Acessibilidade / Reportar erro

APLICABILIDADE DE GEOTECNOLOGIAS PARA SUBSIDIAR A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS EM AMERICANA (SP)

Applicability of geo-technologies to subsidize hydric resources management in the city of Americana (SP)

RESUMO

Ao analisar as águas urbanas tendo como recorte territorial o município, vários aspectos precisam ser levados em consideração. Assim pode-se entender como se realiza a gestão e, principalmente, como se encontra a qualidade, a preservação e a conservação dos cursos d’água. Esses aspectos devem estar relacionados, principalmente, com as legislações existentes que servem de subsídios para os gestores. Além disso, entende-se que a dinâmica espacial também auxilia na compreensão e visualização de como os recursos hídricos e os elementos associados a eles se comportam de forma mais ampla. Neste trabalho, buscou-se abordar sobre que modo as geotecnologias podem contribuir como um instrumento importante para a análise da atual situação da gestão dos recursos hídricos, usando como área de estudo o município de Americana (SP).

Palavras-chave:
Gestão Urbana; Geotecnologias; Recursos Hídricos

ABSTRACT

When analyzing the city urban resources having the city as territorial cut, several aspects should be considered. This way, it is possible to understand the best way to manage the watercourses and mainly what are their conditions regarding quality, preservation and conservation. These aspects must be associated to the existing laws, which serve as subsidies to the managers. Besides, it is known that the spatial dynamics also auxiliaries the understanding and viewing of how the hydric resources and its associated elements behave in a widely way. This work sought to approach in what way the geotechnologies may contribute as an important tool to analyze the current situation of the hydric resources management, using the city of Americana (SP) as study territory.

Keywords:
Urban Management; Geotechnologies; Hydric Resources

INTRODUÇÃO

O município de Americana tem sua formação atrelada aos recursos hídricos, pois foi ao longo dos rios, notadamente o ribeirão Quilombo, que teve início sua origem. Apresenta no seu contexto histórico diversas modificações do uso da terra, acentuada a partir de 1875 quando a estrada de ferro que atravessava o interior paulista é inaugurada, o que possibilitou a instalação da agricultura e, em seguida, a de indústrias têxteis e a ocupação de áreas de vales permitindo a canalização de rios. Desse modo, vários problemas relacionados aos recursos hídricos estão presentes no município, como a contaminação do ribeirão Quilombo, problemas da qualidade da água na Represa de Salto Grande, entre outros. Esses problemas também causam implicações externas, uma vez que o sistema hídrico está interligado, assim, a contaminação existente em Americana levará problemas para os municípios vizinhos que recebem essas águas contaminadas, ou mesmo a vinda de contaminações de outros municípios pelas vias fluviais.

Com esses impactos recorrentes, acreditase que o município também pode ser considerado como um recorte espacial importante para a gestão dos recursos hídricos, possibilitando uma ação mais comprometida da instância municipal para com a bacia hidrográfica, trazendo melhorias ao monitoramento e fiscalização dos problemas associados às águas urbanas. Através de um estudo geográfico, utilizando geotecnologias, o trabalho dos gestores municipais pode ser auxiliado pela produção de material cartográfico que apontará a real situação do município com relação às águas urbanas, colaborando para um melhor planejamento para futuras áreas em expansão e a tomada de decisão. O que também possibilita novas discussões científicas sobre a temática dos recursos hídricos, trazendo um novo olhar a respeito do município, já que a disputa pela água está cada vez mais acirrada, cabendo toda e qualquer forma de instituição, seja privada ou pública de capacitação técnico-científica, disponibilizar-se como apoio às discussões junto à sociedade, assumindo posturas ao mesmo tempo técnicas como políticas em relação à gestão dos recursos hídricos, visando à melhoria das condições de acesso a este bem para toda a população.

GEOTECNOLOGIAS NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS

Dados atualizados são fundamentais para que os órgãos gestores realizem uma administração coerente e eficaz, garantindo à sociedade uma qualidade de vida adequada e evitando que as cidades cresçam de forma desordenada. Porém, isso não é uma tarefa tão simples, em meio ao acelerado processo de desenvolvimento, com as constantes alterações das informações é necessário ter o cuidado no entendimento de várias questões da cidade (saneamento básico, transporte, urbanização, zoneamento, recursos hídricos), o que implica em uma quantidade imensa de dados a se trabalhar.

