Resumos
O presente relato narra a constituição da Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (RET-SUS), que congrega as denominadas Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) de 18 estados da federação. As ETSUS são escolas públicas voltadas para a área da saúde, em sua maioria, ligadas às Secretarias de Saúde dos estados e municípios, que têm como papel ordenar, orientar e participar da qualificação profissional nos diversos níveis, para suprir a necessidade de trabalhadores qualificados para o SUS e colaborar na consolidação das políticas públicas de saúde. Procura-se refletir, neste texto, sobre os desafios de trabalhar em rede, ou seja, na busca de integrar as ETSUS para promover uma troca de experiências, projetos, currículos, tecnologias e modelos de gestão, e na tentativa de transformar esforços isolados em movimentos articulados de colaboração e ajuda mútua.
redes colaborativas; educação profissional em saúde; educação permanente; currículo integrado; articulação ensino-serviço
This report describes the steps that led to the establishment of the Network of Technical Schools of the Brazilian Health System (RET-SUS). The Network brought together the so-called Technical Schools of the SUS (ETSUS) from 18 Brazilian states. The ETSUS are state schools specializing in the area of health and, in most cases, connected with the Health Secretariats of the various states and municipalities. Their main role is to organize, orient and participate directly in the various levels of professional training that will supply the SUS' demand for qualified staff; and second, help to consolidate public policies in the area of health. In the text, we look at the challenges presented by working in a network, in particular the efforts to integrate the various ETSUS in order to promote the exchange of experiences, projects, curricula, technologies and management models; and at the attempts to build articulated movements of cooperation and mutual help by developing previously isolated activities.
cooperative networks; professional education in health; permanent education; integrated curricula; articulation teaching-services
RELATO
Trabalhar em rede: um desafio para as escolas técnicas do SUS
Working in a network: a challenge for the technical schoools of the B razilian health system
Renata Reis1 1 Coordenadora da Secretaria Técnica da Rede de Escolas Técnicas do SUS, Professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Mestre em Saúde Pública. < retsus@fiocruz.br> ; Maria das Graças Dourado Cardoso Tonhá2 2 Representante das Escolas Técnicas do SUS na Comissão de Coordenação Geral da RET-SUS, Diretora da Escola de Formação Técnica em Saúde Professor Jorge Novis, da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. < finefts@saude.ba.gov.br> ; Martha Pompeu Padoani3 3 Professora da Escola Técnica de Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. < marthap@unimontes.br>
RESUMO
O presente relato narra a constituição da Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (RET-SUS), que congrega as denominadas Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) de 18 estados da federação. As ETSUS são escolas públicas voltadas para a área da saúde, em sua maioria, ligadas às Secretarias de Saúde dos estados e municípios, que têm como papel ordenar, orientar e participar da qualificação profissional nos diversos níveis, para suprir a necessidade de trabalhadores qualificados para o SUS e colaborar na consolidação das políticas públicas de saúde. Procura-se refletir, neste texto, sobre os desafios de trabalhar em rede, ou seja, na busca de integrar as ETSUS para promover uma troca de experiências, projetos, currículos, tecnologias e modelos de gestão, e na tentativa de transformar esforços isolados em movimentos articulados de colaboração e ajuda mútua.
Palavras-chave: redes colaborativas; educação profissional em saúde; educação permanente; currículo integrado; articulação ensino-serviço.
ABSTRACT
This report describes the steps that led to the establishment of the Network of Technical Schools of the Brazilian Health System (RET-SUS). The Network brought together the so-called Technical Schools of the SUS (ETSUS) from 18 Brazilian states. The ETSUS are state schools specializing in the area of health and, in most cases, connected with the Health Secretariats of the various states and municipalities. Their main role is to organize, orient and participate directly in the various levels of professional training that will supply the SUS' demand for qualified staff; and second, help to consolidate public policies in the area of health. In the text, we look at the challenges presented by working in a network, in particular the efforts to integrate the various ETSUS in order to promote the exchange of experiences, projects, curricula, technologies and management models; and at the attempts to build articulated movements of cooperation and mutual help by developing previously isolated activities.
