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Modalidades “Cross”: Os Modelos AMRAP, RFT e EMOM são aplicáveis no contexto da Saúde?

Resumo

Atualmente, os modelos de treinamento em que são executados o número máximo de repetições/rounds ou se completa a tarefa proposta no menor tempo possível têm sido muito utilizados por grande parte dos profissionais de Educação Física. Contudo, ao nosso ver, tais modelos possuem importantes inconvenientes que contrapõem sua utilização dentro do contexto da saúde. Assim, nós fornecemos uma análise dos problemas relacionados ao controle da magnitude da carga de treinamento (volume e intensidade), a distribuição, duração e características das recuperações e, logicamente, da densidade intra-sessão. Esta análise foi realizada sem ter medido diretamente cada uma dessas propostas e se baseia na lógica da dinâmica dos esforços realizados e da potencial fadiga gerada.Em breve, esperamos poder verificar e fornecer os dados específicos para confirmar esta análise.

Palavras-chave
Educação Física e treinamento; Estilo de vida saudável; Exercício fsico

Abstract

Currently, training models based on the maximum number of repetitions/rounds or on the execution of a proposed task in the shortest possible time have been gaining ground among Physical Education professionals. However, in our opinion, these models have significant drawbacks that oppose their use in the health context. Thus, we provide an analysis of the problems related to the control and magnitude of the training load (volume and intensity), distribution, duration, and characteristics of the recovery intervals and, of course, the intra-session density. This analysis was made without having measured each of these proposals directly. It is based on the reflection of the dynamics of the efforts made and potential fatigue generated. We hope to be able to verify and provide accurate and reliable data that may support and confirm the hypothesis generated through this analysis.

Key words
Exercise; Healthy lifestyle; Physical education and training

INTRODUÇÃO

As modalidades “Cross” são caracterizadas pela realização de movimentos funcionais constantemente variados, que podem ser executados em alta intensidade. Esta modalidade contempla exercícios do levantamento de peso olímpico e básico (arranco, arremesso, levantamento terra), exercícios ginásticos e calistênicos (pull-ups, muscle-ups, handstands) e exercícios cardiometabólicos (sprints, remo, saltos com corda)1Tibana RA, de Farias DL, Nascimento DC, Da Silva-Grigoletto ME, Prestes J. Relação da força muscular com o desempenho no levantamento olímpico em praticantes de CrossFit ®. Rev Andal Med Deporte 2018;11(2):84–8.,2Tibana RA, de Sousa NMF. Are extreme conditioning programmes effective and safe? A narrative review of high-intensity functional training methods research paradigms and findings. BMJ Open Sport Exerc Med 2018;4(1):e000435.. Outras denominações têm sido usadas para se referir a estas modalidades, quando não associadas à marca CrossFit®, como Functional Fitness, Programas de Condicionamento Extremo, Treinamento de Modalidades Mistas, Treinamento Funcional de Alta Intensidade, Cross Training, entre outras modalidades popularmente chamadas “Cross”.

Normalmente a sessão de CrossFit® pode ser dividida em três partes: warm-up, skill e WOD (Workout of the day). O aquecimento (warm-up) tem o objetivo de preparar o corpo para uma atividade mais intensa. Esta parte da sessão pode ser sub-dividada em aquecimento geral e específico3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. A parte técnica da sessão (skill) tem o propósito de preparar tecnicamente o praticante para os movimentos a serem realizados no WOD. O WOD é a parte principal da sessão de treinamento, que pode ser baseada no tempo ou na tarefa. No primeiro caso, quando o WOD é baseado no tempo, o treinamento termina quando o tempo delimitado é completado. Já no segundo, quando o WOD é baseado na tarefa, o treinamento termina ao completar a tarefa3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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Alguns modelos ou tipos de sessões baseados na tarefa ou no tempo têm ganhado muita popularidade nos centros de treinamento (inclusive, muitas vezes erroneamente chamados de “método” por treinadores/coaches), tais como: realizar o número máximo de repetições ou rounds (AMRAP, do inglês “as many reps/rounds as possible”), completar a tarefa proposta no menor tempo possível (RFT, do inglês “rounds for time”) ou a cada intervalo de um minuto (EMOM, do inglês “every minute on the minute”). Além desses, existe o rounds not for time (RNFT), modelo com prioridade na técnica de movimento, em que são realizados um determinado número de rounds sem se preocupar com o tempo. Contudo, esse modelo é pouco utilizado. No geral, estes modelos têm sido prescritos englobando toda uma sessão de treinamento, o que na nossa percepção não é correto, visto que faz referência a um modelo que pode ser usado em apenas uma das três partes da sessão de treinamento.

