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‘Tecnologia apropriada’: reflexões e desafios das novas metodologias 3D em Arqueologia e Conservação. O caso do projeto “Paisagens em branco, arqueologia e antropologia antártica”

Appropriate technology: reflections and challenges of the new 3D methodologies in Archeology and Conservation. The case of the “Landscape in White Archeology and Antarctic Anthropology Project”

Resumo

A tecnologia tem impactado o mundo de formas diversas. Assim, não é de surpreender que a Arqueologia e a Conservação-Restauração, nas últimas décadas, tenham experimentado mudanças no que diz respeito às teorias, metodologias e técnicas. Essas mudanças permitiram ‘novas’ possibilidades para, em certa medida, facilitar e aperfeiçoar as pesquisas e a preservação dos materiais recuperados; porém, ao mesmo tempo, é preciso lidar com os ‘novos’ problemas e desafios que as mudanças trazem. Na nossa perspectiva, como será evidenciado neste artigo, buscamos um equilíbrio entre esses extremos (os benefícios e os problemas das novas tecnologias), refletindo sobre os usos dessas tecnologias. Nós as entendemos como ferramentas que podem ser utilizadas no trabalho cotidiano, mas que, ao mesmo tempo, afetam diretamente a investigação; assim, em uma relação de natureza dialética, as novas tecnologias impactam as pesquisas e os pesquisadores. Para exemplificar essa discussão, serão apresentadas algumas reflexões teórico-metodológicas relativas à aplicação de tecnologia 3D em pesquisas, extensão, conservação-restauração no âmbito do projeto “Paisagens em branco: Arqueologia Antártica”, coordenado pelo Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (LEACH-UFMG).

Palavras-chave
Tecnologia; Arqueologia; Conservação-restauração; Antártica; 3D

Abstract

Technology has impacted the world in different ways. In this context, it should not surprise us that archeology and conservation-restoration in recent decades have undergone theoretical, methodological, and technical changes. All these transformations bring “new” possibilities to—with some exceptions—facilitate and improve research and preservation of recovered materials. However, at the same time, we have to learn to deal with “new” problems and challenges. The authors’ proposal presented in this article seeks to find a balance between these extremes (solutions-problems), reflecting on what aspects of new technologies can be taken advantage of, understanding them to be tools that can be used in our daily work, but at the same time, affect our investigation from a dialectical relationship. To exemplify the discussion, we will present some theoretical-methodological reflections on the application of 3D technology in contexts such as research, extension, and conservation-restoration within the Landscape in White Antarctic Archeology Project coordinated by LEACH-UFMG.

Keywords
Technology; Archaeology; Conservation-restoration; Antarctica; 3D

INTRODUÇÃO

Há algumas décadas, eram necessários poucos instrumentos ditos ‘tecnológicos’ para uma escavação arqueológica. Para além da livreta de campo e de ferramentas básicas (baldes, trenas, colher de pedreiro, barbante etc.), arqueólogas(os) levavam uma câmera de fotos, uma bússola e, se tinham recursos, um teodolito. Da mesma forma, as técnicas de conservação (em campo e em laboratório), quando existiam, eram muito mais simples e básicas. Na atualidade, a lista de dispositivos tecnológicos que podemos levar para um trabalho é interminável: apenas para mencionar alguns, são utilizados desde computadores até drones, incluindo estação total, laser scan 3D, trenas eletrônicas, câmeras infravermelhas, câmeras digitais para fotografias e vídeos, georadar, GPS, trenas e parquímetros eletrônicos, raio-x portátil, microscópios eletrônicos USB, sensores eletrônicos de umidade, entre outros.

Todas essas mudanças trazem ‘novas’ possibilidades para, em certa medida, facilitar e aperfeiçoar as pesquisas e a preservação dos materiais recuperados; porém, ao mesmo tempo, estamos aprendendo a lidar com os ‘novos’ problemas e desafios, como a necessidade de ter fontes de eletricidade, domínio da tecnologia e, principalmente, recursos financeiros, considerando o alto custo dessas tecnologias.

Essas transformações, cada vez mais aceleradas e complexas, colocam não só a Arqueologia, mas também a própria sociedade, em um desacordo: de um lado, temos a perspectiva ‘tecnofóbica’ (ou seja, que vê a tecnologia como um problema, e seus ‘adeptos’ assumem posições contrárias ao seu uso); por outro, há a perspectiva ‘tecnofílica’ (em que a tecnologia seria a resposta para todos os problemas humanos). No entanto, a nossa postura, como iremos apresentar neste artigo, busca encontrar um equilíbrio entre esses extremos. Refletimos sobre os benefícios das novas tecnologias, percebendo-as como ferramentas que podem ser utilizadas em nosso trabalho cotidiano, sem deixar de considerar como elas afetam diretamente a nossa investigação e nos transformam a partir de uma relação de natureza dialética.

Enquanto integrantes do Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (LEACH-UFMG), trazemos exemplos relativos à nossa experiência com relação à análise de modelos tridimensionais de sítios arqueológicos e de cachimbos de caulim recuperados em solos antárticos, datados dos séculos XVIII e XIX. A partir desses exemplos, apresentaremos algumas reflexões teórico-metodológicas relativas à aplicação de tecnologia 3D em pesquisas, extensão e conservação-restauração.

TECNOLOGIAS COMO ATORES-MEDIADORES

A tecnologia tem impactado o mundo de formas inesperadas. Assim, não deve nos surpreender que a Arqueologia e a Conservação-Restauração tenham experimentado transformações importantes nos seus aspectos teórico, metodológico e técnico. De fato, na atualidade, é difícil imaginar uma pesquisa científica que não faça uso de equipamentos eletrônicos.

Diante desse cenário, e por mais que pareça óbvio, a afirmação de Huggett (2015)Huggett, J. (2015). A manifesto for an introspective digital archaeology. Open Archaeology, 1(1), 86-95. https://doi.org/10.1515/opar-2015-0002
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é relevante: a tecnologia mudou ‘drasticamente’ a Arqueologia e, por analogia, estendemos essa afirmação também para a Conservação-Restauração, que tem, por exemplo, ressignificado o conceito de restauração e o diagnóstico por imagem. No entanto, apesar de isso ser uma obviedade, não existe consenso no significado dessa mudança.

Para muitas(os) pesquisadoras(es), a tecnologia assume um papel coadjuvante, com uma função essencialmente especializada ou técnica, de suporte, usada como apoio para resolver problemas já conhecidos das disciplinas (Huggett, 2015Huggett, J. (2015). A manifesto for an introspective digital archaeology. Open Archaeology, 1(1), 86-95. https://doi.org/10.1515/opar-2015-0002
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). Geralmente, as pesquisas de Arqueologia e Conservação-Restauração que fazem uso dessas ferramentas destacam qualidades como: precisão, detalhe, ‘reprodução realística da realidade’, técnicas de análises não destrutivas, velocidade na coleta e divulgação de dados, ‘objetividade’, interatividade, dinamismo, imersão e diversão.

Além dessas, é comum nesses trabalhos a associação entre a tecnologia 3D e o poder de ‘congelamento’ ou de ‘voltar ao passado’, considerando que a modelagem 3D de um objeto, sítio e/ou escavação, entre outros, registraria com realismo, precisão e neutralidade o material arqueológico antes da intervenção. Segundo essa perspectiva, a réplica virtual tridimensional tornaria a intervenção arqueológica ou de conservação-restauração uma fonte autêntica de informações pós-escavação, visto que essa interferência possibilitaria o acesso, ainda que digitalmente, ao vestígio tal qual ele era antes da intervenção ou de seu processo natural de degradação (Forte et al., 2012Forte, M., Dell’Unto, N., Issavi, J., Onsurez, L., & Lercari. N. (2012). 3D archaeology at Çatalhöyük. International Journal of Heritage in the Digital Era, 1(3), 351–378. https://doi.org/10.1260/2047-4970.1.3.351
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; Magalhães et al., 2018Magalhães, A. J. F., Berredo, A. L., & Gaspar, M. (2018). De volta ao passado: a aplicação da fotogrametria para registro arqueológico 3D. Revista de Arqueologia, 31(1), 185-207. https://doi.org/10.24885/sab.v31i1.519
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).

É importante certa cautela com essa categoria de perspectiva, pois suas implicações podem ser desastrosas para os vestígios arqueológicos. Empreendedoras(es) e planejadoras(es) urbanas(os) poderiam valer-se desse suposto ‘congelamento’ como um argumento para autorizar a construção de grandes obras de engenharia em áreas onde existem sítios arqueológicos, desde que modelos 3D fossem feitos. Isso impactaria negativamente os sítios e vestígios, com a justificativa de que a realização da réplica tridimensional substituiria esses vestígios, portanto, sua preservação não seria mais necessária.

Na pesquisa que realizamos no LEACH, discordamos, em parte, desse posicionamento, pois entendemos que os modelos 3D têm limitações por se tratarem de uma representação virtual do sítio, estratigrafia e/ou objeto. A partir dessas representações, não se pode realizar estudos de microscopia (do tipo físico-químico, biológico ou de DNA, por exemplo), análises que envolvem aspectos não visuais (como tocar o artefato para sentir a textura, sons, cheiros etc.) e outros exames que necessitam da materialidade das peças.

Nesse sentido, entendemos que modelagem 3D não é o objeto em si, mas sua representação. Chartier (2002)Chartier, R. (2002). O mundo como representação. In Autor (Org.), À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude (P. C Ramos. Trad., pp. 61-80). UFRGS. afirma que representações são construções da realidade; elas trazem, junto de si, perspectivas e visões de mundo de quem as construiu, logo, são parciais, subjetivas e dependem de um ponto de vista, de um contexto e de um discurso. Desse modo, assim como as pinturas, as fotografias e as outras formas de representações, os modelos 3D trazem, embebidos em si, características dos agentes envolvidos na sua criação. Não são réplicas idênticas aos vestígios arqueológicos e nem são os próprios vestígios, mas representações, fruto da agência e das interrelações dos seus criadores1 1 É importante considerar que assumir o fato de as réplicas digitais tridimensionais serem representações não diminui sua importância. Acerca disso, Holtorf (2005) explica que não apenas os objetos ‘autênticos’ nos trazem experiências; segundo o autor, réplicas ou encenações que reproduzem eventos passados também podem promover experiências, logo são potencialmente significativas para as interpretações arqueológicas. De forma complementar, Cabral (2014) afirma que as histórias narradas a partir das coisas são tão importantes quanto as próprias coisas. Dessa forma, os modelos 3D potencializam narrativas envolventes e significativas sobre o passado e o presente, proporcionando importantes contribuições para as disciplinas. Assim sendo, endossar a parcialidade e a subjetividade da modelagem tridimensional não diminui sua importância para a Arqueologia e a Conservação-Restauração, mas nos faz questionar as ideias de neutralidade e objetividade, normalmente associadas a esses produtos. .

É importante lembrar que os próprios vestígios são o produto de um saber poder (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder (R. Machado, Trad.). Edições Graal.) que define sua importância, suas características e, em parte, sua existência. Um ‘vestígio’ começa a ser objeto de estudo da Arqueologia apenas quando a disciplina o incorpora ao seu universo de evidências. É interessante refletir, por exemplo, sobre quantos elementos que hoje consideramos ‘vestígios importantíssimos’ eram invisíveis ou foram descartados como lixo nas escavações da primeira metade do século XX. Isso mostra como a evidência material com a qual trabalha a(o) arqueóloga(o) é sempre parcial e subjetiva, utilizada para construir interpretações ‘afetadas’ pela(o) profissional que a estuda (Shanks & Tilley, 1987Shanks, M., & Tilley, C. Y. (1987). Social theory and archaeology. Polity Press.).