Com base nisso fica evidente que os gestores necessitam de métodos práticos e eficientes para conseguir efetuar o trabalho da forma mais adequada. O uso de geotecnologias, para a verificação dos processos que ocorrem sobre a superfície terrestre, é uma boa escolha devido a sua precisão ao trabalhar com as informações geográficas. Além disso, segundo Almeida (2007ALMEIDA, C. M. D. O diálogo entre as dimensões real e virtual do urbano. In: ALMEIDA, C. M. D.; CÂMARA, G.; MONTEIRO, A. M. V. Geoinformação em urbanismo: cidade real x cidade virtual. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. p. 19-31.), o uso de recursos computacionais para a compreensão do meio urbano pode ser considerado como uma possibilidade de simulação de fenômenos dinâmicos diversos, desde o crescimento urbano como também as mudanças do uso da terra intraurbano.

As geotecnologias apresentam-se como instrumento para subsídio dos estudos visando à definição de políticas públicas, possibilitando a análise, a produção e a integração de diversos dados na mesma base territorial (GENOVEZ et al, 2007GENOVEZ, P. C. Indicadores territoriais de exclusão/inclusão social: geoinformação com suporte ao planejamento de políticas sociais. In: ALMEIDA, C. M. D.; CÂMARA, G.; MONTEIRO, A. M. V. Geoinformação em urbanismo: cidade real x cidade virtual. São Paulo: Oficina de textos, 2007. p. 64-85.). Carvalho e Müller (2006CARVALHO, A. D. S.; MÜLLER, A. J. Políticas Públicas e Gestão Territorial: Uso de Geotecnologias na Amazônia. In: SCHERER, E.; OLIVEIRA, J. A. D. Amazônia: Políticas Públicas e Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p. 87-108., p. 89), deixam claro a relevância em se trabalhar com as geotecnologias quando se trata de questões relacionadas à gestão territorial, uma vez que “[...] todo e qualquer plano de ordenamento territorial requer subsídios técnico-científicos projetados numa base geográfica e fundamentados na estrutura e dinâmicas de unidades diferenciadas, do ponto de vista ecológico, social e econômico.”.

Segundo Trevisan e Matias (2009TREVISAN, F. L.; MATIAS, L. F. O mapa da modernização nas cidades brasileiras: geotecnologias na gestão do espaço urbano. IBAM Municípios. Revista de administração municipal., Novembro/Dezembro 2009. 37-44., p. 38), as geotecnologias podem ser aplicadas para a gestão do município, em qualquer função nas diversas secretarias da Prefeitura, sempre que houver necessidade de elaborar projetos com nível gerencial ou estratégico, de modo que para se pensar nessa aplicabilidade “[...] deve-se considerar a densidade desse espaço: densidade de pessoas, de sistemas de suporte, como transporte público, infraestrutura e os serviços que as pessoas precisam e esperam.”.

As águas são um dos recursos naturais com maior enfoque dentro dos planos de gestão, e nisto muitos trabalhos apresentam o uso das geotecnologias como auxílio para o tratamento de todo e qualquer dado referente às águas. Novo (2007NOVO, E. M. L. D. M. Monitoramento de quantidade e qualidade da água e sensoriamento remoto, 2007. Disponivel em: <http://mtc-m16b.sid.inpe.br/col/sid. inpe.br/mtc-m17@80/2007/12.03.20.57/doc/3.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.
http://mtc-m16b.sid.inpe.br/col/sid. inp...
), por exemplo, utiliza-se de geotecnologias para análise da qualidade e quantidade dos recursos hídricos, a autora afirma que atualmente há um grande interesse por parte de políticos, agências ambientais, pela população e demais gestores, devido ao seu valor estratégico para o desenvolvimento econômico e social. Porém, segundo a autora, o uso das geotecnologias para obtenção de dados de qualidade e quantidade de água, ainda não é muito utilizado, pois os gestores solicitam informações em uma frequência maior de disponibilidade e em uma resolução espacial mais fina.

