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APLICAÇÃO DO MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO NA DISCUSSÃO DAS POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DE TERRENOS DA ZONA COSTEIRA FRENTE À OCUPAÇÃO HUMANA: ESTUDO DE CASO NO DISTRITO DE RIO VERMELHO, FLORIANÓPOLIS/SC

Application of mapping geomorphological in potentialities and limitations discussions of the human occupation on coastal zone terrains: case study in the district - Rio Vermelho Florianópolis/Santa Catarina-Brazil

RESUMO

Este trabalho analisa as características de ambientes naturais presentes no distrito de Rio Vermelho em Florianópolis/SC a partir da realização de um mapeamento geomorfológico de detalhe, permitindo avaliar a adequação da ocupação humana sobre estes ambientes. Assim, o mapa foi elaborado em escala 1:40.000 no software ArcGIS, a partir do MDT, ortofotos digitais, hillshade, interpretação de fotografias aéreas e saídas a campo. O conhecimento das características destes ambientes mostra que alguns são extremamente frágeis do ponto de vista físico e/ou ecológico e não devem receber ocupação humana de nenhuma forma, tais como o campo de dunas e a praia de Moçambique, visto que podem mudar rapidamente suas formas por serem muito dinâmicos. Enquanto outros ambientes podem constituir área de risco para a ocupação humana, como as encostas cristalinas e as rampas e planícies colúvio-aluvionares, que podem sofrer com movimentos de massa, enxurradas e fluxos torrenciais de rios. Portanto, os resultados encontrados podem servir como subsídios para diferentes formas de gestão do território no distrito do Rio Vermelho, tal como o plano diretor.

Palavras-chave:
Formas de Relevo; Ambientes Costeiros; Adequação ao uso Antrópico

ABSTRACT

This paper analyzes the characteristics of natural environments present in the district - Rio Vermelho in Florianópolis/Santa Catarina-Brazil by realization geomorphological mapping of detail, allowing to evaluate the adequacy of human occupation on these environments. The map was elaborated in scale 1:40.000 in software ArcGis using DTM (Digital Terrain Model), digital orthophoto, hillshade, interpretation of aerial photographs and field trips. The knowledge of the characteristics of these environments shows that some are extremely fragile of physical point of view and shouldn’t to receive any human occupation, such as: dunes fields and the Moçambique beach, because they can quickly change their forms for be very dynamic. While others environments may become natural hazards to the human occupation, as the crystalline slopes and the colluvial-alluvial ramps and plains that can suffer with mass movements, runoff and torrential flows of rivers. Therefore, the results found can to serve as subsidies to different types of territory management in the district of Rio Vermelho, as the urban planning.

Keywords:
Landforms; Coastal Environments; Suitability for Human use

INTRODUÇÃO

Os ambientes naturais presentes na zona costeira geralmente são frágeis e podem mudar sua estrutura e dinâmica a partir de causas naturais ou de intervenções humanas. Ambientes naturais são entendidos neste trabalho como uma combinação dinâmica de elementos climáticos, geológicos, de relevo, de solos, hidrológicos/hidrográficos e ainda organismos vivos (animais e plantas), ou seja, o meio físico e o meio biótico atuando em conjunto para estruturar cenários naturais que recebem a ocupação humana.

Na zona costeira, a grande atuação do mar e dos ventos construiu e destruiu terrenos sedimentares que se ancoravam em terrenos continentais emersos pré-existentes ao longo do tempo geológico e este tipo de ação ainda vem se desenvolvendo hoje em dia. Os terrenos criados pelo mar no período Quaternário podem estar muito longe da linha de costa atual e, por isso, não sofrer mais sua influência, contudo podem apresentar a ação de outros processos morfogenéticos. Este é o caso de extensos terraços ou planícies marinhas, alguns deles, já podem ter sido reafeiçoados pela ação dos rios e apresentarem planícies flúvio-marinhas, assim como, antigas lagoas ou lagunas podem já ter sido colmatadas e se transformado em planícies ou terraços e também ter sido retrabalhadas pela drenagem atual.

A questão é que tanto as formas criadas no passado ou aquelas ainda sendo modeladas pelo mar e/ou vento apresentam em geral grande beleza cênica e posição estratégica junto ao mar e isso motivou sua intensa ocupação humana tanto no passado como atualmente. Durante a colonização portuguesa no Brasil, ficar no litoral era mais seguro e mais próximo da metrópole, o que motivou a instalação dos primeiros núcleos de ocupação humana. Atualmente, o atrativo do litoral são as belas paisagens, a balneabilidade, as amenidades, levando a que todos desejem morar na zona costeira.

Muitos ambientes naturais costeiros apresentam degradação pelo uso e ocupação humana, como campos de dunas, praias, manguezais, lagunas e isto pode gerar problemas sociais e econômicos, ou seja, se voltar contra o próprio ser humano. Alguns ambientes, podem até desaparecer ou mudar sua forma e dinâmica. A parte física destes ambientes pode ser sensível à ocupação humana, principalmente as formas de relevo e seus processos modeladores podem ser alterados. O conhecimento destes ambientes permite uma utilização racional destes locais, bem como a sua preservação. As formas de relevo e sua dinâmica são o cenário suporte destes ambientes. Desta forma, um mapeamento geomorfológico em escala adequada pode se configurar em um instrumento para a gestão do território. Henrique e Mendes (2001HENRIQUE, W.; MENDES, I. A. Zoneamento Ambiental em Áreas Costeiras. In: GERARDI, L. H. de O; MENDES, I. A. (Orgs.). Teoria, Técnicas, Espaços e Atividades: Temas de Geografia Contemporânea. 1ed. Rio Claro: Programa de Pós-Graduação em Geografia-UNESP/Rio Claro; Associação de Geografia Teorética-AGETEO, 2001.) discutiram o uso da compartimentação geomorfológica da Ilha Comprida em São Paulo como uma base para a descrição de ambientes naturais da referida ilha e para um zoneamento de espaços mais adequados para serem utilizados pelo homem ou que deveriam ser preservados.