Diante do exposto, assumimos que tanto os ‘vestígios’ quanto as modelagens 3D têm um grau de parcialidade que não pode ser ignorado. Porém, no caso das modelagens, a subjetividade é mais notória, já que elas são a representação de algo que, por sua vez, foi considerado a representação da ‘realidade’ (artefatos, sítios etc.). Em outras palavras, a modelagem 3D é a representação da representação.

Tendo as reflexões aqui expostas como parâmetro, torna-se impossível não questionar a suposta neutralidade que algumas posturas hipercientificistas tentam atribuir à tecnologia. Quando pensamos nos agentes envolvidos nos trabalhos de modelagens 3D, destacamos a atuação das próprias tecnologias, das(os) pesquisadoras(es), dos softwares, do ambiente onde foram feitos, da luminosidade, das técnicas utilizadas, do know-how de quem manipulou as ferramentas tecnológicas, das ferramentas digitais escolhidas, das nuvens de pontos brutas e processadas, das perguntas que orientaram a investigação etc. Todos esses agentes interferem no resultado do trabalho realizado.

Diante disso, assumimos a relação entre os ‘vestígios’, as tecnologias e as(os) pesquisadoras(es)/público enquanto atores-mediadores, conforme sugere Latour (2012)Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC.:

. . . entendemos as tecnologias digitais enquanto atores mediadores tendo em vista que elas não são apenas ferramentas que veiculam informações, ao contrário, elas “transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos que supostamente veiculam” (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC., p. 65). Segundo Latour (2012)Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC., um ator pode ser qualquer coisa, desde um sujeito, um objeto ou um coletivo; o importante é que ele tenha agência. Na nossa proposta, entendemos as tecnologias enquanto atores mediadores (ou actantes) haja vista sua capacidade de ação socialmente significativa (Dobres & Robb, 2000Dobres, M., & Robb, J. (2000). Agency in Archaeology. Routledge.) e de modificação das relações que estabelecemos com o continente antártico, entre nós e com o público não arqueológico (entre outros agentes)

(Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC.; Dobres & Robb, 2000Dobres, M., & Robb, J. (2000). Agency in Archaeology. Routledge. citados em Soares & Mota, 2017Soares, F. C., & Mota, M. M. (2017). Arqueologia digital abaixo de zero: uma proposta de mediação para a arqueologia antártica. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 20-39. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10549
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, p. 25).

Para Latour (2012)Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC., o conceito de ‘agência’ é central e busca transcender a ideia de que apenas os ‘actantes’ humanos são capazes de ‘agir no mundo’. Isso não quer dizer que os não humanos – para a nossa reflexão, as tecnologias – operam sozinhos ou fazem coisas no lugar das pessoas; porém, por outro lado, eles não ocupam o papel secundário que normalmente lhes é atribuído. Entendemos que modificar um agente na modelagem dos sítios e vestígios modifica as relações estabelecidas no processamento desse modelo e transforma o produto final, o que implica reconhecer a importância e agência de cada actante nessa relação, incluindo as próprias tecnologias.

Tendo em vista que os modelos 3D são representações das representações e que as tecnologias e os demais agentes envolvidos possuem um importante papel na sua criação, é possível afirmar que as tecnologias provocam mudanças na prática arqueológica e de conservação-restauração muito significativas, não sendo, assim, apenas um apoio. Essa conclusão nos faz retornar à afirmação inicial de Huggett (2015, p. 80)Huggett, J. (2015). A manifesto for an introspective digital archaeology. Open Archaeology, 1(1), 86-95. https://doi.org/10.1515/opar-2015-0002
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: “o uso arqueológico de computadores transformou ‘drasticamente’ a prática da arqueologia”. O autor explica quais mudanças radicais envolvem esse processo:

  1. São basilares e afetam as disciplinas em termos teóricos e práticos;

  2. São inovadoras, transformando o escopo da pesquisa, sugerindo novas questões de investigação e não apenas uma nova roupagem para problemas antigos ou pequenas adaptações de metodologias;

  3. São revolucionárias, no sentido de causar alterações de paradigmas, com a criação de novos conhecimentos e capacidades de atuação;

  4. São inspiradoras para arqueólogas(os), mas também para profissionais de outras áreas e, principalmente, para o público não acadêmico;

  5. São mensuráveis, de modo que seja possível avaliar os resultados alcançados e, recursivamente, calibrar objetivos da investigação;

  6. E, por fim, são cooperativas, resultados de trabalhos transdisciplinares, internacionais e do diálogo multivocal com o público.

Essas mudanças acontecem independentemente do nível de consciência de quem utiliza as tecnologias, ou seja, as(os) pesquisadoras(es) podem intencionar realizar suas investigações da mesma forma que faziam antes de usar as tecnologias 3D, porém os impactos que essas ferramentas causam na prática arqueológica e de conservação-restauração são basilares, trazendo consequências paradigmáticas para as pesquisas.

Huggett (2015)Huggett, J. (2015). A manifesto for an introspective digital archaeology. Open Archaeology, 1(1), 86-95. https://doi.org/10.1515/opar-2015-0002
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exemplifica quais seriam as mudanças alicerçais que as tecnologias digitais 3D causam nas investigações:

  1. A captura de dados na forma de nuvens de pontos, por meio de laser scanners ou fotogrametria, faz com que os dados coletados em campo ou em laboratório tenham uma nova natureza e estrutura, permitindo que possam ser imediatamente inseridos em banco de dados. Esses dados necessitam de um sistema de gestão diferente em relação ao que estamos acostumados, visto se tratar de um acervo digital e não material;

  2. A quantidade de informação capturada nem sempre significa qualidade. Além disso, normalmente, por serem muito pesadas, as nuvens de pontos são recortadas, de modo que, se não forem feitos backups dos dados originais ou assumidos certos cuidados no processamento da informação, seus registros de procedência podem ficar ocultos e/ou invisibilizados; dessa forma, informações contextuais ou que registraram a história do dado digital (sua origem) acabam sendo apagadas e esquecidas;

  3. Diante da natureza digital e da facilidade para serem inseridos em bancos de dados, existe uma enorme preocupação por parte das(os) pesquisadoras(es) em disponibilizar os dados 3D no ambiente on-line, de forma gratuita e rápida. No entanto, pouca reflexão tem sido feita sobre a forma como os dados têm sido sistematizados, além de haver certa negligência para o fato de os dados digitais também serem resultados de inúmeras escolhas;

  4. O modelo 3D registra um vestígio em termos de linhas, polígonos e pixels. Aquilo que não se encaixa nessas formas é abruptamente descartado, tratando-se, assim, de uma perspectiva, aprioristicamente, visual, cartesiana, ocidental e cientificista;

  5. Apesar de encobertos por essa aura de cientificidade – objetividade e neutralidade – os dados digitais tridimensionais possuem inúmeras incertezas, pontos cegos, que são maquiadas no processamento da informação e que normalmente não são explicitadas ou discutidas nas publicações ou nos bancos de dados expostos on-line.

Finalmente, podemos afirmar que as tecnologias 3D modificam várias etapas da prática arqueológica e de conservação-restauração, estando presente na coleta de dados (campo e laboratório), no registro de informações, nas análises e interpretações de vestígios, sítios e paisagens, na gestão dos dados, na comunicação e no ensino.

Para exemplificar essa discussão, apresentaremos, inicialmente, casos nacionais e internacionais de aplicação dessas tecnologias e explicaremos como as temos incorporado no projeto “Paisagens em branco”, salientando dois exemplos: a modelagem 3D do sítio arqueológico antártico Lima Lima e a réplica digital tridimensional de uma parte da coleção de cachimbos de caulim do LEACH-UFMG.

TECNOLOGIA TRIDIMENSIONAL DIGITAL NA ARQUEOLOGIA

Como já mencionamos, a aplicação de tecnologias 3D em Arqueologia impacta a disciplina de diversas maneiras. Assim, por uma questão didática, separamos suas influências em duas perspectivas principais: ‘pesquisa’ – ou seja, na forma de trabalhar – e ‘extensão’ – a mediação com o público. No primeiro aspecto, as implicações do uso das tecnologias digitais tridimensionais alteram ações como: registro, documentação, visualização, análise e interpretação de artefatos e vestígios. No segundo, a comunicação ocorre de uma forma mais dinâmica, conectada e interativa; atribui-se ao público, por meio das novas tecnologias, agência sobre a sua própria construção de conhecimento.

Um exemplo interessante de uso das novas tecnologias na Arqueologia – e no qual nos inspiramos – é o projeto “3D-Digging at Çatalhöyük” (Forte et al., 2012Forte, M., Dell’Unto, N., Issavi, J., Onsurez, L., & Lercari. N. (2012). 3D archaeology at Çatalhöyük. International Journal of Heritage in the Digital Era, 1(3), 351–378. https://doi.org/10.1260/2047-4970.1.3.351
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), realizado a partir de uma colaboração entre a Stanford University e a University of California Merced. Esse projeto mostra como a tecnologia 3D pode ser utilizada nas escavações arqueológicas como uma ferramenta de registro, documentação, visualização e, principalmente, análise e interpretação de sítios.

Çatalhüyük é um sítio arqueológico usualmente associado ao contexto neolítico. Datado de cerca de 6700 a. C. e localizado em Anatólia, na Turquia, o sítio é objeto de pesquisas há mais de 50 anos. Seu estudo tem permitido discutir aspectos como: domesticação de plantas e animais, religiosidade, análise de cerâmica e seus significados, técnicas construtivas das unidades domésticas e suas divisões internas, práticas de sepultamento e representações rupestres (entre outros aspectos de cunho simbólico e ideológico)2 2 Mais informações podem ser acessadas em Çatalhöyük Research Project (n.d.). .

Çatalhüyük tem, ainda hoje, grande repercussão devido aos conhecimentos – produzidos ao longo de décadas de pesquisas – sobre os processos de ‘neolitização’. Nos últimos anos, os estudos, agora coordenados por Ian Hodder, vêm implementando novas metodologias em campo, como registrar o processo de escavação, entendendo que o fazer arqueológico é tão importante quanto os seus resultados. Esse método de pesquisa, denominado ‘reflexivo’ (reflexivity) (Hodder, 1997Hodder, I. (1997). Always momentary, fluid and flexible: towards a reflexive excavation methodology. Antiquity, 71(273), 691-700. https://doi.org/10.1017/S0003598X00085410
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), utiliza videocâmaras para produzir diários digitais em forma de vídeos das(os) escavadoras(es). Tais vídeos são disponibilizados on-line e podem ser acessados por pesquisadoras(es) internacionais e também pelo público não arqueológico. Ocorre, assim, uma interação deste com quem está em campo, influenciado os rumos do trabalho (Hodder, 1997Hodder, I. (1997). Always momentary, fluid and flexible: towards a reflexive excavation methodology. Antiquity, 71(273), 691-700. https://doi.org/10.1017/S0003598X00085410
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, 2000aHodder, I. (2000a). Developing a reflexive method in archaeology. In I. Hodder (Ed.), Towards reflexive method in archaeology: the example of Çatalhöyük (pp. 3-14). British Institute at Ankara., 2000bHodder, I. (Ed.). (2000b). Towards reflexive method in archaeology: the example at Çatalhöyük. British Institute at Ankara., 2005Hodder, I. (2005). Reflexive methods. In H. D. G. Maschner & C. Chippindale (Eds.), Handbook of archaeological methods (pp. 643-649). AltaMira Press.).