Desta forma, quando pensamos em uma sessão de treinamento de força voltada à melhora da saúde, devemos pensar em fornecer o estímulo (dose) adequado para conseguir adaptações ótimas. Esse estímulo (dose) deve ser definido e controlado com precisão em cada uma de suas varíaveis4Toigo M, Boutellier U. New fundamental resistance exercise determinants of molecular and cellular muscle adaptations. Eur J Appl Physiol 2006;97(6):643–63. para garantir que os treinamentos sejam seguros e eficazes. Nessa perspectiva, a dose é definida fundamentalmente por duas variáveis fundamentais:

A intensidade, que no treinamento de força é definida como o grau de esforço exigido por cada unidade de ação (repetição) expressada pela velocidade média propulsiva (VMP) alcançada na primera repetição ou na repetição mais rápida em cada série de cada um dos exercícios5Heredia Elvar JR, Peña García-Orea G. El entrenamiento de la fuerza para la mejora de la condición física y la salud. Roquetas de Mar, Almería: Círculo rojo; 2019.,6González Badillo JJ, Sánchez-Medina L, Pareja-Blanco F, Rodríguez-Rosell D. La velocidad de ejecución como referencia para la programación, control y evaluación del entrenamiento de fuerza. Murcia: Ergotech Consulting; 2017..O volume, que no treinamento de força é definido como o grau de esforço que representa o total de repetições realizadas e expressado pela porcentagem de perda de velocidade alcançada em cada série de cada exercício5Heredia Elvar JR, Peña García-Orea G. El entrenamiento de la fuerza para la mejora de la condición física y la salud. Roquetas de Mar, Almería: Círculo rojo; 2019.,6González Badillo JJ, Sánchez-Medina L, Pareja-Blanco F, Rodríguez-Rosell D. La velocidad de ejecución como referencia para la programación, control y evaluación del entrenamiento de fuerza. Murcia: Ergotech Consulting; 2017..

Obviamente, o grau de fadiga alcançado em uma sessão dependerá da intensidade e do volume desenvolvido em cada exercício selecionado e no total de séries, bem como outra variável: a recuperação. A recuperação é definida como o tempo decorrido entre repetições em um mesmo exercício ou entre exercícios diferentes que visa promover um certo grau de regeneração para desenvolver um novo esforço. Essa recuperação é expressa em um valor temporal e pode ter características passivas (pausa) ou ativas.

Ao nosso ver, uma dose de treinamento adequada para a melhora de aspectos relacionados à saúde não deve levar a situações fadiga excessiva, como as encontradas por Tibana et al.7Tibana R, de Sousa N, Cunha G, Prestes J, Fett C, Gabbett T, et al. Validity of session rating perceived exertion method for quantifying internal training load during high-intensity functional training. Sports 2018;6(3):68. que encontraram altas concentrações de lactacto com médias iguais a 17.8 ± 4.9 mmol.L-1 e 17.2 ± 3.5 mmol.L-1 imediatamente após a realização de dois WODs nos modelos RFT e AMRAP, respectivamente. Além disso, um comportamento semelhante foi observado quando avaliadas as concentrações de lactato durante cada round, em outro estudo com um protocolo de exercício com 4 rounds na condição all-out8Alsamir Tibana R, Manuel Frade de Sousa N, Prestes J, da Cunha Nascimento D, Ernesto C, Falk Neto JH, et al. Is perceived exertion a useful indicator of the metabolic and cardiovascular responses to a metabolic conditioning session of functional fitness? Sports 2019;7(7):161.. Ademais, uma série de casos de rabdomiólise excessiva têm sido reportados após a realização de treinamento nessa condição9Hopkins BS, Li D, Svet M, Kesavabhotla K, Dahdaleh NS. CrossFit and rhabdomyolysis: A case series of 11 patients presenting at a single academic institution. J Sci Med Sport 2019;22(7):758–62.11Tibana R, Sousa N, Cunha G, Prestes J, Navalta J, Voltarelli F. Exertional rhabdomyolysis after an extreme conditioning competition: a case report. Sports 2018;6(2):40.. Desta forma é provável que os treinamentos em condições de máximo esforço (all-out), como o AMRAP, RFT e EMOM possam causar efeitos negativos relacionados à saúde.

