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Um ensaio de ecologia política e saúde coletiva sobre as crises contemporâneas

An essay on political ecology and collective health on contemporary crises

Un ensayo de la ecología política y la salud colectiva sobre las crisis contemporáneas

Resumo

As crises que caracterizam nosso tempo espelham uma crise civilizatória com raízes no monopólio do saber, em que os modos de conhecer desenvolvidos pelo capitalismo científico degradam o ambiente e subjugam saberes construídos na coevolução das culturas com a natureza, os territórios e os meios de vida. A tecnologia e as inovações científicas assumiram papel central na sociedade atual, mediando um sem-número de relações sociais, ambientais e políticas hegemonizadas pelo capitalismo colonial contemporâneo. Neste ensaio, buscamos trazer reflexões sobre as relações entre os campos da energia e da saúde que, além de manifestarem sucessivas crises, vêm mobilizando o imaginário social nos últimos anos por serem regidos por sistemas sociotécnicos que condicionam os modos de vida modernos. As crises energética e sanitária são abordadas com base em suas construções históricas, nas estruturas produtivas que mobilizam, nos modos de vida que criam e nas relações sociais que ordenam. Apontamos para os mecanismos por meio dos quais os circuitos globais do capital exportam externalidades na direção das populações com menor acesso à energia mecânica disponível em seus sistemas sociotécnicos, gerando catástrofes socioambientais, expropriação de terras, perda de biodiversidade, mudanças climáticas, poluição, pobreza, fome e epidemias.

Palavras-chave:
saúde coletiva; ecologia política; Covid-19; crise sanitária; crise energética

Abstract

The crises that characterize our time mirror a civilizational crisis with roots in the monopoly of knowledge, in which the ways of knowing developed by scientific capitalism degrade the environment and subjugate knowledge built in the co-evolution of cultures with nature, territories and means of life. Technology and scientific innovations have taken a central role in today’s society, mediating countless social, environmental and political relations hegemonized by contemporary colonial capitalism. In this essay, we seek to bring reflections on the relationships between the fields of energy and health which, in addition to manifesting successive crises, have been mobilizing the social imagination in recent years as they are governed by socio-technical systems that condition modern ways of life. Energy and health crises are addressed based on their historical constructions, the productive structures they mobilize, the ways of life they create and the social relations they order. We point to the mechanisms by which global circuits of capital export externalities towards populations with less access to mechanical energy available in their socio-technical systems, generating socio-environmental catastrophes, land expropriation, loss of biodiversity, climate change, pollution, poverty, famine and epidemics.

Keywords:
collective health; political ecology; COVID-19; health crisis; energy crisis

Resumen

Las crisis que caracterizan nuestro tiempo reflejan una crisis de civilización con raíces en el monopolio del conocimiento, en la que las formas de conocimiento desarrolladas por el capitalismo científico degradan el medio ambiente y subyugan el conocimiento construido en la coevolución de las culturas con la naturaleza, los territorios y los medios de vida. La tecnología y las innovaciones científicas han asumido un papel central en la sociedad actual, mediando innumerables relaciones sociales, ambientales y políticas hegemonizadas por el capitalismo colonial contemporáneo. En este ensayo buscamos traer reflexiones sobre las relaciones entre los campos de la energía y la salud que, además de manifestar crisis sucesivas, vienen movilizando el imaginario social en los últimos años al estar regidos por sistemas sociotécnicos que condicionan las formas modernas. de vida. Las crisis energética y sanitaria se abordan a partir de sus construcciones históricas, las estructuras productivas que movilizan, los modos de vida que crean y las relaciones sociales que ordenan. Señalamos los mecanismos a través de los cuales los circuitos globales de capital exportan externalidades hacia poblaciones con menor acceso a la energía mecánica disponible en sus sistemas sociotécnicos, generando catástrofes socioambientales, expropiación de tierras, pérdida de biodiversidad, cambio climático, contaminación, pobreza, hambruna y epidemias.

Palabras clave:
salud colectiva; ecología política; Covid-19; crisis sanitaria; crisis energética

Introdução

A tecnologia e as inovações científicas vêm assumindo papel central na sociedade atual, mediando um sem-número de relações sociais, ambientais e políticas em territórios crescentemente hegemonizados por mecanismos que geram acúmulo privado de recursos, expandindo assim a economia pela apropriação de energia, trabalho, alimentos e recursos baratos, que são transformados em capital pela venda de seus produtos nos mercados (Moore, 2010MOORE, Jason W. Cheap food & bad money: food, frontiers, and financialization in the rise and demise of neoliberalism. Review (Fernand Braudel Center), v. 33, n. 2/3, p. 225-261, 2010. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2017/08/Moore-Cheap-Food-and-Bad-Money-published-2010.pdf. Acesso em: 29 out 2023.
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, 2014MOORE, Jason W. The end of cheap nature: or how I learned to stop worrying about ‘the’ environment and love the crisis of capitalism. In: SUTER, Christian; CHASE-DUNN, Christopher (orgs.). Structures of the world political economy and the future of global conflict and cooperation. Berlin: LIT Verlag, 2014, p. 285-314. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2017/08/Moore-The-end-of-cheap-nature-2014.pdf. Acesso em: 29 out 2023.
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). Os mecanismos de apropriação extraem lucro desses elementos até alcançarem seus limites ecológicos, sociais e humanos, quando entram em crise pela queda das taxas de acumulação. Com isso, necessitam ampliar suas fronteiras inventando novas formas de extrair trabalho, energia, alimentos e recursos brutos dos territórios explorados para transformá-los em capital. Esses elementos se tornam mais custosos quanto mais os mecanismos de extração pressionam ecologias e relações sociais para concentrar riqueza no centro do sistema (Moore, 2010MOORE, Jason W. Cheap food & bad money: food, frontiers, and financialization in the rise and demise of neoliberalism. Review (Fernand Braudel Center), v. 33, n. 2/3, p. 225-261, 2010. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2017/08/Moore-Cheap-Food-and-Bad-Money-published-2010.pdf. Acesso em: 29 out 2023.
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, 2014MOORE, Jason W. The end of cheap nature: or how I learned to stop worrying about ‘the’ environment and love the crisis of capitalism. In: SUTER, Christian; CHASE-DUNN, Christopher (orgs.). Structures of the world political economy and the future of global conflict and cooperation. Berlin: LIT Verlag, 2014, p. 285-314. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2017/08/Moore-The-end-of-cheap-nature-2014.pdf. Acesso em: 29 out 2023.
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).

As quedas dos ciclos de acumulação do capital geram crises (climática, econômica, energética, sanitária, política) que direcionam ações de governos e empresas a retirarem direitos de trabalhadores, assim como a ampliarem as formas baratas de extração de energia e recursos naturais que sustentam os lucros dos empreendimentos, fundando novos ciclos de acumulação e dispositivos sociotécnicos para essa exploração. As reconfigurações do capital não apenas se dão com a precarização do trabalho e dos incrementos nos meios de produção, mas também modificam as formas de viver e de se relacionar com o mundo, impondo a sociabilidade individualista do liberalismo econômico nos espaços da vida.

Para o filósofo mexicano Enrique Leff (2010LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez , 2010., 2011LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lucia Matilde Endlich Orth. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.), as múltiplas crises que caracterizam nosso tempo espelham uma crise civilizatória com raízes no monopólio do saber. A planificação dos modos de conhecer, desenvolvidos pelo capitalismo científico, degrada o ambiente e subjuga saberes não científicos, construídos na coevolução das culturas com a natureza, os territórios e os meios de vida. A ciência contribuiu para esses ocultamentos pela objetificação e dominação da natureza, forma pela qual esta pode ser conhecida pelo saber científico ocidental. As desigualdades sociais, econômicas, energéticas, ambientais e de saúde geradas por esse processo são colocadas fora dele, como carência de desenvolvimento dos povos não ocidentais, e apontam para a produção de mais ciência como mecanismo para se alcançar a civilização ocidental moderna, entendida como futuro dos povos.

Buscamos neste ensaio refletir sobre as relações entre os campos energético e da saúde, as quais têm manifestado sucessivas crises que mobilizam o imaginário social pela capacidade que têm os sistemas sociotécnicos que os regem para condicionar os modos de vida modernos. As crises caracterizadas aqui como energética e sanitária mobilizam grandes estruturas produtivas, como estradas, hospitais, indústria automobilística e farmacêutica, e tanto criam modos de vida quanto ordenam as relações das pessoas entre si e com seus territórios.

