Resumo
Em áreas degradadas pela remoção de horizontes superficiais do solo, como as áreas de empréstimo, poucas são as espécies vegetais capazes de se desenvolver sem a aplicação de elevadas doses de fertilizantes. As plantas da família Leguminosae, fixadoras de nitrogênio, estão entre essas poucas, visto que possibilitam rápida cobertura do solo e a estruturação do ambiente para um avanço sucessional. Em 1989, no campo experimental da Embrapa Agrobiologia, Seropédica - RJ, realizou-se a revegetação de uma área de empréstimo de argila, com espécies dessa família, noduladas e micorrizadas. Após 25 anos do plantio, avaliaram-se a fertilidade, o estoque de serrapilheira e o banco de sementes do solo, com ênfase nas espécies não arbóreas. O uso de leguminosas arbóreas mostrou-se eficaz, depositando elevada quantidade de serrapilheira e assim melhorando a fertilidade do solo, o que acarretou a ativação dos mecanismos de sucessão natural. Foram identificados no banco de sementes do solo 37 espécies/morfotipos de 16 famílias. Desse total, 25 eram não arbóreas, sendo 16 nativas e 9 naturalizadas. O estudo leva a uma reflexão sobre a necessidade de se dar mais importância a outras guildas da floresta, em projetos de restauração, mesmo considerando o sucesso das leguminosas arbóreas na catálise do processo de sucessão ecológica.
Palavras-chave:
Revegetação; Recuperação de áreas degradadas; Sucessão ecológica
Abstract
In highly degraded areas such as degraded land, human intervention is critical so that the environment can recover its ecological functions. One of the techniques used for this process is the use of leguminous trees associated with microorganisms. Ecologically, these species are distinguished by associating symbiotically with nitrogen-fixing bacteria and mycorrhizal fungi. This alliance enables a significant improvement of the plant’s nutritional status, accelerating the process of ecological succession and thus contributing to the area’s restoration. Given this knowledge, in 1989, began the revegetation of a clay loan area with seedlings nodulated and mycorrhizal legume trees. As such, this study aims to assess the ecological succession of a degraded land located in the experimental field of Embrapa Agrobiologia, Seropédica - RJ. Therefore, we evaluated the seed bank and the stock of litter. The use of leguminous trees has proved its effectiveness in activating the mechanisms of natural succession. Twenty-five years after planting legumes, 37 species of 16 botanical families emerged, besides the improvement of soil fertility and supply of litter. The study reflects the need to give more importance to other forest guilds in restoration projects, even considering the success of tree legumes in the catalysis of the ecological succession process.
Keywords:
Revegetation; Land reclamation; Ecological succession
1 INTRODUÇÃO
As áreas de empréstimo se caracterizam por locais cujos horizontes superficiais do solo foram removidos deixando o subsolo exposto. Essas áreas apresentam baixos níveis de resiliência, pois a vegetação, a matéria orgânica, o banco de sementes, o banco de plântulas e a microbiota foram retirados (MIZOBATA; CASSIOLATO; MALTONI, 2017MIZOBATA, K. K. G. S.; CASSIOLATO, A. M. R.; MALTONI, K. L. Crescimento de mudas de Baru e Gonçalo-Alves em solo degradado, suplementado com resíduo, em Ilha Solteira - SP. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 27, n. 2, p. 429-444, 2017.). Nessas condições, a intervenção humana é necessária para a recuperação das funções ecológicas do ambiente degradado.
Dentre as técnicas utilizadas, o plantio de leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio destaca-se por permitir o avanço da sucessão ecológica, reduzindo custos com a fertilização mineral. Isso é possível por sua associação simbiótica com bactérias fixadoras de nitrogênio e fungos micorrízicos, o que melhora as condições do substrato e viabiliza a entrada de espécies mais exigentes em umidade, fertilidade e sombreamento (MACEDO et al., 2008MACEDO, M. O. et al. Changes in soil C and N stocks and nutrient dynamics 13 years after recovery of degraded land using leguminous nitrogen-fixing trees. Forest Ecology and Management, Amsterdam, v. 255, p. 1516-1524, 2008.; MACHADO et al., 2010MACHADO, R. L. et al. Soil and nutrient losses in erosion gullies at different degrees of restoration. Revista Brasileira de Ciência do Solo , Viçosa, MG, v. 34, n. 3, p. 945-954, 2010.).
