDL.

MÉTODOS

A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - SciELO, Web of Science e PubMed, sendo utilizadas as seguintes palavras-chave em combinação: genótipos APOE (apoe genotype), polimorfismo da apoliproteína-e (apolipoprotein - e polymorphism), exercício físico (physical exercise), atividade física (physical activity), exercício aeróbio (aerobic exercise), gordura corporal (body fat) e obesidade (obesity). Também foram utilizados os nomes dos autores citados em trabalhos que abarcaram a temática em questão. Priorizaram-se estudos publicados nos últimos 16 anos, sendo incluídos artigos originais, realizados com seres humanos, sendo esses escritos em língua portuguesa e/ou inglesa. Os artigos que fugiam à temática em questão, bem como aqueles que tinham como objetivo específico investigar o gene APOE em grupos com doenças, exceto para a obesidade e/ou distúrbios lipêmicos, foram excluídos. Artigos em que os resultados não foram apresentados de forma clara também foram excluídos. A última busca foi realizada em dezembro de 2010. Referências usadas para fazer alusão aos fatores de risco para o desenvolvimento das doenças cardíacas (lipemia, exercício físico / atividade física e gordura corporal), e sua incidência, bem como as generalidades do gene APOE, não foram localizadas por meio das palavras-chave mencionadas entre parênteses.

A aplicabilidade da genética em estudos ligados às áreas da saúde é incontestável, porém, muitas vezes, existe uma dificuldade em compreender totalmente os conceitos dessa área específica. Sendo assim, um sintetizado conhecimento básico em genética pode ser obtido em uma revisão sucinta26.

GENERALIDADES DO GENE APOE

A apolipoproteina-E (apo E) é uma proteína de 299 aminoácidos que se encontra ligada às HDLs, às lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDLs), aos quilomícrons e seus remanescentes27, bem como livre no plasma, onde as maiores concentrações são encontradas nos homens do que em mulheres28. Sua síntese ocorre primariamente pelo fígado (60-80%), mas outros órgãos, como o cérebro, o baço, os rins e as glândulas supra-renais também a produzem29.

A função primária da apo E constitui o transporte reverso do colesterol, que consiste em levá-lo dos tecidos periféricos para sua degradação no fígado. Para tanto, essa proteína age na remoção dos remanescentes dos quilomícrons e VLDLs circulantes30.

O gene APOE localiza-se no braço longo do cromossomo 19, na posição 13.2 e apresenta polimorfismo alélico, sendo por ordem decrescente de frequência os três principais, denominados épsilon três (ε3), épsilon quatro (ε4) e épsilon dois (ε2)31. A partir desses três alelos seis genótipos podem ser formados, sendo três homozigóticos (ε2/2, ε3/3, ε4/4) e três heterozigóticos (ε2/3, ε2/4 e ε3/4)32, dos quais, o mais frequente é o ε3/3, seguido do ε3/4 e ε2/317,18, 33.

A frequência alélica do gene APOE exibe diferenças entre populações. Quando comparado aos indivíduos de ancestralidade europeia (doravante denominados de euro-descendentes), as populações africanas (doravante denominados de afro-descendentes) apresentam uma maior frequência do alelo ε224,33,34 e ε47,24,33,34. Em determinadas populações, alguns alelos não se fazem presentes, tal como o alelo ε4 em indianos da tribo Koch34. A frequência alélica não difere entre os sexos28,35.

Os alelos ε2, ε3 e ε4 codificam a síntese das isoformas da apo E, denominadas E2, E3 e E4, respectivamente34, as quais diferenciam entre si pela substituição de determinados aminoácidos. A isoforma apo E2 difere da apo E3 pela substituição do aminoácido arginina pela cisteína no códon 158. Já a isoforma da apo E4 difere da apo E3 em razão da troca, da cisteína pela arginina, no códon 11236.

