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Variabilidade espaço-temporal de ocorrência e recorrência de fogo no Bioma Caatinga usando dados do sensor MODIS

Spatio-temporal variability of fire occurrence and recurrence in the Caatinga Biome using MODIS sensor data

RESUMO

O uso do fogo de forma indiscriminada, a cada ano vem causando um desequilíbrio na natureza, que pode ser percebido em âmbito global. O sensoriamento remoto, representa a principal alternativa tecnológica na detecção, dimensionamento e na compreensão da dinâmica do fogo. Assim, o objetivo desse estudo foi analisar a distribuição espaço-temporal das áreas queimadas do Bioma Caatinga por meio do produto MODIS MCD64A1, no período de 2001 a 2018. Para isso, foram utilizados os subconjuntos mensais do produto Burned Area MCD64A1. Adotou-se também a classificação do Canadian Forest Service, no qual define as áreas queimadas em cinco classes diferentes: I (0-0,09 ha); II (0,1-4,0 ha); III (4,1-40,0 ha); IV (40,1-200,0 ha); V(>200,0 ha). Os resultados alcançados nesse estudo revelam que o estado do Piauí apresenta estatisticamente maior média de ocorrências de incêndios e área queimada na série temporal. Os meses que tiveram as maiores áreas queimadas no bioma foram setembro, agosto e outubro e maior recorrência de maio a dezembro. As classes de tamanho de área queimada que apresentaram maiores ocorrências foram III, IV e V. O bioma sofre sistemático crescimento de degradação, o que potencializa sua fragilidade ante ao fogo.

Palavras-chave
Incêndios florestais; Sensoriamento remoto; Estatísticas do fogo; Monitoramento ambiental

ABSTRACT

The indiscriminate use of fire, every year has been causing an imbalance in nature, which can be perceived globally. The remote sensing represents the main technological alternative in detecting, dimensioning and understanding the dynamics of fire. Thus, the objective of this study was to analyze the spatio-temporal distribution of the burned areas of the Caatinga Biome using the MODIS MCD64A1 product, from 2001 to 2018. For this, the monthly subsets of the Burned Area MCD64A1 product were used for the period of study. The Canadian Forest Service classification was also adopted, which defines the burned areas in five different classes: I (0-0.09 ha); II (0.1-4.0 ha); III (4.1-40.0 ha); IV (40.1-200.0 ha); V (>200.0 ha). The results achieved in this study reveal that the state of Piauí has a statistically higher average of fire occurrences and burned area in the times series. The months that had the largest burned areas in the biome were September, August and October and the greatest recurrences of burned areas from May to December. The burned area size classes that presented the highest occurrences were III, IV e V. The biome undergoes systematic growth of degradation, which enhances its fragility in the face of fire.

Keywords
Forest fires; Remote sensing; Fire statistics; Environmental monitoring

1 INTRODUÇÃO

A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro, caracterizado por apresentar uma vegetação fortemente sazonal, manifestada junto a diferentes fisionomias, divididas em estratos arbustivo, arbóreo e herbáceo. Nos últimos anos, esse bioma encontra-se sensibilizado devido ao uso insustentável de seus recursos naturais, através de várias atividades antrópicas, o que está acelerando o seu processo de degradação (MELO; CIRNE, 2019MELO, A. V.; CIRNE, M. V. Análise do programa de Brigadas em Pernambuco no contexto da importância das ações do manejo integrado do fogo. Biodiversidade Brasileira, Brasília, n. 1, p. 299, 2019. ).

A degradação desse ambiente está inteiramente ligado à exploração dos seus recursos florestais, sobretudo, pelo uso do fogo em diversas práticas agrícolas, comprometendo esse ecossistema e tornando-o mais vulnerável à dinâmica dos processos de mudanças climáticas (MELO; CIRNE, 2019MELO, A. V.; CIRNE, M. V. Análise do programa de Brigadas em Pernambuco no contexto da importância das ações do manejo integrado do fogo. Biodiversidade Brasileira, Brasília, n. 1, p. 299, 2019. ).

É eminente a ocorrência de incêndios florestais em todo território brasileiro, principalmente na queima de biomassa vegetal. A intensificação dessa prática, utilizada no manejo de diferentes culturas, ocasiona diversos prejuízos ecológicos, paisagísticos e econômicos; acomete os variados biomas brasileiros, que em sua maioria são susceptíveis a incêndios florestais, em maior ou menor intensidade, dentre eles o bioma Caatinga (JESUS et al., 2020JESUS, J. B. D.; ROSA, C. N. D.; BARRETO, Í. D. D. C.; FERNANDES, M. M. Análise da incidência temporal, espacial e de tendência de fogo nos biomas e unidades de conservação do Brasil. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 30, n. 1, p. 176-191, 2020. https://doi.org/10.5902/1980509837696
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).

O aumento considerável no número de incêndios florestais no Brasil tem se tornado cada vez mais crítico a cada ano, devido ao aumento da extensão das áreas queimadas e os consequentes danos ao meio ambiente e à produção florestal (EUGENIO et al., 2018EUGENIO, C. F.; SANTOS, A. R.; FIEDLER, N. C.; SILVA, A. G.; SOARES, P. V.; GLERIANI, J. M.; RIBEIRO,C. A. A. S. Definição de locais ótimos para instalação de torres de detecção de incêndios florestais: uma abordagem geotecnológica e estatística. In: LORENZON, A. S.; BRIANEZI, D.; VALDETARO, E. B.; MARTINS, M. C. (org.). Incêndio florestal: princípios, manejo e impactos. Viçosa, MG, UFV, p. 141-155, 2018.). Nesse cenário, à medida que os efeitos atingem a biodiversidade, estrutura e a dinâmica das florestas, causando uma instabilidade ambiental, torna-se necessário um maior conhecimento e informações que auxiliam o monitoramento do fogo e gestão de riscos de incêndios.