Entre os diversos indicadores de qualidade da restauração, a avaliação de plantas não arbóreas é um tema tratado de forma secundária, no qual o elemento arbóreo tem sido considerado catalisador suficiente para o sucesso do processo (RESENDE; LELES, 2017RESENDE, A. S. de; LELES, P. S. dos S. (ed.). Controle de plantas daninhas em restauração florestal. Seropédica: Embrapa Agrobiologia; UFRRJ, 2017. 108 p.). Muitas vezes, sequer são feitas menções sobre as espécies não arbóreas nos programas de restauração florestal e, portanto, elas sequer entram no cálculo dos índices ecológicos. No entanto, essas espécies servem de forragem para alguns herbívoros, suas flores são polinizadas por muitos insetos, seus frutos e sementes são a base alimentar de uma gama de marsupiais, roedores e pássaros, entre outras tantas funções de relevante interesse ecológico (MIRANDA et al., 2017MIRANDA, A. N. et al. Banco de Sementes em Mina de Bauxita Restaurada no Sudeste do Brasil. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 24, e00125414, 2017.). O fato de frutificarem mais de uma vez ao ano, as colocam até um certo ponto da restauração, como a principal fonte de alimentos para muitos dispersores (BATISTA NETO et al., 2007BATISTA-NETO, J. P. et al. Banco de sementes do solo de uma Floresta Estacional Semidecidual, em Viçosa, Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 17, n. 4, p. 311-320, 2007.). Se bem administradas, podem contribuir para o sucesso da restauração e, se mal, para seu fracasso (RESENDE; LELES, 2017RESENDE, A. S. de; LELES, P. S. dos S. (ed.). Controle de plantas daninhas em restauração florestal. Seropédica: Embrapa Agrobiologia; UFRRJ, 2017. 108 p.). Por não terem a relevância que deveriam ter no planejamento, não são plantadas e muitas vezes são tratadas como indesejadas nas fases de estabelecimento das plantas arbóreas. E, também, por isso, é comum não ser dada a devida importância a sua origem ou ao seu potencial invasor.
Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi o de avaliar o banco de sementes de espécies não arbóreas, a fertilidade do solo e o estoque de serrapilheira de uma área de empréstimo de argila, revegetada com leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio, 25 anos após o plantio.
2 MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado no campo experimental da Embrapa Agrobiologia, situado no município de Seropédica, Rio de Janeiro, a 33 metros acima do nível do mar, nas coordenadas 22o45’00 “S e 43o40’11” W. O tipo de clima da região, segundo a classificação de Köppen, é Aw, com verão úmido e inverno seco, apresentando temperatura média de 24,6 ºC, com máxima de 30,4oC e com precipitação média de 1.250 mm por ano, sendo julho e agosto os meses mais secos (OLIVEIRA-JUNIOR et al., 2014OLIVEIRA-JUNIOR, J. F. de et al. Análise da Precipitação e sua Relação com Sistemas Meteorológicos em Seropédica, Rio de Janeiro. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 21, n. 2, p. 140-149, 2014.). Segundo Macedo et al. (2008MACEDO, M. O. et al. Changes in soil C and N stocks and nutrient dynamics 13 years after recovery of degraded land using leguminous nitrogen-fixing trees. Forest Ecology and Management, Amsterdam, v. 255, p. 1516-1524, 2008.), a cobertura vegetal natural da região é a Floresta Ombrófila Densa. O solo da área de empréstimo é classificado como Argissolo Vermelho-Amarelo, em relevo suavemente ondulado, sendo o material originário o gnaisse (RAMOS; CASTRO; CAMARGO, 1973RAMOS, D. P.; CASTRO, A. F.; CAMARGO, M. N. Levantamento detalhado de solos da área da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 8, p. 1-27, 1973.).