A cartografia geomorfológica é um importante instrumento para espacializar e representar a gênese das formas do relevo e suas relações com a estrutura geológica, considerando também a dinâmica dos processos envolvidos (CASSETI, 2005CASSETI, V. Geomorfologia. [S.l.]: [2005]. Disponível em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em: dez. de 2014
http://www.funape.org.br/geomorfologia...
). O mapeamento geomorfológico se torna uma ferramenta indispensável, servindo não somente para identificar as formas de relevo e seus processos modeladores, mas também para detectar problemas como áreas de risco e impactos ambientais, podendo ainda mostrar os locais mais adequados para ocupação humana em uma determinada região.

Atualmente, se dispõe de recursos interessantes para elaboração de mapeamento geomorfológico, tais como ferramentas de geoprocessamento e sensoriamento remoto; levantamentos de base em escala grande com geração de produtos, como modelos digitais de terreno e ortofotos digitais; também podem ser utilizadas imagens de satélite com diferentes resoluções espacial, radiométrica e espectral. Contudo, estes recursos não excluem a necessidade de levantamentos em campo.

No presente trabalho, foi realizado um mapeamento geomorfológico para discutir as potencialidades e limitações dos ambientes naturais da zona costeira presentes no distrito de Rio Vermelho, parte nordeste do município de Florianópolis, uma vez que esta localidade vem sofrendo forte pressão da urbanização. Seu território é constituído por terrenos cristalinos e sedimentares marinhos e eólicos. No distrito, vem ocorrendo o aumento do número de habitantes e de edificações e arruamentos e esta ocupação não foi acompanhada de um planejamento que considere o conhecimento das características e dinâmicas do meio natural do local.

ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo está situada entre as coordenadas UTM de 752.349m e 759.089m E e de 6.960.509m e 6.953.627m N, fuso 22 Sul. Abrange o Distrito de Rio Vermelho, no nordeste da ilha de Santa Catarina, município de Florianópolis/SC, possuindo 23 km² de extensão. O distrito é cortado a oeste pelo rio João Gualberto e a leste pelo rio Vermelho.

O nome “Rio Vermelho” deve-se a cor avermelhada do rio, sendo que esta cor é função de certas substâncias presentes nas suas águas (ZEFERINO, 2008ZEFERINO, A. C. Ingleses do Rio Vermelho: o lugar e a gente. Florianópolis: edição do autor, 2008.; LUPI e LUPI, 1990). Estas substâncias são o óxido de ferro, que chega ao rio pela drenagem dos terrenos arenosos antigos, e a matéria orgânica mal decomposta, uma vez que o rio tem pequeno gradiente e forma banhados.

O distrito do Rio Vermelho foi colonizado em meados do século XVIII por portugueses açorianos. Eles estabelecerem-se na região com base na agricultura familiar de pequenas propriedades. Nelas, os colonos cultivavam principalmente a mandioca, da qual fabricavam e comercializavam a farinha, concentrando o maior número de engenhos para este fim da ilha de Santa Catarina no século XX (LUPI e LUPI, 1990). Atualmente, encontram-se poucos engenhos no distrito e estes não são mais movidos a tração animal e sim a energia elétrica. Além da agricultura, a atividade pesqueira também era muito praticada, pois a área engloba a praia de Moçambique.

O local com o tempo deixou de ser uma zona rural para se tornar uma área de intenso parcelamento de solo a partir dos anos 1990, visto que o preço da terra era baixo. Hoje, a prática agrícola e pesqueira é pouco expressiva, predominando o turismo e o comércio a nível local.

MATERIAIS E MÉTODOS

O Mapa Geomorfológico do Rio Vermelho foi elaborado originalmente na escala 1:12.500 (posteriormente reduzido para 1:30.000) a partir da interpretação visual de fotografias aéreas impressas na escala 1.8.000 do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis e de ortofotos digitais com resolução espacial de 0,39 m da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina (SDS). Também auxiliou neste processo, a confecção e interpretação de um hillshade e de shapes de curvas de nível com diferentes equidistâncias, ambos extraídos de um MDT (Modelo Digital de Terreno). O MDT possui precisão altimétrica de 1 metro e grid com resolução espacial de 1 metro. Ele e as ortofotos digitais são produtos do aerolevantamento realizado pelo estado de Santa Catarina entre os anos de 2010 e 2013.

No software ArcGIS 10.3, o MDT foi recortado para a área de estudo e transformado para o sistema SIRGAS 2000-UTM 22S. A partir do MDT foram extraídas Curvas de Nível com equidistância de 1 e 5 metros (através da ferramenta Contour do ArcMap). A rede de drenagem e outros corpos d’água foram restituídos pela própria equipe responsável pelo aerolevantamento. Alguns rios foram traçados e/ou corrigidos para o presente trabalho a partir de interpretação visual das ortofotos digitais e do conhecimento de campo. O Hillshade (relevo sombreado) foi elaborado com a ferramenta hillshade presente na extensão 3D Analyst do ArcGIS 10.3, empregando o MDT como arquivo raster de base.