Frente a esses fatos, uma das ferramentas essenciais para se definir estratégias de prevenção e combate a incêndios, indispensável para assegurar um gerenciamento eficiente, são os registros de ocorrência de queimadas. Aliado a essa informação, torna-se fundamental a quantificação da sua recorrência. Entendimento importante, que auxilia na definição de estratégias de gestão ideais para cada região.

Nesse sentido, o sensoriamento remoto mostra-se fundamental na comparação visual e estatística mediante a informações de satélites de alta a baixa resolução espacial, que fornece uma série de dados e produtos que auxiliam na identificação, caracterização e estudo dessas áreas queimadas (GIGLIO et al., 2018GIGLIO, L.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. P.; HUMBER, M. L.; JUSTICE, C. O. The Collection 6 MODIS burned area mapping algorithm and product. Remote Sensing of Environment, v. 217, n. July, p. 72–85, 2018. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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).

A estimativa do impacto do fogo no ambiente pode ser realizado por meio de informações da localização dos incêndios e sua extensão em termo de área queimada, levantamento fundamental para detecção das áreas de ocorrência/recorrência e dimensionamento dos efeitos produzidos pelo fogo. Essa delimitação é possível, a partir de dados do sensoriamento remoto por meio da utilização de dados de sensores que apresentam características geométricas e radiométricas apropriadas à localização e discriminação de área queimada (SILVA et al., 2017SILVA, J. R. S.; SILVA, A. S. A.; SOUZA FERREIRA, D. V.; SILVA, H. S.; SOUZA, R. B.; SOUTO ARAÚJO, L. Análise da complexidade temporal de variáveis climáticas no bioma Caatinga. Gaia Scientia, João Pessoa, v. 11, n. 2, 2017. ).

A disponibilidade de diversos métodos e algoritmos de classificação digital de imagens em plataformas SIGs (Sistema de Informação Geográfica), tem contribuído muito na busca de reconhecimento de padrões espectrais para classificar os pixels, útil para o desenvolvimento de processos operacionais. Dentre eles, tem-se o sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), a bordo dos satélites TERRA e AQUA, lançado pela NASA como parte do programa Earth Observation System (EOS), desenvolvido para promover o monitoramento da superfície terrestre, dos oceanos e da atmosfera (JUSTICE et al., 2002JUSTICE, C. O.; TOWNSHEND, J. R. G.; VERMOTE, E. F.; MASUOKA, E.; WOLFE, R. E.; SALEOUS, N.; MORISETTE, J. T. An overview of MODIS Land data processing and product status. Remote sensing of Environment, v. 83, n. 1-2, p. 3-15, 2002. https://doi.org/10.1016/S0034-4257(02)00084-6
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).

Existem diversos produtos gerados a partir do sensor MODIS, com o objetivo de detectar e quantificar as mudanças da cobertura terrestre, auxiliando nos diversos modelos regionais e globais existentes. Um deles é o produto MODIS MCD64A1, que apresenta uma boa performance em relação a outros produtos de moderada resolução espacial disponíveis (GIGLIO et al., 2018GIGLIO, L.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. P.; HUMBER, M. L.; JUSTICE, C. O. The Collection 6 MODIS burned area mapping algorithm and product. Remote Sensing of Environment, v. 217, n. July, p. 72–85, 2018. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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) e oferece informação da quantidade de área queimada, baseada em pixels disponibilizado mensalmente (desde o mês de novembro de 2000 até os dias atuais), a partir de um algoritmo automatizado que detecta rápidos padrões de alterações na série temporal de refletividade da superfície, detectada pelos sensores MODIS (ALVES; ALVARADO, 2019ALVES, D. B.; ALVARADO, S. T. Variação espaço-temporal da ocorrência do fogo nos biomas brasileiros com base na análise de produtos de sensoriamento remoto. Geografia, Rio Claro v. 44, n. 2, p. 321, 2019. https://doi.org/10.5016/geografia.v44i2.15119
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).

Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo analisar a distribuição espaço-temporal e padrões de ocorrência e recorrência das áreas queimadas no bioma Caatinga, por meio do produto MODIS MCD64A1, no período de 2001 a 2018.

2 MATERIAIS E METÓDOS

O estudo foi desenvolvido na área que compreende o Bioma Caatinga. Região de uma rica biodiversidade, que a caracteriza como o semiárido mais biodiverso do mundo (SEYFFARTH; RODRIGUES, 2017SEYFFARTH, J. A. S.; RODRIGUES, V. Impactos da seca sobre a biodiversidade da Caatinga. Parcerias Estratégicas, v. 22, n. 44, p. 41-62, 2017.). O Bioma Caatinga, tem seu domínio estendido por cerca de 912.529 km², o que corresponde aproximadamente a 11% do território nacional, presente em 10 estados brasileiros: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe (Figura 1).