Por meio das geotecnologias, Cantador (2010CANTADOR, D. C. Mapeamento do uso e cobertura da terra com vistas à determinação dos riscos de contaminação de águas subterrâneas: o caso da Bacia do Rio Correntes - SC. Florianópolis: [s.n.], 2010. Monografia apresentada no Departamento de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.) buscou a aquisição de dados para a análise de possíveis áreas sujeitas à contaminação das águas subterrâneas no caso do Aquífero Guarani. Para isso, realizou mapeamento do uso da terra na bacia hidrográfica do rio Correntes (SC) e com a análise conjunta dos aspectos naturais do local, foi possível verificar quais as áreas em que havia maior possibilidade de contaminação do reservatório em questão. Para a autora esses resultados podem auxiliar planejamentos municipais, identificando as melhores localizações para a instalação de indústrias e áreas agrícolas, sendo estes os dois principais focos para a contaminação do reservatório subterrâneo.

Além de pesquisas científicas que utilizam as geotecnologias para a obtenção de informações que possam contribuir para a melhoria na gestão dos recursos hídricos, alguns gestores municipais conseguiram identificar essa tecnologia como facilitador quando se deseja espacializar informações antes mesmo de obras serem feitas, nas quais os custos são altos. Como exemplo, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) recentemente realizou uma parceria com uma empresa de geotecnologias para a realização do mapeamento de toda a rede de abastecimento de água e esgoto, com o objetivo de reunir dados para um controle maior das perdas de água, dos consertos da rede, gestão dos serviços de manutenção, entre outras utilizações (FATOR BRASIL, 2014). No estado de São Paulo há um exemplo de aplicação das geotecnologias no município de Diadema, que utilizou desse recurso para o mapeamento de sua rede de água e esgoto com o objetivo de reduzir o tempo de atendimento à população, principalmente no caso de ligação de novos clientes e manutenções na rede (ABRAHÃO, 2012ABRAHÃO, R. Diadema faz mapeamento das redes de água e esgoto. GEOeasy - Geotecnologias & Meio Ambiente, 2012. Disponivel em: <http://geoeasy.com. br/blog/?p=3243>. Acesso em: mar. 2015.
http://geoeasy.com. br/blog/?p=3243...
).

Dessa maneira fica evidente que as geotecnologias contribuem como um importante instrumento em várias áreas quando a temática é a gestão dos recursos hídricos, permitindo que da análise de dados retorne uma resposta rápida e coerente, o que para os gestores são quesitos importantes.

BASE CARTOGRÁFICA: ORGANIZAÇÃO E ELABORAÇÃO

Para obter resultados em relação à situação dos recursos hídricos em Americana, e assim verificar se as áreas que constam na legislação estão coerentes com o que se encontra de fato no município, a criação de mapas temáticos foi imprescindível para esta análise.

Assim foi elaborado, primeiramente, o mapeamento do uso da terra, tendo como base imagens do satélite ALOS (Advanced Land Observing Satellite), do sensor PRISM-2 (Panchromatic Remote-sensing instrument for Stereo Mapping), com resolução de 2,5 metros, data de passagem em 08/08/2009, obtidas junto ao IBGE (2009). A classificação do mapeamento realizado teve como base o sistema estabelecido pelo Manual Técnico de Uso da Terra do IBGE (2006). Esse sistema passou por uma adaptação realizada no grupo de pesquisa Geotecnologias Aplicadas a Gestão do Território (GEOGET), para que as classes ficassem mais coerentes com o trabalho realizado e para que esta fosse utilizada como padrão dentro das pesquisas realizadas no grupo. Assim, optou-se por continuar seguindo o padrão estabelecido pelo IBGE em subdividir uma classe maior, como por exemplo, a água, em subclasses, e, por conseguinte, em unidades, assim o último nível seria uma classificação bastante detalhada. Desse modo, o mapeamento do uso da terra, pode ser classificado em três níveis, dependendo do detalhamento que se deseja e também conforme a escala utilizada, neste trabalho utilizou-se o nível II (Quadro 1).

Para o mapeamento do uso intraurbano, também houve um trabalho em conjunto no grupo GEOGET, no qual foram mapeados todos os municípios da Região Metropolitana de Campinas. O grupo também elaborou uma metodologia e uma classificação quanto a esse mapeamento temático, que teve como parâmetros o Manual do Uso da Terra do IBGE (2006), assim como as classificações estabelecidas pela Empresa Paulista de Planejamento Urbano (EMPLASA, 2006) e do Urban Atlas (CORINE, 2000).