A primeira etapa da elaboração do mapa Geomorfológico foi realizar uma fotointerpretação analógica. A segunda, foi iniciar a vetorização no software ArcGIS10.3 criando dentro do ArcCatalog um Geodatabase com as diversas classes que melhor representam as formas do relevo presentes no Rio Vermelho. Elas foram transcritas em formato shapefile, como pontos, linhas e polígonos. Nesta etapa, as formas maiores foram representadas na forma de polígonos, enquanto as menores poderiam ou não ser polígonos, dependendo do seu tamanho na escala escolhida para o mapeamento. Para realizar a vetorização foi utilizada a ferramenta Editor presente no ArcMap.

Visitas a campo ajudaram a corrigir problemas da interpretação dos produtos cartográficos e na definição dos materiais constituintes das formas de relevo mapeadas, desde tipos de solos até sedimentos e mantos de alteração de rochas. Para este último fim, foram realizadas sondagens com trado manual, em um total de oito. Em cada sondagem foram descritas características como: cor, granulometria (análise visual e ao tato), materiais constituintes; posição do lençol freático, variações destas propriedades em profundidade. Com estas informações mais análises de mapas pedológicos e geológicos (escala 1:50.000) da região foi possível inferir os tipos de solos dos ambientes analisados, além de processos de alteração e de deposição de sedimentos. A profundidade das sondagens variou de acordo com os locais, porém não ultrapassou seis metros. Também foram conferidas as formações vegetais nativas e a rede hidrográfica.

As formas de relevo foram definidas de acordo com sua gênese, materiais constituintes, conjunto de processos modeladores, geometria e tamanho. Em função das formas encontradas e da escala de detalhe empregada no mapeamento, foi necessário estabelecer um agrupamento e uma hierarquização de formas de acordo com sua gênese e seus materiais constituintes. Para o conjunto de formas com gênese comum e/ou modelados sobre os mesmos materiais foi dada a denominação compartimento de relevo ou unidade de relevo, sendo que as formas individuais possíveis de individualização presentes no interior destes compartimentos foram também representadas. Por exemplo, os terrenos do terraço marinho formam um compartimento, o qual contém os cordões arenosos e as áreas alagadas. Estas últimas, ocorrem em diferentes compartimentos.

APRESESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O relevo da área de estudo é modelado sobre rochas cristalinas e sedimentos quaternários, porém há formas que estão na transição entre estes dois tipos de terrenos, as quais são as rampas e planícies colúvio-aluvionares, encontradas entre o terraço marinho e as encostas cristalinas, e as rampas de dissipação, localizadas entre as elevações cristalinas e as dunas. Quadro 1 e Figura 1.

Quadro 1
Compartimentos e formas de relevo do distrito do Rio Vermelho, Florianópolis/SC

Figura 1
Mapa Geomorfológico do Rio Vermelho - Florianópolis/SC

Essas formas e feições do relevo são influenciadas pelas litologias e estruturas geológicas e influenciam os processos erosivos e deposicionais e os aspectos hidrológicos, assim como os tipos de solo e de cobertura vegetal nativa. As formas de relevo são o resultado e ao mesmo tempo o condicionante dos processos geomorfológicos. A ocupação humana usa as formas de relevo como substrato e como recurso e, em alguns casos, pode causar degradação ambiental por mudanças na geometria da forma e/ou alteração na atuação dos seus processos erosivo-deposicionais ou ainda modificações nos solos e ecossistemas instalados nelas.

Morros e Montanhas: Elevações Cristalinas

As elevações cristalinas representam terrenos com alto grau de dissecação e se encontram ao longo do limite oeste da área de estudo e de forma isolada também ocorrem no seu extremo nordeste, constituindo o maciço do “Morro das Aranhas”. Elas são modeladas em rochas graníticas (sienogranitos e monzogranitos), cortadas por diques de diabásio com espessuras e tamanhos diferentes (CARUSO JÚNIOR, 1993), contudo há afloramento de migmatitos no maciço do “Morro das Aranhas” (TOMAZOLLI e PELLERIN, 2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-UFSC, 2014.). Estas elevações se apresentam na forma de morros e montanhas, segundo HERRMANN e ROSA (1991HERRMANN, M. L. P.; ROSA, R. O. Geomorfologia. In: Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis, IPUF/IBGE, 1991.). As altitudes variam de 95m a 435m, no Morro do Sertão.

Os topos dos morros e montanhas são convexos ou angulosos, entretanto também há um divisor em forma de crista, onde Tomazolli e Pellerin (2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-UFSC, 2014.) identificaram um dique de natureza intermediária. As encostas são predominantemente retilíneas com grande declividade, contudo foram identificados ombreiras e anfiteatros que apresentam declividades mais suaves inseridos nelas. A declividade acentuada e a resistência das rochas graníticas influenciam a formação de solos rasos, tipo Neossolo litólico e Cambissolo. Também podem ocorrer Argissolos nas áreas menos declivosas.

Apesar de o solo ser raso, há uma densa cobertura vegetal da Floresta Ombrófila Densa presente nas elevações em função do clima com chuvas abundantes e bem distribuídas, o que facilita o processo de infiltração, tornando raro o escoamento superficial e o salpicamento. Os rios presentes nas encostas podem apresentar fluxos torrenciais em períodos de precipitações intensas por causa das declividades e dos solos rasos. Por outro lado, o solo pouco desenvolvido diminui a probabilidade de ocorrência de movimentos de massa do tipo deslizamentos, mas torna possível a ocorrência de corridas de detritos e quedas e rolamentos de blocos, caso seja retirada a cobertura vegetal.