Key words: cooperative networks; professional education in health; permanent education; integrated curricula; articulation teaching-services.
Introdução
Relatar uma experiência como a da Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (RET-SUS) torna-se um exercício de reflexão instigante e necessário, uma vez que reconhecemos que, durante seus três anos de existência, tivemos avanços e retrocessos.
O desejo e a necessidade de articular as Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) em rede eram um sonho muito antigo, que remonta ao final da década de 80, época em que a Enfermeira Izabel dos Santos, histórica militante da Educação Profissional em Saúde no país, trabalhava como uma das maiores incentivadoras da criação das ETSUS. A vulnerabilidade das Escolas Técnicas, em sua grande maioria ligadas às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, foi o principal fator determinante para a criação da RET-SUS.
No ano 2000, após quase um ano de discussão sobre a natureza desta rede, chegou-se ao formato que ela tem hoje: uma rede institucional, conduzida e mantida pelo Ministério da Saúde, criada através de Portaria Ministerial no 1.298, de 28 de novembro de 2000. Participaram dessa discussão representantes de órgãos e instituições como a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e o Ministério da Saúde (MS), este último através da antiga Coordenação Geral da Política de Recursos Humanos (CGPRH), do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae) e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Essa iniciativa sucedeu esforços anteriores e ocorreu em um momento em que foram identificadas várias condições favoráveis ao processo de formação do profissional de nível médio para a saúde no Brasil. Podemos destacar algumas experiências como o Projeto Montes Claros, na década de 70; o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), nas décadas 70 e 80; e o Programa Larga Escala, nas décadas de 80 e 90. Nessas iniciativas, a acumulação de esforços no plano técnico, científico e político permitiu configurar um ambiente favorável a uma organização nacional expansiva para a formação de trabalhadores de nível técnico em saúde, em que o movimento de ações articuladoras tende a ampliar de forma significativa os resultados, frente aos desafios contemporâneos para a educação profissional em saúde no país.
Em 1995, com essa perspectiva, tem início um trabalho, em parceria, envolvendo a antiga CGPRH, a Opas, a EPSJV/Fiocruz e dez Escolas Técnicas do SUS de diferentes unidades da federação, que estabeleceu uma linha de cooperação técnica em resposta às necessidades dos processos de formação do pessoal de nível médio em saúde no país.
O marco dessa parceria foi a construção do Projeto Escola de Nível Médio, que estruturou uma série de atividades, tendo como eixo condutor o fortalecimento da Rede de Escolas Técnicas em Saúde do SUS, ainda que tenha sido implantado em âmbito limitado e em caráter experimental.
O desenvolvimento do projeto voltou-se para ações relacionadas à modernização de processos institucionais e pedagógicos das escolas, com oficinas sobre o sistema de informação/informatização das secretarias escolares, tendo como conseqüências o desenvolvimento e a implantação de softwares para as secretarias escolares e a capacitação das equipes, com vistas a garantir a legalidade dos cursos oferecidos. Além dessas oficinas, ocorreu ainda a capacitação dos gestores das escolas para atuarem no contexto de descentralização do sistema de saúde e consolidação do SUS, com oficinas para a elaboração de projetos.
Em 1999, o MS e a Representação da Opas no Brasil desencadearam esforços de implantação da Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde (ROREHS), que se destina à produção e difusão de informações, análises e estudos sobre políticas e gestão de recursos humanos, mercado de trabalho, formação e regulação profissional, credenciando a EPSJV/Fiocruz como uma estação de trabalho voltada para o nível médio.
Outro elemento de referência para o desenvolvimento da rede foram os desafios decorrentes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996) - a qual estabelece que a educação profissional se organize em três níveis (básico, técnico e tecnológico) - demandando das escolas a capacidade de adequação de seus projetos de formação às exigências dos novos instrumentos legais do setor educacional.