Para tratar da crise sanitária, utilizamos o referencial da saúde coletiva, por sua abertura para formular questões que articulam elementos sociais e históricos de forma interdisciplinar. Os aspectos dessa lógica estão ligados ao concreto factual e se apresentam como uma racionalidade mais formal do que dialética da compreensão desse concreto factual como socialidade e historicidade. Assim, no campo da saúde coletiva, ainda há considerável dificuldade para se ultrapassar a dimensão empírica dos estudos em prol de uma construção mais profunda do ponto de vista teórico-conceitual (Silva, Schraiber e Mota, 2019SILVA, Marcelo J. S.; SCHRAIBER, Lilia B.; MOTA, André. O conceito de saúde na saúde coletiva: contribuições a partir da crítica social e histórica da produção científica. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, e290102, 2019. https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290102. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/7jH6HgCBkrmFm7RdwkNRHfm/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Partimos da ecologia política para mostrar elementos, ainda pouco explorados, que conectam as crises energética e sanitária, focando aqueles que surgem nos territórios e por meio de sujeitos afetados por elas. Um desses elementos é o sistema energético industrial, que estabeleceu circuitos mundializados de transporte, nos tornando, cada vez mais, reféns de suas tecnologias para subsistência, como no caso dos sistemas alimentares ou dos sistemas de transporte de pessoas (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71.; 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.). Esses circuitos globais do capital ainda exportam externalidades como catástrofes socioambientais, expropriação de terras, perda de biodiversidade, mudanças climáticas, poluição, pobreza, fome e epidemias na direção das populações com menor acesso à energia mecânica dos seus sistemas sociotécnicos (Porto-Gonçalves, 2015PORTO-GONÇALVES, Carlos W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.; Porto, Rocha e Finamore, 2014PORTO, Marcelo F. S.; ROCHA, Diogo F.; FINAMORE, Renan. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 10, p. 4.071-4.080, 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09062014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001004071&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 abr 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, Marcelo F. S.; MARTINEZ-ALIER, Joan. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, supl. 4, p. S503-S512, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001600011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007001600011&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 abr 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Rede Brasileira..., 2022REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (REDE PENSSAN). Insegurança alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil: inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil: II VIGISAN. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf. Acesso em: 25 out 2023.
https://olheparaafome.com.br/wp-content/...
; Wallace, 2020WALLACE, Rob. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020.; Wallace et al., 2020WALLACE, Rob et al. COVID-19 and circuits of capital. Monthly Review [on-line], v. 72 n. 3, p. 1-20, 2020. Disponível em: https://monthlyreview.org/2020/05/01/covid-19-and-circuits-of-capital/. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Ecologia política e legitimidade do saber

A ecologia política é um campo de ações e estudos interdisciplinares para o qual confluem saberes criados com base na crítica epistemológica da modernidade como modo de saber. Incluídos nesse campo estão pensamentos que vão contra as correntes disciplinares da ciência clássica, como a economia ecológica, o direito ambiental, a sociologia política, a antropologia das relações cultura- natureza e a ética política. Por meio desses olhares, a ecologia política compreende as crises climática/ambiental, econômica e cognitiva como componentes de uma crise civilizatória com raízes no violento processo de colonização das Américas, que levou às formas desiguais de distribuição de poder e bens materiais contemporâneas (Leff, 2011LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lucia Matilde Endlich Orth. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.).

Para a ecologia política, o ponto fundante das sociedades modernas foi a modificação das formas de valorar a natureza, que deixa de ser considerada um sagrado habitat e meio de subsistência dos povos para ter seu valor expresso exclusivamente pela capacidade de produção de valores de troca. Esse deslocamento cognitivo criou uma classificação binária e hierarquizada que opõe natureza e sociedade, colocando aquela a serviço dos objetivos desta. A implementação desse pensamento foi efeito do poder colonial que impôs aos territórios e aos povos, classificados como ‘naturais’, ‘selvagens’ e sem cultura, o capitalismo como modelo econômico e de civilidade, ao passo que a sociedade europeia se tornou o modelo para medir o progresso da humanidade (Dussel, 2010DUSSEL, Enrique. Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da modernidade. In: SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria P. (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 207-358.; Quijano, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), 2005, p. 117-142.).

As noções de desenvolvimento e progresso da modernidade, colonial, capitalista, elevaram a Europa ao centro econômico mundial, tornando sua sociabilidade e cultura o futuro dos povos ‘não civilizados’. Por estabelecerem diferentes relações com a natureza, os povos não europeus e suas culturas se tornam o passado da humanidade; a Europa, o seu futuro; e a racionalidade moderna, o único caminho para esse progresso (Dussel, 2010DUSSEL, Enrique. Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da modernidade. In: SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria P. (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 207-358.).

A classificação hierárquica entre natureza e sociedade sustentou o desenvolvimento da ciência moderna como forma de controle da sociedade sobre a natureza, viabilizando a ampliação da propriedade privada e dos mercados, a submissão das mulheres (entendidas como mais próximas da natureza) aos homens e o ocultamento de um sem-número de culturas, sociabilidade e formas de se relacionar com a natureza consideradas primitivas pela modernidade (Leff, 2011LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lucia Matilde Endlich Orth. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.; Porto-Gonçalves, 2015PORTO-GONÇALVES, Carlos W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.; Dussel, 2010DUSSEL, Enrique. Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da modernidade. In: SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria P. (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 207-358.). Foram os genocídios, os etnocídios, os epistemicídios e os feminicídios promovidos pela colonização que assentaram o caminho para a ocidentalização dos povos e para o desaparecimento de diferentes modos de se relacionar com as propriedades da natureza local, desenvolvidos pelos povos humanos em processos de coevolução entre suas culturas e seus ambientes (Leff, 2010LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez , 2010.).

Assim, a modernização do mundo criou e difundiu dispositivos de controle sobre os territórios e os povos pautados em pressupostos economicistas, patriarcais e racistas que caracterizam a colonialidade do poder nas sociedades contemporâneas - e classificam diferentes corpos, culturas e povos mediante sua maior ou menor proximidade aos valores, sociabilidade e modos de vida ocidentais. Desse modo, o controle sobre a economia, a sexualidade e o saber representa o controle sobre os componentes políticos que viabilizam a exploração violenta da natureza, do trabalho e dos povos ‘naturais’ em nome do progresso (Quijano, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), 2005, p. 117-142.). A mundialização desse processo foi alavancada pelas novas tecnologias científicas, que ampliaram a capacidade de produzir valores de troca por meio da apropriação, exploração e transformação da natureza e do trabalho em capital.

Ao partir desses elementos, a ecologia política entende que a crise civilizatória é efeito dos modelos econômico, geopolítico e epistêmico da colonialidade, capitalista, moderna, e que seu enfrentamento passa pela reformulação das relações entre natureza e cultura com base nos saberes desenvolvidos pelos povos na relação com seus ambientes naturais. Para a ecologia política, as crises climática, econômica, social e cognitiva estão entrelaçadas, e sua superação passa pelo reconhecimento dos saberes ocultados pela modernidade ocidental, pela recolocação da humanidade como parte da natureza e pela deseconomização e descolonização da vida. Desse modo, a ecologia política parte dos movimentos e povos que resistem aos processos de uniformização do capitalismo colonial para tecer suas críticas a esse modelo e apontar caminhos que promovam justiça na distribuição de recursos materiais e simbólicos por meio de reparações sociais, ambientais, cognitivas, econômicas, políticas, de gênero, racial e étnicas.

O conhecimento científico assumiu papel central na ampliação desse modelo civilizatório por sua capacidade de incorporar elementos tecnocientíficos na vida cotidiana. Esse processo viabiliza o crescimento econômico de certos grupos ao promover a corrosão do tecido social (Lacey, 2008LACEY, Hugh. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 6, n. 3, 297327, 2008. https://doi.org/10.1590/S1678-31662008000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/L8ZYj3Yr5JjGgrPtjjQCJsg/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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) por meio da elevação da economia ao status de valor orientador das relações ecológicas e de produção (Polany, 2012POLANY, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.), tornando a competição elemento central da sociabilidade capitalista atomizada (Engels, 2008ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra: segundo as observações do autor e fontes autênticas. 1. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.).

A agricultura moderna é um dos exemplos mais significativos desse processo, que valoriza a natureza pela precificação de determinados produtos como soja, madeira e carne nos mercados internacionais. São enormes os estímulos econômicos para produzir essas commodities agrícolas em larga escala, em processos que ignoram os efeitos desagregadores sobre as ecologias e populações locais. Assim, um grande número de pessoas é privado tanto dos recursos naturais como dos econômicos produzidos em seus territórios, sendo elas muitas vezes expulsas de suas terras para que pequenos grupos econômicos possam capitalizar e acumular recursos pela exploração da natureza de seus territórios (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.; Guhur e Silva, 2021GUHUR, Dominique; SILVA, Nivia R. Agroecologia. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação. São Paulo: Expressão Popular, 2021, p. 50-70.).