Com o mapeamento do uso da terra e intraurbano realizados, bem como o material de zoneamento, disponibilizado pela Prefeitura de Americana, foi possível realizar as devidas comparações entre estes temas. Para isso utilizou-se a metodologia proposta por Fonseca (2008FONSECA, M. F. Geotecnologias aplicadas ao diagnóstico do uso da terra no entorno do Reservatório de Salto Grande, município de Americana (SP), como subsídio ao planejamento territorial. Campinas: Programa de Pós Graduação em Geografia, 2008.), no qual o autor estabelece uma classificação final para o resultado obtido pela comparação (Quadro 2).

Quadro 2
Classificação utilizada para a comparação do zoneamento com os usos da terra

A diferença entre as classificações Inadequado e Conflito, está em que o primeiro se configura uma situação transitória, ou seja, apresenta-se atualmente com determinado uso diferente do proposto em lei, porém o uso no futuro pode vir a se tornar o que foi estabelecido legalmente, como exemplo, as áreas que possuem a categoria de cultivo em seu uso e podem vir a se tornar áreas residenciais. Já a segunda situação, a de Conflito, é aquela em que não há como o uso se adequar ao determinado pelo zoneamento como, por exemplo, áreas em que pela lei estão determinadas como áreas de preservação e atualmente encontram-se indústrias no local.

Para uma análise mais aprofundada da situação em que se encontram os recursos hídricos no município, o mapeamento das Áreas de Preservação Permanente (APP) foi elaborado e comparado com o uso da terra. Este mapeamento teve como base legal a Lei nº 12.651/2012 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre a proteção da vegetação, APP e as áreas de Reserva Legal, o que tornou possível a elaboração do Quadro 3, que sintetiza as informações que constam na legislação e aquelas que foram consideradas adequadas para a área de estudo deste trabalho.

Quadro 3
Parâmetros legais que definem as APP utilizados no estudo

As APP dos cursos d’água são determinadas de acordo com a largura dos rios, assim para os rios principais Atibaia, Jaguari, Piracicaba e Ribeirão Quilombo, suas respectivas larguras foram medidas com o auxílio das ortofotocartas (IGC, 2010), e para os demais cursos d’água, como são representados na carta base por linhas simples, foi adotado o valor de 30 metros, ou seja, enquadrando-os na primeira categoria da legislação. Os lagos e lagoas são determinados, conforme a legislação, de acordo com a sua localização geográfica (área urbana ou área rural), como Americana apresenta taxa de aproximadamente 99% de urbanização, considerou-se que todas as massas d’água dessa categoria se localizavam em área urbana, atribuindo o valor de 30 metros.

No caso dos reservatórios artificiais optou-se pela análise apresentada por Fonseca (2013FONSECA, M. F. Análise territorial do entorno do reservatório de Salto Grande (SP) com o uso de geoprocessamento: contribuições para usos múltiplos da água. Campinas: Tese de doutorado, 2013.), que comparou as distâncias estipuladas na Lei nº 12.651/2012, quanto da Lei nº 4.771/1975 e Resoluções CONAMA 302 e 302/2002, e assim optou pela escolha dos 100 metros, o que se mostrou mais relevante e restritiva do ponto de vista socioambiental. Para as nascentes adotou-se o estipulado pela lei, 50 metros. As APP de topo de morro e encostas têm como parâmetro a declividade do terreno, sendo que a área de estudo apresentou valores (27°) menores que o determinado pela legislação (45°), foi possível a obtenção desses valores a partir da elaboração do Modelo Digital de Elevação (MDE), em ambiente ArcGIS, utilizando as curvas de nível presentes na carta base disponibilizada pelo IGC (2002).

A determinação das áreas de APP, também foi realizada a partir da utilização do software ArcGIS, usando a função de delimitação de área equidistante (buffer), que cria um polígono no entorno dos elementos geométricos representativos de cada item (curso d’água - linha; massa d’água - polígono; nascentes - ponto), a partir da definição prévia dos valores a serem aplicados.

Com as APP mapeadas foi possível compará-las com o mapeamento do uso da terra, a fim de verificar se essas áreas estão realmente sendo preservadas ou apresentam uso irregular. Isso foi verificado ao entender que as áreas estão preservadas quando apresentam classes de uso “Floresta” ou “Campestre” e irregulares para os demais usos (Ex. Áreas urbanizadas, Cultura temporária).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A atual configuração do uso da terra de determinado território é de extrema importância para conseguir visualizar e compreender sua dinâmica, bem como obter explicações sobre seu processo histórico. Para tanto, pelo mapeamento de uso da terra para Americana (Figura 1 - Mapa de uso da terra em Americana - SP), nota-se que este é quase que em sua totalidade constituído por área urbanizada e na margem direita da represa Salto Grande é onde localizam-se os cultivos, áreas de futuras expansões urbanas.