Assim, descrevemos os modelos mais usados nas modalidades “Cross” e analisamos os problemas relacionados ao controle e magnitude da carga de treinamento (volume e intensidade), distribuição, duração e características dos intervalos de recuperação e, logicamente, da densidade (relação entre o trabalho realizado e o descanso) intra-sessão. Ressaltamos que essa análise foi realizada sem uma avaliação direta de cada um desses modelos e foi baseada na reflexão sobre a dinâmica dos esforços realizados e potencial fadiga gerada. Em breve, esperamos poder verificar e fornecer dados específicos para confirmar esta análise.

ENTENDENDO OS MODELOS

As many rounds/repetitions as possible (AMRAP)

É um tipo de WOD no qual o objetivo é completar o máximo número de repetições ou rounds dentro de um tempo pré-determinado. Este modelo é focado no tempo, uma vez que o tempo para completar o treinamento é fixo3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Assim, a magnitude da carga utilizada (volume e intensidade em cada um dos exercícios) varia. A quantidade de trabalho realizado é ditada pelo praticante3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Um exemplo de WOD neste modelo é o “CINDY”, no qual o objetivo é realizar a tarefa (5 pull-ups, 10 push-ups e 15 squats sem carga externa) no maior número de rounds dentro de 20 minutos3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Outro exemplo é AMRAP de 20 minutos de 400 m de corrida, 15 pull-ups em L e 5 clean and jerk com 93 kg3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Outras possíveis abreviações para este modelo são: FOR REPS, FOR ROUNDS OR REPS e MAX REPS.

Rounds for time (RFT)

É um modelo no qual se executa um número determinado de movimentos no menor tempo possível. Esse modelo possui ênfase na tarefa3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. A tarefa é fixa e o objetivo é completá-la o mais rápido possível. Neste modelo a carga absoluta não muda. O tempo para completá-la varia, sendo dependente do praticante. Um exemplo de WOD neste modelo é o “FRAN”, no qual o objetivo é realizar a tarefa (21-15-9 repetições de thrusthers com 43 kg e pull-ups sem carga externa) o mais rápido possível3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Outro exemplo é o “GRACE” que consiste em realizar 30 clean and jerks com 61 kg para os homens e 43 kg para as mulheres, no menor tempo possível3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Outras possíveis abreviações para este modelo são: TFT, 4TIME, FOUR TIME e AFAP.

Every minute on the minute (EMOM)

Este modelo consiste na realização de um número determinado de movimentos a cada intervalo de 1 minuto. Após realizar a série dentro dos 60 segundos é possível descansar no restante do tempo até que termine o minuto. Um exemplo deste tipo de WOD é o “CHELSEA”, no qual o objetivo é realizar a tarefa (5 pull-ups, 10 push-ups e 15 squats apenas com a própria massa corporal) a cada minuto dentro do tempo de 30 minutos3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Outras possíveis abreviações para este modelo são: E2MOM ou E3MOM, que significam a cada 2 ou 3 minutos. Normalmente, este tipo de WOD é baseado tanto no tempo quanto na tarefa, uma vez que ambos são fixos3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. O que varia entre os indivíduos é a quantidade de descanso experimentada a cada minuto3CrossFit. Guia de treinamento de nível 1: Estados Unidos. 2002-2020; Disponível em: http://library.crossfit.com/free/pdf/CFJ_L1_TG_Portuguese.pdf [2020 mai 01].
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. Contudo, uma exceção é quando parte do minuto é preenchida com uma tarefa fixa e o restante é preenchido com o máximo número de repetições de outra tarefa. Por exemplo, EMOM de 12 minutos (6 rounds) em que no minuto 1 se realiza 200 m de corrida e no minuto 2, 15 abdominais sit-ups mais prancha frontal no restante do intervalo de um minuto.

ANÁLISE DOS PROBLEMAS RELACIONADOS COM CADA MODELO

As many rounds/repetitions as possible (AMRAP)

No AMRAP observamos que nos exercícios de força, o praticante que deve completar o número máximo de repetições/rounds no tempo estabelecido, poderia realizar cada exercício na maior velocidade possível de execução desde a primeira repetição. Assim, aqueles para quem as diferentes cargas absolutas (massa corporal ou resistência externa) supõem uma intensidade relativa mais baixa, teoricamente, concluirão cada exercício num menor tempo. Além disso, dependendo da perda de velocidade que atingirem ao longo do tempo estabelecido, eles poderão executar um número maior de repetições/rounds no tempo total pré-definido. Desta forma, o sujeito que inicialmente poderia ter um desempenho melhor seria aquele que treina com menor intensidade relativa, podendo realizar os exercícios em uma velocidade maior e possivelmente com uma menor perda de velocidade na série, em comparação com aqueles que realizam o mesmo número de repetições com a mesma carga absoluta, que representa uma intensidade relativa maior.