Em 1989, iniciou-se a revegetação da área de empréstimo, a qual teve seu solo utilizado para a construção de barragem para armazenamento de água. Foi removida a vegetação que era de uma pastagem de gramíneas exóticas com predomínio dos gêneros Panicum e Brachiaria e os horizontes superficiais do solo até cerca de 2 m de profundidade. O processo de recuperação iniciou-se com duas espécies de leguminosas noduladas e micorrizadas, sendo elas: Mimosa caesalpiniifolia Benth. (sabiá) e Acacia auriculiformis A. Cunn. ex Benth. (acácia) e após cinco anos foi introduzida a espécie Albizia guachapelle (Kunth) Dugand (albizia), todas exóticas ao bioma. As espécies foram plantadas em espaçamento de 2 m x 2 m, em linhas intercaladas, situação pouco comum nos dias de hoje, tanto no que diz respeito à escolha das espécies quanto da sua distribuição em campo. As covas foram adubadas com 100 g de fosfato de rocha natural e 10 g de FTE BR12 (S, 3%; B, 1,8%; Mn, 2% e Zn, 9%). Foram adicionados ainda 2 L de esterco por cova. Os tratos culturais não foram feitos, tendo em vista a rápida cobertura da área, antes do surgimento de regenerantes herbáceos.
O material para estudo foi coletado em fevereiro de 2014, quando a área estava completamente revegetada, com senescência de alguns indivíduos plantados inicialmente, como a Acacia auriculiformis e a Mimosa caesalpiniifolia, nicho ocupado por diversas novas espécies vegetais que não haviam sido plantadas inicialmente. O sub-bosque encontrava-se densamente preenchido por plântulas com forte predomínio dos gêneros Piper e Solanum, situação que contrasta com a área adjacente ainda dominada pelo capim Brachiaria. Foram implantados três transectos com 50 m de comprimento para a avaliação deste estudo. Para cada transecto, foram estabelecidos quatro pontos de coleta de solo, serrapilheira e banco de sementes. Em cada ponto foi coletada uma amostra e uma réplica, com uma distância de até meio metro entre elas. Os pontos de coleta para os transectos, a partir da borda, foram de 5 m, 20 m, 35 m e 50 m, totalizando 12 amostras e 12 réplicas.
2.1 Análises do Banco de Sementes
Para coletar o banco de sementes foi feita uma pressão na parte superior de uma sonda metálica de 0,25 m x 0,25 m, até três centímetros na camada do solo. Todo o material coletado foi depositado em sacos plásticos devidamente identificados. Posteriormente, esse material foi misturado com as sementes recolhidas das amostras de serrapilheira e alocados em bandejas plásticas de 0,40 m x 0,36 m. O experimento foi instalado em casa de vegetação não estéril, com circulação de ar forçada. Durante três meses foi regado diariamente para que as sementes ali contidas pudessem germinar. Ao longo do estudo do banco de sementes foram feitos quatro períodos destinados ao processo de identificação taxonômica das famílias, com o auxílio da literatura especializada (LORENZI, 1994LORENZI, H. Manual de identificação e controle de plantas daninhas: plantio direto e convencional. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum , 1994. 299 p.; 2000LORENZI, H. Ervas daninhas do Brasil: terrestres, aquáticas, parasitas e tóxicas. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum, 2000. 608 p.; SOUZA; LORENZI, 2008SOUZA, V. C.; LORENZI, H. Botânica sistemática: Guia ilustrado para identificação das famílias de Fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado no APG II 2. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum , 2008. 704 p. ) e chegando no nível de espécie, com auxílio de especialistas, quando possível. Depois de identificadas, as plântulas foram retiradas da bandeja para facilitar a germinação de novos indivíduos. A forma de vida (herbácea, subarbustiva, arbustiva e arbórea) e a origem (nativa, naturalizada ou exótica) foram obtidas após consulta a dados contidos na Flora do Brasil (JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO, 2020JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. Flora do Brasil 2020. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/. Acesso em: 22 mar. 2021.
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).
Por fim, calcularam-se os índices de diversidade de Shannon-Weaver, que analisa a forma em que uma espécie está distribuída no ecossistema e de equitabilidade de Pielou, que se refere ao padrão (semelhança ou divergência) em que o número de indivíduos está distribuído entre as espécies. Foi feito o cálculo da constância de todas as espécies e morfotipos. Valor baseado no percentual de amostras em que os indivíduos de uma determinada espécie foram encontrados. Por último, considerando o somatório da área coletada a partir do uso da sonda metálica, e o número de sementes total, extrapolou-se o resultado para número de sementes germinadas de cada espécie, por hectare.