A ampliação dos investimentos nas formas modernas e científicas de conhecer contribuiu para o aprofundamento da crise ambiental, na medida em que elas aumentam e direcionam a produtividade dos recursos precificados nos mercados, ignorando as relações entre entes ecológicos que são produtores de vida, tanto humana como não humana. No caso da agricultura, destacam-se os efeitos de perda da fertilidade dos solos, mudanças nos ciclos e contaminação de cursos d’água, além da perda da biodiversidade, gerados pela intensificação e especialização das monoculturas geneticamente modificadas e quimicamente protegidas por agrotóxicos (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.; Guhur e Silva, 2021GUHUR, Dominique; SILVA, Nivia R. Agroecologia. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação. São Paulo: Expressão Popular, 2021, p. 50-70.).

A tecnociência entra na vida cotidiana das pessoas como dispositivos que permitem melhor controlar o mundo (controle da sociedade sobre a natureza) e prometem melhorar a qualidade de vida. Entretanto, a aliança com os mercados não permite a essa ciência apresentar alternativas concretas às crises geradas pela intensificação do consumo e seus mecanismos de produção. Desse modo, o sucesso das tecnologias que entram nos mercados é medido pelo volume de suas vendas e pelo lucro que geram para acionistas das megacorporações, ignorando as funções sociais, políticas e culturais do conhecimento, subordinando valores coletivos essenciais, como ajuda mútua e solidariedade, ao individualismo, à propriedade privada e à competição, apresentados pelas relações de mercado. Para Lacey (2008LACEY, Hugh. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 6, n. 3, 297327, 2008. https://doi.org/10.1590/S1678-31662008000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/L8ZYj3Yr5JjGgrPtjjQCJsg/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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, p. 302), o “entrincheiramento da ciência no interesse privado” distorceu o princípio científico da objetividade em uma ideia de neutralidade e imparcialidade que servem bem aos interesses dos capitalistas.

Produzidas de forma descontextualizada, as pesquisas científicas operam sob uma suposta imparcialidade que retira o uso real do objeto pesquisado da equação, o qual é visto apenas em sua função abstrata, ou seja, fora da realidade em que será utilizado e na qual distribuirá seus efeitos. A imagem do laboratório como local privilegiado de produção de conhecimento científico retira o objeto de saber de sua realidade e renuncia à compreensão mais ampla dos seus efeitos no espaço concreto, nas ecologias e nas populações para criar saberes supostamente reproduzíveis em qualquer realidade, ou seja, um saber universal. Ao se retirar o objeto dos espaços de uso real, a objetividade das análises fica comprometida, pois seu uso social e os efeitos que o objeto pode ter na realidade objetiva são escondidos pela descontextualização operada pela neutralidade científica (Lacey, 2008LACEY, Hugh. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 6, n. 3, 297327, 2008. https://doi.org/10.1590/S1678-31662008000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/L8ZYj3Yr5JjGgrPtjjQCJsg/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Um exemplo dessa relação pôde ser percebido pelas respostas da ciência à pandemia de Covid-19, que apresentou como principal estratégia a aplicação de vacinas como tecnologia de imunização. A proteção das vacinas atua em duas dimensões: uma individual, que estimula o sistema imunológico e o ‘prepara’ para uma infecção, a qual tende a ser menos intensa nos sujeitos vacinados; e uma coletiva, que, quando presente na maior parte das pessoas, reduz a capacidade de contaminação do vírus e de sua mutação em novas cepas. Desse modo, os mecanismos de distribuição e acesso às vacinas se tornam tão importantes quanto a tecnologia da imunização em si, passando a compor parte importante de uma resposta imune coletivamente eficiente.

Quando essas soluções são regidas pelas leis de oferta e procura dos mercados, o maior poder econômico define quais populações serão favorecidas pela tecnologia, criando formas de hierarquização entre as nações e os povos do planeta. A ‘desigualdade vacinal’ (Vilardaga, 2021VILARDAGA, Vicente. O Apartheid da vacina. IstoÉ, São Paulo, n. 2.679, 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/o-apartheid-da-vacina/. Acesso em: 29 out 2023.
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) tem se caracterizado como um problema de escala global, criado pela resposta ‘imparcial’ da ciência produzida e financiada pelos grandes laboratórios. Em países como Haiti, Senegal e República Dominicana, até agosto de 2022 foram aplicadas, respectivamente, 3,1, 12,3 e 4,6 doses de vacinas para cada mil habitantes. França, EUA e Inglaterra, no mesmo período, alcançaram 223, 180 e 223 doses de vacina, respectivamente, para cada mil habitantes (Organização Mundial da Saúde, 2020ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). WHO Coronavirus (COVID-19). Dashboard, 2020. Disponível em: https://covid19.who.int. Acesso em: 15 ago 2022.
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). Enquanto nos países de baixa renda per capita uma em cada cinco pessoas receberam pelo menos uma dose, naqueles com maiores rendimentos internos brutos, três em cada quatro pessoas foram vacinadas com pelo menos uma dose até agosto de 2022 (Organização Mundial da Saúde, 2020ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). WHO Coronavirus (COVID-19). Dashboard, 2020. Disponível em: https://covid19.who.int. Acesso em: 15 ago 2022.
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).

As vacinas reguladas pelos mercados reforçaram a dimensão individual e lucrativa da tecnologia, desviando o olhar de um elemento que nos parece central para o entendimento da crise sanitária: o sistema sociotécnico da velocidade. Ao distribuí-las desigualmente, contribuiu com o prolongamento da crise sanitária em âmbito mundial, e em alguns casos parece ter aprofundado os efeitos locais da Covid-19. As mesmas redes que disseminaram o vírus entre geografias distantes não foram capazes de dispensar a mesma velocidade no acesso à solução técnica apresentada pelos laboratórios farmacêuticos. Nesse processo, as populações mais pobres, que habitam países da periferia do sistema global, não só ficaram desprotegidas como também tiveram maiores níveis de exposição ao vírus. Enquanto isso, as melhores condições para cumprir recomendações de distanciamento físico nos territórios centrais foram reforçadas pela imunidade ofertada pela vacina, criando uma nova forma de injustiça, a desigualdade vacinal (Organização Mundial da Saúde, 2020; Vilardaga, 2021VILARDAGA, Vicente. O Apartheid da vacina. IstoÉ, São Paulo, n. 2.679, 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/o-apartheid-da-vacina/. Acesso em: 29 out 2023.
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).

A globalização dos sistemas de trânsito e transporte facilitou a mundialização do vírus sem universalizar as respostas para a crise sanitária provocada por ele. Buscamos, a seguir, compreender o papel histórico dos sistemas energéticos para incluí-los, de forma crítica, no debate sobre as crises sanitárias.

Da construção social da energia à crise energética

O que entendemos culturalmente como energia é fruto de construções sociais e históricas que atribuíram sentidos ao termo em diferentes campos políticos, teóricos e de significação. Antes do século XVIII, a palavra energia era usada para se referir à potência de um discurso, à distinção de uma face ou à intensidade de uma ação caracteristicamente humana (Illich, 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.). É apenas a partir do século XIX, com a intensa matematização do conhecimento, operada pela necessidade de padronização do valor das coisas comercializáveis para possibilitar as trocas comerciais entre diferentes culturas e suas formas de valorar o mundo (Leff, 2011LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lucia Matilde Endlich Orth. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.; Moreno, Speich e Fuhr, 2016MORENO, Camila; SPEICH, Daniel; FUHR, Lili. A métrica do carbono: abstrações globais e epistemicídio ecológico. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2016. (Série Ecologia).), que a energia passa a ser significada como uma força da natureza que possui em si a capacidade de realizar trabalho (Illich, 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

No discurso científico moderno do século XIX, a ideia de energia acompanhou e reforçou a ideologia da produção de valor econômico e do capital como objetivo da sociedade moderna, realizado por meio do trabalho. No mesmo período, o conceito de população emergiu para caracterizar a fonte dessa energia como força de trabalho. Espelhando a imagem do ‘homem moderno’ como trabalhador, a natureza tornou-se matriz dessa força que também realiza trabalho, denominada energia. Ao redor das teorias da energia surgiram formas mais eficientes de extrair dela o trabalho. Por meio da física, a energia ascendeu ao status de componente fundamental do universo, sendo o acesso à energia uma metáfora adequada para representar as ‘necessidades básicas’, o que torna o consumo de energia determinante do grau de civilidade e progresso de uma sociedade (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71., 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