Caso o sujeito decida realizar cada repetição a uma velocidade menor que a máxima possível, a fim de "regular" seus esforços e procurar atingir um número maior de repetições/rounds em um determinado período, descobriremos que a dificuldade em estimar a intensidade é ainda maior. Com a situação de que, para o mesmo número de repetições, o tempo sob tensão será maior, com as consequentes repercussões sobre a fadiga, condicionando as possibilidades de atingir velocidades mais altas em séries sucessivas, além dos efeitos potenciais do treinamento derivados desse tipo de estratégia12Mazzetti S, Douglass M, Yocum A, Harber M. Effect of explosive versus slow contractions and exercise intensity on energy expenditure. Med Sci Sports Exerc 2007;39(8):1291–301.,13González-Badillo JJ, Rodríguez-Rosell D, Sánchez-Medina L, Gorostiaga EM, Pareja-Blanco F. Maximal intended velocity training induces greater gains in bench press performance than deliberately slower half-velocity training. Eur J Sport Sci 2014;14(8):772–81..

Este tipo de organização também pode ser realizado com a inclusão de períodos de recuperação com diferentes quantidades e durações, tanto entre repetições quanto entre séries e exercícios. Esta variação estratégica teria impacto na capacidade de manter um certo nível de desempenho ao longo do tempo, mas sem dúvida nos levará ao fato de que os resultados serão apresentados com densidades diferentes, as quais, juntamente com as considerações acima mencionadas, ainda nos colocam diante do fato da dificuldade de conhecer, com certo grau de precisão, que magnitude de carga foi alcançada no treinamento por cada participante. É claro que, nesse caso, um controle preciso do grau de esforço realizado por cada participante não é possível.

Rounds for time (RFT)

Nos RFT, os exercícios são realizados com a mesma carga absoluta e o número estabelecido de repetições deve ser realizado no menor tempo possível. Desta forma, os participantes iniciam cada exercício com a mesma carga absoluta (exceto no caso da massa corporal), que normalmente terá intensidades relativas diferentes. Como o número de repetições é estabelecido e fixo, a perda de velocidade para cada sujeito pode ser diferente, portanto, o grau de fadiga alcançado será diferente na maioria dos casos. Esta variação no caráter de esforço realizado significará que, em geral, aqueles que realizam um caráter de esforço menor obterão um resultado melhor, o que normalmente implica que a velocidade média alcançada será maior, de forma que a intensidade relativa média será menor naqueles que completam os rounds em menor tempo. Mais uma vez nos deparamos com uma proposta na qual também não é possível conhecer, com certo grau de precisão, o grau de esforço desenvolvido por cada participante.

Every minute on the minute (EMOM)

No EMOM consideramos que é necessário realizar uma série de tarefas em um minuto, dentro de um determinado intervalo de tempo total, exemplo 10 ou 30 min. Neste caso, os sujeitos executam as tarefas em tal minuto e descansarão quanto tempo disponível obtiverem após a conclusão, ou seja, quem concluir as tarefas propostas mais rapidamente descansará mais.

Mais uma vez estamos perante uma proposta na qual é difícil determinar a intensidade relativa à qual cada sujeito é submetido em cada treinamento. Também devemos assumir que os sujeitos realizarão cada tarefa desde a primeira repetição na velocidade máxima possível e que a pessoa que concluir as tarefas em menor tempo se deve ao fato de que, provavelmente, a carga absoluta proposta representa uma intensidade relativa menor e provavelmente também registra uma menor perda de velocidade no número total de repetições realizadas, o que implica que o grau de fadiga alcançado provavelmente será menor.

Curiosamente, nesses casos, um caráter de esforço menor e concluir o round em menos tempo permitirá um maior tempo de recuperação. Ou seja, aqueles indivíduos que provavelmente atingiram um maior grau de fadiga e, portanto, usaram mais tempo no round, descansarão menos em comparação com aqueles que concluíram as tarefas em menor tempo e, portanto, terão mais tempo de recuperação. Além disso, à medida que as séries prossigam, é esperado que a velocidade da primeira repetição seja menor e a perda de velocidade na série seja maior, o que coloca o sujeito perante recuperações progressivamente menores à medida que avança no tempo. Logicamente, prolongar essa abordagem nos coloca diante de uma estratégia difícil de justificar desde uma perspectiva saudável.

