Resumos
No século XIX, ocorre um significativo aumento nas viagens, especialmente devido à inovação na tecnologia dos meios de transporte. Esse desenvolvimento é acompanhado pela produção e pelo consumo de literatura relacionada ao tema. Igualmente na literatura contemporânea os relatos de viagens são recorrentes. O presente artigo tem como objetivo abordar as reportagens e os relatos que compõem Der gelbe Bleistift (O lápis amarelo), do autor suíço Christian Kracht, fazendo um contraponto com a literatura de viagem do século XIX. A literatura de viagem ao longo dos séculos não perdeu seu fascínio, contribuindo para ampliar os horizontes dos leitores, mas também para que eles questionem seus próprios valores sob a perspectiva de um olhar distanciado de sua realidade.
Literatura de viagem; narrador; intertextualidade; busca do paraíso
In the XIX century, occurs a significant increase in the trips, especially due to the innovation in technology of the means of transportation. That development is followed by the production and by the consumption of literature related to the theme. Likewise in the contemporary literature the travelogues are recurring. The present article aims to approach the reports and stories that compose Der gelbe Bleistift (The yellow pencil), by the swiss author Christian Kracht, making a counterpoint with the travel literature of the XIX century. Among the centuries travel literature didn't lose it's fascination, contributing to enlarge the horizons of the readers, but also to question their own values under a perspective of a detached look of their own reality.
Travel literature; narrator; intertextuality; search of paradise
Introdução
Seja em busca do paraíso, seja em busca de novos conhecimentos sobre usos e costumes de outros povos e suas formas de vida, seja de novas emoções, ou na busca de si mesmo ou da felicidade pessoal, existem muitos motivos para empreender uma viagem. Além disso, ela pode servir para ampliar o horizonte profissional, proporcionar o simples entretenimento e o prazer estético, pois tratando-se de viagens "o horizonte ideal abarca também necessariamente as artes plásticas, a literatura e o teatro do país estrangeiro, o campo das musas, portanto."2 2 As traduções do alemão foram feitas pela autora. (SAUTERMEISTER 1998: 128SAUTERMEISTER, Gerd, 'Reiseliteratur als Ausdruck der Epoche' , em Sautermeister, Gerd, e Schmid, U,. (Ed.) Zwischen Revolution und Restauration 1815-1848. München: DTV, 1998 pág. 116-150. .)3 3 "[...] (denn) der ideelle Horizont umfaßt zwangslos auch die bildenden Künste, die Literatur und das Theater eines fremden Landes, das Feld der Muse also." (128). .
Analisando relatos de viagens do século XIX, observa-se que especialmente a partir dos anos vinte daquele século, quando se fala em uma "quase epidemia de viagens" [fast epidemieartige Reiselust] (SAUTERMEISTER 1998: 116SAUTERMEISTER, Gerd, 'Reiseliteratur als Ausdruck der Epoche' , em Sautermeister, Gerd, e Schmid, U,. (Ed.) Zwischen Revolution und Restauration 1815-1848. München: DTV, 1998 pág. 116-150. .), estas são acompanhadas de uma produção literária importante. O desenvolvimento do transporte fluvial e ferroviário traz consigo novos conceitos no que se refere a tempo e espaço. As possibilidades de deslocamento mais rápido e a redução das distâncias causam estranhamento e, simultaneamente, incrementam a literatura de viagens. Guias de viagem trazem informações que vão desde meios de transporte, passaportes, hotéis, cidades balneárias, gorjetas, produção de vinhos, atrações turísticas em geral, e dão um grande impulso ao mercado livreiro. Os novos conhecimentos tecnológicos relacionados à Revolução Industrial, especialmente na Inglaterra, permitem o uso de novas técnicas de impressão, principalmente de gravuras, tornando os livros mais atraentes. Gerd Sautermeister afirma que, em princípio, esta literatura coloca em primeiro plano a realidade dos lugares visitados, mas que elementos ficcionais como sagas, lendas e poesias, mesmo que subordinados a esta realidade, são encontrados com frequência nos textos da época (1998: 116-138).
Segundo a análise de Ette, na literatura de viagem, fenômenos culturalmente diversos são mostrados e inseridos no texto literário, estética, social ou filosoficamente: "Um limite entre literatura ficcional e literatura de viagem não se pode determinar [...] Muitos textos que hoje classificamos como literatura ficcional foram lidos sob a perspectiva do relato de viagem ou até como relatos de viagem" (ETTE 2001: 37ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)4 4 "Eine Grenzlinie zwischen fiktionaler Literatur und Reiseliteratur läßt sich nicht bestimmen. [...] Viele Texte, die wir heute der Fiktionalen Literatur zuordnen, sind aus der Perspektive des Reiseberichts oder gar als Reiseberichte gelesen worden" (37). . E a observação tanto de seus aspectos literários, hermenêuticos, filosóficos ou específicos coloca em destaque a questão de seus espaços e de seu movimento. No entanto, exatamente por estarem tão presentes "eles muitas vezes passam despercebidos" (ETTE 2001: 22ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)5 5 "[...] bleiben sie oftmals unreflektiert" (22). .