Figura 1
Mapa de uso da terra em Americana - SP

Analisando o tamanho das áreas resultantes do mapeamento (Tabela 1) em relação a área total do município tem-se que a área correspondente ao uso urbano atinge aproximadamente 62,72 km² (47%) sendo o predominante, e o uso com menor área é a mineração com 0,40 km² (0,3%).

Tabela 1
Tamanho das áreas de uso da terra por km² e %

Além do uso da terra, outro mapeamento importante para a análise e compreensão da gestão dos recursos hídricos, foi o zoneamento do município, que está diretamente ligado com os aspectos legais e pode trazer implicações diretas para o meio ambiente, acaso essa legislação for descumprida. Na Figura 2 encontra-se o mapeamento da atual configuração do zoneamento. Na margem esquerda do Ribeirão Quilombo, nota-se o predomínio da ZM (Zona de Uso Misto), assim como uma pequena área destinada a ZMC (Zona de Uso Misto Central), esse espaço é equivalente às primeiras quando ultrapassa a rodovia, a ZR-1 (Zona Residencial ocupações urbanas. Na margem direita, até a Rodovia com lotes até 500 m²) se torna evidente, principalmente Anhanguera a predominância da ZM continua, mas no entorno da represa Salto Grande.

Figura 2
Zoneamento do município de Americana - SP

Na Tabela 2, encontram-se os valores da área de cada zona do município por km² e em porcentagem da área total. Nota-se que o valor maior corresponde as Zonas de Atividade Econômica (22,41%) e a com me nor valor as Áreas de Interesse Urbanístico (0,93%).

Tabela 2
Tamanho de áreas e porcentagem no zoneamento do município

Para que se possa ter uma análise mais con- em termos da legislação aplicada, basta realizar uma sistente em relação ao zoneamento do município, e comparação com os mapas tanto do uso da terra, principalmente se ele está surtindo o efeito desejado quanto do uso intraurbano do município (Figura 3).

Figura 3
Mapa do uso intraurbano em Americana - SP

Nota-se que o uso residencial localiza-se na área central do município, e a área comercial se encontra concentrada onde se iniciou o processo de formação de Americana. As chácaras estão localizadas próximas à represa Salto Grande, o qual foi destinado ao lazer e turismo. O que torna preocupante em relação aos recursos hídricos é a proximidade das ocupações aos leitos dos rios, atenta-se para o Ribeirão Quilombo, que nas duas margens há um intenso aglomerado urbano e poucas áreas verdes e espaços livres.

Antes de realizar a comparação do zoneamento com o uso da terra e o uso intraurbano é necessário o entendimento do que representa cada zona apresentada pelo Plano Diretor do município (2008). Desse modo, no Quadro 3 está apresentado de forma sucinta o que o Plano Diretor define para cada zona, e isto foi utilizado no momento de realizar a comparação com os usos a fim de averiguar o quão adequado está o uso e ocupação em relação ao zoneamento.

Quadro 4
Síntese das características de cada zona do município de Americana

Ao comparar o zoneamento com o uso da terra foi possível verificar quais áreas estavam dentro das classes definidas como: adequado, inadequado e conflito. Para esta comparação nota-se que a maioria dos conflitos está relacionada com o fato do uso estar classificado como área urbana e o zoneamento apresentar-se como UAV, o que provavelmente decorre do fato que no local ocorria a presença de alguma vegetação e ela foi suprimida para a construção da área urbana.

Na Figura 4 pode-se observar o local em que estes conflitos se encontram, e fica evidente que a maioria deles está presente no entorno dos cursos d’água, como é possível verificar nas margens do Ribeirão Quilombo quase que em sua totalidade e nas margens da represa Salto Grande. Isso comprova que nos locais onde deveria haver mata ciliar que auxilia na preservação dos rios, no município de Americana é quase que inexistente em maioria dos casos, mesmo com a presença de legislações que asseguram essas áreas.