Queremos chamar a atenção sobre algumas questões importantes:

  • Talvez não seja apropriado considerar essas propostas como "métodos de treinamento", uma vez que segundo o dicionário da língua portuguesa Aurélio14Ferreira AB de H, Ferreira MB, Anjos M dos. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5a ed. Curitiba: Editora Positivo; 2010., método é a “razão ou planificação que determina ou organiza certa atividade; ordem”. No contexto do exercício físico, método está relacionado à concretização de dois aspectos5Heredia Elvar JR, Peña García-Orea G. El entrenamiento de la fuerza para la mejora de la condición física y la salud. Roquetas de Mar, Almería: Círculo rojo; 2019.:

    1. A seleção, organização e distribuição das variáveis de programação do treinamento (principalmente volume, intensidade e recuperação).

    2. A seleção, organização e ordem ou sequência da realização dos exercícios escolhidos para a sessão de treinamento.

Por esse motivo, a especificação do método de treinamento de cada unidade de treinamento deve ser definida e considerada como um componente dependente dos outros componentes da dose de exercício (volume, intensidade, recuperação) e especificada pela seleção dos exercícios e ordem de execução daqueles estabelecidos para atingir o objetivo definido. Na maioria dessas propostas, vemos como essas variáveis não são controladas ou são de maneira pouco precisa (Tabela 1), sendo relevante observar como a intensidade relativa e o tempo de recuperação não são definidos, sendo essa última variável frequentemente deixada para a “autorregulação” do próprio praticante, o que nos coloca diante de um treinamento que não pode ser programado e definido com precisão e do qual se podem esperar resultados altamente variáveis.

Quadro 1
Análise do controle das principais variáveis de programação do treinamento durante os principais modelos de WOD.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nestas, como na maioria das propostas dentro das modalidades “Cross”, observamos que o sujeito faz um esforço (número determinado de repetições) no menor tempo possível ou faz o máximo esforço possível (maior número de repetições) para um determinado tempo. Em ambos os casos, o controle da carga relativa é praticamente impossível, portanto, não é possível chamar de treinamento algo que não é conhecido ou dosado e que, em qualquer caso implicará que, em geral, um melhor resultado será obtido por quem realizar essas tarefas com uma carga absoluta que assume um valor de carga relativa menor. Isso pode ser extremamente negativo para a saúde nos dois casos, mas especialmente no segundo caso, no qual o número máximo de repetições é realizado em um determinado período de tempo, pois isso implicaria em um índice de esforço mais alto15Rodríguez-Rosell D, Yáñez-García JM, Torres-Torrelo J, Mora-Custodio R, Marques MC, González-Badillo JJ. Effort index as a novel variable for monitoring the level of effort during resistance exercises. J Strength Cond Res 2018;32(8):2139–53..

Isso implica que, em vez de considerar esses “pseudo-métodos” como modelos de "Alta Intensidade", talvez devêssemos considerá-los como de "Alto grau de fadiga", porque na maioria dos casos, quem obtiver o melhor desempenho terá feito isso com uma intensidade relativa menor. No entanto, a maioria dos praticantes alcançarão um alto grau de fadiga, devido a importante perda de velocidade que se pode esperar dessas propostas e à baixa recuperação intra-série, inter-séries e exercícios. Esse grau de fadiga em que o praticante está situado deve ser considerado em relação às suas repercussões na perda de controle da técnica de execução em muitos dos exercícios e no potencial aumento do risco de lesão que isso poderia acarretar, questionando a adequação dessas propostas em programas com objetivos relacionados à saúde.

Como citar este artigo

  • Da Silva-Grigoletto ME, Heredia-Elvar JR, Oliveira LA. “Cross” modalities: are the AMRAP, RFT and EMOM models applicable to health? Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2020, 22:e75400. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-0037.2020v22e75400

CONFORMIDADE COM PADRÕES ÉTICOS

  • Financiamento

    Essa pesquisa não recebeu nenhum tipo de financiamento. Os autores financiaram essa pesquisa.
  • Aprovação ética

    A pesquisa foi escrita conforme as recomendações da Declaração de Helsinki.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2020
  • Aceito
    20 Jul 2020
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