A presença da mata nestes morros e montanhas ainda é predominante e assim deve permanecer, contudo, já há casos de construção de residências no terço inferior destas elevações, levando a necessidade de realização de cortes nas encostas, o que aumenta o perigo de ocorrência de movimentos de massa. Além disso, a manutenção da cobertura vegetal atual permite maior infiltração da água da chuva e o abastecimento do aquífero fraturado presente nestas elevações graníticas e, consequentemente, das nascentes e rios de primeira ordem que derivam delas. Além disso, a maior infiltração impede a formação de cheias nos rios que descem as encostas.

Rampas e Planície Colúvio-Aluvionares

Estas formas de relevo apresentam uma configuração de rampas nos sopés das elevações cristalinas ou de planícies pouco extensas encaixadas entre os morros e montanhas, como é o caso da planície coluvio-aluvionar mapeada a sudoeste. As rampas e as planícies coluvio-aluvionares são modeladas sobre depósitos de sedimentos provenientes de encostas sob ação de enxurradas, deslizamentos e corridas de detritos e, por isso, estes sedimentos são pouco selecionados. Estes sedimentos podem ser retrabalhados pelos rios que descem as encostas, produzindo assim depósitos de sedimentos aluviais, que são melhor selecionados.

Os depósitos constituídos por grãos mal selecionados podem apresentar boa permeabilidade, transformando-os em aquíferos, como foi observado nas sondagens, pois havia a presença do lençol freático. Ademais, a posição desses depósitos, no sopé das elevações, favorece o abastecimento do aquífero, pois recebe o escoamento superficial e subterrâneo proveniente das encostas.

Os solos presentes nestas formas de relevo são pouco desenvolvidos em virtude da dinâmica de sucessivas deposições de sedimentos. Algumas vezes, é possível encontrar horizontes A enterrados, como foi observado em campo. Desta forma, o tipo de solo mais comum nestes locais é o Cambissolo com textura grossa. Também é possível ocorrer horizontes Glei ou Plíntico em função da presença do lençol freático próximo da superfície e de sua oscilação sazonal, fato atestado pelas sondagens feitas neste compartimento de relevo.

Esta é uma área muito utilizada para pastagens plantadas e já há ocupação por edificações (residências), o que não é adequado, pois estas são formas de relevo criadas pela chegada de fluxos de água e sedimentos, como indica seus materiais constituintes. As atividades agrícolas também não são aconselhadas ali, pois além do solo não ser adequado, aumentaria os processos de erosão pluvial, como o splash e o escoamento superficial, uma vez que são superfícies rampeadas.

Rampas de Dissipação

As Rampas de Dissipação são formas localizadas nos sopés das elevações cristalinas constituídas por depósitos eólicos que acabam contaminados com os sedimentos que descem das encostas, ou seja, há predominância de areia eólica, mas há grânulos e sedimentos siltosos e argilosos provenientes da alteração das rochas cristalinas. As elevações cristalinas serviram no passado de anteparo ao fluxo do vento carregado de sedimentos. Atualmente, este processo não está mais ativo, salvo no maciço do Morro das Aranhas que ainda se encontra junto à linha do litoral.

Na localidade de Muquém, são observadas elevações de dunas fósseis (Figura 2), onde o sedimento arenoso apresenta cor castanha em função da presença de finos, o que lhe dá coesão, conforme observado em campo. Estas dunas tiveram sua cobertura vegetal nativa de restinga substituída por pastagem plantadas. Nelas, há feições de terracetes por causa do pisoteio do gado, indicando instabilidade erosiva.

Figura 2
Duna fóssil no compartimento Rampa de Dissipação

As rampas de dissipação presentes na localidade de Muquém são densamente ocupadas por moradias, arruamentos e pastagens, com poucos vestígios de cobertura vegetal nativa e a presença de alguns pontos com o solo arenoso exposto. O solo desenvolvido nestas formas é o Neossolo Quartzarênico de acordo com as sondagens feitas em campo e com o mapeamento realizado por Sommer e Rosatelli (1991SOMMER, S; ROSATELLI, J. S. Solos. In: Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis, IPUF/IBGE, 1991.). A textura predominantemente arenosa deste compartimento associada às formas rampeadas dos terrenos representam suscetibilidade a erosão pela chuva. O solo exposto ou os sedimentos depositados pelo processo pluvial também podem ser mobilizados pelo vento.

Nas áreas de construções e pavimentações, a água da chuva não consegue infiltrar, o que potencializa o escoamento superficial. Enquanto, nas áreas com solo exposto, esta pode ser a fonte de sedimentos mobilizados pelo vento, os quais podem atingir os moradores locais.

Em relação à rampa de dissipação situada na base do maciço das Aranhas, esta não apresenta ocupação e se mantém com cobertura vegetal nativa, a vegetação de restinga. Este local deve permanecer sem uso ou ocupação humana, pois a retirada da vegetação provocaria intensa remobilização dos sedimentos pela ação do vento e do escoamento superficial que desce as encostas cristalinas, podendo criar ravinas e voçorocas. Planície Flúvio-Marinha do Rio João Gualberto

Esta planície está situada a oeste na área de estudo, entre as rampas e planícies colúvio-aluvionares e o terraço marinho (Figura 3), e ela é drenada em grande parte pelo rio João Gualberto. No entanto, existem algumas partes desta planície que ficam praticamente isoladas pelo avanço das elevações até o contato com o terraço marinho, por isso, foram feitos canais de drenagem artificiais nelas.

Figura 3
Planície Flúvio-Marinha do rio João Gualberto

A Planície flúvio-marinha é formada por processos de sedimentação marinha, eólica e ainda por sedimentos provenientes de processos nas encostas, como movimentos de massa e escoamento superficial, sendo que estes materiais sofreram posteriormente retrabalhamento fluvial. Em função dessas diferentes origens, a granulometria se torna mal selecionada. Os solos são profundos, com lençol freático junto da superfície e apresentam textura ora mais arenosa (Neossolos Quartzarênicos Hidromórficos) no contato com o terraço marinho, ora mais argilo-siltosa (Gleissolos) no contato com a planície colúvio-aluvionar, de acordo com as observações realizadas em campo e com o mapeamento de Sommer e Rosatelli (1991SOMMER, S; ROSATELLI, J. S. Solos. In: Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis, IPUF/IBGE, 1991.).