As escolas técnicas e os centros formadores do SUS (ETSUS)
Nas duas últimas décadas, um projeto educacional avançado e pioneiro no setor saúde vem sendo concretizado nas Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios, através da criação e do funcionamento das Escolas Técnicas e/ou Centros Formadores do SUS (ETSUS).
Tendo como pressuposto a implementação de uma política de formação e qualificação de trabalhadores de nível técnico que responda às demandas regionais e locais e considerando o processo de municipalização em curso no país, as ETSUS constituem-se em importante estratégia para a qualificação da atenção à saúde prestada à população e para a valorização profissional dos seus trabalhadores, contribuindo para a consolidação do SUS.
Estes estabelecimentos de ensino público, voltados para a educação profissional do nível técnico na área de saúde, têm como referencial teórico-pedagógico o Projeto de Formação de Pessoal de Nível Médio pelas Instituições de Saúde, fruto de acordo, em 1985, entre Ministério da Saúde, Ministério da Educação (MEC), Ministério do Trabalho (MT), Ministério da Previdência Social (MPAS) e Opas.
Conhecido como Larga Escala, este projeto apontava para a necessidade de criação de espaços pedagógicos mais estáveis e permanentes, legitimados pelo setor educacional competente, onde pudessem ser desenvolvidos os processos de profissionalização de pessoal já empregado na força de trabalho ou em fase de admissão nos serviços de saúde, superando, desta maneira, o treinamento como fim em si mesmo e intervindo numa situação problemática de um universo significativo de trabalhadores, determinada pela baixa qualificação para o desempenho de função nos serviços de saúde.
As ETSUS surgem, então, para reorientar e qualificar o exercício profissional mediante a experimentação de ações e práticas educativas consistentes com a proposta de redemocratização da sociedade brasileira e com os princípios constitucionais do Sistema de Saúde.
Estruturadas de forma diferenciada das demais escolas técnicas da rede pública ou privada de ensino, as ETSUS possuem algumas características específicas para atender à sua missão institucional. São escolas pertencentes ao setor público de saúde, com sede localizada na capital dos estados, e com processos administrativos e de escrituração escolar centralizados. Têm autorização do setor educacional para funcionamento como Escola Multiprofissional para o nível técnico na área da saúde e, predominantemente, iniciaram sua atuação com habilitação na área de enfermagem. Gradativamente, vêm oferecendo cursos de qualificação, habilitação e requalificação profissional em outras áreas estratégicas para o funcionamento do SUS.
Uma vez aprovados pelo setor educacional, os processos de educação profissional são implantados de forma gradativa nessas escolas, de acordo com as disponibilidades técnicas, financeiras e demandas dos serviços. O currículo é desenvolvido de forma descentralizada nas unidades de saúde, localizadas nos diversos municípios do interior dos estados.
A clientela (adultos, trabalhadores de saúde, com grau de escolaridade heterogênea) é dispersa geograficamente, demandando a necessidade de descentralização das turmas, o que as torna, na prática, 'escolas-função', ao permitir que as mesmas se 'desloquem' até o local onde reside e trabalha o aluno. O acompanhamento do processo educativo é feito através de supervisões periódicas por técnicos lotados nas escolas. No geral, cada turma descentralizada conta com um coordenador local e uma equipe de docentes (instrutores/supervisores).
As atividades docentes são desenvolvidas por profissionais de nível superior que atuam nas unidades de produção de serviços de saúde, o que, por um lado, facilita a integração ensino-serviço, mas, por outro, demanda a necessidade de desenvolvimento de programas de educação permanente que os capacitem técnica e pedagogicamente para o desempenho de suas atividades.
A ETSUS busca o trabalho como princípio pedagógico, considerando que a construção do conhecimento dá-se de forma reflexiva, a partir das experiências vivenciadas no desempenho da prática profissional própria de cada ator envolvido no processo pedagógico, respeitando o aluno no seu ritmo de aprendizagem, nas suas crenças, nos seus valores morais, culturais e éticos.
Utilizando como estratégia metodológica a integração ensino-serviço-comunidade, busca-se reorientar e qualificar o exercício profissional, vencendo o desafio de possibilitar que a formação pleiteada considere as dimensões técnico-políticas e sociais que envolvem a saúde, capacitando o aluno para uma atuação com competência e cidadania.