Figura 4
Mapa comparativo uso da terra com o zoneamento em Americana - SP

A comparação com o uso intraurbano foi realizada com o intuito de verificar se existe conflito em relação ao zoneamento dentro da área urbana. O conflito encontrado neste caso remete a mesma situação da comparação anterior, uma vez que os locais onde o zoneamento está classificado como UAV, encontram-se áreas residenciais, áreas comerciais, ou de serviço.

Ao verificar a Figura 5 é possível notar que os conflitos novamente aparecem nas proximidades dos cursos d’água, próximo ao Ribeirão Quilombo e dos seus afluentes o córrego Pyles e o córrego Parque. Ressalta-se que, neste caso, o conflito que aparecia anteriormente no entorno da represa Salto Grande não aparece neste caso, uma vez que são poucas áreas presentes como mancha urbana neste local.

Figura 5
Mapa comparativo uso intraurbano com o zoneamento de Americana - SP

As áreas classificadas como inadequadas também merecem atenção nesta análise comparativa, em ambos os casos elas refletem ¼ da área analisada. Elas possuem forte relação com a falta de fiscalização quanto ao cumprimento efetivo da legislação existente, permitindo que sejam implantadas nessas áreas usos que não correspondem àqueles determinados por lei. No mapeamento comparativo do uso intraurbano com o zoneamento fica evidente que a maioria das áreas classificadas como inadequadas não estão localizadas próximas aos cursos d’água, o que não caracteriza problemas relacionados às questões ambientais, mas sim na fiscalização da aplicabilidade legislativa. Porém no mapa comparativo uso da terra e zoneamento, algumas áreas se apresentam próximas ao rio Piracicaba e a represa Salto Grande, mas mesmo assim não se mostram como a classificação “Conflito”, áreas menores sempre presentes ao lado de cursos d’água, sendo estas associadas principalmente as APP. Conforme a Lei nº 12.651/2012 (BRASIL, 2012) considera-se APP como:

[...] área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012, art.3º, inc. II).

Neste caso as áreas relevantes para análise foram identificadas pelas áreas de ocorrência de vegetação natural ao longo dos cursos d’água, das nascentes, dos reservatórios, lagos e lagoas, todos de acordo com os valores estipulados por lei. Assim, de acordo com o mapeamento realizado, obteve-se que as APP deveriam ocupar legalmente um total de, aproximadamente, 15,2 km², o que corresponde a 11% da área do município, sendo áreas que devem ser protegidas e preservadas. Essas áreas pertencem às categorias definidas pela presença da hidrografia, como já foi citado, cursos d’água, nascentes, reservatório, lagos e lagoas. Na Figura 6 estão mapeadas essas áreas, correspondendo respectivamente a 8% (10,7 km²) de APP de cursos d’água, 0,5% (0,7 km²) de APP de nascentes, 3% (3,53 km²) de APP dos reservatórios e 0,25% (0,33 km²) de APP dos lagos e lagoas.

Figura 6
Áreas de Preservação Permanente no município de Americana - SP

Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o município possui ao todo, aproximada mente, 9,08 km² de APP. Na Tabela 3 estão listados os locais de preservação e seus respectivos valores em área, neste caso já se nota a diferença entre os valores estipulados legalmente e aqueles considerados pela Secretaria do Meio Ambiente, o que corresponde a uma diferença de aproximadamente 6,34 km².

Tabela 3
APP em Americana segundo a Secretaria do Meio Ambiente

Para o entendimento desta diferença realizou -se a comparação com o uso da terra no município, na tentativa de verificar se essas áreas de APP correspon dem realmente ao que é exigido pela legislação. Na Figura 7 estão mapeadas estas áreas, o que é possível notar que as APP estão claramente com um déficit para a preservação, o que corresponde principalmente as áreas que permitiriam exercer papel natural de prote ção para os cursos d’água.

Figura 7
Comparação entre APP e uso da terra em Americana - SP

As análises demonstraram que do total de APP definidas legalmente (15,2 km²), 2,37 km² correspondem a classificação campestre, que é caracterizada por uma vegetação em estágio secundário de recuperação, sendo que estas áreas cumprem de forma parcial as funções das áreas de preservação. A classe floresta corresponde a um total de aproximadamente 4,57 km², felizmente o maior valor encontrado dentre a comparação realizada com os usos, e que pode ser considerada como dentro dos parâmetros definidos pela legislação. Na Tabela 4 estão os valores correspondentes, em km² e %, para cada uso da terra encontrado irregularmente nas áreas destinadas à preservação, lembrando que os valores calculados foram baseados no valor total da área de estudo, que equivale a 133,93 km².