Com o princípio da conservação da energia (a energia não pode ser criada ou destruída, apenas transferida ou modificada) operando na perspectiva da realização de trabalho para produzir capital, a energia, no século XX, tornou-se o principal ‘capital da natureza’. Esse capital natural, entretanto, já nasce com a marca da escassez característica dos sistemas energéticos modernos, por sua tendência à entropia. Essa finita energia, disponível na natureza, passa a ser organizada para cumprir a função designada pela cosmologia da sociedade industrial: produzir capital por meio do trabalho (Illich, 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

Ao acessar o potencial da natureza para realizar atividades, o engenheiro, com o auxílio dos sistemas sociotécnicos (motores, computadores, aparelhos elétricos), produz não só trabalho, mas também calor (entropia) como produto residual inevitável. Analogamente, ao acessar a força de trabalho, o capitalista produz seu capital e o salário (resíduo da mais-valia). Sistemas técnicos e sistemas sociais passam a ser paralelamente desenvolvidos no século XIX para maior extração de trabalho e energia (Illich, 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

Assim como os motores aumentam a capacidade de extrair energia da natureza, as instituições do Estado moderno construíram formas para maximizar a extração do trabalho da população. Um dos efeitos da ampliação da capacidade de transformar energia em tarefas foi o aumento da velocidade dos deslocamentos humanos dentro dos sistemas que usam a energia mecânica. Esses sistemas velozes proporcionaram aumento do volume e da dinamicidade nas trocas econômicas, demandando quantidades maiores de insumos e de trabalho; e modificaram as formas de vida em sociedade, as maneiras de significar o território, a natureza e sua geografia, criando sistemas de controle sobre a matriz da força de trabalho, a população. O motor a vapor, o motor elétrico e o motor a combustão interna foram os três estágios que consolidaram o mundo moderno como o mundo que trabalha (Illich, 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

A energia mecânica também influenciou os subsistemas de controle social sobre a vida, como os exercidos pela medicina, pela educação formal, pela psiquiatria e pela polícia, que cresceram tanto quanto os níveis de energia mecânica empregados para a sua realização. Entretanto, quando o uso de energia mecânica excede a energia metabólica disponível, indivíduos e grupos são forçados a renunciar ao controle da sua vida para se submeterem a uma tecnocracia regida por uma razão puramente instrumental (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71.). Ou seja, quando o consumo de energia mecânica ultrapassa o limite da energia metabólica disponível, ele corrói o tecido social, criando necessidades que só podem ser satisfeitas pelo crescimento dos mesmos mecanismos de controle.

Assim, o aumento da velocidade do deslocamento além de uma certa margem torna as pessoas prisioneiras do veículo que as leva de casa ao trabalho e do trabalho para casa, enquanto a ampliação do raio de circulação das pessoas paradoxalmente diminui a possibilidade de escolha dos pontos de destino. A constituição de modos de vida dependentes desses deslocamentos, cada vez mais velozes e longínquos, sustenta sistemas de alto consumo energético com a ilusão de que sua ampliação cria maior liberdade de circulação, quando na verdade esses sistemas retiram das pessoas a liberdade de escolher seus caminhos, que se tornam tão repetitivos quanto indispensáveis. Somos dependentes dos veículos para trabalhar, para viajar, para ir ao mercado, receber vacinas e procedimentos de saúde e tantos outros tipos de atividade social (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71.).

A relação do humano com a velocidade, mediada pelo alto consumo energético dos motores, impõe distorções industriais nas relações com o espaço e com o tempo e nos faz perder a consciência dos poderes físicos, sociais e psíquicos desenvolvidos pelo uso dos pés. As altas velocidades, promovidas pelo sistema energético, tornam o ser humano dependente dos veículos motorizados, que passam a determinar seu domínio de ação pela força mecânica, alheia a ele e ao seu ser biológico, empreendida para seu deslocamento. Ao mediatizar sua relação com o meio, o motor a combustão o aliena de tal forma que se converte em definidor de seu poder político, por fazer acreditar que, com ele, é ampliada a capacidade dos membros de uma sociedade de participarem do jogo político. É uma ilusão bem tramada e que se converte em reivindicação política para aumentar a velocidade dos transportes (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71., 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

As sociedades industriais nos tornaram dependentes do trabalho realizado em territórios distantes, submetendo a subsistência dos povos a sistemas sociotécnicos assentados no uso de energia mecânica. Dos tratores no campo aos carros e ônibus nas cidades, aos alimentos embalados e transportados por milhares de quilômetros até as geladeiras, dos satélites aos celulares, o consumo de energia mecânica tornou-se tão paradigmático como naturalizado pelas sociedades industriais. A subsistência regida pelos mecanismos de mercado, em uma sociedade de consumo, tornou o acesso a bens necessários à vida dependente das altas velocidades criadas por redes energéticas que são frágeis e pouco eficientes, fazendo da própria velocidade um dos maiores mercados do planeta e o controle de suas matrizes energéticas uma das questões geopolíticas mais importantes dos séculos XX e XXI. Das dez maiores empresas do mundo em 2022, sete estão diretamente relacionadas à geração de velocidade, produzindo os combustíveis, os motores, a infraestrutura e a tecnologia da velocidade, que viabilizam o comércio global de produtos industrializados e o deslocamento de pessoas, aumentando a velocidade das trocas, tanto comerciais como de informações.

No Brasil, o controle sobre a matriz energética tornou-se uma das mais importantes e definidoras agendas da política nacional, especialmente após a descoberta do pré-sal. O envolvimento da Petrobras em processos de superfaturamento de obras e desvio de dinheiro, levados a público pela Operação Lava Jato em 2014, acompanhou a queda do valor do petróleo no mercado mundial de commodities em 2013, e juntamente com as políticas de retenção de preços dos combustíveis para o mercado interno, operadas pelo governo federal na época, teve papel fundamental para aliar setores da opinião pública e do mercado financeiro a forças políticas conservadoras para destituir de seu cargo a primeira mulher eleita presidenta no Brasil.

A paridade com os preços do mercado internacional, criada por Michel Temer, foi posta em vigor antes mesmo do fim do processo legal que levou ao golpe constitucional e à saída de Dilma Rousseff da Presidência da República em 2016. As políticas adotadas a partir de então pela empresa, especialmente durante o Governo Bolsonaro, reduziram os investimentos produtivos na companhia e aceleraram a venda de ativos estratégicos, como as refinarias, sem modificar as políticas de preços danosas para a população, dando ao mercado financeiro controle sobre os preços dos combustíveis produzidos pela Petrobras. Nesse período, os lucros obtidos pela empresa bateram sucessivos recordes, chegando em 2021 e 2022 a R$ 106 bilhões e R$ 188 bilhões, respectivamente. Esse desempenho só foi possível ao se repassarem para os cidadãos aumentos de 47,49%, 46,04% e 36,9% na gasolina, no óleo diesel e no gás de cozinha, respectivamente, no ano de 2021. Os lucros obtidos no período foram direcionados aos acionistas da empresa, que receberam dividendos de R$ 101,4 bilhões, em 2021, e R$ 209,5 bilhões, em 2022 (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2022DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Redução do ICMS dos combustíveis, energia elétrica, transportes e comunicação. São Paulo: DIEESE, 2022. Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2022/notaTec270ICMS.pdf. Acesso em: 29 out 2023.
https://www.dieese.org.br/notatecnica/20...
; Santos, 2023SANTOS, Mahatma R. O que explica o lucro recorde da Petrobras. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-que-explica-o-lucro-recorde-da-petrobras/. Acesso em: 13 mar 2023.
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/...
).

Ao favorecer os acionistas privados, a Petrobras operou uma estratégia que transferiu capital dos setores mais pobres da população para os mais ricos, contribuindo para aumentar desigualdades socioeconômicas que levaram mais da metade da população do país a algum nível de insegurança alimentar e mais de trinta milhões de brasileiros à situação de fome (insegurança alimentar grave), favorecendo o agravamento da crise sanitária causada pelo novo coronavírus (Rede Brasileira..., 2022REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (REDE PENSSAN). Insegurança alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil: inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil: II VIGISAN. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf. Acesso em: 25 out 2023.
https://olheparaafome.com.br/wp-content/...
).

As tecnologias utilizadas para maximizar lucros buscam apropriar-se de novas matrizes energéticas, se possível menos poluentes, mais eficientes e duradouras. Para o capital, a crise energética se localiza na escassez da matriz combustível e não no sistema que a esgota. O caráter político da crise energética fica encoberto pela criação de tecnologias ‘salvadoras’ que submetem territórios e povos a mecanismos que expropriam seus recursos naturais, exploram o seu trabalho e dissolvem suas culturas, tornando-os dependentes dessas tecnologias para subsistência.