Figura 1
Localização da área de estudo

De acordo com as informações oficiais do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, disponibilizadas pelo Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) para a Caatinga, 8,81% (75.958 km²) de toda a área são classificadas como unidades de conservação, sendo 2,23% (19.270 km²) de áreas de proteção integral, 6,44 % (55.589 km²) de áreas de uso sustentável e 0,13% (1.099 km²) de sobreposição das áreas de proteção integral (PI) e áreas de uso sustentável (US) (MMA, 2019MMA. Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, 2019. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs
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).

A Caatinga apresenta uma longa estação seca, irregularidade pluviométrica, com precipitação anual média entre 400 e 1200 mm. Grande parte do bioma possui clima semiárido, com temperaturas médias elevadas entre 25 e 30°C. A caatinga é caracterizada pela presença de floresta sazonal seca de limites inteiramente restritos ao território brasileiro, apresentando um mosaico que reúne variações fisionômicas e flora diversificada, proporcionando um ambiente heterogêneo (SOUZA et al., 2017SOUZA, M. P.; COUTINHO, J. M. D. C. P.; SILVA, L. S.; AMORIM, F. S.; ALVES, A. R. Composição e estrutura da vegetação de caatinga no sul do Piauí, Brasil. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 12, n. 2, p. 210-217, 2017. https://doi.org/10.18378/rvads.v12i2.4588
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).

A fitofisionomia predominante na Caatinga, em sua maioria, apresenta capacidade adaptativa para condições de déficit hídrico, o qual a classifica como xerófila. Além de apresentar uma vegetação arbustiva decídua, caducifólia e espinhosa, cujas folhas são perdidas durante a estação seca (BATISTA et al., 2019BATISTA, F. G.; OLIVEIRA, B. T.; ARAÚJO A. M. E., BRITO, M. S.; MELO, R. R.; ALVES, A. R. Florística e fitossociologia em um remanescente florestal de caatinga no município de caicó-rn, brasil. DESAFIOS- Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do Tocantins, Palmas v. 6, n. 3, p. 118-128, 2019. http://dx.doi.org/10.20873/uftv6-7469
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).

2.1 Sensor MODIS

O Sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), produto do satélite Terra e Aqua, lançado em 1999 e 2002, fazem parte do sistema de observação da Terra da NASA (EOS), coletando dados desde fevereiro de 2000. Essa série oferece informações importantes para análise da dinâmica e modificação da paisagem em relação à presença do fogo (ARAÚJO; FERREIRA, 2015ARAÚJO, F. M.; FERREIRA, L. G. Satellite-based automated burned area detection: A performance assessment of the MODIS MCD45A1 in the Brazilian savanna. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, Amsterdam, v. 36, p. 94-102, 2015. https://doi.org/10.1016/j.jag.2014.10.009
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).

Os satélites Terra e Aqua percorrem a superfície terrestre entre 1 e 2 dias, respectivamente. A órbita do satélite Terra é sincronizada para passar de norte a sul na linha do equador na parte da manhã e o Aqua, de sul para norte no período da tarde. Frequentemente, esse sensor vem sendo utilizado para realização de mapeamento de áreas queimadas em escala global, pois oferecem além da resolução temporal, melhor resolução espectral e radiométrica, melhor resolução espacial nas bandas espectrais da região do visível e infravermelho próximo e médio (JUSTICE et al., 2002JUSTICE, C. O.; TOWNSHEND, J. R. G.; VERMOTE, E. F.; MASUOKA, E.; WOLFE, R. E.; SALEOUS, N.; MORISETTE, J. T. An overview of MODIS Land data processing and product status. Remote sensing of Environment, v. 83, n. 1-2, p. 3-15, 2002. https://doi.org/10.1016/S0034-4257(02)00084-6
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).

O sensor MODIS, possui 36 bandas espectrais, distribuídas entre o visível e o infravermelho termal, fornecidas pelo instrumento de varredura que fornece o imageamento das bandas, sendo projetadas para evitar as bandas de absorção atmosférica e possibilitar a observação de propriedades das nuvens, dinâmica e propriedades da vegetação na superfície terrestre, e a temperatura da superfície (ARAÚJO; FERREIRA, 2015ARAÚJO, F. M.; FERREIRA, L. G. Satellite-based automated burned area detection: A performance assessment of the MODIS MCD45A1 in the Brazilian savanna. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, Amsterdam, v. 36, p. 94-102, 2015. https://doi.org/10.1016/j.jag.2014.10.009
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).

2.2 Produto MCD64A1

O produto MCD64A1 da coleção 6, é o terceiro reprocessamento da série temporal MODIS que tem como objetivo melhorar as versões anteriores, pois oferece uma redução das incertezas de detecção e aumento de 26% na detecção de queimadas em relação às coleções anteriores, oferecendo uma melhor detecção de pequenas queimadas. É um produto mensal de grade de 500 m, que possui informações de qualidade e área queimada por pixel. Os dados incluem data de queima (Burned Date), incertezas de dados de queima (Burnerd Data Uncertainty), garantia de qualidade (Quality Assurance) (GIGLIO et al., 2018GIGLIO, L.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. P.; HUMBER, M. L.; JUSTICE, C. O. The Collection 6 MODIS burned area mapping algorithm and product. Remote Sensing of Environment, v. 217, n. July, p. 72–85, 2018. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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).