É uma área naturalmente sujeita a inundações, e, no interior desta planície, há diversas áreas úmidas, constituídas por braços de canais abandonados e por afloramentos do lençol em terrenos mais baixos. Estas áreas formavam banhados em épocas de muitas precipitações. Em função disso, para prevenir inundações e alagamentos foram abertos diversos canais artificiais para drenar as águas até o rio João Gualberto e dele para a Lagoa da Conceição. O que se torna preocupante, pois dessa forma, o gradiente dos cursos d’água aumenta, o lençol freático rebaixa e os solos naturalmente encharcados secam, modificando sua natureza. Além disso, a vegetação nativa de influência fluvial (com porte herbáceo) foi descaracterizada ao longo do tempo por essas obras de drenagem, como também pelo desmatamento e uso por pastagens.

A ocupação por moradias ou outro tipo de edificações na planície é desaconselhada pela necessidade de aterros sobre terrenos moles que leva a recalques e pelo perigo de inundações e/ou alagamentos. O uso para criação extensiva de gado como vem ocorrendo desde a colonização açoriana não se mostra muito preocupante do ponto de vista de degradação deste ambiente, que já se encontra descaracterizado pelas obras de drenagem.

Planícies Flúvio-Lagunares

A área de estudo apresenta duas planícies flúvio-lagunares, situadas ao sul na área de estudo, sendo que uma delas circunda o extremo norte da Lagoa da Conceição. As altitudes estão em torno de 1 a 2m (tendo apenas alguns pontos com 3 a 6m).

A planície flúvio-lagunar maior (Figura 4) é uma área pantanosa, pois o lençol freático está muito próximo da superfície. Ela pode ser o resultado do evento trans-regressivo do Holoceno descrito por Caruso Júnior (1993). Este evento criou um corpo d’água que atualmente está em processo de colmatação pela chegada de sedimentos eólicos e fluviais. A fonte dos sedimentos eólicos é o campo de dunas próximo. Esta planície era um ambiente completamente alagado, entretanto, de acordo com Heberle et al (2013HEBERLE, D. A.; MARIMON, M. P. C.; LUIZ, E. L. Unidades de conservação em zonas metropolitanas: origem e perspectivas futuras do Parque Estadual do Rio Vermelho, Florianópolis/SC. In: DIAS, V. L. N. (Org.). Cadernos do observatório da grande Florianópolis do PET de Geografia. 1ed. Florianópolis: Insular, 2013.), o processo de secamento desta planície foi acelerado por obras de drenagem na década de 1960 para criação de uma estação de plantio de árvores exóticas ao sul da área de estudo. Esta obra de drenagem ligou o rio Vermelho que desaguava nesta planície até a Lagoa da Conceição situada mais ao sul.

Figura 4
Planície flúvio-lagunar maior

A drenagem dos terrenos descaracterizou os solos locais [Espodossolos, Neossoloso Quartzarênicos hidromórficos e Organossolos, de acordo com Heberle (2011HEBERLE, D. A. Heterogeneidade Ambiental do Parque Estadual do Rio Vermelho, Florianópolis - SC. 2011. Dissertação Mestrado. UDESC. Florianópolis, 2011.)], pois diminuiu o nível do lençol freático. Desta forma, a matéria orgânica, que antes estava retida no ambiente alagado, é liberada pela drenagem dos canais, o que torna suas águas castanhas. O uso atual deste ambiente é predominantemente de pastagens para o gado, contudo, ele ainda fica alagado em episódios de precipitações intensas. Nesse sentido, a planície não deveria ser ocupada por causa dos fenômenos de inundação e alagamento. Os aterros e as obras de drenagem já executadas destruíram os solos e os ecossistemas de banhado que haviam ali.

A outra planície flúvio-lagunar tem sua origem no rebaixamento e assoreamento da Lagoa da Conceição no seu extremo norte. Este assoreamento ocorreu em função dos sedimentos transportados pelos rios que descem as encostas das elevações adjacentes à lagoa e também por sedimentos depositados por correntes lagunares. Atualmente, há casas e arruamentos neste local, as quais têm problemas de alagamentos e inundações.

Depreende-se, portanto, que as planícies flúvio-lagunares são áreas constantemente sujeitas à inundação, pois além de serem áreas mais baixas do que seu entorno e possuírem o lençol freático próximo à superfície, recebem grande quantidade de água das encostas e da subida da maré na lagoa. Essas áreas servem para armazenar água e drenar lentamente após as chuvas (área tampão de inundações), abastecendo o lençol freático. Logo, não são propícias para ocupação.

Entre as elevações cristalinas e a planície flúvio-lagunar, localizada ao norte da Lagoa da Conceição, ocorre um terraço lagunar. Este se originou da chegada de sedimentos provenientes das encostas sobre a planície flúvio-lagunar, aumentando o nível desta em decorrência da grande deposição. Além disso, é possível que o terraço também seja resultado do rebaixamento do nível da lagoa.

O terraço lagunar da área de estudo não é propício para ocupação humana, visto ser extremamente úmido, pois os solos (gleissolos) são encharcados pela presença do lençol freático junto à superfície. A umidade também está relacionada com o contato do limite leste do terraço com o rio João Gualberto, assim como também com os rios que descem as encostas cristalinas adjacentes. Estes ainda, em momentos de precipitações intensas, podem apresentar fluxos torrenciais, portanto o grande volume e a velocidade dos rios afetariam a ocupação humana sobre o terraço.