2.2 Estoque de Serrapilheira
Para quantificar o estoque de serrapilheira foi utilizada a mesma sonda metálica, nos mesmos pontos da amostragem do banco de sementes do solo. A sonda foi colocada na superfície do solo para demarcar a área de 0,25 m x 0,25 m e todo o material ali contido foi coletado. Após a coleta, o material das duas amostras de cada ponto, foi acondicionado em sacos plásticos devidamente identificados. Em seguida, as sementes foram separadas manualmente para que pudessem ser utilizadas na análise do banco de sementes. A serrapilheira foi colocada em sacos de papel identificados e encaminhada para o Laboratório de Leguminosas Florestais da Embrapa Agrobiologia, no qual foi colocada em estufa de ventilação forçada a 65°C, por 72 h ou até atingir peso constante e em seguida pesado em balança semianalítica com precisão de duas casas decimais para obtenção da massa seca.
2.3 Parâmetros Químicos do Solo
A coleta do solo foi realizada na profundidade de 0-5 cm, com o auxílio de um trado holandês. As amostras foram secas por três dias à sombra, destorroadas e passadas na peneira de 2 mm. Em seguida, foram encaminhadas para o Laboratório de Química Agrícola da Embrapa Agrobiologia para análise de C; Al; Ca e Mg; K; N; P e pH, seguindo Embrapa (1997)EMBRAPA. Manual de métodos de análises de solo. 2. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura e do Abastecimento, 1997. 212 p. .
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Banco de Sementes
A curva espécie-área (Figura 1) permite concluir que houve estabilização do número de espécies novas, a partir do 7° ponto coletado. No total, obtiveram-se 37 táxons, sendo identificados 29 espécies e 8 morfotipos, amostrados nos 12 pontos de coleta.
No banco de sementes do solo houve a germinação de um total de 481 indivíduos, de 37 espécies/morfotipos, pertencendo a 16 famílias botânicas. Dentre essas, somente 6 espécies/ morfotipos eram arbóreos e 31 não arbóreas. Do total de indivíduos, 70 eram arbóreos (14 %) e 60 oriundos das espécies plantadas inicialmente. Deve-se ressaltar que é possível que o curto espaço de tempo decorrido entre a montagem e o término do experimento (3 meses) não tenha sido suficiente para avaliar o banco de sementes do componente arbóreo e, portanto, esse número pode ser mais elevado do que o obtido neste estudo. No entanto, esta informação indica as espécies arbóreas que poderiam ocupar mais rapidamente os nichos quando da abertura de uma clareira. Esses valores foram inferiores aos obtidos por Miranda et al. (2017MIRANDA, A. N. et al. Banco de Sementes em Mina de Bauxita Restaurada no Sudeste do Brasil. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 24, e00125414, 2017.) que, trabalhando em Minas Gerais, em áreas de mineração de bauxita com 10 anos após o plantio de restauração, encontraram 69 espécies/morfotipos de 23 famílias botânicas. É importante relatar que o esforço amostral do estudo de Miranda et al. (2017)MIRANDA, A. N. et al. Banco de Sementes em Mina de Bauxita Restaurada no Sudeste do Brasil. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 24, e00125414, 2017. foi quatro vezes maior do que o deste estudo. É muito difícil encontrar trabalhos na literatura que padronizem procedimentos amostrais. Isso tornaria a comparação mais confiável e deve ser estimulado por equipes que trabalham com o tema.