Por serem escolas voltadas para o serviço, a articulação e a parceria constituem-se em elementos indispensáveis para que as ETSUS possam atuar de forma a atender às necessidades de formação profissional de nível técnico, com a resolutividade requerida pelos serviços e pelas unidades de saúde.
Têm sido constantes os esforços para a manutenção e ampliação destes apoios, a exemplo dos contratos de cooperação técnico-financeira entre as Secretarias Estaduais de Saúde e a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SEGETES/MS), que têm permitido, além de assessoria técnica, o desenvolvimento de Projetos de Modernização Gerencial das ETSUS, através de processos de capacitação das suas equipes técnica, administrativa e gerencial; a aquisição de material e equipamentos; e a implantação de sistemas de informação e informatização e de acompanhamento e avaliação.
As Escolas mantêm ainda parcerias com Secretarias Municipais de Saúde, Unidades e Diretorias Regionais de Saúde, Conselhos de Saúde, entidades de classe, instituições acadêmicas, Secretarias e Conselhos de Educação, além de promover intercâmbio constante entre si através da RET-SUS.
Atualmente, a Rede é integrada pelas 27 Escolas Técnicas e Centros Formadores localizados em 18 estados da Federação (Quadro 1). A perspectiva é de agregar outras dez Escolas (Quadro 2) que estão sendo criadas em seis estados da Região Norte (AP, AM, PA, RO, RR, TO), em três estados do Nordeste (MA, PI, SE) e em um estado da Região Sul (RS).
Estas Escolas são bastante heterogêneas, tanto do ponto de vista da infra-estrutura e capacidade instalada, como das estruturas administrativa e gerencial, da oferta de cursos, do corpo docente e dos investimentos materiais e humanos.
Um diagnóstico realizado pelo Ministério da Saúde no ano 2000 apontou algumas fragilidades e potencialidades das ETSUS, dentre as quais destacamos as seguintes: baixa visibilidade política, baixo incentivo à produção técnico-científica, insuficiência de recursos humanos e orçamentários, sistema de informação escolar deficiente, falta de instrumento legal para o pagamento de hora-aula e pouca ou nenhuma autonomia financeira.
Por outro lado, o diagnóstico mostra um grande potencial de expansão dessas Escolas, participação em processos e decisões que envolvem a área de recursos humanos, busca de financiamento através de acordos de cooperação técnica, capacidade de dar respostas às demandas das SES e SMS, currículos integrados e organizados para alavancar os serviços, estabelecimento de parcerias com as prefeituras e outras instituições afins, reconhecimento da qualidade dos egressos evidenciado em resultados de concursos e seleções, assessoria a órgãos competentes de recursos humanos na área de educação profissional nos níveis técnico e básico, capacidade de articulação interinstitucional, capacidade de planejar os cursos de acordo com as necessidades dos serviços, além de coordenar e supervisionar sua execução e avaliar os resultados obtidos nas transformações ocorridas nos serviços de saúde.
Hoje, identificamos alguns desafios presentes no cenário de atuação destas Escolas que passam fundamentalmente pela conquista de maior estabilidade e autonomia no interior da estrutura administrativa dos estados e municípios. A grande maioria das Escolas não são unidades dotadas de orçamento próprio, o que dificulta, e muitas vezes acaba impedindo, a realização de suas atividades regulares.
Os principais desafios são a participação efetiva nos Pólos de Educação Permanente em processo de construção nos estados; a maior integração com os Conselhos de Saúde, com representantes da sociedade civil organizada, com conselhos e entidades de classe, sobretudo para definição dos perfis de competências profissionais e dos processos de construção e adequação dos projetos políticos pedagógicos das escolas; o investimento na reflexão crítica das práticas educativas, na produção e circulação do conhecimento técnico-científico, na pesquisa e nas atividades de extensão; a identificação de novas habilitações necessárias ao SUS, diversificando a oferta de cursos, a exemplo da Qualificação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde, dos Agentes de Vigilância Sanitária e dos Técnicos da área de Biodiagnóstico; e a expansão da oferta de cursos na área de saúde bucal que possam atender as demandas das equipes do Programa de Saúde da Família.