Tendo em vista essa perspectiva, na qual o registro da escavação e como ela é realizada são tão importantes para o trabalho arqueológico quanto para o resultado desse trabalho, somou-se à investigação, no ano de 2010, uma série de recursos tecnológicos 3D cujo objetivo era registrar, documentar (com diferentes tecnologias digitais) e visualizar, em realidade virtual, todas as fases da escavação arqueológica, servindo também como um instrumento de análise. As principais ferramentas 3D utilizadas na escavação de Çatalhöyük foram: laser scanner 3D, fotogrametria, visão computacional e modelagem de imagens. Dentre os objetivos do trabalho, destaca-se a análise das formas como as tecnologias têm influenciado a interpretação do sítio, auxiliando atividades como identificação, taxonomia, contextualização cultural e estudos comparativos.

Nesse projeto, a metodologia de escavação e uso dessas ferramentas 3D somaram-se de modo que, em campo, modelagens tridimensionais do sítio, das camadas estratigráficas, das unidades de escavação, dos artefatos e dos contextos estivessem disponíveis para as(os) escavadoras(es) e também fossem compartilhados on-line para o público arqueológico e não arqueológico enquanto a escavação ocorria3 3 O sistema teleimersivo criado, que poderia ser visualizado através do laptop ou a partir de óculos 3D, integrava todos os produtos gerados pelo laser scanner, fotogrametria, visão computacional e modelagem de imagens. A imersão nessa ‘paisagem 3D do sítio’ permitia retroceder ou avançar em certos estágios da escavação. Além disso, certas camadas estratigráficas, por exemplo, poderiam ser manipuladas digitalmente, a fim de ressaltar detalhes a partir de cores ou geometria. Ferramentas para medições, iluminação, arrastar e mover objetos, mudar texturas, cores, acessar bibliotecas e dados de outras campanhas foram elementos que auxiliaram na interpretação do sítio enquanto a escavação estava em curso, além disso, contribuições de pesquisadores internacionais poderiam ser feitas simultaneamente à intervenção no sítio, e pessoas de fora da academia também poderiam colaborar. Ou seja, nesse projeto, a tecnologia 3D realmente impactou a investigação, a análise e a interpretação do sítio, fazendo uso da interação, da conectividade e da imersão como meios de tornar o trabalho mais colaborativo e multivocal. . A finalidade dessas ações era criar um ambiente virtual, interativo e colaborativo, no qual todo o processo de escavação pudesse ser compartilhado e essa atividade retornasse, reflexivamente, para a escavação, a partir de contribuições, discussões e tomadas de decisões coletivas, conforme informado anteriormente.

Forte et al. (2012)Forte, M., Dell’Unto, N., Issavi, J., Onsurez, L., & Lercari. N. (2012). 3D archaeology at Çatalhöyük. International Journal of Heritage in the Digital Era, 1(3), 351–378. https://doi.org/10.1260/2047-4970.1.3.351
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afirmam que, nesse projeto, a tecnologia só conseguiu alcançar esse patamar devido à existência de uma robusta metodologia arqueológica prévia, que forneceu o alicerce sobre o qual o 3D pode se assentar e interagir. Segundo o autor, o fator-chave do projeto foi o fluxo de trabalho criado, no qual a gravação, o manuseio e a interação dos dados aconteceram durante a escavação, não após. A disponibilização desses produtos durante a intervenção aumentou significativamente a “. . . capacidade de interpretar o dado em um novo processo hermenêutico, envolvendo diferentes ontologias: por dados reais, dados virtuais reconstruídos e por simulação do contexto digital em remoto” (Forte et al., 2012Forte, M., Dell’Unto, N., Issavi, J., Onsurez, L., & Lercari. N. (2012). 3D archaeology at Çatalhöyük. International Journal of Heritage in the Digital Era, 1(3), 351–378. https://doi.org/10.1260/2047-4970.1.3.351
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, s/p). Esse conjunto de métodos e técnicas forma parte dos procedimentos ‘reflexivos’, que documentam os processos interpretativos iniciados no interior da quadra e continuam com as conversas no trabalho de campo, nas análises de laboratório e até no momento de sintetizar todas as informações em um trabalho escrito (Hodder, 1997Hodder, I. (1997). Always momentary, fluid and flexible: towards a reflexive excavation methodology. Antiquity, 71(273), 691-700. https://doi.org/10.1017/S0003598X00085410
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, 2000aHodder, I. (2000a). Developing a reflexive method in archaeology. In I. Hodder (Ed.), Towards reflexive method in archaeology: the example of Çatalhöyük (pp. 3-14). British Institute at Ankara., 2000bHodder, I. (Ed.). (2000b). Towards reflexive method in archaeology: the example at Çatalhöyük. British Institute at Ankara., 2005Hodder, I. (2005). Reflexive methods. In H. D. G. Maschner & C. Chippindale (Eds.), Handbook of archaeological methods (pp. 643-649). AltaMira Press.).

Assim, retomando as ideias de Latour (2012)Latour, B. (2012). Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede (G. C. C. Souza, Trad.). EDUFBA; EDUSC., observamos que, ao longo das pesquisas de Çatalhöyük, devido ao aprimoramento das metodologias de campo e sua integração com a tecnologia 3D, os modelos tridimensionais assumiram um papel de atores-mediadores que determinou os rumos das escavações com as(os) pesquisadoras(es). Essas ferramentas foram importantes nas etapas de análise e interpretação do sítio e dos vestígios, e não apenas no seu registro.

Para discutir a segunda perspectiva (extensão), que concerne ao uso de novas tecnologias para a mediação com o público, escolhemos como exemplos os trabalhos desenvolvidos por Wichers et al. (2017)Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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na cidade de São Paulo, assim como a experiência educativa de Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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com estudantes de escolas britânicas.

Wichers et al. (2017)Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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acreditam que atividades de extensão permitem construir comunicações sobre Arqueologia de forma dinâmica, fluida e viva, evitando a divulgação unidirecional e estanque de conhecimentos, mas considerando a diversidade de entendimentos sobre as histórias que os vestígios representam. Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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afirma que essas ações podem promover a experimentação e a manipulação de objetos e sítios, tornando o seu entendimento mais efetivo e estimulando a construção de conhecimento, e não a sua reprodução de forma acrítica, fria, desencorpada e distante.

Acerca do primeiro ponto, Wichers et al. (2017)Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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relatam as atividades realizadas no evento “Mãos no barro da cidade: uma olaria no coração de Pinheiros”, que se trata de uma exposição itinerante associada a um programa de educação patrimonial, realizada pela Empresa Zanetini, em São Paulo. A atividade aconteceu no bairro homônimo, na zona Oeste da cidade, e teve como foco o período no qual o sítio assumiu a forma de uma olaria (Workshop Industry) datada entre os séculos XVII e XIX e que, possivelmente, contava com mulheres indígenas mamelucas como principal força de trabalho4 4 O terreno analisado na pesquisa arqueológica possuiu outros usos, conforme afirmam as autoras e o autor. No entanto, o foco da atividade educativa foi para o momento em que o sítio esteve operando como olaria. .

A exposição “Mãos no barro” utilizou-se de realidade aumentada (AR) e réplicas táteis impressas tridimensionalmente para contar a história do sítio, das vasilhas e das trabalhadoras:

A exposição foi composta por 15 objetos arqueológicos relacionados ao contexto da olaria, 21 suportes gráficos (sendo sete painéis com marcadores para RA), conteúdos digitais, suportes digitais (dois tablets) e réplicas táteis de peças 3D em resina. Privilegiamos a montagem da exposição em espaços públicos, como uma intervenção cultural. A estrutura da exposição não privilegiava uma leitura linear, mas sim um discurso em constelação, onde cada ponto pode existir por si só, independente do seu lugar e da sua relação com os demais elementos e instalações museológicas. Como a exposição era modular, dependendo do espaço disponível, foi possível mudar sua configuração: espaços fechados ou abertos, amplos ou reduzidos

(Wichers et al., 2017Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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, pp. 89-90).

Ao longo da exposição, as réplicas 3D foram apresentadas como coisas que emanavam fluxos, experiências e relações. Um dos objetivos do trabalho era fugir das exibições arqueológicas clássicas, nas quais objetos ‘originais’ são colocados em vitrines, de um modo frio e distante dos visitantes. A partir da tecnologia 3D e do uso da comunicação em massa (televisão, jornais impressos e revistas de divulgação científica), a intenção era informar, provocar, sensibilizar, emocionar e conquistar o público.

A exposição teve amplo fluxo de público entre os meses de setembro e outubro de 2014. Ao analisar os registros dos cadernos e os relatos dos mediadores, as(os) autoras(es) concluíram que as réplicas digitais suscitaram memórias associadas a outros espaços e tempos, funcionando como gatilhos para lembranças vinculadas à própria história da(o) visitante, sejam memórias da sua infância – que esteve relacionada ao uso e/ou fabricação das peças expostas –, sejam de seus parentes (mães ou avós que faziam cerâmicas) ou, ainda, do bairro: “A aplicação de tecnologias 3D foi compreendida, no processo aqui explicitado, como caminho profícuo para a expansão das potencialidades corpóreas e sensoriais a serem exploradas pela Arqueologia, enquanto campo cujas pesquisas selecionam coisas e recortam paisagens” (Wichers et al., 2017Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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, p. 102).

No que diz respeito ao segundo ponto, Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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apresenta exemplos de ações de Arqueologia Pública e trabalhos educativos em escolas, nos quais os estudantes são estimulados a manipular a realidade virtual (VR) e a realidade aumentada (AR). Segundo Ellenberger (2017, p. 305)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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, “as versões digitais de artefatos podem ser mais eficazes do que observar artefatos autênticos que não podem ser manipulados”, visto que, nesses casos, segundo ela, as reconstruções 3D inspiram curiosidade, surpresa e não geram medo de as quebrar ou vergonha de as tocar por parte da(o) visitante.

A autora mediou atividades com estudantes que possuíam entre 8 e 12 anos. Em um dos exemplos, essas(es) estudantes foram convidadas(os) a manipular o acervo digital 3D do Museu Britânico, disponibilizado no Sketchfab, em que é possível acessar mais de 150 objetos daquela instituição, replicados tridimensionalmente. Cada artefato possui informações individuais sobre a peça, formas, origem, datações etc. Em outro exemplo, Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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trabalhou com o projeto “Rosewood Virtual”, que se trata de uma representação da cidade afro-americana Rosewood, da Flórida, em 1922. Segundo a autora, foi possível fazer um estudo da paisagem local e da interação humano-meio de uma forma dinâmica e não estática, como é usualmente feito em exposições fotográficas. Nesse caso, Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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trabalhou, em sala de aula, questões vinculadas a conflitos raciais e sociais:

Explorando Rosewood virtual, os espectadores podem caminhar por uma vasta paisagem de casas, lojas e características paisagísticas, lendo sinais relevantes . . . . A experiência de RV é particularmente informativa se o espectador está familiarizado com as consequências do motim de Rosewood; explorar o modelo torna mais fácil visualizar o espaço onde o motim ocorreu e, por extensão, as mudanças que causou em vidas das pessoas

(Ellenberger, 2017Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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, p. 3).