Tabela 4
Tamanho das áreas de uso da terra presentes nas APP

Mais análises demonstram que, em relação aos cursos d’água principais, irregularidades são encontradas. Os valores das APP definidas legalmente e aquelas apresentadas pela Secretaria do Meio Ambiente se aproximam, é relevante notar que para os rios de 10m a 50m e para os rios de 50m a 200m de largura, a Secretaria apresenta um valor maior para aquele estipulado por lei. Porém, como pode ser visto na Tabela 5, ao verificar a atual situação em que se encontram as áreas de proteção permanente, para os cursos d’água, em ambos os casos, apresentam déficit de aproximadamente metade da área legal, e apenas para o reservatório encontram-se valores inferiores à metade.

Tabela 5
Análise comparativa das áreas de APP dos principais cursos d›água no município de Americana - SP

Com esses dados a respeito das APP no município fica claro afirmar que as áreas que apresentam classe “conflito” no mapeamento comparativo uso e zoneamento estão associadas a essas áreas de preservação. Isso indica que falta fiscalização e cumprimento tanto da legislação do zoneamento municipal, como também da lei nacional que define as áreas de preservação. Como visto na definição de APP pela legislação, essas áreas são importantes para a preservação e conservação dos recursos hídricos, na sua ausência as águas ficam comprometidas, o que pode resultar em diversos problemas ambientais, como a contaminação hídrica e alagamentos que prejudicam toda a população.

Sabe-se que tentar solucionar esses problemas encontrados não é fácil, porém os gestores devem estar atentos para a preservação das matas remanescentes no município. Isto pode ser realizado através de fiscalizações constantes nessas áreas, assim como solicitar relatórios ambientais coerentes e concisos no momento da implantação de algum empreendimento, seja residencial, comercial ou industrial. Sempre se atentando para o que está determinado pelo plano diretor e demais legislações existentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate neste artigo focou em que maneira as geotecnologias podem ser utilizadas pelos órgãos gestores, por exemplo, para que se possa ter uma análise mais ampla e conjunta dos problemas presentes em relação aos recursos hídricos. Com base na elaboração cartográfica, os dados mapeados, sejam qualitativos ou quantitativos, mostraram-se relevantes para dar suporte e embasar discussões sobre a área de estudo. Para que assim ocorra um trabalho efetivo primando pela preservação e conservação das águas, importante recurso natural que atualmente gera preocupações em escala mundial. Ao analisar o município de Americana e confrontando suas informações com as legislações existentes que asseguram a gestão dos recursos hídricos, é possível verificar se o local está adequado com esta gestão ou não, assim a metodologia usada poderá ser aplicada em outros casos.

As informações precisam ser relacionadas e verificadas, não se pode ter apenas um valor como base de análise quando a questão são os recursos hídricos, pois esse valor pode estar apresentando resultados satisfatórios, mas por outro lado não é isso que acontece de fato. Por isso, enfatiza-se a importância do município possuir uma atuação constante e consistente para melhoria e adequação das suas águas interiores, cobrando medidas e sugerindo propostas diante dos comitês de bacias hidrográficas, considerando que às vezes a atuação para a melhoria dos recursos hídricos está, por exemplo, na fiscalização adequada do zoneamento municipal, o que não cabe ao comitê.

O município de Americana apresentou-se como um importante estudo, na medida em que sua disponibilidade hídrica é importante para a região, porém como foi apresentado seus cursos d’água, em grande parte, que poderiam estar em uso, se encontram contaminados e comprometidos. Identificou-se que a atual situação é resultado do processo de ocupação e utilização do local, o que indica que é muito complicado voltar à situação original depois que um curso d’água já foi alterado ou prejudicado, o que também dificulta as ações dos gestores no momento atual. Mas, é imprescindível buscar reverter tal situação uma vez que os recursos hídricos são essenciais à manutenção da vida.

AGRADECIMENTOS

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por concessão de bolsa de mestrado para desenvolvimento da pesquisa - Processo 2013/10859-9.