O algoritmo de detecção de área queimada do MCD64A1 da coleção 6, utiliza o Terra e Aqua corrigidos atmosfericamente definidos em projeção sinusoidal. O algoritmo produz imagens persistentes na série temporal através de um índice de vegetação sensível à queima resultante das bandas de infravermelho de onda curta 5 e 7 do MODIS, assim caracterizando as mudanças relacionadas à queima e as não relacionadas à queima, mediante as informações espaciais e temporais de fogo ativo (GIGLIO et al., 2018GIGLIO, L.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. P.; HUMBER, M. L.; JUSTICE, C. O. The Collection 6 MODIS burned area mapping algorithm and product. Remote Sensing of Environment, v. 217, n. July, p. 72–85, 2018. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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).

2.3 Banco de dados de área queimada

A base de dados utilizada para a análise das áreas queimadas, para o bioma Caatinga foram compostas pelos subconjuntos mensais do produto Burned Area MCD64A1 em formato shapefile para o período de estudo (2001-2018). A obtenção do produto MCD64A1, disponibilizado pelo servidor File Transfer Protocol (FTP), foi feita por meio do site http://modis-fire.umd.edu/ pelo software SmartFTP. Os arquivos estão disponíveis em projeção sinusoidal Lat-Long e extensão geográfica em janelas subcontinentais, que para a área de estudo é delimitada pela janela 5 e 6.

Os mapas mensais de área queimada foram então projetados para a projeção Universal Transversa de Mercador (UTM) e datum SIRGAS 2000. O produto MCD64A1 fornece a data de evento da queima para vetor, que foi utilizada para derivar estimativas de áreas queimadas e gerar os dados acumulativos anuais e mensais, por meio do software ArcGIS 10.3.

Para determinar as contribuições relativas a ocorrências e as áreas queimadas no período de 2001 a 2018 entre os estados do bioma Caatinga, foi realizada uma análise de variância, sendo utilizado o teste de Scott Knott (SK) a 5% de probabilidade para comparação das médias, por meio do software estatístico R 4.0.4.

2.4 Classes de tamanho de áreas queimadas

O conhecimento do tamanho das áreas queimadas em uma região ao longo dos anos é fundamental para identificar as áreas mais afetadas pelo fogo, apoiar no planejamento e na implementação de planos de controle do fogo e projetos de recuperação de áreas atingidas, além de ser um critério usado na avaliação da eficiência do controle de incêndios. Dessa forma, nesse estudo adotou-se a classificação do Canadian Forest Service (RAMSEY; HIGGINS, 1981RAMSEY, G. S.; HIGGINS, D. G. Canadian Forest Fire Statistics. Ontario, Canada: Canadian Forestry Service, 1981.), pelo emprego na literatura nacional e internacional, no qual estabelece cinco classes de tamanho de área queimada, em hectares (Tabela 1).

Tabela 1
Classes de tamanho de áreas queimadas

Nessa abordagem, considera-se que a eficiência de um sistema de combate a incêndios florestais será melhor quanto maior for o número de ocorrências nas classes I e II. Sendo assim, registros de área queimada nas demais classes representa uma ineficiência no sistema de prevenção e combate.

2.5 Recorrência de áreas queimadas

Para a análise de recorrência de áreas queimadas, na plataforma do Google Earth Engine (GEE) foi utilizado o critério de filtragem dos dados observando o valor da qualidade do pixel presente na banda ba_qa, sendo adotado para o pixel com informação segura o valor radiométrico igual a 1. Para selecionar as áreas queimadas foram selecionados os pixels com valor igual a 1 na imagem ba_qa e superior a 1 na banda Burn Area, sendo este valor referente ao dia de ocorrência da queimada conforme (GIGLIO et al., 2015GIGLIO, L.; JUSTICE, C.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. MCD64A1 MODIS/Terra+ aqua burned area monthly L3 global 500m SIN grid V006 [data set]. NASA EOSDIS Land Processes DAAC: Sioux Falls, SD, USA, 2015. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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). A imagem foi reclassificada em duas classes, área queimada com valor de pixel igual a 1 e área não queimada com pixel igual a 0. Este procedimento foi efetuado para todas as imagens correspondentes ao período do estudo, sendo a recorrência, portanto um somatório de todas as imagens que foram reclassificadas. Deste modo, o valor do pixel na imagem resultante se refere à quantidade de ocorrência de queimada.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os subconjuntos mensais referentes aos eventos de fogo, extraído para toda série temporal estudada, foram aglutinados em dados para cada estado do bioma Caatinga, representando toda área que tiveram no mínimo uma detecção de queimada ao longo dos anos de 2001 a 2018. Observa-se que em todo o bioma Caatinga, os estados que apresentaram estatisticamente o maior número médio de ocorrência de fogo para os anos estudados foram o Piauí (3592,5), a Bahia (1491,89) e o estado do Ceará (838,56). Para os demais estados não foram observadas diferenças estatísticas entre si. As maiores áreas médias queimadas foram registradas no estado do Piauí (65,20 ha), seguido do estado da Bahia (55,71) e Minas Gerais (54,11). Em contrapartida, o estado de Sergipe (31,05) e Alagoas (31,63) apresentaram as menores médias de área queimada (Figura 2).