Terraço Marinho com Retrabalhamento Eólico mais Plano

Este terraço marinho é constituído por cordões arenosos litorâneos formados por movimentos trans -regressivos do nível relativo do mar ocorridos durante o Pleistoceno há 120.000 A.P. (CARUSO JÚNIOR, 1993). O autor explica que durante a regressão marinha foi sendo construída uma sequência de cordões arenosos, desenvolvendo assim o terraço quando o nível do mar ficou mais baixo do que a altitude média destes cordões. Posteriormente, um campo de dunas se desenvolveu sobre ele. Com o avanço da regressão marinha no Holoceno, este campo de dunas foi abandonado, porém restam feições que evidenciam esta situação, como pequenas elevações alongadas e alinhadas (cordões arenosos no mapa) no limite oeste desta unidade que poderiam ser antigas dunas longitudinais. Além disso, esta área é constituída por areia de granulometria média a fina de origem eólica com coloração entre amarelo e marrom, por estar impregnada com ácidos húmicos e óxidos de ferro (CARUSO JÚNIOR, 1993).

Ao longo do terraço, assim como na maior parte da área de estudo, há uma diminuição das altitudes de sul para norte, com valores variando de 25 a 30 metros ao norte para 10 a 5 metros ao sul (entre a Lagoa da Conceição e a planície flúvio-lagunar).

O terraço marinho apresenta algumas áreas úmidas com pouca profundidade, as quais podem ser resultado da rede de drenagem atual dissecando-o, visto que quase todas elas estão situadas em cabeceiras ou em alguns trechos de rios. Contudo, estas áreas úmidas podem estar relacionadas com a dinâmica do lençol freático da área de estudo aflorando em depressões originais do terreno, como, por exemplo, em antigas bacias de deflação. Entre as elevações arenosas alongadas citadas anteriormente, há também áreas úmidas alinhadas com elas.

Sobre esta forma de relevo se desenvolvem Neossolos Quartzarênicos, porém em sondagens, foi observado a presença de um incipiente horizonte B com maior impregnação de óxidos de ferro e ácidos húmicos em torno de 15cm de profundidade. Este solo foi muito utilizado para cultivos, principalmente de mandioca, ou usado para pastagens. A vegetação original de restinga foi removida já no povoamento dos colonos açorianos no século XVIII, mas há trechos na área com presença de estágios de regeneração. Esta unidade apresenta superfície plana, solos bem drenados e altitude superior em relação às planícies ao seu entorno, por isso, foi a mais propícia para ocupação no Rio Vermelho. Atualmente, é também a mais urbanizada, com inúmeras edificações e arruamentos.

Em momentos de chuvas intensas e/ou contínuas, as ruas presentes sobre o terraço condicionam alterações no caminho natural do escoamento superficial, gerando padrões de drenagem que não existiam antes. As pavimentações e construções diminuem a capacidade de infiltração, o que potencializa o escoamento superficial e a possibilidade de erosão. A presença de solo exposto em função da abertura de loteamentos ou do manejo agrícola torna o terreno suscetível à erosão eólica e ao escoamento superficial.

Os solos do terraço (Neossolos Quartzarênicos) são arenosos e por isso possuem alta permeabilidade. Em função disso, as fossas sépticas das edificações podem estar contaminando o lençol freático. Percebe-se, portanto, a necessidade da implantação de um sistema de coleta e tratamento de esgotos no distrito, o que não existe atualmente.

Terraço Marinho com Retrabalhamento Eólico Ondulado

Esta unidade se encontra ao norte na área de estudo e no limite leste com o atual campo de dunas (Figura 5). Aqui as cotas altimétricas são maiores que o terraço mais plano e em sua superfície são encontradas elevações em forma de colinas suaves, antigas dunas, hoje estabilizadas. Sobre esta unidade também se desenvolvem Neossolos Quartzarênicos, com incipiente formação de horizonte B em alguns pontos.

Figura 5
Terraço marinho com retrabalhamento eólico ondulado

Esta área apresenta a incisão por rios que nascem no terraço e drenam para a planície do rio Vermelho. Dois desses rios têm nascentes difusas que formam áreas alagadas sobre o terraço. O contato entre este terraço e a planície do rio Vermelho é marcado por desníveis acentuados, formando rupturas de declive. Os dois terraços marinhos com retrabalhamento eólico são ao mesmo tempo área de recarga (áreas mais altas) e descarga (áreas úmidas mais rebaixadas) do aquífero por sua constituição arenosa, contudo, também por isso são áreas muito vulneráveis a contaminação das águas pela ocupação humana no local.

Como no terraço marinho mais plano, esta unidade apresentava originalmente vegetação de restinga, contudo, sua cobertura atual é composta principalmente por pastagens plantadas ou capões de árvores exóticas, com algumas áreas de regeneração da restinga. Edificações e arruamentos começam a ser observados nesta unidade de relevo. O terraço marinho ondulado é formado por terrenos mais altos e secos, sendo propício para ocupação humana, entretanto, apresenta uma superfície mais movimentada, desta forma, é mais vulnerável à atuação do vento e das águas correntes caso apresente solo exposto.

Planície Flúvio-Marinha do Rio Vermelho

Esta planície está localizada no contato entre o terraço marinho e o campo de dunas. Nela, o rio Vermelho escoa com baixo gradiente, pois os terrenos estão praticamente ao nível do mar, e o lençol freático está praticamente na superfície, criando um banhado (ambiente lêntico). Ela apresenta um formato alongado no sentido nordeste-sudoeste, entretanto, em um determinado trecho, avança sobre o terraço marinho, seguindo o leito de dois afluentes que nascem nos terrenos mais altos. O rio apresenta padrão de canal meândrico e possui poucos afluentes.