O trabalho em rede
Redes são espaços onde compartilhamos notícias, onde buscamos saber o que se passa com os outros. A idéia de rede compreende a mobilização de um conjunto de pessoas, projetos, instituições, associações, organizações e outros atores que compartilham a tarefa de promover o desenvolvimento de um determinado campo temático e de relações sociais entre si e com a sociedade.
A RET-SUS está balizada por alguns princípios como ênfase no trabalho colaborativo que funcione a partir de negociação com instâncias políticas, da democratização do saber, da troca de tecnologias, e do estímulo à cooperação entre pares, com potencialização de vocações e respeito ao desenvolvimento de cada grupo e de suas acumulações.
Desta forma, a rede "deve preocupar-se em apoiar a constituição de identidade de grupos que sustentem a diversidade de projetos individuais e coletivos, capazes de potencializar-se entre si e, ao mesmo tempo, cumprir com um processo técnico-político no campo da saúde" (Granda, 1996, p. 1).
Portanto, sua operacionalização é uma construção permanente de possibilidades de intercâmbios que facilitem o desenvolvimento de competências, a circulação de informações, a promoção de desenvolvimento e a permuta de novas tecnologias no campo da educação profissional em saúde (Teixeira, 1995).
Sua condução deve explorar a capacidade associativa histórica do setor saúde e as estratégias de atuação em parceria, estimulando a mobilização e a circulação de atores que promovam a formulação de projetos e a produção e disseminação de tecnologias e resultados favoráveis.
A perspectiva problematizadora e de realização de negociações4 4 A construção de tecnologias envolve uma sucessão de micronegociações entre forças aliadas e oponentes, cuja correlação altera-se permanentemente. A inovação depende, em parte, da capacidade e habilidade dos atores para atuarem em situações contingenciais, mobilizando aliados, atraindo novas competências, interagindo com equipes, permutando dados e criando fatos novos, consolidando sua posição em seu campo de atuação" (Teixeira, 1995, p. 12). deve permear as ações da rede, de onde emergem consensos e controvérsias, necessários ao andamento das políticas de educação profissional em saúde.
De igual importância são os aspectos institucionais da constituição da RET-SUS. Além das características mais amplas do trabalho em rede, a proposta de construção da Rede de Escolas Técnicas do SUS também agrega uma dimensão institucional, por ser uma proposta que articula um conjunto de instituições que estabelecem e desenvolvem processos de parceria com a SEGETES e a Opas, onde transitam fluxos de interdependência com direções e sentidos previstos em um plano de trabalho formalizado. Como auxílio a este processo de institucionalização, a RET-SUS instalou, desde a sua implantação, uma Secretária Técnica5 5 A Secretaria Técnica, instalada na EPSJV, está encarregada de organizar e distribuir as demandas, de compartilhar as atividades, de elaborar e propor os procedimentos necessários à operacionalização da RET-SUS e de apoiar suas estruturas colegiadas. A indicação da EPSJV para sediar a Secretária Técnica ocorreu por ser essa escola uma unidade do Ministério da Saúde, por desenvolver uma ação nacional de apoio ao desenvolvimento das Escolas Técnicas do SUS, por apresentar experiência de trabalho na Rede Latino-Americana de Formação de Técnicos em Saúde e por sediar uma Estação de Trabalho da ROREHS. .
A RET-SUS no cenário das políticas públicas
O cenário atual das políticas de saúde vem sendo marcado por uma série de conquistas referentes ao movimento da Reforma Sanitária Brasileira que tem contribuído para o fortalecimento do SUS. Dentre elas, podemos destacar a ampliação dos recursos orçamentários para execução das políticas e dos serviços prestados pelo SUS e a reinstalação da Mesa Nacional de Negociação do SUS, para discutir as relações de trabalho e planejar uma política permanente de qualificação dos profissionais de saúde.