Figura 2
Média de ocorrências e área queimada entre 2001 a 2018 para cada estado do bioma Caatinga

A identificação e compreensão dos padrões de fogo nos ecossistemas, principalmente no Piauí e na Bahia, estados mais vulneráveis à presença do fogo, são particularmente importantes, devido aos potenciais impactos e possíveis modificações nos padrões pelos quais os ecossistemas estão susceptíveis face às mudanças globais. É importante enfatizar, que nesses estados, além do cumprimento da articulação institucional do governo federal na prevenção de queimadas prevista na Lei 12.651/12BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2012., é necessário estabelecer prioritariamente para essas regiões programas mais intensivos de prevenção de incêndios, visando reduzir os impactos do fogo na economia e ecossistemas locais.

Neste contexto, dois níveis de atividades podem ser intensificados, o primeiro é a educação ambiental, que tem por objetivo formar uma conscientização na população com relação aos danos que o uso do fogo de forma indiscriminada pode causar. E o segundo é a utilização de técnicas adequadas no manejo do fogo presente no Código de Manejo do Fogo, que norteiam as ações estratégicas para a utilização responsável do fogo em áreas rurais (SOARES et al., 2017SOARES; R. V. S.; BATISTA, A. C.; TETTO, A. F. Incêndios florestais: controle, efeitos e uso do fogo. Curitiba, 2ª ed revisada, 2017.).

Cabe ressaltar ainda, que o monitoramento sistemático de áreas queimadas é uma ferramenta útil e imprescindível para definir as regiões de maior risco ao fogo e épocas do ano para se estruturar os serviços de prevenção e combate dentro de limites economicamente viáveis.

A partir dos mapas de área queimada gerados pelos dados mensais do produto MCD64A1, foi possível observar que as queimadas possuem grande variabilidade espacial, ocorrendo em todos os meses dos estados do bioma Caatinga. A Figura 3, apresenta as ocorrências de fogo e respectivas áreas queimadas nos meses do ano, durante o período de 2001 a 2018, no bioma Caatinga. Nota-se que outubro, estatisticamente, é o mês com maior número médio de ocorrências, seguido de setembro/novembro e agosto/dezembro. Para os demais meses não foram observadas diferenças estatísticas entre si. Em relação as áreas queimadas, observa-se que os meses de setembro, agosto e outubro não diferem entre si, considerado os meses que tiveram as maiores áreas queimadas (Figura 3).

Figura 3
Média de ocorrências de fogo e área queimada mensais no Bioma Caatinga

Os resultados revelam que o maior pico de ocorrência de fogo no bioma Caatinga se estende de setembro a novembro. Nota-se, ainda, que a partir do mês de junho as ocorrências e as áreas queimadas aumentam de forma considerável, coincidindo com o período do inverno. Devido aos fenômenos climáticos como a influência das anomalias climáticas regionais, por exemplo o El Niño Oscilação Sul (ENOS) e a Oscilação Multidecadal do Atlântico (OMA), esse período pode se estender a secas severas e intensas, favorecendo a ocorrência de incêndios nesses meses. Por sua vez, os eventos de El Niño afetam o padrão de chuvas nas regiões tropicais, gerando precipitação abaixo da média, principalmente entre junho e dezembro (LORENZON et al., 2018LORENZON, A. S.; BRIANEZI, D.; VALDETARO, E. B.; MARTINS, M. C. Incêndio florestal: princípios, manejo e impactos. Viçosa, MG: Ed, UFV, P. 342, 2018.).

Tendo em vista a importância do planejamento da prevenção do fogo e o cenário que a Caatinga se encontra nas últimas décadas, devido ao forte processo exploratório, analisar a distribuição dos incêndios através dos meses do ano é fundamental. Segundo Santos et al. (2006)SANTOS, J. F.; SOARES, R. V.; BATISTA, A. C. Perfil dos incêndios florestais no Brasil em áreas protegidas no período de 1998 a 2002. Floresta, Curitiba, v. 36, n. 1, 2006. http://dx.doi.org/10.5380/rf.v36i1.5510
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, esse diagnóstico indica as épocas de maior ocorrência e quando as medidas de controle devem ser implementadas. Essa informação contribui no planejamento estratégico do combate, que sugere concentrar os recursos de combate durante esse período crítico, desativando-o parcialmente quando o perigo for menor, assim estruturando os serviços de prevenção e combate dentro de limites economicamente viáveis (SOARES et al., 2017SOARES; R. V. S.; BATISTA, A. C.; TETTO, A. F. Incêndios florestais: controle, efeitos e uso do fogo. Curitiba, 2ª ed revisada, 2017.).

Souza et al. (2017)SOUZA, M. P.; COUTINHO, J. M. D. C. P.; SILVA, L. S.; AMORIM, F. S.; ALVES, A. R. Composição e estrutura da vegetação de caatinga no sul do Piauí, Brasil. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 12, n. 2, p. 210-217, 2017. https://doi.org/10.18378/rvads.v12i2.4588
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ressaltam que a Caatinga, sofre com a existência da pecuária extensiva, projetos agropecuários, extrativismo vegetal e redução da vegetação nativa que aliam o uso do fogo nas suas atividades, resultando perda imediata da diversidade biológica, tornando o ambiente vulnerável.

Os levantamentos de estatísticas básicas e descritivas das ocorrências de fogo e respectivas áreas queimadas estão entre as primeiras ações de prevenção de incêndios florestais. Essas variáveis associadas a outras informações, fornecem subsídios aos órgãos responsáveis e precisam ser sempre monitoradas para otimizar os recursos disponíveis na prevenção e combate aos incêndios florestais.