Em outros exemplos, Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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cita aplicativos que fazem uso de AR conjugados aos sons, os quais, segundo ela, estimulam visitas digitais multissensoriais aos sítios. Entre os aplicativos, ela lembra o projeto “Voices Recognition”, que oferece ao visitante/usuário um passeio multissensorial pelo cemitério de Nova York, onde é possível acessar informações arqueológicas, relatos orais e outros dados fenomenológicos do local. Outro exemplo é o projeto “Diary in the Attic”, que não se configura como um passeio, mas sim um diário lido pelo arqueólogo e historiador Shawn Graham, intercalando imagens, textos e sons.

A partir desses exemplos, Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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conclui que a realidade virtual e aumentada são ferramentas promissoras que podem inspirar o público a se concentrar e ter empatia com os povos do passado. Segundo ela, esses projetos que fazem uso de RV e AR mostraram novas maneiras de apresentar as informações arqueológicas, enredando-as nas experiências do público visitante.

Os trabalhos de Wichers et al. (2017)Wichers, C. A. M., Zanettini, P., & Tega, G. (2017). Entre seres e coisas: a aplicação de tecnologias 3D como ponte entre patrimônio arqueológico e sociedade. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 80-106. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10552
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e Ellenberger (2017)Ellenberger, K. (2017). Virtual and augmented reality in public archaeology teaching. Advances in Archaeological Practice, 5(3), 305-309. https://doi.org/10.1017/aap.2017.20
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reforçam nosso parecer sobre as novas tecnologias, ao mostrarem que elas potencializam as ações de mediação em Arqueologia, promovendo experiências mais significativas entre as(os) participantes. Diferentemente dos desenhos técnicos e dos textos científicos, por exemplo, os modelos 3D permitem que o público se relacione com a disciplina de uma forma não linear, incentivando a imaginação, o interesse, o diálogo e o envolvimento das pessoas com o sítio, seus vestígios e histórias. Essa interação acontece por meio de conteúdos flexíveis, interativos e abertos à colaboração.

Conforme afirmam Tsiafaki e Michailidou (2015)Tsiafaki, D., & Michailidou, N. (2015). Benefits and problems through the application of 3D technologies in archaeology: recording, visualisation, representation and reconstruction. Scientific Culture, 1(3), 37-45. http://doi.org/10.5281/zenodo.18448
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, as ferramentas digitais podem ir além de registro, visualização, representação e reconstrução de objetos, monumentos e sítios. As ferramentas digitais contribuem para que as exposições ultrapassem a mera apresentação dos vestígios e dos sítios por meio uma roupagem atual e moderna, criando, de fato, um espaço para construções mais significativas e colaborativas de conhecimentos, de formas imersivas e envolventes.

TECNOLOGIA TRIDIMENSIONAL DIGITAL NA CONSERVAÇÃO-RESTAURAÇÃO

O uso da tecnologia digital tridimensional nas ações de conservação-restauração perpassa uma discussão central para a disciplina, qual seja o papel dos fatores técnicos e os objetivos das(os) conservadoras(es)-restauradas(es) na reconstrução de peças arqueológicas.

As rápidas reproduções e difusões das plataformas digitais tridimensionais on-line, muitas vezes, naturalizam escolhas teórico-metodológicas e não nos mostram claramente a maneira como estão operando os elementos determinantes para o uso: a qualidade e a disponibilidade das informações sobre o patrimônio cultural, o tipo de ferramentas 3D empregadas nos projetos e os objetivos sociais a serem alcançados com as representações digitais.

Uma análise realizada recentemente por pesquisadores da Faculdade de Ciências do Design da Universidade de Antwerp (Bélgica) avaliou o uso crescente da tecnologia 3D para a conservação-restauração do patrimônio cultural, destacando os principais usos, aspirações e preocupações concernentes (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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). A pesquisa foi desenvolvida por meio do preenchimento de um questionário por conservadoras(es)-restauradoras(es) pela revisão de 65 casos de estudos apresentados em publicações recentes (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 1). Os resultados do questionário apontaram para a existência de uma perspectiva positiva sobre o uso das tecnologias 3D por parte das(os) entrevistadas(os), no entanto, também apontaram para as preocupações sobre a falta de familiaridade para com as possibilidades que as ferramentas oferecem. Segundo a pesquisa, as dúvidas mais frequentes apresentadas pelas(os) conservadoras(es)-restauradoras(es) estavam relacionadas à adequação dos materiais de impressão 3D. As demais preocupações destacadas foram: necessidade de conhecimentos prévios para uso da tecnologia; questionamentos sobre a sua aplicabilidade; considerações éticas; trabalho e custos exigidos; necessidade de gerenciamento e de armazenamento de dados; e, por fim, as preocupações com os resultados alcançados (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 13).

As preocupações com os materiais de impressão são decorrentes, em alguma medida, do uso crescente dos modelos 3D como ferramenta (e método) de reconstrução e restauração não interventiva (e reversíveis) de fragmentos arqueológicos.

Os modelos 3D apoiam a atividade de conservação-restauração tanto como meio de suporte quanto como ferramenta de pesquisa para o trabalho (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 2) (Figura 1).

Figura 1
Possibilidades de uso de modelo 3D como ferramenta para metodologias de restauração (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 4).

Nessa dupla linha de atuação, tem sido muito recorrente a utilização do scanner 3D ou da fotogrametria para reproduzir fragmentos arqueológicos – reposicionando-os virtualmente com relação às suas lacunas e, em seguida, tendo o volume do objeto estudado e modelado – e para produzir suportes por meio de impressoras 3D, a fim de se recompor fragmentos e partes. A reconstrução no suporte impresso serve tanto puramente para a remontagem do objeto, como para fazer parte de projetos expográficos. Como exemplo, tomamos o trabalho conduzido pelo Centre de Recherche en Archéologie, Archéosciences, Histoire (CReAAH) sobre fragmentos arqueológicos escavados na Bretanha (França) (Barreau et al., 2014Barreau, J. B., Nicolas, T., Bruniaux, G., Petit, E., Petit, Q., Bernard, Y., . . . Gouranton, V. (2014). Photogrammetry based study of ceramics fragments. International Journal of Heritage in the Digital Era, 3(4), 643-656. https://doi.org/10.1260/2047-4970.3.4.643
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) (Figura 2).

Figura 2
Modelos 3D e reconstrução de suporte.

As técnicas de correspondência de padrões também têm sido muito utilizadas para a reconstrução de vestígios arqueológicos. Através de imagens, elas permitem que existam melhores conexões entre fragmentos bidimensionalmente caracterizados, possibilitando a recomposição de objetos a partir de suas partes (Vidal & Belenguer, 2012Vidal, E. V., & Belenguer, C. S. (2012). Reconstrucción de fragmentos arqueológicos mediante correspondencia de patrones. Virtual Archaeology Review, 3(6), 68-72. https://doi.org/10.4995/var.2012.4446
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).

Um ponto negativo, contudo, acerca do uso dessas ferramentas automáticas de reprodução tridimensional, é o fato de que elas nos induzem a deixar de lado objetos com muitas lacunas e/ou formatos assimétricos (mesmo que as partes existentes sejam significativas do ponto de vista da análise arqueológica e da conservação-restauração). Essas características aumentam a imprecisão na reconstituição de sombras nas nuvens de pontos e diminuem a correspondência entre o modelo 3D e o vestígio. O uso de recursos automáticos de correspondência funciona com mais precisão quando os processos de degradação, perdas ou desgastes estão menos avançados, permitindo maior caracterização de contornos das peças, assim como melhores comparação e união por meio do processamento digital. Isso não é possível no caso de muito têxteis, couros, peles e outros orgânicos encontrados em avançado estado de fragilização nas escavações. Portanto, pode-se dizer que simetria e tradução geométrica são menos comuns para essas categorias materiais; logo, pode-se pensar em uma seleção a priori associada ao uso de metodologias de reconstrução virtual para determinadas categorias de peças arqueológicas.

Se as peças esteticamente mais completas e simétricas aumentam a possibilidade de precisão e de reconstituição de lacunas em modelos 3D, pode-se afirmar que algumas categorias de materiais arqueológicos são preservadas de maneira privilegiada em reconstruções virtuais, as quais seriam determinadas pela agência das tecnologias e pela busca por exatidão e correspondência nas reconstruções digitais (Figura 3). Porém, mesmo que essa afirmativa possua embasamento em evidências encontradas em casos de estudo, é possível que ela seja apenas uma tendência em um quadro de constante desenvolvimento e mudança do 3D aplicada à conservação-restauração.

Figura 3
Quantidade de estudos de caso por especialidade do material encontrados na literatura. Aqui, a categoria ‘outros’ inclui os estudos de caso com cera, osso e conchas.

A pesquisa da Universidade de Antwerp nos traz conclusões não tão restritivas quanto ao futuro próximo da aplicação das tecnologias aos bens culturais com características 2D (como pinturas ou tecidos), entendendo que o potencial para o trabalho 3D com esses materiais estaria latente e aguardando o surgimento de novas ferramentas tecnológicas e perspectivas para se manifestar como metodologia e prática (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 10).

Se observarmos o desenvolvimento crescente da capacidade da pesquisa 3D em representar informações de bens culturais que não são de natureza multidimensional e visual (ou seja, que não dizem respeito ao tamanho, à forma ou à textura da maneira como apreciamos pelos nossos sentidos diretamente e organolepticamente), podemos vislumbrar uma extensão da aplicação das representações virtuais no sentido da inclusão de mais tipologias de vestígios arqueológicos.

Estudos como espectrometria, colorimetria ou de propriedades de materiais (a exemplo das termais, elásticas ou mineralógicas) fornecem dados sobre a composição e o decaimento dos objetos – em princípio, não visuais – que podem ser representados a partir da aplicação de técnicas de reconhecimento usadas em visão computacional. Isso tem transformado muito a maneira como a Arqueologia e a Conservação-Restauração aplicam estudos arqueométricos em objetos arqueológicos, como também tem trazido novas formas de visualização desses objetos (Barceló & Almeida, 2012Barceló, J. A., & Almeida, V. M. (2012). Functional analysis from visual and non-visual data. an artificial intelligence approach. Mediterranean Archaeology and Archaeometry, 12(2), 273-321.).

Fatores limitantes, como custos, consistência das fontes de dados ou inexatidão dos produtos, não deixarão de existir, mesmo que apareçam novas ferramentas 3D aplicadas às reconstruções e restaurações virtuais. Entretanto, os limitadores e os obstáculos à produção dos modelos não são um problema, desde que os critérios utilizados estejam explícitos nos resultados e desde que as escolhas feitas pelas(os) conservadoras(es)-restauradoras(es) busquem atender a uma maior coalizão de interesses sociais (Leveau, 2009Leveau, P. (2009). Problèmes ontologiques de la conservation-restauration des biens culturels. Conservation Restauration des Biens Culturels, (27), 3-20.).

Para tanto, as reconstruções virtuais devem vir acompanhadas de certas elucidações, quais sejam a motivação por detrás da escolha de determinado objeto patrimonial (e não outros), a existência de elementos criativos simulados (sem base em vestígios pré-existentes) e o grau de probabilidade ou a rigorosidade histórica das reproduções (Bendicho, 2011Bendicho, V. M. L. M. (2011). Propuesta para profundizar en La Carta de Londres y mejorar su aplicabilidad en el campo del patrimonio arqueológico. Virtual Archaeology Review, 2(4), 65-69. https://doi.org/10.4995/var.2011.4557
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).