A planície do rio Vermelho é constituída por sedimentos marinhos retrabalhados por ação fluvial e, como se encontra ao lado do campo de dunas, é também assoreada por sedimentos eólicos. Como é um ambiente alagado também possui acúmulo de matéria orgânica, proveniente da cobertura de vegetação nativa do tipo pioneira de influência fluvial, constituída principalmente por gramíneas e pequenos arbustos.

Esta planície se mantém relativamente bem preservada, contudo há projetos de dragagens e a construção de canais ligando as áreas úmidas presentes sobre o terraço marinho mais plano com esta planície, pois estas áreas úmidas são responsáveis pelo alagamento de residências e vias em episódios de chuvas continuadas. Esta ligação pode provocar a contaminação da planície, além disso, os projetos de dragagem previsto para o rio Vermelho podem aumentar o gradiente do rio e descaracterizar o ambiente lêntico desta área. A planície já sofreu uma intervenção na metade do século XX, quando o curso do rio Vermelho foi aumentado (Heberle et al, 2013HEBERLE, D. A.; MARIMON, M. P. C.; LUIZ, E. L. Unidades de conservação em zonas metropolitanas: origem e perspectivas futuras do Parque Estadual do Rio Vermelho, Florianópolis/SC. In: DIAS, V. L. N. (Org.). Cadernos do observatório da grande Florianópolis do PET de Geografia. 1ed. Florianópolis: Insular, 2013.). Este tinha sua foz sobre a planície flúvio-lagunar, mas a mesma foi drenada por canais e o rio Vermelho teve seu perfil longitudinal ampliado por meio de uma canalização que atravessou esta planície, para desaguar na Lagoa da Conceição.

Campo de Dunas do Moçambique

O campo de dunas do Moçambique, como é denominado, está situado ao longo da margem leste da área de estudo, sendo mais largo ao norte do que ao sul (Figura 6). Ele é constituído por sedimentos arenosos bem selecionados, arredondados, foscos e de cores claras de origem eólica (COITINHO e FREIRE, 1991COITINHO, J. B. L.; FREIRE, F. A. Geologia. In: Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis, IPUF/IBGE, 1991.). Há mudanças das feições presentes no campo de dunas de leste para oeste: no extremo oeste, as dunas apresentam em torno de 35 a 45m de altitude, diminuindo em direção a leste, junto da praia de Moçambique, onde as altitudes variam em média de 10 a 5m. Existem dunas longitudinais a oeste, alinhadas na direção dos ventos predominantes, o nordeste e o sul.

Figura 6
Campo de dunas do Moçambique

O extremo oeste do campo de dunas é marcado por acentuados desníveis no contato com as outras formas de relevo, apresentando densa cobertura vegetal de restinga arbustiva e arbórea em quase todo este trecho, o que é consequência da proteção dos ventos atuais. Em direção ao interior do campo, as dunas são móveis, sendo este o setor mais ativo e onde são encontradas dunas transversais e parabólicas, além de bacias de deflação e depressões interdunares. As dunas móveis também aparecem em contato com a rampa de dissipação, no sopé do morro das Aranhas, no setor norte do campo.

No setor central do campo de dunas, os terrenos são mais baixos com densa cobertura vegetal de restinga arbustiva e arbórea, o que indica pequena ação do vento neste trecho. No extremo leste, os terrenos são ainda mais baixos, com bacias de deflação, depressões interdunares e vegetação de porte herbáceo, indicando a mobilização de sedimentos para o interior do campo e a não reposição de mais sedimentos.

O campo de dunas do Rio Vermelho é um ambiente protegido, pois faz parte do Parque Estadual do Rio vermelho, no entanto, no seu interior existem diversas trilhas e/ou caminhos feitos pelas pessoas para chegar à praia do Moçambique. A constante utilização das trilhas destrói a vegetação fixadora das dunas, podendo inclusive impedir que a vegetação se regenere, tornando a condição permanente, pois permite ação eólica. Além disso, o intenso trânsito de pessoas compacta a areia, dificultando a infiltração, o que diminui o abastecimento do aquífero formado por este campo de dunas. Também, pode ocorrer o aprofundamento das trilhas e a concentração do escoamento da água da chuva, levando a formação de sulcos de erosão, como ravinas e/ou voçorocas.

Uma medida mitigadora para essa interferência humana sobre o campo de dunas seria o uso de trilhas de madeira suspensas e colocadas apenas em trajetos estratégicos. Além disso, é possível aconselhar as pessoas, através de placas, a sempre caminhar pelas mesmas trilhas para não criar novos caminhos.

Praia de Moçambique

A praia do Moçambique está situada no leste da área de estudo, sendo a mais extensa da ilha de Santa Catarina. Ela apresenta forma côncava, além de ser relativamente plana com declividades suaves. Segundo Abreu (2011ABREU, J.J. Transporte sedimentar longitudinal e morfodinâmica praial: exemplo do litoral de Santa Catarina. 2011. Tese Doutorado. Florianópolis: UFSC, 2011.), esta praia apresenta forma planimétrica de enseada, pois é delimitada em suas extremidades por blocos do embasamento rochoso. De acordo com Coitinho e Freire (1991COITINHO, J. B. L.; FREIRE, F. A. Geologia. In: Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis, IPUF/IBGE, 1991.), a praia é formada por cordões de areias bem selecionadas de cores claras, de origem marinha depositados no período atual.