A mecanização do mundo rural é um exemplo pertinente de tecnologia salvadora. Realizada pela Revolução Verde, entre os anos 1950 e 1980, promoveu expropriações massivas da população rural para as cidades. As modernas tecnologias de tratores, colheitadeiras, adubação química e defesas de pragas por meio de agrotóxicos reduziram bruscamente a necessidade de trabalho humano, vinculando a produção agrícola ao modelo industrial. Esse processo engrossou as periferias urbanas, local para onde foram os desapropriados da terra, o que os tornou dependentes da mediação dos mercados para acessar alimentos e outros recursos básicos que antes eram produzidos por meio de suas práticas de agricultura tradicionais, familiares e coletivas (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.; Hadich e Andrade, 2021HADICH, Ceres; ANDRADE, Gilmar. Revolução Verde. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação . São Paulo: Expressão Popular , 2021, p. 650-658.).

As tecnologias da velocidade modificam as geografias de territórios a ponto de naturalizarmos no ambiente as megaestruturas de transporte que as produzem, sendo celebradas como elementos do desenvolvimento e do progresso social. Entretanto, não se pode perder de vista que essas estruturas não apenas modificam ecologias, mas transformam relações sociais e culturais nos territórios que alcançam. Quando uma estrada é aberta no território de uma comunidade rural, indígena ou quilombola, abre caminho para caminhões e máquinas que viabilizam o agronegócio e o garimpo, promovem a entrada de sementes transgênicas e insumos industriais naquele território, ampliam a especulação da terra e os mecanismos de expropriação, desagregando economias locais e culturas de subsistência.

Uma estrada aberta em uma comunidade rural leva desenvolvimento econômico e aumenta a produtividade com o aumento da velocidade com que os produtos passam a entrar no sistema e sair dele (inputs e outputs). Maior número de outputs retira dos territórios as riquezas (naturais, econômicas e culturais), transformando e exportando trabalho e natureza como commodities para o mercado. Com o aumento dos inputs, comunidades são bombardeadas por uma série de mecanismos de subjetivação que passam a fazer parte do seu cotidiano e produzem modos de vida que, para serem satisfeitos, necessitam das tecnologias da velocidade e do consumo.

Na esfera pública, a crise energética tem levado os países centrais a buscar novas matrizes energéticas que mantenham a velocidade do sistema sem comprometer a lógica da acumulação crescente. A ampliação dos deslocamentos (de pessoas, insumos, produtos, informações), tanto em velocidade como em distância, tem sido um elemento pouco ou nada questionado. Enquanto isso, as tecnologias da velocidade constroem sociedades ao redor de rodovias, portos e aeroportos, criando distâncias desejadas, porém não alcançadas pela maioria das pessoas afetadas por essas obras, que ainda retiram das pessoas a capacidade de se locomoverem a pé ou de bicicleta (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71.).

Essas infraestruturas conectam territórios aos circuitos globais do capital que se desenvolvem orbitando linhas de produção industrial e articulam a extração e o transporte da matéria bruta, o processamento industrial, a distribuição e comercialização de bens e serviços e o transporte de pessoas por meio dos sistemas sociotécnicos de forma cada vez mais rápida. Esses circuitos, entretanto, não carregam apenas os elementos necessários para a produção. A veloz dispersão da Covid-19 pelo planeta mostrou que eles podem ser usados por vírus, criando meios para a transmissão veloz e a evolução da virulência de patógenos, levando-os a grandes cidades, pouco tempo após terem feito o salto entre espécies, em territórios muito distantes das metrópoles urbanas (Wallace et al., 2020WALLACE, Rob et al. COVID-19 and circuits of capital. Monthly Review [on-line], v. 72 n. 3, p. 1-20, 2020. Disponível em: https://monthlyreview.org/2020/05/01/covid-19-and-circuits-of-capital/. Acesso em: 29 out 2023.
https://monthlyreview.org/2020/05/01/cov...
).

Os fluxos que possibilitam a acumulação de capital no centro do sistema invertem o sentido quando são externalizados os custos dessa produção, acumulando os custos ecológicos e sociais não contabilizados nas despesas da produção nos territórios mais vulneráveis, por meio dos mecanismos que os conectam aos circuitos do capital global. No Brasil, a dispersão do Sars-CoV-2 foi modelada espacial e temporalmente pelas estruturas econômicas dos territórios e suas hierarquias regionais, sendo a rota preferencial determinada pela rede rodoviária, principal meio de circulação interna no país (Guimarães et al., 2020GUIMARÃES, Raul B. et al. O raciocínio geográfico e as chaves de leitura da covid-19 no território brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 119-140, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/ea/a/FppL4vJvpmSshvFysSjhQjC/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2023.
http://www.scielo.br/j/ea/a/FppL4vJvpmSs...
). A Covid-19 foi uma externalidade carregada pelas redes de alta velocidade do capital global. Não à toa, as cidades com economias maiores e sistemas mais velozes foram acometidas pelo Sars-CoV-2 antes daquelas com redes menos velozes e economias menos desenvolvidas. Os efeitos, entretanto, foram maiores em comunidades, territórios e populações com economias e sistemas de transporte ‘menos desenvolvidos’, nos quais os benefícios dos avanços científicos - da velocidade ou das tecnologias da saúde - não são acessados pelas pessoas (Baqui et al., 2020BAQUI, Pedro et al. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. The Lancet Global Health, v. 8, n. 8, e1018-e1026, 2020. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30285-0. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(20)30285-0/fulltext. Acesso em: 29 out 2023.
https://www.thelancet.com/journals/langl...
; Guimarães et al., 2020GUIMARÃES, Raul B. et al. O raciocínio geográfico e as chaves de leitura da covid-19 no território brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 119-140, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/ea/a/FppL4vJvpmSshvFysSjhQjC/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2023.
http://www.scielo.br/j/ea/a/FppL4vJvpmSs...
; Tavares e Betti, 2021TAVARES, Fernando F.; BETTI, Gianni. The pandemic of poverty, vulnerability, and COVID-19: evidence from a fuzzy multidimensional analysis of deprivations in Brazil. World Development, v. 139, 105307, 2021. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2020.105307. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305750X20304344. Acesso em: 29 out 2023.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
). Os efeitos da Covid-19 foram distribuídos absorvendo características das desigualdades previamente instaladas nas sociedades, criando mecanismos de controle, diferenciação e hierarquização entre as populações acometidas pelo vírus.

Da construção social da saúde à crise sanitária

Desde o final do século XIX e o início do século XX, a população tem sido objeto de estudo e de intervenção sobre o quanto o Estado moderno busca controlar os modos de viver das pessoas. A invenção do sanitarismo e do higienismo europeus ordenou os elementos da vida no território para dispô-los de forma que não apresentassem perigo nos espaços urbanos que se formavam pela migração de camponeses expropriados de suas terras, os quais passaram a viver próximos a indústrias para a venda de sua força de trabalho. As condições de vida dos trabalhadores nesses espaços transformaram os laços de sociabilidade comunais em relações de competição entre indivíduos. Os baixos salários, as precárias condições de moradia e de alimentação, além dos dejetos e rejeitos das fábricas que se acumulavam pelos espaços da cidade, criaram as condições para a emergência de epidemias e para a insurgência de revoltas (Engels, 2008ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra: segundo as observações do autor e fontes autênticas. 1. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.). Os trabalhadores, especialmente as pessoas pobres, passaram a ser percebidos como expressão do perigo que ameaçava a ordem da racionalidade do trabalho, associando os modos de vida das populações pobres às epidemias que repetidamente acometiam o ambiente urbano (Foucault, 1984aFOUCAULT, Michel. A política da saúde no século XVIII. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984a. p. 193-208., 1984bFOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder . 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal , 1984b. p. 79-98.). Ao debilitar a saúde da população, as epidemias tornavam a força de trabalho insuficiente ou cara demais para a manutenção do ciclo de acumulação.