Podemos considerar a tomada de decisão baseada em princípios éticos5 5 Essas diretrizes éticas profissionais podem ser encontradas principalmente em The London Charter (2009) e Principles of Seville (2017). como sendo a primeira etapa, tanto no processo de restauração tradicional quanto no virtual; o porquê de reconstruir partes perdidas e de restaurar um objeto são questões que devem ser respondidas antes da execução de qualquer tratamento, seja nos métodos tradicionais (físicos) ou digitais de intervenção em objetos culturais (Acke et al., 2021Acke, L., De Vis, K., Verwulgen, S., & Verlinden, J. (2021). Survey and literature study to provide insights on the application of 3D technologies in objects conservation and restoration. Journal of Cultural Heritage, 49, 272-282. https://doi.org/10.1016/j.culher.2020.12.003
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, p. 13).

Os exemplos e as discussões destacam como o uso da modelagem 3D em Conservação-Restauração não precisa, necessariamente, preocupar-se em reconstituir réplicas no ambiente virtual, e sim vincular-se a outros objetivos, como o acondicionamento, a salvaguarda ou mesmo a simulação da realidade visual.

Nesse ponto, os interesses da Conservação-Restauração e da Arqueologia convergem, uma vez que ambas disciplinas investigam objetos, embora isso ocorra a partir de distintas abordagens: “A Arqueologia concentra-se nas informações produzidas a partir da cultura material, enquanto a Conservação-Restauração busca preservar a fonte material das informações” (Montalvão, 2013Montalvão, A. C. (2013). Protocolos de gestão de acervo: estudo de caso do acervo arqueológico do laboratório de estudos antárticos em ciências humanas da UFMG [Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Minas Gerais]., p. 22). Quando bem articuladas, essas duas ciências podem combinar esforços para alcançar seus objetivos de modo mais efetivo.

NOVAS TECNOLOGIAS TRIDIMENSIONAIS DIGITAIS NO PROJETO PAISAGENS EM BRANCO

O projeto internacional “Paisagens em branco: Arqueologia e Antropologia antárticas”, coordenado pelo Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (LEACH-UFMG), tem como objetivo primeiro a análise das estratégias humanas de ocupação da Antártica ao longo do tempo (Zarankin et al., 2011Zarankin, A., Hissa, S., Salerno, M. A., Froner, Y. A., Radicchi, G. A., Assis, L. G. R., & Batista, A. (2011). Paisagens em branco: arqueologia e antropologia antárticas-avanços e desafios. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 5(2), 11-51. https://doi.org/10.31239/vtg.v5i2.10654
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). A recente demanda pelo uso de tecnologias nas pesquisas do projeto foi, inicialmente, uma forma de facilitar e otimizar o trabalho em campo. Isso porque, na Antártica, em razão das adversidades ambientais, é extremamente difícil realizar uma série de ações cotidianas, como manipular cadernetas, papéis e usar canetas ou lápis, haja vista a umidade, o vento e o frio intenso que dificultam essas ações. O uso das tecnologias, contudo, modificou nossa investigação para muito mais do que o inicialmente planejado, ampliando nossos objetivos. Com o auxílio dessas tecnologias, obtivemos uma melhora na localização, no levantamento e na preservação dos sítios arqueológicos em contínuo processo de degradação; pudemos, ainda, pensar formas interativas de mediação dos conhecimentos com o público não arqueológico, alinhando nosso trabalho às premissas da Arqueologia Pública e inserindo nesta temática um programa para o laboratório (Zarankin et al., 2021Zarankin, A., Soares, F. C., & Martire, A. S. (2021). Arqueologia Pública e novas tecnologias: o caso do projeto Paisagens em Branco. Teoría y Práctica de la Arqueología Histórica Latinoamericana, 10(12), 9-25. https://doi.org/10.35305/tpahl.v12i3.122
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; Zarankin & Soares, 2021Zarankin, A., & Soares, F. C. (2021). Invisible Heritage: new technologies and the history of Antarctica’s sealers groups. In F. L. Cunha & J. Rabassa (Eds.), Festivals and Heritage in Latin America: interdisciplinary dialogues on culture, identity and tourism (pp. 257-269). Springer.; Soares & Zarankin, 2020Soares, F. C., & Zarankin, A. (2020). Sensing Antarctica: sensorial exhibit on Antarctica at espaço do conhecimento UFMG, Brazil. Revista Arqueologia Pública, 14(1), 182-198. https://doi.org/10.20396/rap.v14i1.8660182
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; Soares et al., 2018Soares, F., Nolasco, R., & Mota, M. (2018). Antarctic digital public Archaeology. Scott Pollar Research Institute.; Soares & Mota, 2017Soares, F. C., & Mota, M. M. (2017). Arqueologia digital abaixo de zero: uma proposta de mediação para a arqueologia antártica. Vestígios-Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, 11(1), 20-39. https://doi.org/10.31239/vtg.v11i1.10549
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).

As primeiras ferramentas utilizadas no projeto foram os tablets, os quais possuíam um sistema de formulários digitais criados pelas(os) pesquisadoras(es) do projeto e que poderiam ser preenchidos com canetas touch screen – o que permitiu às(aos) pesquisadoras(es) o manuseio com as luvas. Esse sistema possuía fichas de pesquisa, sítio, conservação, unidade de escavação, estrutura, vestígio, tafonomia e diário de pesquisa. Porém, logo que o sistema foi concluído, notamos que suas potencialidades de uso eram muito superiores às de um simples banco de dados. Ainda que ele viesse a cumprir o objetivo para o qual foi pensado – coletar dados de forma mais organizada, rápida e eficiente –, percebemos que poderia se tornar uma importante ferramenta para auxiliar nas tomadas de decisões acerca dos rumos do trabalho durante as intervenções nos sítios e de análise dos vestígios. Tendo em vista que os tablets armazenavam informações de outras campanhas, estas poderiam ser utilizadas para realizar análises já em campo e as(os) pesquisadoras(es), consequentemente, poderiam decidir sobre os rumos da escavação ou do levantamento de sítios de forma mais consciente, baseando-se em experiências anteriores. Dessa forma, o sistema presente nos tablets foi ampliado para o que hoje denominamos ‘banco de dados georreferenciado do LEACH-UFMG’, disponível on-line no website do projeto (LEACH-UFMG, n.d.). O ‘banco de dados georreferenciado’ é compatível com dispositivos móveis, como tablets e celulares, e ele possui, além do que foi mencionado anteriormente, fichas de inventário e de análise de cada categoria de material do acervo arqueológico antártico – carvão, cera, cerâmica, cortiça, couro, fumo, lítico, madeira, metal, osso, pele, sedimento, tecido e vidro.

No website do LEACH, onde há o ‘banco de dados georreferenciado’, estão reunidas e disponibilizadas todas as informações e produtos elaborados pelo projeto (plantas, croquis e modelos 3D dos sítios e vestígios, dados gerais sobre o projeto, informações da equipe, um blogue do laboratório, entre outros). A proposta atual é refinar o sistema de busca do ‘banco de dados’ para que ele possa responder a questões de forma eficiente, interligando dados e gerando pré-relatórios das temáticas de estudo específicas. As fichas de análise de laboratório e de campo foram construídas de forma a se comunicarem, isto é, elas estão interligadas para permitir o cruzamento de informações nas buscas que ainda serão implementadas.

Além dos tablets, também foram utilizadas em campo ferramentas como a estação total para registrar os artefatos coletados, reunindo suas informações X, Y e Z; drones, visando registrar os sítios de diferentes ângulos e realizar levantamentos em áreas de difícil acesso; e, por fim, nos últimos anos, um laser scan 3D, com o objetivo de fazer o registro tridimensional dos sítios e de algumas etapas da escavação.

Em laboratório, têm sido utilizados o escâner 3D de mesa e a técnica de fotogrametria para modelagem tridimensional de vestígios, os quais têm se apresentado como importantes ferramentas de documentação, conservação e análise de artefatos; além disso, tem-se utilizado também uma impressora 3D, com a qual são feitas réplicas impressas de algumas peças do acervo para uso nas ações de mediação com o público.

Ademais, conforme a análise arqueológica ou de conservação-restauração, recorre-se à microscopia digital, à análise de fluorescência de raio-X (XRF), ao raio-X e a outras ferramentas tecnológicas. Quando não existe determinada tecnologia no LEACH, buscamos parcerias com outros setores da UFMG ou com outras instituições6 6 O principais parceiros com que temos trabalhado para esse tipo de análises são: Laboratório de Estudos Evolutivos e Ecológicos Humanos, do Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo (USP); o Laboratório de Arqueometria e Ciências Aplicadas ao Patrimônio, do Instituto de Física da USP; a División Arqueología del Museo de La Plata, Facultad de Ciencias Naturales y Museo, da Universidad Nacional de La Plata; e o Laboratório de Caracterização Tecnológica, do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo, da Escola Politécnica da USP. .

Realizando uma reflexão geral acerca da implementação e do uso dessas ferramentas tecnológicas no projeto, é possível afirmar que elas melhoraram e alteraram nossas rotinas de trabalho. Conforme mencionado, as tecnologias possuem agências e fluxos de trabalho próprios, influenciando e modificando a forma como nos relacionamos com os sítios, os vestígios, o público e com os próprios colegas. Um primeiro efeito dessas mudanças ocorreu na forma como dividimos as equipes de trabalho: passamos a ter um grupo de escaneamento, um grupo de operação de drone, de fotogrametria etc. Se antes trabalhávamos todos juntos, agora precisamos nos dividir para uma equipe não comprometer as atividades da outra, respeitando os fluxos de trabalho que as tecnologias impõem e evitando contratempos, como o surgimento de sombras nos modelos digitais criados. Outra importante alteração ocorreu na seleção das pessoas para o trabalho em campo, que agora considera suas habilidades. Haja vista que os aparelhos são complexos em seu manuseio, requerem um conhecimento mais estrito; assim, selecionamos desde os profissionais que podem desenvolver funções que necessitem dos aparelhos até os seus suplentes, para o caso de imprevistos. Não podemos deixar de mencionar, ainda, questões que parecem menores, mas que, na Antártica, se tornaram centrais, a exemplo do acesso a fontes de eletricidade adequadas para o funcionamento dos equipamentos. Além disso, foi preciso considerar a logística de transporte dos pesados e delicados equipamentos, que precisam ser deslocados do acampamento até os sítios arqueológicos, o que pode significar uma longa distância carregando muito peso.

Retomando nossa reflexão sobre a tecnologia como mediadora, são necessárias algumas ponderações sobre os produtos do laser scan 3D. Ora, esse instrumento nos convida a pensar sobre alguns aspectos físicos dos locais escaneados, como a sombra da neve, da chuva e das rochas, uma vez que o fenômeno se faz evidente nas leituras do aparelho. Assim, podemos dizer que ele amplia nosso olhar em campo, pois evidencia aspectos ambientais que antes não eram levados em consideração – ao menos, não na mesma medida. Além disso, o modelo tridimensional do sítio (ou o produto do escaneamento) possibilita uma análise mais detalhada do local, uma vez que torna visíveis alguns aspectos que o desenho ou a planta bidimensional não poderiam revelar. Assim, o modelo tridimensional fornece mais informações do local para as pessoas que o acessarem digitalmente, contribuindo com a agência das(es) observadoras(es) – que podem criar sua própria rotina de visitação no ambiente virtual tridimensional. A modelagem 3D dos sítios também tem o potencial de destacar aspectos que, eventualmente, possam ter passado despercebidos durante as análises, viabilizando, assim, a reconstrução, no mundo digital, de artefatos mais atrativos para manuseio público. Por sua vez, as impressões 3D permitem que as réplicas dos artefatos sejam tocadas, manuseadas e incorporadas pelo público que participa das ações de mediação, criando relações mais sensoriais e significativas com a história da Antártica.