Já os indivíduos de porte não arbóreo representaram 85 % da germinação. Desse total de 411 indivíduos, 342 eram herbáceos (72 %), 55 eram arbustos (11 %) e 14 indivíduos eram subarbustos (3%). Extrapolando esses números para um hectare, esses valores representam 2,28 milhões de sementes de plantas herbáceas, 360 mil de arbustos, 93 mil sementes de subarbusto/lianas e 466 mil de árvores. Totalizando o equivalente a 3,2 milhões de sementes germinadas por hectare. Esse resultado, com o predomínio de sementes de espécies herbáceas, corrobora os encontrados em outros trabalhos dessa natureza em áreas da Mata Atlântica (GASPARINO et al., 2006GASPARINO, D. et al. Quantificação do banco de sementes sob diferentes usos do solo em área de domínio ciliar. Revista Árvore , Viçosa, MG, v. 30, n. 1, p. 1-9, 2006. ; MIRANDA et al., 2017MIRANDA, A. N. et al. Banco de Sementes em Mina de Bauxita Restaurada no Sudeste do Brasil. Floresta e Ambiente , Seropédica, v. 24, e00125414, 2017.;). Correia e Martins (2015CORREIA, G. G. S.; MARTINS, S. V. Banco de Sementes do Solo de Floresta Restaurada, Reserva Natural Vale, ES. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 22, p. 79-87, 2015.), ao estudarem o banco de sementes em um fragmento restaurado de Floresta Ombrófila Densa, encontraram a ocorrência de 82 % de espécies não arbóreas. Nesse mesmo estudo, em uma floresta ombrófila densa primária, a germinação de indivíduos não arbóreos foi de 51 %. O que pode significar que o banco de sementes do solo e a proporção de espécies herbáceas presente no banco pode ajudar a indicar o estágio sucessional e a estabilidade do fragmento, frente a um novo distúrbio.
A dominância de espécies não arbóreas é comum em trabalhos realizados com banco de sementes de comunidades florestais fragmentadas. Principalmente, por haver a presença de pastagens e cultivos agrícolas próximos ao fragmento florestal (CIELO-FILHO; SOUZA, 2016CIELO-FILHO, R.; SOUZA, J. A. D. de. Assessing passive restoration of an Atlantic Forest site following a Cupressus lusitanica Mill. plantation clearcutting. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 26, n. 2, p. 475-488, 2016.). Esses resultados levam a uma reflexão sobre as diferentes formas de vida e as proporções que se encontram no banco de sementes da floresta. Ao mesmo tempo em que conduz à pergunta: ao serem utilizadas somente árvores em programas de reflorestamento, restauram-se, de fato, florestas? Será que a demasiada preocupação com uma das guildas, é suficiente do ponto de vista ecológico?
Outra questão a ser levantada diz respeito à origem das espécies. Os termos nativa (espécie que evoluiu e ocorre naturalmente em um dado local), naturalizada (espécie exótica que se reproduz no local de introdução, estabelecendo uma população sem a necessidade de intervenção humana direta, mas que não se dispersa para longe) e exótica (espécie que está em ambiente diferente de seu local de origem, por ação do homem (intencional ou acidental)), foram obtidos da classificação da Flora do Brasil (JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO, 2020JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. Flora do Brasil 2020. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.br/. Acesso em: 22 mar. 2021.
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). No presente trabalho, foram consideradas nativas as espécies de ocorrência no Brasil e não de forma restrita ao bioma, como é mais usual. Isso ocorreu em função da dificuldade de se obter na literatura, informações mais precisas de ocorrência natural, para espécies que não sejam árvores. Do total de 25 espécies não arbóreas identificadas e que germinaram no banco de sementes (excluindo as arbóreas e as não identificadas), 16 eram nativas e 9 naturalizadas. O banco de sementes do solo de espécies não arbóreas em grande parte é caracterizado por espécies não nativas. Esse fato é pouco considerado em programas de restauração ecológica. É importante ressaltar que apesar de haver espécies arbóreas consideradas invasoras no plantio inicial, como é o caso de Acacia auriculiformis, esta não apresentou dominância no banco de sementes e não foi observada de forma significativa no banco de plântulas (observação visual dos autores). Embora, em áreas de pastagens no entorno, sua presença tenha sido notada, indicando que é uma espécie tipicamente invasora de áreas abertas e não de áreas sombreadas.
O cálculo da constância determina a porcentagem em que os indivíduos de uma determinada espécie foram encontrados na amostragem (Tabela 1). Nota-se que plantas do gênero Solanum estiveram presentes em boa parte das amostras. As espécies arbóreas plantadas em 1989 e a Trema micrantha também se destacaram. Para as espécies não plantadas que apresentaram elevada constância entre as parcelas, quase todas tinham dispersão zoocórica, o que demonstra que um componente não avaliado no sistema, os agentes dispersores, parecem estar bem ativos na área e esse fato reforça a recuperação dessa função ecológica a partir do plantio original.