A resposta a essas crises promoveu o surgimento da biomedicina como disciplina que enxerga o corpo biológico como local privilegiado para realizar suas práticas. Como efeito, retirou a conexão dos sujeitos com seus territórios de vida e histórias sociais para intervir sobre recortes de processos fisiopatológicos nos corpos individualizados. O modelo criado nesse período se tornou o paradigma da medicina moderna, normalizando a saúde como um conjunto de escolhas individuais que promovem interações fisiológicas como efeitos dessas escolhas, reduzindo o ambiente ao meio no qual as escolhas são feitas. Nessa perspectiva, a saúde de cada um depende exclusivamente de fatores pessoais, individuais e biológicos, sem relação com as diferentes inscrições sociais e históricas que agem sobre a saúde dos sujeitos e das populações. Tendo raízes na parasitologia e no modelo ecológico das doenças infectocontagiosas, que descrevem as relações entre agentes e hospedeiros, o modelo biomédico foi incrementado pela emergência de doenças como câncer, diabetes e cardiopatias e pelo reconhecimento político de que problemas ambientais influenciam a saúde humana. Esse olhar vem sendo renovado por saberes das áreas da toxicologia e da epidemiologia, que levam a uma tecnificação das abordagens realizadas nas práticas de saúde, inclusive na jovem área da saúde ambiental (Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, Marcelo F. S.; MARTINEZ-ALIER, Joan. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, supl. 4, p. S503-S512, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001600011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007001600011&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 abr 2020.
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).

A ascensão do paradigma biomédico como modelo hegemônico do fazer saúde planificou as formas de significar a saúde de diversos povos, relegando as relações entre saúde humana e ambiente ao campo do saneamento. Este, por meio dos saberes da engenharia ambiental europeia, construiu novas infraestruturas para o controle dos fatores causadores de doenças no ambiente urbano, como a canalização e o tratamento de água para consumo, o recolhimento do lixo e dos resíduos dos processos industriais e de consumo, o escoamento de esgotos, o fechamento de poços contaminados.

O paradigma biomédico conhece os riscos com base na análise dos efeitos que os elementos do ambiente geram na saúde humana, enquanto a engenharia sanitária age sobre o controle da água, dos esgotos e dos resíduos causadores de doenças. Os dois campos de saber têm visões que delimitam suas intervenções em uma restrita visão das técnicas de controle dos fluxos dos elementos, como saneamento, resíduos e cursos d’água, ou atuam por meio do diagnóstico dos agentes biológicos causadores de doenças, propondo intervenções pontuais para sua extinção ou mitigação (Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, Marcelo F. S.; MARTINEZ-ALIER, Joan. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, supl. 4, p. S503-S512, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001600011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007001600011&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 abr 2020.
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).

Assentada em elaborações mais complexas sobre o processo saúde-doença, o movimento de medicina social deu passos importantes, na década de 1970, para consolidar o campo que chamamos hoje no Brasil de saúde coletiva. A influência de movimentos populares e de outras áreas do saber, como a sociologia, a antropologia e mais recentemente a ecologia e os movimentos ambientalistas, concentrou nele resistências políticas e epistemológicas ao modelo biomédico individualizante, configurando um campo político e institucional permeável às questões emergentes de seus tempos históricos. Os princípios de justiça social e participação política permanecem na agenda da saúde coletiva desde a década de 1970; os valores dos direitos humanos e feministas são acolhidos nas décadas de 1980 e 1990; mais recentemente, o pensamento ecológico, ligado à crise climática e seus efeitos na saúde, as reivindicações das causas LGBTQIAPN+, do movimento negro antirracista, da justiça ambiental, dos povos da floresta, do campo e das águas, têm influenciado o campo da saúde coletiva pela compreensão de que fatores sociais, econômicos, psíquicos, culturais, raciais e ambientais são determinantes para entendermos a saúde como um processo.

O olhar da determinação social do processo saúde-doença possibilitou mostrar de que maneiras são dispostos socialmente os elementos que influenciam as condições de saúde de diferentes populações, povos e culturas. Porém, é preciso não cair nas armadilhas que a autoridade dos saberes biomédico e da epidemiologia clássica criou ao hegemonizar o campo da saúde institucionalmente. A racionalidade objetiva que consegue ‘medir’ os condicionantes e determinantes da saúde das pessoas e das populações tende a restringi-los a um plano instrumental de atributos, retomando a ideia de população construída no século XIX, que compreendia a sociedade como um agregado de indivíduos que devem ser controlados e ordenados por meio de biopolíticas criadas pela autoridade das instituições sanitárias, educacionais e policiais que constituem o Estado Moderno. “Tal racionalidade não prioriza nem articula melhorias das condições de vida e trabalho com as estruturas sociais da sociedade ou laços de solidariedade” (Porto, Rocha e Finamore, 2014PORTO, Marcelo F. S.; ROCHA, Diogo F.; FINAMORE, Renan. Saúde coletiva, território e conflitos ambientais: bases para um enfoque socioambiental crítico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 10, p. 4.071-4.080, 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09062014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001004071&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 abr 2020.
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, p. 4.072).

Esses diferentes modos de compreender a saúde criaram distintas maneiras de fazer saúde, que disputam constantemente espaços na sociedade para legitimar suas práticas, especialmente na construção de políticas públicas de saúde. As políticas de saúde são arranjos de práticas institucionais, ordenadas por diferentes - e por vezes conflitantes - forças em relação que, ao se materializarem, informam e promovem na população assistida adesão a certos valores em detrimento de outros. Se a política de saúde se baseia em atendimentos médicos individuais, procedimentos técnicos individualizantes, intervenções medicamentosas que incidem apenas sobre a saúde individual, focada em fatores biológicos, em ajustes dos modos de vida ‘não saudáveis’, ela informa e reforça os valores neoliberais de competição, perpetrados por uma saúde individualizada e normativa que determina quais são os modos saudáveis e aceitos pela modernidade para viver a vida.

A difusão do modelo biomédico redefiniu uma amplitude de experiências e comportamentos humanos como problemas médicos passíveis de intervenção. Essa reorientação progressiva de práticas humanas como problemas de saúde retira a doença do campo sensorial e de sua interpretação cultural do fenômeno, significado agora apenas com base no que a ciência pode dizer sobre ele. Ao negar qualquer outra explicação possível, por não ser científica, afasta a interpretação dos fenômenos das influências sociopsicológicas, ambientais, espirituais, culturais e econômicas que agem sobre a saúde e a vida das pessoas. A biomedicina, dessa forma, assenta-se no projeto de se tornar a única explicação possível para os problemas de saúde. Ao retirar legitimidade de outras formas de saber, ela homogeneíza saberes e práticas em saúde pela disseminação de uma suposta superioridade epistemológica da biociência e da biomedicina sobre outras formas de significar e compreender a saúde. Esse deslocamento progressivo é pautado pela heteronomia das práticas de saúde, que provocam o que Charles Tesser (2006TESSER, Charles D. Medicalização social (I): sucesso do epistemicídio moderno na saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 19, p. 61-76, 2006. https://doi.org/10.1590/S1414-32832006000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/3jv43rc8SJQ88GpPrZR3q6t/abstract/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
https://www.scielo.br/j/icse/a/3jv43rc8S...
, p. 71) chamou de “epistemicídio progressivo de saberes e estilos de pensamento em saúde-doença, mais ou menos estruturados, e de práticas diluídas nas culturas, populações e subculturas, importantes para o manejo autônomo dos problemas em saúde-doença”. Para o autor, é possível perceber um projeto que fundamenta as relações sociais e as práticas e saberes de saúde pela ideologia capitalista, baseada nas relações de consumo e mediadas pelo mercado.

Essa mediação faz com que os tempos da vida passem a ser regulados pelo tempo da produção e do consumo crescente de mercadorias e não mais pelo tempo dos processos naturais. O trabalho assalariado cumpre esse papel ao dissolver formas de trabalho objetivas e ampliar as formas abstratas de trabalho, criando e legitimando dispositivos de poder social que submetem os trabalhadores ao tempo e velocidade dos mercados (Porto-Gonçalves, 2015PORTO-GONÇALVES, Carlos W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.). Desse modo, elas restringem as experiências socialmente válidas no presente, ao mesmo tempo que lançam a ‘humanidade’ em um futuro que se apresenta como expectativas sem fim. Essa contração do presente é dada por uma interpretação totalitária da experiência social, feita pela racionalidade ocidental de mundo, que ao se entender como universal exclui, invisibiliza e não reconhece as experiências que não cabem nessa suposta totalidade (Santos, 2002SANTOS, Boaventura S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 63, p. 237-280, 2002. https://doi.org/10.4000/rccs.1285. Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/1285. Acesso em: 29 out 2023.
https://journals.openedition.org/rccs/12...
).

A hegemonia dos saberes biomédicos nas práticas de saúde contemporâneas foi tensionada com a emergência da Covid-19 e da crise sanitária que ela promoveu mundialmente. As terapias e os remédios individuais se mostraram insuficientes para diminuir o avanço do vírus sobre diferentes populações. Mesmo com acesso a tecnologias de ponta, como ventiladores mecânicos, tanques de oxigênio, vaso e broncodilatadores, até o surgimento das vacinas, pouco a biomedicina pôde fazer para amenizar a crise na saúde, além de tratar os sintomas e esperar pela recuperação ou morte dos infectados. Sabemos também que essas tecnologias não estiveram acessíveis a todos que necessitaram delas; mesmo com proliferação de leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) e hospitais de campanha, muitas pessoas morreram à espera de uma chance de acessá-los.