Sobre os produtos gerados pelas novas tecnologias no contexto da Arqueologia Pública, pode-se afirmar que esses produtos são mais envolventes, modernos, dinâmicos, divertidos e interativos. O público, em contato com esses produtos, deixa de ser mero observador do trabalho ou de ser visto como tábuas rasas onde se depositam os resultados de uma investigação, para se tornar agente da sua própria construção de conhecimento. Finalmente, pode-se afirmar que o uso das tecnologias – em especial os modelos 3D – no projeto “Paisagens em branco: Arqueologia e Antropologia antártica” impactou nossa prática em diferentes etapas: no campo (incluindo planejamento, escavação e levantamento de sítios), nas análises de vestígios e sítios, na conservação, nas ações de mediação com o público e no ensino. Inegavelmente, essas tecnologias trazem benefícios para o projeto, mas também desafios que precisam ser considerados.

Como forma de exemplificar mais detalhadamente as questões levantadas, escolhemos dois exemplos específicos: o escaneamento 3D do sítio Lima Lima (ilha Livingston) e a fotogrametria aplicada na coleção de cachimbos de caulim do LEACH-UFMG.

REPRODUÇÃO DIGITAL TRIDIMENSIONAL DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO ANTÁRTICO CAVERNA LIMA LIMA

O sítio arqueológico Cueva Lima Lima – ou Caverna Lima Lima – está localizado na ilha Livingston, mais precisamente em Punta Lair, na península Byers (Figura 4). Foi nesse sítio que se iniciaram os trabalhos de Arqueologia Antártica. O sítio é formado por duas câmaras, ambas apresentam vestígios arqueológicos do início do século XIX. No interior da câmara maior, no fundo da caverna, fora edificado um muro com rochas sobrepostas, que, possivelmente, delimitava o local onde caçadores de focas dormiam ou desenvolviam outras ações cotidianas. Além disso, tanto na parte interna do muro como em toda a caverna, são observadas, em superfície, inúmeras fogueiras e ossos de baleia, especialmente vértebras usadas como mobiliário (mesa, banco, prato, suporte para cortes etc.), e fogões, o que confirma a utilização desse espaço de forma integral e não apenas o seu interior, cercado por muros.

Figura 4
Mapa com a localização dos sítios arqueológicos nas ilhas South Shetlands.

A intervenção em Lima Lima compreendeu escavações de amplas superfícies, valendo-se da decapagem e respeitando níveis estratigráficos naturais. Além da escavação, também foram realizadas coletas de solo e de fungos, bem como ações de conservação preventiva in situ. As áreas internas e externas ao muro, assim como suas adjacências, foram as mais atingidas pela intervenção, bem como as fogueiras do interior da caverna e uma região próxima à entrada, esta um pouco afastada do muro. Outra atividade fundamental foi a realização do escaneamento 3D de Lima Lima utilizando um laser scan Leica P20 (Tabela 1).

Tabela 1
Especificações técnicas de laser scan. Fonte: Leica ScanStation P20 User Manual.

O laser scan 3D (Figura 5) permite escanear regiões tridimensionalmente, assim como as estruturas em sua superfície. Além disso, o aparelho auxilia na localização, in situ, dos vestígios antes da coleta, sendo um registro visual da escavação que se soma às coordenadas geográficas coletadas pela estação total, aos desenhos de croquis e às plantas no mapeamento dos artefatos.

Figura 5
Laser scan Leia P20 no interior da Caverna Lima Lima.

Ao todo, em Lima Lima, realizamos quatro projetos de escaneamentos, gerando quatro nuvens de pontos independentes, mas com possibilidades de serem interligadas, quais sejam: a parte externa da caverna (espaço em frente à caverna, antes de adentrá-la), a câmara principal (onde concentramos o trabalho de escavação e onde está o muro construído), a câmara secundária (de menor tamanho e onde realizamos algumas sondagens) e o pós-escavação (escaneamento de novo da câmara principal antes do fechamento da escavação, sendo mapeadas as estruturas e os vestígios evidenciados) (Figura 6).

Figura 6
Imagem renderizada do modelo 3D de Lima Lima.

O trabalho de escaneamento divide-se em duas etapas: na primeira, é feita a coleta de pontos em campo; na segunda, faz-se o tratamento desses dados, que pode ocorrer em campo ou em laboratório. No escaneamento que fizemos de Lima Lima, os dados foram tratados em laboratório. Na primeira etapa, ainda em campo, faz-se uma análise da estrutura do sítio de forma a produzir um croqui do escaneamento. Nesse croqui, são calculadas as localizações das estações e dos targets7 7 Os targets são alvos utilizados nos escaneamentos que permitem a união das nuvens de pontos criadas por cada estação. , de modo que as ‘sombras’ deixadas por uma estrutura não fiquem escondidas atrás de outra. O resultado esperado é de que a soma total de escaneamentos abranja toda a estrutura do sítio, sem que existam pontos cegos (ou seja, ausência de pontos que deixariam um buraco no modelo tridimensional, denominados de sombras). Caso a estrutura do sítio seja extremamente complexa e não haja a possibilidade de colocação de targets, os quais necessariamente devem ficar visíveis para todas as estações, é feito o escaneamento sem targets e a união de todos os escaneamentos deve ser feita manualmente. No caso de Lima Lima, utilizamos os targets em todas as estações. Normalmente, devem ser preparados quatro targets (sendo três a exigência mínima), e feitas, no mínimo, quatro estações de escaneamento (foram raramente usadas apenas três estações nos trabalhos da Antártica, isso aconteceu apenas quando a estrutura do sítio era extremamente simples ou quando o local não era prioritário). Apesar de ter sido definida uma quantidade mínima de estações, não existe a quantidade máxima, pois este número é definido pelo tamanho e pela complexidade do sítio, podendo ultrapassar dez estações em determinados casos. Em Lima Lima, cada projeto de escaneamento teve uma média de quatro estações. A qualidade do escaneamento é definida de acordo com a complexidade das estruturas visíveis para a estação de escaneamento, bem como a quantidade total de estações deve ser usada no sítio e o grau de sobreposição com outras estações. Por exemplo, caso uma estação apresente alto grau de sobreposição com as duas estações adjacentes, ela pode ser escaneada em qualidade inferior, de modo a minimizar o tamanho do arquivo e facilitar o processamento dos dados, sem comprometer o resultado. Cabe ressaltar que uma menor qualidade no escaneamento afeta a precisão e a eventual captura de detalhes, logo, nesses casos, aconselha-se aumentar a quantidade de estações para sanar áreas imprecisas. A escolha por maior ou menor qualidade, bem como quantidade de estações, depende das características do sítio e do uso posterior do escaneamento8 8 Mais detalhes sobre essa e outras operações associadas ao uso do laser scan em campo e ao processamento dessas informações em laboratório podem ser acessadas no relatório final de pós-doutorado para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do projeto “Transcendendo as gretas da antártica: Arqueologia pública digital nas Shetland do Sul”, da Dra. Fernanda Oliveira de Antonio (2019). .

A segunda etapa do trabalho envolve o processamento das informações coletadas. Inicialmente, organizam-se os dados (arquivos e fotos do escaneamento) para posteriores backups. As fotos do escaneamento, produzidas pela própria Leica, informam, de pronto, a cor e a textura dos futuros modelos 3D. O processamento da nuvem de pontos pode ser feito em softwares como o Cyclone, da Leica; porém, devido à interface desse software, à especificidade de ferramentas destinadas a outros fins – a critério de exemplo, há uma ferramenta específica para design de encanamento em projetos de urbanização e arquitetura de edifícios – e ao manual bastante insatisfatório, optou-se por recorrer a outros programas para finalizar essas etapas. Assim, temos optado por programas de livre acesso e fácil manuseio9 9 Essa parte do trabalho foi realizada pela Dra. Fernanda Oliveira, que, na época, era pós-doutoranda do LEACH e realizou todo o processamento dos materiais coletados nos campos de 2016 a 2019, tendo ela mesma participado das intervenções de 2019 e auxiliado na coleta de dados. .

Os procedimentos técnicos de produção do modelo 3D seguem estas etapas:

  1. Processamento no software Cyclone. Nesta etapa, ocorre a viabilização do projeto, sendo feita a importação de dados brutos do laser scan 3D para o software Cyclone;

  2. Registro das nuvens, isto é, sobreposição de dados das várias nuvens de pontos;

  3. Registro automático de nuvens de pontos, quando possível, e registro manual de nuvens de pontos, quando necessário;

  4. Unificação das nuvens, isto é, fusão dos dados sobrepostos no registro em uma única grande nuvem de pontos;

  5. Seleção dos pontos referentes ao sítio (fence), pois o laser scan captura dados de uma área significativamente maior do que os sítios estudados e uma grande parte da paisagem pode ser eliminada para otimizar o processamento das áreas de interesse; e

  6. Exportação dos dados para posterior processamento em outros softwares.

Adicionalmente, pode-se fazer uma subamostragem de pontos – esse procedimento precisou ser feito em alguns escaneamentos cujos arquivos finais exportados eram muito pesados e excediam a capacidade de processamento dos demais softwares e/ou dos computadores utilizados pelo LEACH. No software CloudCompare, as nuvens exportadas pelo Cyclone foram limpas de ruídos e, quando necessário, subamostradas. Em seguida, elas foram computadas e foi feita a reconstrução da superfície através da criação de uma malha poligonal (mesh), através do plug-inPoisson Surface Reconstruction’. Foi feita, quando necessário, a correção de falhas ou buracos no modelo 3D. A mesh foi, então, exportada no formato PLY (.ply). Em seguida, o arquivo PLY foi processado no software MeshLab para finalização das bordas (correção manual de distorções ou imperfeições causadas durante a criação da mesh). Além disso, foi feita a simplificação da mesh através da ferramenta ‘Simplification: Quadric Edge Collapse Decimation’ para reduzir o tamanho do arquivo a menos de 50 mb, de forma que ele pudesse ser carregado em uma conta gratuita no website Sketchfab e ser acessado no nosso website. Os modelos finais, sem redução de tamanho, estão salvaguardados no laboratório.

A digitalização tridimensional de Lima Lima, bem como de outros sítios arqueológicos antárticos, permite que as(os) pesquisadoras(es) ou o público não arqueológico possam acessar os sítios de uma forma interativa, percorrendo o interior do refúgio (ou o seu redor) de uma forma não direcionada, percebendo coisas que possam ter passado despercebidas pela equipe arqueológica ou que possam interessar outros propósitos, acadêmicos e não acadêmicos.