Essa substituição de aminoácidos altera a afinidade da apo E pelos receptores hepáticos, sendo a isoforma apo E2 a de menor afinidade quando comparada às isoformas apo E3 e apo E437. Por consequência, há diferenças na lipemia entre os alelos do gene APOE, com os portadores do alelo ε4 e ε2 apresentando, respectivamente, maiores7,17,20,38 e menores5,7,17,33,38 concentrações de LDL. Sendo as dislipidemias mais frequentes entre os portadores do alelo ε4 em relação àqueles com o ε239.

GENE APOE, LIPEMIA E ATIVIDADE FÍSICA

Indivíduos submetidos a um programa de exercícios físicos apresentam redução nas concentrações dos triglicerídeos5,6 e aumento da HDL8. Até mesmo a prática de atividade física, seja de baixa9 ou alta intensidade17 está associada a um perfil lipêmico menos aterogênico. Entretanto, há evidências de que esse efeito do exercício físico6-8 e da atividade física17,19 pode ser dependente do polimorfismo alélico do gene APOE.

Após um programa de exercício físico aeróbio, foi encontrado nos homens portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), em relação àqueles com ε3 (ε3/3) e ε4 ( ε3/4), um maior aumento (duas a três vezes) das concentrações de HDL e sua subclasse dois (HDL2)8. Essa melhor resposta do alelo ε2 também foi observada em mulheres brancas, em que as portadoras do genótipo ε2/3 e ε3/3, em comparação àquelas com o ε4/4, apresentaram um maior aumento das concentrações de HDL após treinamento aeróbio7. Um aumento superior na concentração da HDL2, bem como no tamanho (aumento de 2,5 vezes) da HDL, foi observado nos homens afro-descendentes portadores do genótipo ε2/3, em relação aos euro-descendentes com o mesmo genótipo16.

Apesar desses achados, o consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) não se correlacionou de forma significativa com as concentrações de HDL nos portadores do alelo ε2 (ε2/3+ε2/2)19. Ademais, foi evidenciado que a atividade física intensa aumenta as concentrações de HDL, de forma mais pronunciada, nos homens e mulheres portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4)17, sendo as maiores concentrações observadas nos homens fisicamente ativos e portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4)18.

Além dessa divergência acerca do alelo com maior benefício sobre as concentrações de HDL, há pesquisadores que não encontraram diferenças, pois após treinamento aeróbio, as concentrações de HDL, HDL2 e HDL3 aumentaram de forma semelhante entre homens e mulheres portadores dos genótipos ε3/3, ε2/3 e ε3/46. Essa ausência de diferença também foi observada para o tamanho da HDL, uma vez que as concentrações das partículas grande e pequena de HDL exibiram comportamentos distintos entre os portadores dos genótipos ε3/3, ε2/3 e ε3/4, mas não diferiram entre eles após o treinamento5. Além disso, há pesquisadores que não observaram interação entre atividade física e alelos da APOE sobre as concentrações de HDL35.

Referente às concentrações de LDL, após treinamento aeróbio, uma maior redução foi observada nos euro-descendentes (ambos os sexos) portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3 e ε2/4) em comparação àqueles com os genótipos ε3/3, ε3/4 e ε4/4, sendo que nos homens afro-descendentes, a maior redução foi encontrada nos portadores no genótipo ε2/4 e ε4/4, em comparação aqueles com o ε2/37. Por outro lado, apenas nas mulheres portadoras do alelo ε3 (ε3/3), as concentrações de LDL apresentaram correlação negativa com o VO2 máx19. Uma resposta diferenciada também foi observada nas sub-populações da LDL, pois após 6 meses de treinamento aeróbio, os portadores do genótipo ε3/3 apresentaram, respectivamente, redução e aumento nas concentrações das partículas pequenas e médias da LDL, quando comparado aqueles com os genótipos ε2/3 e ε3/45. Além dessas divergências, há pesquisadores que evidenciaram uma resposta semelhante, após o exercício, entre os portadores dos diferentes alelos6,8. Outros não observaram interação entre atividade física e os alelos da APOE sobre as concentrações de LDL17,35.