REFERÊNCIAS

  • ABRAHÃO, R. Diadema faz mapeamento das redes de água e esgoto. GEOeasy - Geotecnologias & Meio Ambiente, 2012. Disponivel em: <http://geoeasy.com. br/blog/?p=3243>. Acesso em: mar. 2015.
    » http://geoeasy.com. br/blog/?p=3243
  • ALMEIDA, C. M. D. O diálogo entre as dimensões real e virtual do urbano. In: ALMEIDA, C. M. D.; CÂMARA, G.; MONTEIRO, A. M. V. Geoinformação em urbanismo: cidade real x cidade virtual. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. p. 19-31.
  • AMERICANA. Lei nº 4.597, de 1º de fevereiro de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de Americana/ PDDI. Americana: Prefeitura Municipal, 2008.
  • AMERICANA. Município de Americana, 2010. Disponivel em: <www.americana.sp.gov.br>. Acesso em: jul. 2013.
    » www.americana.sp.gov.br
  • BOLFE, E. L. Geotecnologias Aplicadas à Gestão dos Recursos Naturais. Anais - III Simpósio Reginal de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto. Aracaju, 25 a 27 outubro 2006. Disponivel em: <http://www.cpatc. embrapa.br/labgeo/srgsr3/artigos_pdf/Palestra/001_p. pdf>. Acesso em: 09 nov. 2013.
    » http://www.cpatc. embrapa.br/labgeo/srgsr3/artigos_pdf/Palestra/001_p. pdf
  • BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Brasília: Congresso Nacional, 2012.
  • CANTADOR, D. C. Mapeamento do uso e cobertura da terra com vistas à determinação dos riscos de contaminação de águas subterrâneas: o caso da Bacia do Rio Correntes - SC. Florianópolis: [s.n.], 2010. Monografia apresentada no Departamento de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.
  • CANTADOR, D. C. Diagnóstico da gestão dos recursos hídricos no município de Americana (SP), utilizando geotecnologias. Campinas: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Geografia - UNICAMP, 2015
  • CARVALHO, A. D. S.; MÜLLER, A. J. Políticas Públicas e Gestão Territorial: Uso de Geotecnologias na Amazônia. In: SCHERER, E.; OLIVEIRA, J. A. D. Amazônia: Políticas Públicas e Diversidade Cultural. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p. 87-108.
  • CORINE. Corine Land Cover. Belgium: G.I.M - Geographic Information Management NV, 2000.
  • EMPLASA. Mapeamento de Uso e Ocupação do Solo da Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: [s.n.], 2006.
  • FATOR BRASIL. Geotecnologia aprimora operação dos sistemas de água e esgoto da Caesb. Portal Fator Brasil, 19 junho 2014. Disponivel em: <http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia. php?not=270674>. Acesso em: mar. 2015.
    » http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia. php?not=270674
  • FONSECA, M. F. Geotecnologias aplicadas ao diagnóstico do uso da terra no entorno do Reservatório de Salto Grande, município de Americana (SP), como subsídio ao planejamento territorial. Campinas: Programa de Pós Graduação em Geografia, 2008.
  • FONSECA, M. F. Análise territorial do entorno do reservatório de Salto Grande (SP) com o uso de geoprocessamento: contribuições para usos múltiplos da água. Campinas: Tese de doutorado, 2013.
  • GENOVEZ, P. C. Indicadores territoriais de exclusão/inclusão social: geoinformação com suporte ao planejamento de políticas sociais. In: ALMEIDA, C. M. D.; CÂMARA, G.; MONTEIRO, A. M. V. Geoinformação em urbanismo: cidade real x cidade virtual. São Paulo: Oficina de textos, 2007. p. 64-85.
  • NOVO, E. M. L. D. M. Monitoramento de quantidade e qualidade da água e sensoriamento remoto, 2007. Disponivel em: <http://mtc-m16b.sid.inpe.br/col/sid. inpe.br/mtc-m17@80/2007/12.03.20.57/doc/3.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.
    » http://mtc-m16b.sid.inpe.br/col/sid. inpe.br/mtc-m17@80/2007/12.03.20.57/doc/3.pdf
  • SOUZA, M. L. D. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand, 2008. 560 p.
  • TREVISAN, F. L.; MATIAS, L. F. O mapa da modernização nas cidades brasileiras: geotecnologias na gestão do espaço urbano. IBAM Municípios. Revista de administração municipal., Novembro/Dezembro 2009. 37-44.
  • WARREN, M. S. et al. Utilização do sensoriamento remoto termal na gestão de recursos hídricos. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 07, n. n.01, p. 6582, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2016
  • Aceito
    18 Fev 2017
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br