Verifica-se pela Figura 2 que as bordas dos transectos sempre apresentaram as maiores riquezas (entre 8 e 13 espécies), embora nem sempre tenham apresentado o maior número de indivíduos (Figura 3). Segundo Almeida (2016ALMEIDA, D. S. Alguns princípios de sucessão natural aplicados ao processo de recuperação. In: ALMEIDA, D. S. Recuperação ambiental da Mata Atlântica. 3. ed. Ilhéus, BA: Editus, 2016. 200 p.), as espécies não arbóreas se desenvolvem preferencialmente em locais com maior luminosidade, o que explica o resultado encontrado, uma vez que nas bordas há maior incidência de luz além de maior proximidade com as fontes de propágulos.
Riqueza total de espécies na regeneração natural em área de empréstimo, 25 anos após o plantio em Seropédica - RJ
O índice de diversidade de Shannon-Weaver foi de 3,98, semelhante aos valores encontrados por Parizotto et al. (2019PARIZOTTO, A. et al. Florística e diversidade da regeneração natural em clareiras em Floresta Ombrófila Mista. Pesquisa Florestal Brasileira, Colombo, v. 39, n. 1, p. 1-9, 2019. DOI: 10.4336/2019.pfb.39e201801711.
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), de 3,25 em clareiras situadas em floresta ombrófila mista e maiores que os valores encontrados por Amaral et al. (2013AMARAL, L. de P. et al. Variabilidade espacial do índice de diversidade de Shannon - Wiener em Floresta Ombrófila Mista. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 41, n. 97, p. 83-93, mar. 2013.) em uma Floresta Ombrófila em Santa Maria - RS que variou de 1,04 a 2,68, ambos os estudos considerando somente espécies lenhosas. A equitabilidade de Pielou foi de 0,76, valor que pode ser considerado dentro do esperado tendo em vista a variação de formas de vida avaliadas.
3.2 Estoque de Serrapilheira
O estoque de serrapilheira variou de 7,2 a 16,1 Mg ha-1 (Figura 3). As florestas tropicais apresentam produção de serrapilheira que varia de 6 a 12 Mg ha-1. Esse fator depende do nível sucessional e condições ambientais da área (FERNANDES et al., 2018FERNANDES, M. M. et al. Aporte de serrapilheira em reflorestamento misto. Acta Biológica Catarinense, Joinville, v. 5, p. 90-97, 2018.). Em estudo realizado em Seropédica RJ, em condições similares ao deste estudo por Costa et al. (2004COSTA, G. S. et al. Aporte de nutrientes pela serapilheira em uma área degradada e revegetada com leguminosas arbóreas. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, MG, v. 28, p. 919-927, 2004.), os valores de serrapilheira depositada anualmente variaram entre 6 e 11 Mg/ha. Diferença justificada pela menor idade de plantio (10 anos, contra 25 anos deste estudo). Villa et al. (2016VILLA, E. B. et al. Aporte de Serapilheira e Nutrientes em Área de Restauração Florestal com Diferentes Espaçamentos de Plantio. Floresta e Ambiente , Seropédica, RJ, v. 23, n. 1, p. 90-99, 2016.) em plantios de 6 anos, também em Seropédica, encontraram valores de serrapilheira entre 5 e 7,5 Mg/ha. Esses resultados demonstram que a idade é fundamental para o acúmulo de serrapilheira sobre o solo, mas indica que há um ponto de equilíbrio entre deposição e decomposição, o que gera uma certa estabilidade na quantidade de serrapilheira existente sobre o solo. Segundo Costa, Macedo e Silva (2010)COSTA, C. C. A.; MACEDO, I. D.; SILVA, P. C. M. Análise comparativa da produção de serrapilheira em fragmentos arbóreos e arbustivos em área de Caatinga na Flona de Açu - RN. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 34, n. 2, p. 259-265, 2010., o acúmulo de serrapilheira oferece condições mais favoráveis para o restabelecimento de novas espécies e contribui para o avanço da sucessão ecológica da área. Mas até que ponto a serrapilheira poderia ser considerada barreira para a germinação do banco de sementes? Essa é uma questão que não pôde ser elucidada, tendo em vista que não foi observada relação direta entre os valores de serrapilheira e o número de indivíduos nos diferentes pontos avaliados, mas é uma questão que precisa ser abordada em novos estudos.