Pela análise de área queimada seguindo o critério adotado pelo Canadian Forest Service (RANSEY; HIGGINS, 1981RAMSEY, G. S.; HIGGINS, D. G. Canadian Forest Fire Statistics. Ontario, Canada: Canadian Forestry Service, 1981.), observou-se que a classe III e IV representam os maiores percentuais de ocorrências de incêndios (70,45 e 21,60 %, respectivamente) e de área queimada (43,44 e 40,04 %, respectivamente) para o estudo (Tabela 2). Ademais, os registros de área queimada na classe I, foram apenas de 3,22 hectares.

Tabela 2
Classes de tamanho de área queimada nos estados do Bioma Caatinga

Embora trabalhos de validação de campo indiquem que uma frente de fogo com cerca de 30 m de extensão por 1 m de largura será detectada pelos satélites de órbita polar, os produtos de mapeamento do fogo tendem a subnotificar a área queimada em algumas regiões de forma substancial, devido a condições que podem impedir ou dificultar a detecção das queimadas, como fogo apenas no chão da floresta densa, sem afetar a copa das árvores, nuvens cobrindo a região e queimada de pequena duração, ocorrendo entre o horário das imagens disponíveis. Contudo, Giglio et al. (2018)GIGLIO, L.; BOSCHETTI, L.; ROY, D. P.; HUMBER, M. L.; JUSTICE, C. O. The Collection 6 MODIS burned area mapping algorithm and product. Remote Sensing of Environment, v. 217, n. July, p. 72–85, 2018. https://doi.org/10.5067/MODIS/MCD64A1.006
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e Hall et al. (2021)HALL, J. V.; ARGUETA, F.; GIGLIO, L. Validation of MCD64A1 and FireCCI51 cropland burned area mapping in Ukraine. International Journal of Applied Earth Observations and Geoinformation, Amsterdam 102, 102443, 2021. https://doi.org/10.1016/j.jag.2021.102443
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, relatam que o produto MCD64A1 apresenta um aumento no mapeamento de manchas menores, tipicamente de 21 a 100 ha de tamanho nos testes de validação do produto.

Por outro lado, as áreas queimadas com grandes dimensões representadas na classe V, corresponderam a 16,49 % de toda área afetada pelo fogo, dessa forma, nota-se que uma parte significativa das ocorrências de fogo nos estados do bioma Caatinga durante os anos de 2001 a 2018 foram provenientes de incêndios maiores que 200 ha (Tabela 2). O maior percentual de área queimada indicado nas maiores classes, geralmente se constitui como um indicador da deficiência do sistema de prevenção e combate, com destaque para baixa capacidade de resposta imediata (Soares et al., 2017SOARES; R. V. S.; BATISTA, A. C.; TETTO, A. F. Incêndios florestais: controle, efeitos e uso do fogo. Curitiba, 2ª ed revisada, 2017.).

Magalhães et al. (2011)MAGALHÃES, S. R.; LIMA, G. S.; RIBEIRO, G. A. Avaliação do combate aos incêndios florestais no Parque Nacional da Serra da Canastra. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 18, n. 1, p. 80 – 86, jan./ mar. 2011. http://dx.doi.org/10.4322/floram.2011.025
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, contextualizam que é de fundamental importância que se tenha o aprimoramento do sistema de detecção e mobilização, aliado a alternativas de combate, contribuindo assim com a redução e duração dos incêndios e respectivas áreas queimadas. Sabe-se que a maior dificuldade no combate é quando o fogo atinge grandes proporções, dessa forma, um dos principais objetivos dos serviços de prevenção e combate é a capacidade de detectar de forma rápida os focos inicias de fogo.

Para os estados analisados, de maneira geral, também é possível observar que a distribuição de área queimada entre as classes, estão mais concentradas nas classes III e IV, com percentual não representativo na classe I e II (Tabela 3). Os estados de Alagoas, Sergipe, Maranhão, Pernambuco e Ceará apresentam-se com a maior porcentagem de área queimada na classe III (70,80, 54,77, 53,82, 51,18, 50,76 %, respectivamente), além de Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Para os demais estados, a classe IV é a mais representativa. É importante mencionar também que a classe V apresentou valores considerados altos em relação as demais classes em alguns estados, principalmente para os estados da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Piauí, com 25,28, 21,56, 15,91 e 15,54 %, respectivamente.

Tabela 3
Classes de tamanho de área queimada para os estados do Bioma Caatinga

O estado da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Piauí merecem atenção, pois apresentaram os maiores valores observados de área queimada, maiores que 200 ha no período de 2001 a 2018. Nesse aspecto, a adoção de novas tecnologias, ações prioritárias de políticas públicas participativa e efetiva do Governo Estadual, associadas à educação e à informação ambiental, bem como atividades de fiscalização e sanções penais aos infratores, somam-se como alternativas eficazes na busca de melhorar esse cenário (SOARES et al., 2017SOARES; R. V. S.; BATISTA, A. C.; TETTO, A. F. Incêndios florestais: controle, efeitos e uso do fogo. Curitiba, 2ª ed revisada, 2017.); como exemplo dos estados de Minas Gerais e Ceará, que possuem Programas Estaduais de Prevenção e Combate a Incêndios florestais, sendo eles Força Tarefa Previncêndio, em Minas Gerais e Previna, no Ceará.