O olhar exclusivo sobre os processos biológicos fez com que a biomedicina ficasse de mãos atadas, e as tecnologias mais eficientes no enfrentamento da crise sanitária foram aquelas mais simples e coletivas. A higiene das mãos, o uso de máscaras, o distanciamento físico e a adoção de alimentação saudável foram as que tiveram efeitos protetores mais significativos. A adoção dessas práticas, entretanto, adentra outros campos sociais como o das condições de trabalho, da renda, do acesso à água potável, das condições de moradia e do consumo de alimentos, que são determinados por práticas e decisões políticas, econômicas e culturais dentro das sociedades. É interessante perceber que a Covid-19 assumiu características predominantemente sociais, como o trânsito do vírus pelos sistemas sociotécnicos globais e locais de transporte. Sua dispersão preferencial se deu em locais onde são realizadas práticas massificadas de consumo ou produção de mercadorias. No limite, o debate político opôs saúde e economia, com uma tendência a sacrificar vidas pela manutenção do sistema econômico. Esses elementos nos levam a acreditar que a crise sanitária foi uma expressão fulminante da crise civilizatória gerada pelo capitalismo, colonial, moderno, e que para entendê-la como tal é preciso olhar para as práticas de consumo e produção de bens materiais, para os valores que as orientam, assim como para os sistemas sociotécnicos que as viabilizam.

Reflexões sobre os sistemas energéticos e as práticas de saúde

O paradigma biomédico concorre para se tornar a única resposta aos problemas de saúde, tanto quanto o aumento da velocidade nos deslocamentos (de pessoas, matérias e informação) se apresenta como a única estrada para o progresso. Entretanto, com a ampliação desses sistemas sociotécnicos, aumentam também os custos sociais e ecológicos da produção industrial que os viabiliza. Mesmo que o sistema beneficie certas pessoas, são altos os custos que recaem sobre os povos e territórios privados desses mesmos sistemas, o que em termos globais gera uma contraprodutividade deles.

É muito conhecida a ineficiência prática, clínica e política do modelo biomédico curativista e medicalizante sobre a saúde das pessoas e das populações. As intervenções clínicas, medicamentosas e terapêuticas em excesso retiram a autonomia das pessoas sobre a própria saúde, criando vidas que passam a ser pautadas pelas prescrições de profissionais de saúde. Com a Covid-19, foram privilegiadas práticas que reforçaram o modelo biomédico, rebaixando ainda mais as práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), mesmo que suas respostas à crise sanitária tenham sido precárias e insuficientes.

Os medicamentos e procedimentos usados para tratar os efeitos de outros medicamentos e procedimentos médicos juntam-se à poluição causada pelos congestionamentos de carros, que demandam mais estradas, por onde irão transitar mais carros, com motores mais velozes, causando mais congestionamentos. A ampliação dos sistemas sociotécnicos da saúde e da velocidade vem reduzindo a capacidade dos povos de realizar produções autônomas, seja do seu próprio deslocamento, seja do cuidado em saúde, provocando o encolhimento da diversidade de formas de relação social e de produção, especialmente aquelas construídas fora da lógica da modernidade industrial. A produção de bens e serviços em massa desencadeia mecanismos em que o consumo dos elementos dos sistemas ocorre por conjuntos inseparáveis, definidos por técnicos e burocratas, que cerceiam outras maneiras de agir, aumentando privilégios dos consumidores dos produtos mais caros, enquanto discriminam os consumidores com menor capacidade econômica (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71.).

Illich chama de contraprodutividade as ações provocadas por esses sistemas em que os efeitos do uso da ferramenta se mostram paradoxais aos seus propósitos, agindo de forma contrária aos seus objetivos. Em suas análises, buscou mostrar como a escola, a medicina e o uso de motores mais rápidos efetivamente promovem supressão dos talentos individuais, maior número de doenças, e ao contrário do que se poderia imaginar, diminuem a velocidade média do deslocamento humano. Cria-se assim uma relação de insatisfação social com o uso da ferramenta pelo controle exclusivo que ela passa a exercer sobre a atividade social, mostrando o grau extremo de institucionalização das atividades humanas, que passam a ser realizadas apenas de acordo com a lógica e os limites dados pela própria ferramenta (Illich, 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71., 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.).

A heteronomia que rege as práticas de saúde só pôde se instaurar pelo monopólio dos sistemas profissionais que retiram legitimidade de práticas não reconhecidas pela ciência, o que progressivamente arruína as condições psicológicas e culturais para a produção de valores, saberes e práticas populares e autônomas. De forma semelhante, a necessidade por mais velocidade nos deslocamentos, seja de pessoas, seja de mercadorias, demanda um sempre crescente número de veículos, cada vez mais velozes, o que por sua vez causa mais congestionamentos e diminui consideravelmente a velocidade de deslocamento de uma parcela cada vez maior da população, a qual passa parte de seu dia em congestionamentos, em seus carros individuais ou em ônibus e trens que servem ao transporte coletivo, para irem de suas casas ao trabalho e retornar.

Além da perda de velocidade global do sistema, os custos energéticos, ecológicos, de saúde e culturais são ampliados com o aumento da velocidade máxima que essas sociedades conseguem atingir. A hegemonia da velocidade, impressa pelo sistema de trânsito e transporte dos mecanismos de comércio, junto a sua capacidade de cooptar os diferentes aspectos da vida, vem tornando importantes sistemas de subsistência, como o alimentar, dependentes dessas redes frágeis e energeticamente ineficientes (Moreno, Speich e Fuhr, 2016MORENO, Camila; SPEICH, Daniel; FUHR, Lili. A métrica do carbono: abstrações globais e epistemicídio ecológico. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2016. (Série Ecologia).). O caso dos sistemas alimentares é particularmente alarmante, pois as produções agrícolas e agropecuárias modernas encontram-se cada vez mais distantes de seus locais de beneficiamento e de consumo, fazendo com que muitos dos produtos alimentares básicos tenham que percorrer grandes distâncias nas redes de transporte global do capital entre sua produção e o consumo. A homogeneização desse modelo tende a nos tornar reféns desse sistema, que consome enormes quantidades de energia, dissemina patógenos sobre os territórios que acessa e é particularmente frágil a oscilações econômicas, sociais e políticas.

As grandes distâncias entre os territórios de produção, processamento e consumo são coordenadas de modo centralizado por megacorporações que oligopolizam setores da produção, coordenando esse processo por meio do controle da tecnologia e do controle político dos mercados. A velocidade dos veículos e da informação tornou possível a criação dos oligopólios multinacionais, que conseguem transferir os meios de produção para os territórios que oferecem as melhores condições para os retornos de seus investimentos (Furtado, 1983FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ). A facilidade que temos para comprar alimentos nos mercados e remédios nas farmácias esconde a perda da capacidade de produzir localmente tanto alimentos como cuidados em saúde, reduzindo uma multiplicidade de práticas de cuidado e (agri)culturas pelo processo que encolhe essas produções autônomas para ampliar as heterônomas.

A consequente expansão da produção heterônoma gera mais contraprodutividade, e ambas, por sua vez, geram a ilusão da necessidade de mais ação heterônoma para corrigir os efeitos indesejáveis e paradoxais produzidos. Perde-se, assim, a ajuda mútua, a sinergia positiva entre as ações heterônomas e autônomas, criando-se um círculo vicioso contraprodutivo. (Tesser, 2006TESSER, Charles D. Medicalização social (I): sucesso do epistemicídio moderno na saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 19, p. 61-76, 2006. https://doi.org/10.1590/S1414-32832006000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/3jv43rc8SJQ88GpPrZR3q6t/abstract/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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, p. 67)