Com o novo governo, a conjuntura das políticas de saúde aponta para processos favoráveis de mudança, especialmente no que diz respeito à construção de uma política de desenvolvimento, formação e qualificação profissional para os trabalhadores da saúde.
Esta determinação traduz-se na nova estrutura do Ministério da Saúde, em que foi criada a já mencionada Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Essa Secretaria tem como objetivo formular políticas para a gestão e a formação dos trabalhadores do SUS, tratando de questões como a desprecarização das relações de trabalho na saúde e a regulação e formação profissional em todos os níveis (do nível técnico à graduação). Além disso, pela primeira vez, estabelece uma coordenação específica para as questões da educação profissional em saúde.
A proposta dessa Secretaria é adotar a educação permanente como estratégia fundamental para a construção de uma política de formação profissional para o SUS. Para o atendimento desta intencionalidade político-administrativa, vem investindo na implantação dos Pólos de Educação Permanente, uma proposta de ação que incorpora o desafio de constituir-se em eixo transformador, em estratégia mobilizadora de recursos e poderes, em recurso estruturante para transformar a organização dos serviços e as práticas de saúde e pedagógicas, com o intuito de fortalecer o SUS.
Sua composição envolve a participação de gestores, profissionais, Conselhos de Saúde, conselhos de classe, instituições formadoras (universidades, Escolas Técnicas do SUS, Escolas de Saúde Pública), movimentos sociais e estudantes da área de saúde.
A elaboração e a consolidação desta política implicam, necessariamente, o fortalecimento das ETSUS. Essas Escolas desempenham um papel fundamental, por serem o locus de profissionalização dos trabalhadores de nível técnico e por manterem uma interlocução com a rede de serviços de saúde, tornando-se espaços potenciais de articulação dos processos formativos com as propostas de organização dos serviços e da atenção à saúde.
O trabalho em rede de articulação e integração das ETSUS tem funcionado como um ponto de apoio para promover uma troca de experiências, projetos, currículos, tecnologias e modelos de gestão, na tentativa de transformar esforços isolados em movimentos articulados de colaboração e ajuda mútua.
Devemos reconhecer que, no decorrer deste trabalho, ainda há muito a ser feito para que, de fato, possamos trabalhar em rede. Por hora, podemos identificar alguns desafios que precisam ser superados para que possamos fortalecer as ações da rede, buscando maior visibilidade e vínculo com os atores que a integram, reafirmando seu compromisso de auxiliar na construção permanente do SUS.
Em sua estrutura atual, a rede tem uma Comissão de Coordenação Geral, presidida por um representante da SEGETES/MS. O papel desta Comissão de Coordenação é fazer a condução político-administrativa, além de ser um espaço de pactuação e definição de diretrizes e estratégias para sua execução. A comissão é a propositora e facilitadora de atividades e elementos de apoio às ações desenvolvidas pela RET-SUS, buscando fontes de financiamento para dar sustentabilidade à rede e a suas atividades.
A definição de um programa anual que considere o avanço da produção científica e tecnológica, o contexto das políticas de saúde, as demandas do SUS, incorporando ainda uma perspectiva de avanço teórico-metodológico do campo da educação profissional em saúde, é uma última atribuição desta Comissão. Este programa é referendado no encontro anual da Rede.
A Secretaria Técnica da Rede tem reunido esforços no sentido de sistematizar e divulgar informações sobre produtos desenvolvidos pelas ETSUS e contribuir para a construção e a implementação de novas relações entre as Escolas, ampliando a capacidade de ausculta e diálogo entre as experiências da Rede.
Mas isto ainda não é o suficiente para que as Escolas incorporem a cultura do trabalho colaborativo como algo presente em seu cotidiano. O caráter de vulnerabilidade das ETSUS no interior das Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios aos quais estão ligadas, aliado à pouca visibilidade e pequena capacidade de execução orçamentária, as impede de ampliar sua eficácia em termos de infra-estrutura e de composição de uma equipe de trabalho com quadros fixos e permanentes de profissionais.