Essa documentação digital 3D dos sítios dá acesso a informações sobre textura, profundidade, brilho e dispersão espacial dos sítios e materiais. Além disso, a interatividade e a conectividade presentes nos modelos 3D são diferenciais desse produto, ainda mais quando disponibilizados on-line. Pesquisadoras(es) de outras especialidades, como geólogas(os), biólogas(os), entre outras(os), poderão acessar os modelos gerados e se atentar para questões que não foram pensadas pelas(os) arqueólogas(os) no momento do registro. Musgos, briófitas, presença ou ausência de neve, manchas no solo, cor de rochas, presença ou ausência de restos ósseos de animais mortos, entre outros, são exemplos de características que podem ser notadas por meio da análise dos escaneamentos, de acordo com os interesses da(o) visitante. Além disso, e mais importante, os escaneamentos permitem uma aproximação imersiva com o continente antártico, o que dificilmente seria possível de outra forma, tendo em vista as inúmeras dificuldades existentes para se chegar à região. A proposta é de que a(o) visitante utilize as maquetes virtuais 3D dos sítios disponibilizadas no website do LEACH e nas redes sociais para percorrer seus próprios caminhos de acordo com seus interesses10 10 Os modelos 3D dessas peças (bem como dos sítios) estão disponíveis no website e no sketchfab do LEACH. Optamos pelo livre acesso, nessas plataformas, de todas(os) as(os) interessadas(os) nesses modelos, podendo utilizá-los em atividades didáticas em escolas, museus ou como base para impressões 3D. Além disso, recentemente, utilizamos essas peças em uma palestra virtual promovida para professoras(es) sobre o tema ‘Antártica em sala de aula’, a qual foi organizada pelo projeto “Antártica ou Antártida”, coordenado por Silvia Dotta, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Nessa palestra, elaboramos uma série de perguntas sobre Arqueologia, análise de materiais e Antártica, as quais poderiam ser respondidas pelas(os) alunas(os) enquanto manuseavam o modelo tridimensional. A ideia principal era propor uma atividade didática, interativa e imersiva para uso em ações on-line de ensino a partir dos modelos 3D que disponibilizamos on-line. . Dessa forma, pode-se dizer que os fluxos de trabalho que as tecnologias 3D sugerem estimulam o desenvolvimento de novas formas de pesquisa, proporcionando diferentes percepções do passado e do presente, levando em conta a agência dos atores envolvidos, das(os) arqueólogas(os), do público em geral, das tecnologias, do ambiente, entre outros.

Nesse sentido, podemos afirmar que a arqueologia digital tridimensional, tal qual realizada no projeto, tornou-se uma ferramenta potencial de transformação da nossa prática, pois corroborou o repensar de algumas de nossas concepções teórico-metodológicas, nos fazendo rever, por exemplo, o lugar privilegiado das(os) arqueólogas(os) como aquelas(es) que unicamente poderiam acessar os sítios e interpretá-los. A proposta do LEACH tem por finalidade incentivar a participação ativa do público, estimulando o diálogo, a colaboração e o engajamento deste com a pesquisa antártica de uma forma mais simétrica e democrática (Richardson, 2009Richardson, L. (2009). Measuring the Success of Digital Public Archaeology: towards a model for public participation in internet Archaeology [Dissertação de mestrado, University of London]., 2013Richardson, L. (2013). A digital public archaeology? Papers from the Institute of Archaeology, 23(1), 1-12.; Bonacchi et al., 2012Bonacchi, C., Furneaux, C., & Pett, D. (2012). Public engagement through online TV channels: a way forward for the audiovisual communication of archaeology. In C. Bonacchi (Ed.), Archaeology and digital communication: towards strategies of public engagement (pp. 50-65). Archetype.).

Atualmente, a partir dos modelos 3D de Lima Lima e de outros sítios, estamos desenvolvendo novos produtos, como um videogame sobre a Antártica, dispositivos de realidade aumentada, entre outras ações11 11 Este trabalho vem sendo realizado pelo Dr. Alex Martire, atual pós-doutorando do projeto. .

REPRODUÇÃO DIGITAL TRIDIMENSIONAL DA COLEÇÃO DE CACHIMBOS DE CAULIM DO LEACH-UFMG

Um segundo exemplo da utilização de tecnologia 3D no projeto de Arqueologia Antártica é o escaneamento, a análise e a conservação-restauração do acervo de cachimbos de caulim do LEACH-UFMG. A tipologia desse acervo foi um fator fundamental na decisão de reproduzi-lo digitalmente, visto que a técnica escolhida foi a da fotogrametria e a superfície clara e densa do caulim permite uma fotografia nítida e opaca.

Atualmente, a coleção é formada pelo total de 18 peças12 12 É possível que esse número aumente em razão da análise do material coletado nas campanhas de 2018 e 2019, que se encontravam em processo de curadoria. . A identificação desse número foi feita a partir do número mínimo de peças (NMP), sendo analisados aspectos como matéria-prima, formatos, tamanhos, decorações, datações, usos e demais características, fomentando discussões sobre os significados associados à prática de fumar e sua agência na formação do coletivo foqueiro antártico (Soares et al., 2019Soares, F. C., Amorim, C. L., & Pena, W. L. S. (2019). Um fio de fumaça nos mares do sul: cachimbos de caulim e masculinidades nas Ilhas Shetland do Sul (séculos XVIII e XIX). Revista de Arqueologia, 32(1), 129-159. https://doi.org/10.24885/sab.v32i1.622
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; Linhales, 2019Linhales, C. (2019). Cachimbos de caulim em terras geladas: sobre foqueiros e baleeiros mediante seu fumar na Antártica [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais].).

Os cachimbos são identificados, basicamente, por sua haste e seu fornilho – este último caracteriza-se pelo local onde o fumo é inserido – e, de acordo com o período de fabricação, apresentam também um pedúnculo na base. A parte final da haste, que fica em contato direto com o usuário, é conhecida como boquilha (Hissa & Lima, 2017Hissa, S. D. B. V., & Lima, T. A. (2017). Cachimbos europeus de cerâmica branca, séculos XVI ao XIX: parâmetros básicos para análise arqueológica. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 25(2), 225-268. https://doi.org/10.1590/1982-02672017v25n0209
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, p. 227), e a maior parte da coleção antártica não possui este item por ser fruto de hastes quebradas ou cachimbos curtos. Na Figura 7, é possível identificar as partes constituintes desse tipo de peça e suas nomenclaturas.

Figura 7
Nomenclaturas de partes do cachimbo.

De modo geral, o acervo de cachimbos de caulim do LEACH apresenta três peças planas sem decoração (Q, M e L) e oito peças com decorações estandardizadas, as quais contêm folhas e flores distribuídas pelo fornilho (A, D, F, I, N, O, P, R). Nas demais peças, que totalizam sete unidades, não foi possível identificar presença ou ausência da decoração, visto que os fragmentos constituintes não possuíam elementos diagnósticos para essa classificação (B, C, E, G, H, J, K). A datação média do acervo dá-se entre 1779 e 1820 e foi atribuída a partir de elementos decorativos, características da manufatura e fórmula de Binford (1978)Binford, L. R. (1978). Dimensional analysis of behavior and site structure: learning from an Eskimo hunting stand. American Antiquity, 43(3), 330-361. https://doi.org/10.2307/279390
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, bem como características do pedúnculo e formato geral do cachimbo, especialmente o ângulo entre o fornilho e a haste (Soares et al., 2019Soares, F. C., Amorim, C. L., & Pena, W. L. S. (2019). Um fio de fumaça nos mares do sul: cachimbos de caulim e masculinidades nas Ilhas Shetland do Sul (séculos XVIII e XIX). Revista de Arqueologia, 32(1), 129-159. https://doi.org/10.24885/sab.v32i1.622
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; Linhales, 2019Linhales, C. (2019). Cachimbos de caulim em terras geladas: sobre foqueiros e baleeiros mediante seu fumar na Antártica [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais].).

Além da análise arqueológica, que pode ser acessada em maior profundidade através dos trabalhos de Soares et al. (2019)Soares, F. C., Amorim, C. L., & Pena, W. L. S. (2019). Um fio de fumaça nos mares do sul: cachimbos de caulim e masculinidades nas Ilhas Shetland do Sul (séculos XVIII e XIX). Revista de Arqueologia, 32(1), 129-159. https://doi.org/10.24885/sab.v32i1.622
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e Linhales (2019)Linhales, C. (2019). Cachimbos de caulim em terras geladas: sobre foqueiros e baleeiros mediante seu fumar na Antártica [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais]., esse conjunto cerâmico passou por procedimentos tradicionais de conservação-restauração associados à limpeza e ao controle das condições ambientais de armazenamento. Ademais, três exemplares do acervo foram selecionados para a modelagem 3D, sendo o critério de seleção o fato de os vestígios apresentarem menos áreas de perda, quando comparados a outros da coleção. O processo de reconstrução virtual dos vestígios será exposto a seguir e pode ser consultado em detalhes na pesquisa de Brabo (2019)Brabo, A. (2019). Técnicas de modelagem tridimensional aplicadas à conservação de acervos arqueológicos: documentação de cachimbos do acervo do LEACH-UFMG. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais]..

As peças selecionadas para a reprodução virtual possuem pequenas dimensões, duas delas apresentam decorações florais no corpo do fornilho (peças P e R) e a terceira possui corpo liso, ou seja, sem decoração, mas com uma marca de fabricante no pedúnculo, além de apresentar uma parte da haste (peça Q) (Tabela 2).

Tabela 2
Características gerais dos cachimbos utilizados. Fonte: Brabo (2019, p. 39)Brabo, A. (2019). Técnicas de modelagem tridimensional aplicadas à conservação de acervos arqueológicos: documentação de cachimbos do acervo do LEACH-UFMG. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais]..

É importante destacar que, no trabalho desenvolvido pela equipe de conservação-restauração do projeto “Paisagens em branco”, a restauração virtual das peças é considerada uma técnica complementar aos procedimentos de restauração convencionais, ou seja, elas não se prescindem, mas se complementam (Brabo, 2019Brabo, A. (2019). Técnicas de modelagem tridimensional aplicadas à conservação de acervos arqueológicos: documentação de cachimbos do acervo do LEACH-UFMG. [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de Minas Gerais].).

Considerando que as peças selecionadas apresentavam pequenas dimensões e pouca estabilidade física, procurou-se utilizar equipamentos e técnicas que viabilizassem a fotografia com precisão de detalhes e menor movimentação possível. Assim, para a aplicação da técnica da fotogrametria, optou-se pela utilização dos seguintes equipamentos: câmera Nikon D60, lente AF-S DX Micro NIKKOR 85mm F3.5G ED, três refletores Ledvance Floodlight OSRAM 50w IP65, tripé de coluna StudioMatic, uma base giratória graduada, cartela ColorChecker X-Rite passport, uma folha de papel ColorPlus cinza e três folhas de papel vegetal.

Foram utilizadas, ainda, duas montagens de setup e realizadas três rodadas de fotos. Foi gerada uma foto a cada 10º de giro na base, computando por cachimbo 36 fotos em cada rodada e 108 fotos no total. Na primeira montagem, a câmera foi posicionada a uma altura de 30 cm em relação à base giratória, a um ângulo de 60º, havendo, aproximadamente, 62 cm de distância entre a lente e o objeto. Foram posicionados dois refletores à direita e à esquerda da câmera, a uma altura de 20 cm em relação à base giratória e levemente inclinados em direção ao objeto. Um terceiro refletor foi posicionado ao lado oposto da câmera, este a uma altura de 64 cm em relação à base giratória e inclinado em direção ao objeto.

Na segunda montagem, a câmera foi posicionada à mesma altura da base giratória, a um ângulo de 10º, havendo, aproximadamente, 62 cm de distância entre a lente e o objeto. Foram posicionados dois refletores à direita e à esquerda da câmera, a uma altura de 10 cm em relação à base giratória e levemente inclinados em direção ao objeto. Um fundo cinza foi posicionado ao lado oposto da câmera, substituindo o terceiro refletor (Figura 8).

Figura 8
Setups elaborados para registro fotogramétrico dos cachimbos de caulim antártico.

Posteriormente, foi realizado o ajuste cromático nas imagens com o auxílio de softwares de tratamento de imagens, quais sejam: Adobe Bridge, Adobe Câmera RAW e Adobe Photoshop. Para garantir a confiabilidade do ajuste, a cartela de referência de cores, ColorChecker X-Rite Passport, foi utilizada como base.