Em relação às concentrações de CT, após treinamento aeróbio, redução acentuada foi encontrada nos homens euro-descendentes, portadores do genótipo ε2/4, em relação aos portadores dos demais genótipos7. Entretanto, o VO2 máx correlacionou-se negativamente com as concentrações de CT, somente nas mulheres portadoras do alelo ε3 (ε3/3)19. Outros estudos não evidenciaram diferenças, entre os alelos, nas concentrações de CT após o exercício físico6,8.

Após treinamento aeróbio, maior redução foi observada nas concentrações de triglicerídeos em homens euro-descendentes, portadores do genótipo ε2/3 e ε3/37. Convergente a esse achado, o VO2 máx correlacionou-se negativamente com as concentrações de triglicerídeos em homens e mulheres portadores do alelo ε2 (ε2/2+ ε2/3) e ε3 (ε3/3)19. Entretanto, após ajustamento para as reduções ponderais, o maior efeito benéfico do exercício físico sobre as concentrações de triglicerídeos nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) e ε3 (ε3/3), em comparação àqueles com o alelo ε4 (ε3/4), desapareceu8. Concordante a isso, as reduções de triglicerídeos, após programa de exercício físico, foram semelhantes entre os genótipos ε2/3, ε3/3 e ε3/46. Além desses resultados, há evidências de que a atividade física intensa reduz as concentrações de triglicerídeos, de forma mais pronunciada, nos homens portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4)17, sendo as mulheres euro-descendentes portadoras do genótipo ε4/4, as que exibem uma maior redução após um programa de exercícios aeróbios7. Uma síntese dos principais resultados referentes às diferenças entre os genótipos/alelos da APOE na relação exercício físico / atividade física e lipemia, são apresentados na última coluna dos Quadros 1 (estudos de intervenção) e 2 (estudos observacionais).


GENE APOE, LIPEMIA E GORDURA CORPORAL

A obesidade está associada ao surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, uma vez que, uma maior prevalência de diabetes tipo II e hipertensão arterial são encontradas em indivíduos com índice de massa corporal (IMC) maior que 25kg/m240. Além disso, o acúmulo excessivo de gordura corporal está associado à presença de dislipidemias14 e por consequência, ao desenvolvimento de doenças cardíacas2,3.

As concentrações de CT, triglicerídeos e LDL correlacionam-se positivamente com a gordura corporal, enquanto as de HDL, negativamente12, sendo que indivíduos com sobrepeso/obesidade apresentam maiores concentrações de triglicerídeos, LDL e CT13. Entretanto, esse efeito da gordura corporal sobre a lipemia parece ser influenciado pelo polimorfismo alélico do gene APOE 20-24.

Em adultos de ambos os sexos, afro e euro-descendentes, a relação negativa existente entre o IMC e concentrações de HDL se mostrou mais acentuada entre portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), em comparação àqueles de com alelo ε4 (ε3/4+ε4/4)21. Por outro lado, em crianças e adolescentes, os indicadores antropométricos de gordura corporal correlacionaram-se negativamente com as concentrações de HDL, somente nos portadores do alelo ε3 (ε3/3) e ε4 ( ε3/4+ε4/4)24. Apesar disso, em adultos obesos e não obesos a incidência de HDL baixo foi semelhante entre os alelos21.

Em adultos de ambos os sexos, afro e euro-descendentes, o aumento do IMC acarretou maior elevação da LDL nos portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) do que naqueles com o ε2 (ε2/2+ε2/3)21. Em homens, o aumento da LDL foi maior nos portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) e ε2 (ε2/2+ε2/3) com IMC >25 kg/m2 do que naqueles com IMC <25 kg/m220. Além disso, em crianças obesas, a prevalência de valores elevados de LDL foi maior nas portadoras do alelo ε4 (ε3/4+ ε4/4), do que as com os alelos ε2 (ε2/4+ε2/3) e ε3 ( ε3/3) conjuntamente23. Um comportamento semelhante foi observado em adultos obesos e não obesos, uma vez que a incidência e a prevalência de LDL elevada foram maiores nos portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4), seguida do ε3 (ε3/3) e ε2 (ε2/2+ε2/3)21. Apesar desses achados, em crianças e adolescentes, os indicadores antropométricos de gordura corporal (índice ponderal, percentual de gordura e dobra cutânea subescapular) correlacionaram-se positivamente com as concentrações de LDL em todos os alelos24, sendo a prevalência de LDL elevada, semelhante entre as crianças obesas portadoras dos genótipos ε3/4, ε3/3 e ε2/325.