A maioria destas Escolas, apesar de dotadas de um grande potencial para contribuir na formulação de uma política de formação e qualificação de trabalhadores de nível técnico para o SUS nos Estados, ficam restritas à execução de cursos.
Este quadro tem mudado muito lentamente. Hoje em alguns estados do Nordeste, Sudeste e Sul, especialmente após a atuação do Profae, observamos que as ETSUS têm conquistado espaços políticos importantes, participando ativamente das discussões dos Pólos de Educação Permanente e estabelecendo-se como coordenadoras de programas como o Programa de Formação de Agente Locais de Vigilância em Saúde (Profarmar)6 6 O Profarmar é o Programa de Formação de Agentes Locais em Vigilância em Saúde, que está sob a responsabilidade da Secretaria de Vigilância em Saúde, Funasa e Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Tem como proposta capacitar 62.000 trabalhadores de nível médio do SUS envolvidos com operações de campo no controle de doenças, em Epidemiologia e ações de Vigilância em Saúde, para desenvolverem ações de promoção e de proteção à saúde, como uma estratégia de transformação das práticas sanitárias em cada local. , em conjunto com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e os órgãos de Vigilância em Saúde nos Estados.
Porém, para consolidar o trabalho em rede, é necessário que estas Escolas sejam instituições sólidas com flexibilidade administrativa e financeira, para que possam superar a luta pela sobrevivência institucional que tem ocupado todos os espaços e esforços, no sentido de produzir um conhecimento sistematizado sobre educação profissional em saúde, com capacidade de desenvolver pesquisas e tecnologias educacionais em saúde.
O grande desafio para a RET-SUS é fortalecer a natureza de seus vínculos. Partindo do pressuposto que somos uma rede, é necessário considerarmos como e para que nos conectamos uns com os outros, como e para que nos relacionamos.
A unidade básica dos elos de uma rede é a relação entre os sujeitos que a compõem. É necessário estar aberto para o outro. É preciso reconhecer que o outro existe, e este reconhecimento implica aceitar e lidar com suas diferenças. Neste aspecto, a autonomia é uma das bases da lógica de redes. A construção tem de ser voluntária. Quando as instituições querem começar a trabalhar em redes, em vez de reduzir a autonomia, a aumentam.
De acordo com Mario Rovere,
"As pessoas que têm um comportamento burocrático, que sentem que não controlam seus próprios serviços, não estão dispostas a trabalhar em rede porque têm a sensação de que nada podem decidir. Para poder entrar em rede há que se ter a sensação de que há coisas que se pode decidir, que se pode colaborar, é dizer que tem que ter autonomia" (Rovere, 1998, p. 38).
A partir do momento em que se reconhece o outro como par, como um interlocutor válido, começamos a necessitar do conhecimento que o outro possui. O trabalho colaborativo deve ser uma ajuda espontânea, um 'trabalhar com', partindo-se de um pressuposto que existem problemas que são comuns e que podem ser solucionados coletivamente.
Notas
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- EPSJV/FIOCRUZ. 1995. Projeto Escola Relatório 1995-1997. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. (Mimeo).
- GRANDA, Edmundo. 1996. Algunas ideas sobre la organización de redes en salud, Quito: Corporación Utopía. (Mimeo).
- OPAS. 1996. Boletín de La RETS de Escuelas Técnicas en Salud Serie Desarrollo de Recursos Humanos, n. 1.
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- Boletín REAL (Red de Enfermería de América Latina). 1993. n. 1. (Mimeo).
- ROVERE, Mario. 1998. Redes: hacia la construcción de redes en salud: los grupos humanos, las instituiciones, la comunidad. Argentina: Instituto de la Salud Juan Lazarte/Secretaria de Salud Pública de Rosario.
- TEIXEIRA, Márcia. 1995. Algumas considerações sobre o papel das relações de parceria entre centros de pesquisa e a construção de tecnologias no setor energético. Rio de Janeiro. (Mimeo).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Nov 2012 -
Data do Fascículo
Mar 2004