Em seguida, as fotografias foram utilizadas na construção do modelo 3D com o software Autodesk Recap Photo. Foram formados dois modelos para cada cachimbo, correspondentes às duas faces registradas na etapa fotográfica. Por fim, os modelos foram finalizados com o software Blender e disponibilizados para consulta no perfil do LEACH no Sketchfab (LAECH, n.d.Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas-Universidade Federal de Minas Gerais (LEACH-UFMG). (n.d.). http://www.leach.ufmg.br/
http://www.leach.ufmg.br/...
). O processo ora descrito pode ser adaptado de acordo com as necessidades e possibilidades das instituições interessadas em utilizá-lo, estando o resultado final diretamente relacionado não apenas à qualidade dos equipamentos, como também às habilidades das(os) profissionais atuantes.

Considerando que os elementos digitais criativos proporcionados pela modelagem 3D aplicada à Conservação-Restauração potencializam as possibilidades de apreciação dos valores sociais aplicados ao patrimônio (Harrer, 2017Harrer, A. (2017). The Legacy of alois riegl: material authenticity of the monument in the digital age. Built Heritage, 1(2), 29-40. https://doi.org/10.1186/BF03545661
https://doi.org/10.1186/BF03545661...
), pode-se mensurar o papel que as(os) conservadora(es)-restauradoras(es) desempenham ao definirem o conceito de patrimônio cultural a ser seguido quando da reprodução e reconstrução virtual. Decerto, as análises das(os) conservadoras(es)-restauradoras(es) são condicionadas pela forma como se identificam os traços derivados dos processos históricos de uso, ou pela escala de importância que se dá para cada tipo de vestígio, ao priorizar um ou outro grupo para a aplicação das ferramentas digitais.

Pelo fato de o escaneamento 3D gerar resultados digitais, surgem três notáveis tendências metodológicas de Conservação-Restauração: primeiro, as técnicas de diagnóstico do estado de conservação por meio da reconstrução virtual detalhada da superfície visível de objetos arqueológicos são potencializadas; segundo, o uso de técnicas não interventivas é reforçado, havendo, até mesmo, a perda de sentido na escolha pela restauração tradicional se os objetos arqueológicos puderem contar com boas ferramentas de baixo custo – e, consequentemente, com bons resultados na restauração virtual –; finalmente, é possível dizer que a tecnologia 3D reforça a necessidade de a Arqueologia e a Conservação-Restauração elaborarem suas perguntas de maneira conjunta, para que haja amplo aproveitamento no momento de aplicação das ferramentas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O título para este artigo, ‘tecnologia apropriada’, foi tomado a partir de um conceito com o mesmo nome, que faz referência a tecnologias especialmente projetadas/adequadas/desenhadas, em razão de contextos e situações específicas. Nesse sentido, as questões discutidas neste trabalho buscaram refletir sobre a adequação e o impacto das novas tecnologias, em especial as 3D, em Arqueologia e Conservação-Restauração. Além de contribuírem para a preservação e a conservação das informações geradas pelo trabalho das(os) pesquisadoras(es), essas tecnologias influenciam de forma direta a organização e o funcionamento das atividades em campo e laboratório. Sem exageros, podemos dizer que tanto Arqueologia como Conservação-Restauração estão sendo transformadas nos seus aspectos teórico, metodológico e técnico.

Ao mesmo tempo, como foi colocado, existem pontos positivos e negativos associados às novas tecnologias, bem como aos seus impactos. Entre os aspectos positivos, podemos mencionar a qualidade e a quantidade das informações que estamos produzindo, a capacidade de trabalho, a redução do tempo para a obtenção de dados, o avanço na conservação eficiente das coleções arqueológicas, a possibilidade de compartilhamento de informações e bases de dados com a comunidade científica, a velocidade e o alcance dos resultados das pesquisas junto ao público e, finalmente, a construção de formas de comunicação mais democráticas e simplificadas com a sociedade.

Mas as novas tecnologias têm um lado ‘obscuro’. Paralelamente aos benefícios mencionados, elas acabam por aumentar a desigualdade nas arqueologias mundiais e regionais, produzindo projetos que podem ser classificados como ricos e pobres, aprofundando brechas que já existiam numa escala Norte-Sul, por exemplo. Devemos considerar que o acesso a essas tecnologias demanda recursos econômicos e humanos (compra e operação dos aparelhos) e nem todos sabem operar as ferramentas ou gerenciar os aplicativos, evidenciando uma desigualdade de habilidades e competências associadas às mesas. A situação se agrava quando se trata da disponibilidade desses aparelhos, sua manutenção, reposição e atualização. Quantos projetos de Arqueologia ou Conservação podem contar com tecnologias de ponta?

Em síntese, as novas tecnologias, em especial as 3D, criaram um universo de materialidades imateriais que claramente impacta diretamente a forma de trabalho de nossas disciplinas. Arqueologia e Conservação têm muito a ganhar com essas ferramentas transformadoras, mas, por outro lado, há ainda um longo caminho até que os seus resultados possam ser acessados de forma democrática e simétrica.

  • 1
    É importante considerar que assumir o fato de as réplicas digitais tridimensionais serem representações não diminui sua importância. Acerca disso, Holtorf (2005)Holtorf, C. (2005). From Stonehenge to Las Vegas: archaeology as popular culture. Altamira Press. explica que não apenas os objetos ‘autênticos’ nos trazem experiências; segundo o autor, réplicas ou encenações que reproduzem eventos passados também podem promover experiências, logo são potencialmente significativas para as interpretações arqueológicas. De forma complementar, Cabral (2014)Cabral, M. P. (2014). “E se todos fossem arqueólogos?”: experiências na Terra Indígena Wajãpi. Anuário Antropológico, 39(2), 115-132. https://doi.org/10.4000/aa.1269
    https://doi.org/10.4000/aa.1269...
    afirma que as histórias narradas a partir das coisas são tão importantes quanto as próprias coisas. Dessa forma, os modelos 3D potencializam narrativas envolventes e significativas sobre o passado e o presente, proporcionando importantes contribuições para as disciplinas. Assim sendo, endossar a parcialidade e a subjetividade da modelagem tridimensional não diminui sua importância para a Arqueologia e a Conservação-Restauração, mas nos faz questionar as ideias de neutralidade e objetividade, normalmente associadas a esses produtos.
  • 2
    Mais informações podem ser acessadas em Çatalhöyük Research Project (n.d.)Çatalhöyük Research Project. (n.d.). http://www.catalhoyuk.com
    http://www.catalhoyuk.com...
    .
  • 3
    O sistema teleimersivo criado, que poderia ser visualizado através do laptop ou a partir de óculos 3D, integrava todos os produtos gerados pelo laser scanner, fotogrametria, visão computacional e modelagem de imagens. A imersão nessa ‘paisagem 3D do sítio’ permitia retroceder ou avançar em certos estágios da escavação. Além disso, certas camadas estratigráficas, por exemplo, poderiam ser manipuladas digitalmente, a fim de ressaltar detalhes a partir de cores ou geometria. Ferramentas para medições, iluminação, arrastar e mover objetos, mudar texturas, cores, acessar bibliotecas e dados de outras campanhas foram elementos que auxiliaram na interpretação do sítio enquanto a escavação estava em curso, além disso, contribuições de pesquisadores internacionais poderiam ser feitas simultaneamente à intervenção no sítio, e pessoas de fora da academia também poderiam colaborar. Ou seja, nesse projeto, a tecnologia 3D realmente impactou a investigação, a análise e a interpretação do sítio, fazendo uso da interação, da conectividade e da imersão como meios de tornar o trabalho mais colaborativo e multivocal.
  • 4
    O terreno analisado na pesquisa arqueológica possuiu outros usos, conforme afirmam as autoras e o autor. No entanto, o foco da atividade educativa foi para o momento em que o sítio esteve operando como olaria.
  • 5
    Essas diretrizes éticas profissionais podem ser encontradas principalmente em The London Charter (2009)The London Charter. (2009). The London Charter for the Computer-Based Visuali-sation of Cultural Heritage. http://www.londoncharter.org
    http://www.londoncharter.org...
    e Principles of Seville (2017)Principles of Seville. (2017). International Principles of Virtual Archaeology. Ratified by the 19th ICOMOS General Assembly in New Delhi, December 2017. https://icomos.es/wp-content/uploads/2020/06/Seville-Principles-IN-ES-FR.pdf
    https://icomos.es/wp-content/uploads/202...
    .
  • 6
    O principais parceiros com que temos trabalhado para esse tipo de análises são: Laboratório de Estudos Evolutivos e Ecológicos Humanos, do Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo (USP); o Laboratório de Arqueometria e Ciências Aplicadas ao Patrimônio, do Instituto de Física da USP; a División Arqueología del Museo de La Plata, Facultad de Ciencias Naturales y Museo, da Universidad Nacional de La Plata; e o Laboratório de Caracterização Tecnológica, do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo, da Escola Politécnica da USP.
  • 7
    Os targets são alvos utilizados nos escaneamentos que permitem a união das nuvens de pontos criadas por cada estação.
  • 8
    Mais detalhes sobre essa e outras operações associadas ao uso do laser scan em campo e ao processamento dessas informações em laboratório podem ser acessadas no relatório final de pós-doutorado para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do projeto “Transcendendo as gretas da antártica: Arqueologia pública digital nas Shetland do Sul”, da Dra. Fernanda Oliveira de Antonio (2019)Antonio, F. (2019). Relatório final do projeto “Transcendendo as gretas da Antártica: Arqueologia pública digital nas Shetland do Sul”. CNPq..
  • 9
    Essa parte do trabalho foi realizada pela Dra. Fernanda Oliveira, que, na época, era pós-doutoranda do LEACH e realizou todo o processamento dos materiais coletados nos campos de 2016 a 2019, tendo ela mesma participado das intervenções de 2019 e auxiliado na coleta de dados.
  • 10
    Os modelos 3D dessas peças (bem como dos sítios) estão disponíveis no website e no sketchfab do LEACH. Optamos pelo livre acesso, nessas plataformas, de todas(os) as(os) interessadas(os) nesses modelos, podendo utilizá-los em atividades didáticas em escolas, museus ou como base para impressões 3D. Além disso, recentemente, utilizamos essas peças em uma palestra virtual promovida para professoras(es) sobre o tema ‘Antártica em sala de aula’, a qual foi organizada pelo projeto “Antártica ou Antártida”, coordenado por Silvia Dotta, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Nessa palestra, elaboramos uma série de perguntas sobre Arqueologia, análise de materiais e Antártica, as quais poderiam ser respondidas pelas(os) alunas(os) enquanto manuseavam o modelo tridimensional. A ideia principal era propor uma atividade didática, interativa e imersiva para uso em ações on-line de ensino a partir dos modelos 3D que disponibilizamos on-line.
  • 11
    Este trabalho vem sendo realizado pelo Dr. Alex Martire, atual pós-doutorando do projeto.
  • 12
    É possível que esse número aumente em razão da análise do material coletado nas campanhas de 2018 e 2019, que se encontravam em processo de curadoria.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo suporte financeiro deste trabalho.

  • Zarankin, A., Soares, F. C., Radicchi, G. A., & Brabo, A. (2022). ‘Tecnologia apropriada’: reflexões e desafios das novas metodologias 3D em Arqueologia e Conservação. O caso do projeto “Paisagens em branco, arqueologia e antropologia antártica”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(3), e20210090. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0090

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Responsabilidade editorial: Cristiana Barreto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2021
  • Aceito
    09 Fev 2022
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