Os portadores do alelo ε2 parecem exibir, frente ao aumento da gordura corporal, uma vulnerabilidade para a elevação das concentrações de triglicerídeos. Em crianças e adolescentes portadores dos alelos ε2 (ε2/2+ε2/3) e ε3 (ε3/3), uma correlação positiva foi observada entre os indicadores antropométricos de gordura corporal (índice ponderal, percentual de gordura e dobra cutânea subescapular) e as concentrações de triglicerídeos24. Em homens e mulheres jovens, euro-descendentes, o IMC correlacionou-se positivamente com as concentrações de triglicerídeos nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), ε3 ( ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) e a relação cintura quadril somente naqueles com o alelo ε2, ε3, sem diferenças entre os alelos22. Em adultos de ambos os sexos, afro e euro-descendentes, o aumento do IMC acarretou em uma maior elevação das concentrações de triglicerídeos nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) em relação àqueles com o ε4 (ε3/4+ε4/4)21. Além disso, em adultos obesos, a incidência e a prevalência de hipertrigliceridemia isolada foram maiores nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), seguida do ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4)21. Um comportamento semelhante foi evidenciado em crianças obesas, em que as portadoras do alelo ε2 (ε2/4+ε2/3) apresentaram uma maior prevalência de hipertrigliceridemia do que aquelas com o alelo ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) conjuntamente23. Porém, em outro estudo25 também realizado em crianças obesas, a prevalência de hipertrigliceridemia foi maior nos portadores do genótipo ε3/4 em comparação àquelas com ε3/3 e ε2/3.

Em relação ao CT, nos homens portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) e ε2 (ε2/2+ε2/3), o aumento foi maior nos indivíduos com IMC >25 kg/m2 do que naqueles com IMC <25 kg/m220. Em sujeitos de ambos os sexos, o IMC apresentou maior correlação nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) do que naqueles com o genótipo ε3/322. Porém, em crianças obesas, a prevalência de valores elevados de CT não diferiu entre os portadores dos genótipos ε3/4, ε3/3 e ε2/325. Uma síntese dos principais resultados referentes às diferenças entre os genótipos/alelos da APOE, na relação gordura corporal e lipemia, são apresentados na última coluna do Quadro 3.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos analisados sugerem que os portadores do alelo ε2 são os que mais se beneficiam dos efeitos da atividade física sobre a lipemia. Além disso, a gordura corporal parece agir de forma mais pronunciada sobre a elevação dos triglicerídeos e das LDLs, nos portadores dos alelos ε2 e ε4, respectivamente. Porém, inferências seguras ainda não podem ser feitas acerca dessas interações, haja vista o reduzido número de trabalhos e suas divergências. Sendo assim, se fazem necessárias novas pesquisas que analisem outras populações e um maior número de voluntários por alelo, bem como outras modalidades e intensidades de exercício físico.

Agradecimento

Os autores agradecem a Capes pelo auxilio financeiro, bem como o fomentado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Processo 481859/2007-1.

Recebido em 08/02/11

Revisado em 15/05/11

Aprovado em 26/07/11

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  • Endereço para correspondência:

    Maria Fátima Glaner
    Departamento de Educação Física, Universidade Estadual de Londrina
    Rod. Celso Garcia Cid, km 380, Campus Universitário
    CEP 86051-990, Londrina, PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2011
    • Aceito
      26 Jul 2011
    • Revisado
      15 Maio 2011
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