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Performance audiovisual em foco: investigando a imagem ao vivo

BASTOS, M; MORAN, P. Audiovisual ao vivo. Tendências e conceitos. São Paulo: Intermeios, 2020.

Publicado em meio à pandemia de COVID-19, em julho de 2020, Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos tem como autores Patricia Moran e Marcus Bastos e traz luz especialmente à performance audiovisual em suas dimensões técnicas e poéticas. Conforme a introdução do livro comenta, a complexidade das relações entre cor e som aumenta com o desenvolvimento tecnológico: veremos como o procedimento ao vivo se desdobra em nossa percepção mediatizada. Do século XIX aos dias de hoje, Moran e Bastos costuram fenômenos e conceitos de artistas e pensadores, em um arranjo que considera a produção bibliográfica de colegas como Sergio Basbaum e se estende a referências internacionais inúmeras, como Erika Balsom e Chris Salter. Da maneira que os grandes pesquisadores fazem, constroem um texto não linear e com insights preciosos sobre usos da imagem-luz em movimento aplicados em tempo real.

O meio videográfico tem sido estudado e ganhado publicações no Brasil sob a tutela de diversos estudiosos e artistas. É possível encontrar textos que tratam desde o surgimento e desenvolvimento técnico do vídeo até suas potencialidades e poéticas experimentais. Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos chega para complementar e atualizar a bibliografia do campo. Mas não estamos falando de vídeo ao vivo produzido pela grande mídia, o broadcast. Também não passamos pelas lives das plataformas sociais, tão amplamente realizadas durante a quarentena e a pandemia de COVID-19 em 2020 e 2021. O texto dá continuidade à pesquisa em audiovisual experimental, que inclui estudiosos prestigiados.

O conceito de ao vivo é chave no livro e é tecido na interdisciplinaridade. O processo de midiatização que marca o campo da cultura é trazido via a filosofia de Walter Benjamin e Paul Valéry, na abordagem de temas como a presença mediada e a percepção “em interface com o mundo, em estado de relação com o mundo” (BASTOS; MORAN, 2020BASTOS, M.; MORAN, P. Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos. São Paulo: Intermeios, 2020., p. 14), somados à aceleração da velocidade de comunicação. O estar ao vivo que é constitutivo de nosso tempo é investigado pelo viés das artes, do experimentalismo, da contracultura.

A proposta dos autores não é o aprofundamento em teorias e conceitos, mas reunir “apontamentos para propor um percurso sobre processos e experimentos relacionados à performance audiovisual contemporânea” (BASTOS; MORAN, 2020BASTOS, M.; MORAN, P. Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos. São Paulo: Intermeios, 2020., p. 9). Nos deparamos rapidamente com referências teóricas que embasam a construção do pensamento dos autores, mas embarcar em cada problematização apontada cabe ao leitor, por conta própria. Na introdução do livro, os autores nos alertam:

O formato proposto é de caráter panorâmico. Todavia, em certos trechos, serão feitas análises mais longas de algumas obras. Isto resulta em um texto que pode parecer menos homogêneo, mas é uma escolha deliberada.

(BASTOS; MORAN, 2020BASTOS, M.; MORAN, P. Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos. São Paulo: Intermeios, 2020., p. 9)

Walter Zanini (1925-2013) foi um dos nomes que atentou para a videoarte brasileira, organizando acervos, curadorias e estudos na Bienal Internacional de Arte de São Paulo e no Museu de Arte Contemporânea da USP. Arlindo Machado (1949-2020) deixou um legado de dezenas de publicações acerca da imagem técnica e seus desdobramentos, seja na televisão, na fotografia, no cinema, ou nos museus e galerias de arte. Como professor generoso que foi, marcou gerações que dão continuidade aos estudos do audiovisual. André Parente, que organiza o livro Imagem-máquina (1993); Christine Mello, com o livro Extremidades do Vídeo (2008); Katia Maciel, com Transcinemas (2009); e Cesar Baio, com Máquinas de Imagem (2015), são só alguns dos pesquisadores e publicações que contribuem para o pensamento sobre o meio no Brasil. Citamos aqui tais nomes na tentativa de localizar o leitor no amplo universo da pesquisa em imagem e vídeo: estamos no terreno do audiovisual expandido.

Nossos autores fazem parte do grupo de especialistas que transitam entre a academia e o meio artístico — tanto na paisagem underground quanto na institucional —, reunindo conhecimento e experiências diversificadas, seja realizando, performando, como espectadores e visitantes, ou ainda como críticos e pensadores. Fruto disso, já publicaram anteriormente outros livros. Um deles é Cinema Apesar da Imagem (Intermeios, 2016), organizado por ambos junto a Gabriel Menotti.