Ao longo da praia do Moçambique, o seu comportamento morfodinâmico e perfil praial variam, em decorrência do grau e energia das ondas e do tamanho dos grãos (MIOT, 2006). De acordo com a autora, o norte da praia do Moçambique é primariamente dissipativo, pois está mais exposto a energia das ondas (provenientes de sul). Em decorrência dessa alta energia, este trecho é formado por uma grande quantidade de sedimentos finos, o que torna o seu perfil mais plano e suave (MIOT, 2006). Peixoto (2005PEIXOTO, J. R. V. Análise morfossedimentar da Praia do Santinho e sua relação com a estrutura e dinâmica da vegetação pioneira da duna frontal, Ilha de Santa Catarina, Brasil. Dissertação de Mestrado, Florianópolis: UFSC, 2005.) complementa que através do sistema de alta energia de onda, o potencial de suprimento sedimentar tende a aumentar, o que torna as dunas frontais altas e largas neste setor. Por outro lado, a região central da praia do Moçambique (no sul da área de estudo) é morfodinamicamente intermediária, estreita, íngreme, móvel e composta por sedimentos mais grossos (MIOT, 2006).

A praia do Moçambique atualmente está bem preservada, não apresentando nenhum tipo de ocupação humana e ainda faz parte do Parque Estadual do Rio Vermelho. Castilhos (1995CASTILHOS, J.J.A. Estudo evolutivo, sedimentológico e morfodinâmico da planície costeira e praia da Armação - Ilha de Santa Catarina, SC. Dissertação Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1995., p. 83) coloca que “os ambientes praiais são os que respondem mais rapidamente às perturbações introduzidas, sejam elas de ordem natural ou relacionadas à ocupação”. Além disso, existe a estreita relação entre a antepraia, a praia e as dunas frontais, controladas pelo balanço sedimentar local, uma vez que os sedimentos praiais são conduzidos da antepraia para a praia, onde, mobilizados pelos ventos, podem alimentar a construção de uma duna frontal (CASTILHOS, 1995CASTILHOS, J.J.A. Estudo evolutivo, sedimentológico e morfodinâmico da planície costeira e praia da Armação - Ilha de Santa Catarina, SC. Dissertação Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1995.), assim como esta pode posteriormente abastecer com sedimentos a praia. É comum esta praia sofrer ressacas que provocam a erosão da duna frontal; desta maneira, configura-se em um ambiente extremamente dinâmico.

CONCLUSÕES

O mapeamento geomorfológico de detalhe permitiu individualizar ambientes naturais com estruturas e dinâmicas próprias no distrito de rio Vermelho em Florianópolis/SC. O conhecimento das características destes ambientes mostra que alguns são extremamente frágeis do ponto de vista físico e/ou ecológico e não devem receber ocupação humana de nenhuma forma, tais como o campo de dunas e a praia de Moçambique, pois eles podem mudar rapidamente suas formas já que são muito dinâmicos. A planície do rio Vermelho é um ecossistema de banhado que também é frágil e qualquer modificação no gradiente de escoamento das águas, muda seu status de ambiente lêntico para lótico, o que provoca o rebaixamento do lençol com mudança do solo e dos organismos vivos que ali estão.

Outros ambientes podem constituir área de risco para a ocupação humana, como as encostas cristalinas e as rampas e planície colúvio-aluvionares, que sofrem atuação de movimentos de massa, enxurradas e fluxos torrenciais de rios. Ainda, as rampas e planícies colúvio-aluvionares são locais de chegada de sedimentos, como comprova os materiais onde são modeladas. A planície do rio João Gualberto e as planícies flúvio-lagunares podem receber ocupação humana desde que esteja adaptada aos episódios de inundação e alagamento e a presença do lençol freático junto da superfície. Os colonos açorianos usavam estes locais para criação de gado, pois se houvesse inundações era só retirá-lo para as terras mais altas.

Dadas as características dos compartimentos de relevo mapeados, os terrenos que apresentam a maior intensidade de ocupação humana atualmente e também no passado, são as rampas de dissipação na localidade de Muquém e os terraços marinhos mais plano e ondulado, pois são terrenos mais altos e menos inclinados. Isto evidencia que historicamente, os nativos aprenderam a conhecer os lugares em que viviam. A questão é que novos moradores estão chegando e as áreas mais propícias à ocupação, especialmente por moradias, já foram utilizadas, restando as áreas problemáticas discutidas no presente trabalho. Mesmo nos terraços, existem as áreas úmidas, as quais já tem pessoas morando. Em 1983, quando choveu muito, estas áreas foram alagadas e ficaram assim por meses e não houve problemas maiores porque elas eram ocupadas por pastagens. Entretanto, em 2011, um novo episódio de alagamento ocorreu e atingiu muitas residências, ou seja, o uso da terra havia mudado.

A presente pesquisa demonstrou ser interessante a elaboração de mapeamento geomorfológico de detalhe para analisar as características de ambientes naturais, permitindo avaliar a adequação da ocupação humana sobre estes ambientes. Os resultados encontrados também podem servir como subsídios para diferentes formas de gestão do território no distrito do Rio Vermelho, como a avaliação de impactos ambientais, a gestão de riscos, a gestão de recursos hídricos, bem como para o planejamento urbano.

Deve-se ressaltar ainda o uso de geotecnologias em ambiente SIG e dos produtos do aerolevantamento do estado de Santa Catarina, como o modelo digital de terreno e as ortofotos digitais, ambos com grande precisão, na confecção do mapa-base e do mapa geomorfológico, o que melhorou muito a eficiência e a qualidade do trabalho aqui realizado.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2016
  • Aceito
    18 Fev 2017
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