Contudo, entende-se, a necessidade de direcionar mais recursos que possam elevar os níveis operacionais de atuação dos programas. Mais investimento do Poder Público para abertura de editais de contratação de brigadistas efetivos e temporários, capacitação de brigadistas voluntários, estudos para alocação estratégica de torres de observação e postos de corpo de bombeiros nos estados, aumento do quantitativo de pessoal treinado para operação de combate, bem como a criação e fortalecimento dos Programas de Prevenção e Combate a Incêndios florestais nos estados.

Relativo as análises associadas à recorrência de área queimada para todo o bioma caatinga durante os anos em estudo, os resultados corroboram que, houve um máximo de 11 reincidências, sendo observadas em pequenas áreas do bioma. As recorrências mais frequentes, variam de 1 a 5, referindo-se a uma extensa área de estudo (Figura 4).

Figura 4
Recorrência de área queimada no bioma caatinga no período de 2001 a 2018

As adversidades climáticas, pontuam-se como fatores que podem correlacionar a esse cenário, por influenciar sobremaneira a evolução das ocorrências de fogo em todo o país, sobretudo, no bioma caatinga; uma vez que esse bioma manifesta aspectos extremos os quais determinam suas condições climáticas (SILVA; PACHECO, 2021SILVA, J. A.; PACHECO, A. P. Avaliação de incêndio em ambiente de Caatinga a partir de imagens Landsat-8, índice de vegetação realçado e análise por componentes principais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 31, p. 417-439, 2021. https://doi.org/10.5902/1980509843818
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), como a alta radiação solar, temperatura média anual elevada, baixa nebulosidade e umidade relativa do ar, alta evapotranspiração potencial, além dos baixos níveis e distribuição irregular da precipitação (SILVA et al., 2017SILVA, J. R. S.; SILVA, A. S. A.; SOUZA FERREIRA, D. V.; SILVA, H. S.; SOUZA, R. B.; SOUTO ARAÚJO, L. Análise da complexidade temporal de variáveis climáticas no bioma Caatinga. Gaia Scientia, João Pessoa, v. 11, n. 2, 2017. ). Os quais presumem sua vulnerabilidade a ocorrência de fogo, juntamente, a presença do alto nível de degradação por atividades antrópicas e fenômenos naturais no bioma (MARIANO et al., 2018MARIANO, D. A.; SANTOS, C. A.; WARDLOW, B. D.; ANDERSON, M. C.; SCHILTMEYER, A. V.; TADESSE, T.; SVOBODA, M. D. Use of remote sensing indicators to assess effects of drought and human-induced land degradation on ecosystem health in Northeastern Brazil. Remote Sensing of Environment, v. 213, p. 129-143, 2018. https://doi.org/10.1016/j.rse.2018.04.048
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).

Por outro lado, uma porção do bioma não manifesta nenhuma reincidência de área queimada no período em estudo (2001 a 2018). No entanto, em grande parte do bioma, nesses anos, houveram pelo menos 1 recorrência de área queimada, principalmente, em regiões dos estados do Piauí, Ceará e Bahia (Figura 4). Esses estados, de maneira geral, apresentam-se inseridos num ambiente com alta suscetibilidade a ocorrência de incêndios, especialmente, por compor um bioma com características fisiológicas e biogeográficas favoráveis ao fogo.

Ademais, apresentam, principalmente, registros progressivos associados a queimas para limpeza e renovação de pastagem, eliminação de restos vegetais resultantes de desmatamento, procedência de combustão espontânea, resíduos urbanos, fogos campestres, fagulhas locomotivas, bem como incendiários. Os quais, somam-se como ações que influem diretamente na propagação do fogo (ALVES et al., 2021ALVES, J. M. B.; SILVA, E. M. D.; ARAÚJO, F. C. D.; SILVA, L. L. D. Um Estudo de Focos de Calor no Bioma Caatinga e suas Relações com Variáveis Meteorológicas. Revista Brasileira de Meteorologia, São José dos Campos, v. 36, p. 513-527, 2021. https://doi.org/10.1590/0102-77863630015
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).

As ocorrências de área queimada são comuns em toda a área do estudo (Tabela 4). A cada mês ambientes diferentes são afetados. A base mensal de área queimada referente aos anos em estudo, possibilita compreender a distribuição e dinâmica do fogo durante todos os meses do ano, sendo possível observar a evolução espaço-temporal das ocorrências e reincidências de área queimada para todo o bioma caatinga em escala mensal.

Tabela 4
Frequência de ocorrências e recorrências de área queimada do Bioma Caatinga

Um dos grandes impactos do fogo no ambiente está relacionado com a quantidade de vezes que uma mesma área é afetada. Consoante a isso, observa-se que o máximo de reincidência durante os meses estudados foram 6, percebido nos meses de maio, julho e setembro, mesmo que pouco representativo em termos percentuais para tal frequência. Nota-se que todos os meses, majoritariamente, houveram no mínimo 1 recorrência de área queimada, responsável por 0,27% (em abril) a 17,58% (em agosto) das áreas atingidas (Tabela 4). Em números absolutos, ocorre uma tendência de aumento da frequência de uma mesma área ser atingida pelo fogo de maio a outubro, com pico em setembro (Figura 5).