Patricia Moran, livre-docente ela USP em 2021 e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é cineasta, videoartista e ensaísta. Professora do Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP), foi diretora do CINUSP Paulo Emílio (2014-2017), período em que coordenou a coleção CINUSP, tendo lançado onze volumes dos quais organizou dois. Publicou em 2015 o livro Cinemas Transversais pela Editora Iluminuras e organizou, ainda, outros livros na área do audiovisual expandido, sua especialidade.

Marcus Bastos é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde é professor vinculado ao Departamento de Artes, desde 2003, e ao Programa de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, desde 2012. Publicou os livros Limiares das Redes (Intermeios, 2014) e Cultura da Reciclagem (Noema, 2007, e-book), além de organizar Mediações, Tecnologia, Espaço Público: panorama crítico da arte em mídias móveis (com Lucas Bambozzi e Rodrigo Minelli, Conrad, 2010). Atualmente, é também professor da Faculdade Santa Marcelina no Mestrado em Música e Imagem.

Com expertise e interesses em comum, Moran e Bastos uniram forças para escrever a respeito de criações com vídeo por um ângulo diferente. Montando um panorama que passa por exemplos de obras nacionais e internacionais, Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos é dividido em três capítulos. Além das experiências vividas pelos próprios autores em contato com trabalhos artísticos instalativos, performáticos ou imersivos, somos convidados a conhecer experimentos que já relacionavam cor, som e luz há 300 anos, como o órgão de cor, as lanternas mágicas e as partituras de luz, por exemplo.

O capítulo 1, Os passados remotos do audiovisual ao vivo, vai passear justamente por tal cenário, relacionando trabalhos de inventores com a busca pela criação de experiência sensória, que mais para frente será chamada de performance audiovisual. Moran e Bastos trazem à tona nomes não muito conhecidos, como o da inventora Mary Hallock Greenwalt, primeira mulher a desenvolver um órgão de cor no início do século XX. A questão do ao vivo perpassa todo o livro, seja via apresentações de artistas e inventores presencialmente em espaços como teatros, ou via aparatos técnicos que começam a aparecer com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, como o rádio e, posteriormente, a televisão.

O capítulo 2, Performance audiovisual: um campo, antecedentes, a arena, o teatro, faz a ponte entre as invenções analógicas, a relação da sociedade com os novos dispositivos e a reação criativa dos artistas a tais mudanças no mundo. A modernidade entra em foco com a aceleração dos ritmos. Bastos e Moran, aqui, mergulham na análise de diversas obras, organizadas em procedimentos técnico-artísticos como corpos-ação, o multimídia, a intermídia e a customização de dispositivos. Passamos por conceituadas e conhecidas apresentações, como a 4’33, de John Cage. Nos deparamos também com detalhes preciosos e talvez inéditos de obras não tão populares. Nós, obra que nasce como performance com Gabriel Borba, em 1975, transforma-se em poema, em nova performance em 1977 e em registro em Super-8 — tomamos contato com o processo singular do artista e as ressignificações de cada tradução intersemiótica que ele realiza.

Começando pela cena dos VJs de performances em eventos musicais, o capítulo 3 contextualiza o desenvolvimento das poéticas com os meios digitais e de projeção, apresentando os nomes que contribuíram com o campo no Brasil. Audiovisual ao vivo: a cidade, a arena, o palco e a galeria apresenta uma arqueologia da performance audiovisual, e, para isso, traz entrevistas de artistas concedidas exclusivamente aos autores. Entramos em contato com nomes que não se restringem ao eixo Rio-São Paulo, passando das festas underground aos festivais mainstream de grandes marcas e patrocinadores e chegando, finalmente, às galerias e até mesmo às experimentações audiovisuais ao vivo online, realizadas durante a pandemia de COVID-19.

Registrando e divulgando fenômenos que se perderiam na história por sua característica intrinsicamente efêmera de evento, de experimento ao vivo, Bastos e Moran garantem o acesso, materializando os acontecimentos em texto, a experiências que, a princípio, estariam unicamente nas memórias daqueles que as criaram e vivenciaram. A leitura é fluida e direta: referências teóricas e historiográficas são indicadas para que os interessados se aprofundem por conta própria. E, sobre todos os nomes e relatos de artistas, festas, festivais, eventos, deixaremos que os leitores se aventurem pelas páginas do livro para descobrirem a infinidade de possibilidades do audiovisual ao vivo.

Referências

  • BASTOS, M.; MORAN, P. Audiovisual ao vivo: tendências e conceitos. São Paulo: Intermeios, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2021
  • Aceito
    20 Fev 2022
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