O autor se refere à corrente hegemônica da biomedicina que, com produções científicas descontextualizadas, descredencia formas de pesquisa que propõem análises de riscos indiretos ou que operam sobre problemas reais em seus enquadramentos sociais e ambientais concretos. Ela desqualifica estratégias de pesquisa que entende serem pouco científicas ou demasiado ideológicas, constantemente acusadas de não serem mais do que opinião. Lacey (2008LACEY, Hugh. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 6, n. 3, 297327, 2008. https://doi.org/10.1590/S1678-31662008000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/L8ZYj3Yr5JjGgrPtjjQCJsg/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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) toma a agroecologia como exemplo de pesquisa ‘desqualificada’, pois ela não é dependente do conhecimento circulante nos espaços acadêmicos e científicos institucionais. Em oposição, vemos os grandes investimentos em pesquisas com sementes transgênicas como linha da ciência que oferta conhecimentos planificados e descontextualizados das realidades socioambientais locais de produção e consumo dos alimentos. Ao desacreditar as linhas agroecológicas, validando as pesquisas com transgênicos, fica evidente que a abordagem descontextualizada fornece metodologias para a construção de evidências que servem ao capital privado, pois as pesquisas com sementes transgênicas, além de não fornecerem evidências a respeito de riscos secundários e de longo prazo do seu consumo, estão ordenadas pelo poder econômico das grandes corporações que dispõe o controle intelectual das patentes, o monopólio da tecnologia e dos sistemas de velocidade criados para atender ao capital privado (Furtado, 1983FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ; Illich, 1975ILLICH, Ivan. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina.3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975., 2005ILLICH, Ivan. Energia e equidade. In: LUDD, Ned (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. 2. ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. (Coleção Baderna). p. 33-71., 2013ILLICH, Ivan. The social construction of energy. In: ILLICH, Ivan; CLAESON, Eva. Beyond economics and ecology: the radical thought of Ivan Illich. Londres: Marion Boyars Publishers, 2013.; Lacey, 2008LACEY, Hugh. Ciência, respeito à natureza e bem-estar humano. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 6, n. 3, 297327, 2008. https://doi.org/10.1590/S1678-31662008000300002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/L8ZYj3Yr5JjGgrPtjjQCJsg/?lang=pt. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Como sistema produtivo local, a agroecologia estimula as produções autônomas das comunidades, a manutenção e melhoria da qualidade genética dos alimentos, a soberania alimentar das comunidades que a praticam e de outras. Também otimiza a produtividade e a segurança alimentar pela construção de sistemas pautados em saberes ancestrais de agricultoras e agricultores e dos povos originários, criados e mantidos pela relação entre suas (agri)culturas e as ecologias, desenvolvidas por milhares de anos em seus territórios antes dos processos de expropriação que implantaram a agricultura industrial moderna como modelo hegemônico universal (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.; Guhur e Silva, 2021GUHUR, Dominique; SILVA, Nivia R. Agroecologia. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação. São Paulo: Expressão Popular, 2021, p. 50-70.; Hadich e Andrade, 2021HADICH, Ceres; ANDRADE, Gilmar. Revolução Verde. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação . São Paulo: Expressão Popular , 2021, p. 650-658.; Toledo e Barrera-Bassols, 2015TOLEDO, Victor M.; BARRERA-BASSOLS, Narciso. A memória biocultural: a importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular , 2015.).

A agroecologia tem sido reafirmada como um movimento político, uma prática social e também como uma ciência ou disciplina que valoriza as relações comunitárias, os saberes tradicionais e locais. Contrapõe a dependência gerada pelas grandes corporações que controlam os sistemas de produção de alimentos modernos, impondo monoculturas de grandes proporções para abastecer os processos industriais, viabilizados pelos deslocamentos em massa de alimentos entre territórios distantes, dentro de sistemas de transporte cada vez mais velozes (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.; Guhur e Silva, 2021GUHUR, Dominique; SILVA, Nivia R. Agroecologia. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação. São Paulo: Expressão Popular, 2021, p. 50-70.; Hadich e Andrade, 2021HADICH, Ceres; ANDRADE, Gilmar. Revolução Verde. In: DIAS, Alexandre P. et al. (orgs.). Dicionário de agroecologia e educação . São Paulo: Expressão Popular , 2021, p. 650-658.).

As respostas dadas pela agroecologia miram o futuro, porém sem perder de vista saberes do passado, da agricultura tradicional, que implantaram sistemas agrícolas complexos com altos graus de biodiversidade, elevada capacidade de tolerância a oscilações sociais, econômicas e ecológicas, gerando segurança para os agricultores, especialmente aqueles mais empobrecidos (Altieri, 2012ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.), pois ela baseia suas trocas em relações predominantemente ecológicas e não econômicas (Toledo e Barrera-Bassols, 2015TOLEDO, Victor M.; BARRERA-BASSOLS, Narciso. A memória biocultural: a importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular , 2015.).

Os efeitos da contraprodutividade dos sistemas sociotécnicos modernos puderam ser vistos com a emergência da Covid-19. O capital distribuiu o Sars-Cov-2 como externalidade em seus pontos de conexão, mundializando o vírus com o auxílio dos sistemas de transporte que conectam os locais a seus circuitos globais em altas velocidades. Quanto maior a infraestrutura ou o desenvolvimento econômico dos territórios, mais rápido e intenso foi o contato com o vírus (Guimarães et al., 2020GUIMARÃES, Raul B. et al. O raciocínio geográfico e as chaves de leitura da covid-19 no território brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 119-140, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/ea/a/FppL4vJvpmSshvFysSjhQjC/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2023.
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). O papel que os sistemas e as tecnologias da velocidade podem ter como mecanismos de seleção de vírus potencialmente pandêmicos - assim como a função que tais tecnologias tiveram na difusão da pandemia - deve ser explorado para compreendermos quais os riscos que essas tecnologias apresentam para a vida das pessoas.

A emergência da Covid-19 tornou visíveis muitas das formas ocultadas de desigualdade, mostrando a necessidade de se desnaturalizarem os mecanismos e as tecnologias de transporte dos circuitos globais do capital para a compreensão dos efeitos reais do uso crescente de energia mecânica para a realização das atividades humanas. Pesquisas na linha da microbiologia evolucionária têm apontado que as monoculturas agrícolas e a criação em massa de animais para alimentação humana, possibilitadas pelo sistema sociotécnico da velocidade, funcionam como ‘celeiros’ de patógenos, uma vez que destroem proteções ambientais promovidas por florestas e ecologias biodiversas, criando ambientes que facilitam a seleção e o salto entre espécies de vírus potencialmente pandêmicos. Esses vírus podem alcançar geografias distantes dos seus locais de emergência em períodos muito curtos de tempo usando as redes de transporte do capital global, manifestando seus efeitos mais devastadores sobre as populações que acessam os sistemas públicos de saúde e de seguridade social - fragilizados pelas medidas de austeridade econômica - e aquelas que habitam territórios vulnerabilizados pela falta de infraestrutura sanitária, pela violência, pelo racismo, pela fome, pelos desastres ecossociais e por outras formas de injustiça ambiental, econômica e social (Wallace, 2020WALLACE, Rob. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020.; Wallace et al., 2020WALLACE, Rob et al. COVID-19 and circuits of capital. Monthly Review [on-line], v. 72 n. 3, p. 1-20, 2020. Disponível em: https://monthlyreview.org/2020/05/01/covid-19-and-circuits-of-capital/. Acesso em: 29 out 2023.
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).

Considerações finais

Para abranger as questões emergentes da sociedade, como as ambientais, as climáticas, as culturais e as energéticas, é preciso ampliar ainda mais o olhar da determinação social da saúde; ou não vamos superar uma visão estreita da dimensão ecológica que desconsidera as relações sociais, econômicas, de poder e de saber produzidas pelos sistemas sociotécnicos da modernidade, capitalista e industrial, como componentes fundamentais da crise civilizatória.

Não argumentamos aqui um retorno romantizado ao período pré-industrial, porém recusamos a visão que enxerga a lógica industrial capitalista como caminho único do desenvolvimento humano. Acreditamos que os saberes e culturas que não foram industrializados e capitalizados podem nos mostrar caminhos para resistir às imposições e dependências naturalizadas pelos sistemas sociotécnicos da velocidade e da saúde. Nesse sentido, entendemos que a produção de conhecimento deve proporcionar espaços em que sujeitos possam recuperar sua capacidade de agir, de assumir papéis ativos e de decidir sobre as condutas que dizem respeito a suas necessidades.

Colocar em debate o papel da ciência e da produção de conhecimentos se torna tarefa ético-política fundamental, em razão dos constantes ataques a qualquer tipo de ciência implicada com a transformação social e com o enfrentamento dos problemas reais que as pessoas experimentam. A complexidade que existe nas relações entre as condições de saúde e o sistema energético deve ser levada em conta tanto no plano metafísico como na busca por conhecimentos empíricos, sociais e ambientalmente comprometidos com um uso mais justo da energia metabólica e ambiental.

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  • Financiamento

    Realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), código de financiamento n. 001.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é resultante da tese de doutorado Saúde, epidemias e história: enfrentamentos agroecológicos à Covid-19, de autoria de Luis Carlos Nunes Vieira, defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina em 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2023
  • Aceito
    20 Out 2023
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