Figura 5
Recorrência de área queimada no bioma caatinga nos meses de maio a outubro de 2001 a 2018

Eventos reincidentes de fogo podem gerar desequilíbrios nos ecossistemas impactados, de acordo com seu grau de sensibilidade. Os ecossistemas não dependentes do fogo, como o bioma caatinga, em geral, possuem espécies que não apresentam adaptações ao fogo (SCHMIDT et al., 2016SCHMIDT, I. B.; FONSECA, C. B.; FERREIRA, M. C.; SATO, M. N. Experiências internacionais de manejo integrado do fogo em áreas protegidas–recomendações para implementação de manejo integrado de fogo no Cerrado. Biodiversidade Brasileira, Brasília, n. 2, p. 41-54, 2016. https://doi.org/ 10.37002/biobrasil.v%25vi%25i.586
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). A alta frequência pode eliminar espécies de plantas que ainda não regeneraram entre o intervalo das queimas, além disso, queimadas frequentes e altas temperaturas ambientes podem levar a alterações nas características físicas e químicas dos solos, favorecendo altos índices de erosão e perda de solo (CERTINI, 2005CERTINI, G. Effects of fire on properties of forest soils: a review. Oecologia 143, p. 1–10, 2005. https://doi.org/10.1007/s00442-004-1788-8
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).

Os meses que apresentaram maiores números de recorrências de fogo no bioma, coincidem com a estação seca do ano, de maio a outubro. Essa estação favorece o aumento dos incêndios. Marcada por secas estacionais e sazonais, além de temperaturas elevadas, por conseguinte, são mais sucessíveis a reincidência desse evento (GOMES et al., 2021GOMES, D. S.; SANTOS, S. K.; SILVA, J. H. C. S.; SANTOS, T. M.; SILVA, E. V.; BARBOSA, A. S. CO2 flux e temperatura da superfície edáfica em áreas de caatinga. Revista Brasileira de Geografia Física, Recife, v. 14, n. 04, p. 1898-1908, 2021. https://doi.org/10.26848/rbgf.v14.4.p1898-1908
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).

A frequência de ocorrências de incêndios é fator preponderante em seus efeitos sobre a fauna e flora. Geralmente, incêndios recorrentes causam impactos severos sobre a fauna. Os quais estão relacionados com as características e dinâmicas dos ecossistemas e como afetam a biologia e ecologia das populações de animais mais vulneráveis. Efeitos diretos, como mortalidade, emigração forçada e estresse fisiológico são observados. Da mesma forma, efeitos indiretos como redução de disponibilidade de alimentos e alteração no habitat, condicionam perturbações ao ecossistema (CRUZ et al., 2021CRUZ, T.; LIMA, J.; AZEITEIRO, U. Impacto de um evento extremo (fogo) na vida selvagem. Revista Captar: Ciência e Ambiente para Todos, Aveiro, v. 10, p. 1-1, 2021. https://doi.org/10.34624/captar.v0i0.17388
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).

Um dos principais efeitos de incêndios recorrentes sobre a vegetação florestal é a transformação estrutural, a exemplo as formações de áreas abertas, como os pastos, situação que favorece a ocorrência e expansão do fogo, levando a mudanças na composição de espécies e no funcionamento destes ecossistemas.

Estes efeitos reforçam a necessidade de se evitar incêndios, principalmente recorrentes, para que não haja conversão ampla da biodiversidade associadas a essas florestas, logo, o bioma caatinga sofre sistemático crescimento de degradação, desde o início do seu processo de ocupação, pelos desmatamentos ocorridos e mudanças do uso e cobertura do solo, o que potencializa sua fragilidade ante ao fogo (SILVA; PACHECO, 2021SILVA, J. A.; PACHECO, A. P. Avaliação de incêndio em ambiente de Caatinga a partir de imagens Landsat-8, índice de vegetação realçado e análise por componentes principais. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 31, p. 417-439, 2021. https://doi.org/10.5902/1980509843818
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).

4 CONCLUSÃO

As estatísticas de fogo para o bioma Caatinga revelam que o estado do Piauí apresenta estatisticamente maior média de ocorrências de incêndios e área queimada na série temporal estudada, indicando, portanto, uma maior vulnerabilidade a incêndios florestais. Os meses que apresentaram maiores números de ocorrências foram outubro, novembro e setembro. Os meses que tiveram as maiores áreas queimadas foram setembro, agosto e outubro e maiores recorrências de áreas queimadas os meses de maio a dezembro. Relativo às classes de tamanho do fogo, em geral, a classe III é a mais representativa nos estados. A classe V no estado da Bahia (25,28%) e de Minas Gerais (21,56%) se destaca pelo percentual nesta classe.

O avanço da fragmentação do bioma caatinga, potencialmente causado por distúrbios antropogênicos, sugere que a biodiversidade e os recursos naturais do bioma estão altamente ameaçados. Este estudo fornece importante ferramenta de orientação aos governos estaduais para direcionar os recursos nas regiões de maior problemática do fogo e fornecer um importante mecanismo para a elaboração de políticas públicas condizentes com a necessidade de preservação do Bioma Caatinga.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de iniciação científica concedida ao projeto “Tendências de ocorrência de fogo no Bioma Caatinga” (Cadastro CPESI/PROPESQI/UFPI n.º CPCE-012/2018).

Como citar este artigo

  • Silva, A. C.; Juvanhol, R. S.; Miranda, J. R. Variabilidade espaço-temporal de ocorrência e recorrência de fogo no Bioma Caatinga usando dados do sensor MODIS. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 33, n. 1, e70195, p. 1-23, 2023. DOI 10.5902/1980509870195. Disponível em: https://doi.org/10.5902/1980509870195.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2022
  • Aceito
    11 Dez 2022
  • Publicado
    10 Abr 2023
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