Quantidade de serrapilheira acumulada nos pontos de coleta, 25 anos após o reflorestamento, Seropédica - RJ
3.3 Parâmetros Químicos do Solo
Os parâmetros químicos do solo avaliados (Tabela 2) não demonstraram diferenças significativas entre os diferentes pontos amostrados. No entanto, destacam-se os valores de carbono e nitrogênio do solo. Ao se considerar que a área teve seu horizonte superficial removido até 2 m de profundidade, nota-se que a intervenção feita com as leguminosas fixadoras de nitrogênio, além de possibilitar a retomada do banco de sementes do solo, também favoreceu suas características químicas quando comparada com a área sem intervenção do entorno e cujos dados são apresentados em Macedo et al. (2008MACEDO, M. O. et al. Changes in soil C and N stocks and nutrient dynamics 13 years after recovery of degraded land using leguminous nitrogen-fixing trees. Forest Ecology and Management, Amsterdam, v. 255, p. 1516-1524, 2008.), em trabalho realizado cerca de 8 anos antes deste. Isso demonstra o papel importante dessa família na estruturação do ambiente, para possibilitar o avanço da sucessão natural da área.
4 CONCLUSÃO
O uso de leguminosas arbóreas mostrou-se eficaz na ativação dos mecanismos de sucessão natural, aumentando a fertilidade do solo e permitindo o estabelecimento de valores significativos de banco de sementes e serrapilheira depositada, após 25 anos de revegetação.
Surgiram no banco de sementes do solo 37 espécies/morfotipos de 16 famílias botânicas, sendo mais de 80% plantas não arbóreas, em boa parte naturalizadas, representando a matriz vegetal predominante em torno do fragmento.
É preciso avaliar o banco de sementes do solo em projetos de restauração florestal, com o objetivo de melhorar as recomendações no que tange à introdução e ao manejo de espécies não arbóreas, bem como para definir a necessidade de intervenções de enriquecimento dos fragmentos implantados.
Referências
- ALMEIDA, D. S. Alguns princípios de sucessão natural aplicados ao processo de recuperação. In: ALMEIDA, D. S. Recuperação ambiental da Mata Atlântica. 3. ed. Ilhéus, BA: Editus, 2016. 200 p.
- AMARAL, L. de P. et al Variabilidade espacial do índice de diversidade de Shannon - Wiener em Floresta Ombrófila Mista. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 41, n. 97, p. 83-93, mar. 2013.
- BATISTA-NETO, J. P. et al Banco de sementes do solo de uma Floresta Estacional Semidecidual, em Viçosa, Minas Gerais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 17, n. 4, p. 311-320, 2007.
- CIELO-FILHO, R.; SOUZA, J. A. D. de. Assessing passive restoration of an Atlantic Forest site following a Cupressus lusitanica Mill. plantation clearcutting. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 26, n. 2, p. 475-488, 2016.
- CORREIA, G. G. S.; MARTINS, S. V. Banco de Sementes do Solo de Floresta Restaurada, Reserva Natural Vale, ES. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 22, p. 79-87, 2015.
- COSTA, C. C. A.; MACEDO, I. D.; SILVA, P. C. M. Análise comparativa da produção de serrapilheira em fragmentos arbóreos e arbustivos em área de Caatinga na Flona de Açu - RN. Revista Árvore, Viçosa, MG, v. 34, n. 2, p. 259-265, 2010.
- COSTA, G. S. et al Aporte de nutrientes pela serapilheira em uma área degradada e revegetada com leguminosas arbóreas. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, MG, v. 28, p. 919-927, 2004.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2022
Histórico
-
Recebido
05 Jun 2020 -
Aceito
18 Ago 2021 -
Publicado
24 Jun 2022