A relevância do espaço nesses relatos pressupõe também um pacto implícito com o leitor. Sobre parte do público, a leitura parece exercer uma grande atração e esta o induz a buscar cada vez mais textos. A fascinação do relato de viagem, para Ette, baseia-se fundamentalmente no movimento de compreensão presente na literatura de viagem, entendido especialmente como "movimentos entre o saber e o agir humanos, entre o conhecimento prévio e o desconhecido, entre os espaços de leitura, os espaços de escrita e os espaços de relatos" (ETTE 2001: 25ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)6 6 "[...] zwischen menschlichem Wissen und Handeln, zwischen Vor-Gewußtem, zwischen den Orten des Lesens, den Orten des Schreibens und den Orten des Berichteten räumlich konkretisiert" (25). . Dessa forma, a compreensão é por um lado um processo concluído, pela suposta facilidade de assimilação do relato de viagem, e por outro um processo aberto, pois apresenta ao leitor modelos de leitura que são compreendidos em sua dimensão espaço-temporal específica, considerando que a leitura é uma experiência fundamentada na apropriação de elementos culturalmente estranhos. Ainda conforme Ette, "o consumo de relatos de viagem não forma exatamente o leitor crítico, mas leva quase a uma repetição forçada de novas leituras, sempre de novos 'testemunhos'" (2001: 80)7 7 "Das Verschlingen von Reiseberichten erzeugt gerade nicht den kritischen Leser, sondern führt vielmeher zu einer fast im Wiederholungszwang vollzogenen Lektüre immer neuer Berichte, immer neuer 'Zeugnisse'" (80). .
Apesar de a globalização haver nivelado o privilégio de viagens pelo mundo e ter tornado normal o vencimento de grandes distâncias, fazendo com que relatos de viagem "objetivos" perdessem seu poder de atração estético, porque todos os países já foram visitados por um grande número de pessoas (FISCHER 2014: 37FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.) e, apesar de terem que concorrer com novas mídias, esses relatos "não perderam nada de seu brilho, e não somente como objeto de interesse (literário-) histórico ou histórico-científico, mas igualmente como forma de expressão literária viva" (ETTE 2001: 22ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)8 8 "[...] (hat) nichts von seiner Ausstrahlungskraft verloren, und zwar nicht nur als Gegenstand eines wie auch immer bestimmten (literar-) historischen oder wissenschaftsgeschichtliches Interesses, sondern zugleich als lebendige literarische Ausdrucksform" (22). .
Encontramos viagens como um motivo recorrente em obras de autores contemporâneos, como Daniel KEHLMANN que, em A medida do mundo (Die Vermessung der Welt, 2005), conta a história do matemático Friedrich Gauss na Alemanha em contraste com as aventuras do cientista aventureiro Alexander von Humboldt pela América no século XIX, ou na obra de Ilija TROJANOW que, em O Colecionador de mundos (Der Weltensammler, 2006), narra a história da vida do oficial britânico Sir Richard Francis Burton, que de fato existiu (1821-1890) e viajou por todos os continentes. Nesses textos atuais verifica-se a presença de aspectos citados como característicos de relatos de viagem para o século XIX, e que se reportam a personagens fictícias ou figuras históricas daquele século.
Relatos de viagem também pertencem ao conjunto da obra do autor suíço Christian KRACHT. Vinte colunas de Kracht sobre sua permanência no sudoeste da Ásia foram publicadas no jornal Die Welt am Sonntag e foram reunidas no volume Der gelbe Bleistift (O lápis amarelo) (2000)9 9 Neste parágrafo citamos as datas da primeira edição; as citações do livro Der gelbe Bleistift, de Kracht, são da edição de 2012, e ao longo do artigo serão indicados apenas os números de página. , que será analisado ao longo desse artigo. Juntamente com Eckhardt Nickel, Kracht escreveu também Ferien für immer (Férias para sempre) (1998), que, segundo Lettow, é um guia de viagens extravagante, no qual os autores "nada mais fazem do que descrever os melhores coquetéis, os piores hotéis e os turistas com menos estilo entre o Egito e a Tailândia, México e Índia, França e África do Sul" (2001: 297)10 10 "[...] nichts weiter tun als die besten Cocktails, die grässlichsten Hotels und die stillosesten Touristen zwischen Ägypten und Thailand, Mexiko und Indien, Frankreich und Südafrika zu beschreiben" (297). . Metan (2007), em coautoria de Christian Kracht e Ingo Niermann, situa-se no limiar entre ficção e documentário e foi escrito durante a viagem turística feita por eles para escalar o monte Kilimanjaro. As fotos que ilustram o volume não têm relação com a história narrada, mas são registros feitos pelos autores durante a viagem, no decorrer da qual eles entram em contato com uma civilização invisível e são testemunhas de acontecimentos até então inimagináveis.
O estudo de relatos de viagem do século XVIII e XIX feito por Ette é uma abordagem com uma reflexão cultural, histórica e estética daquela época, e na análise dos relatos de viagem de Christian Kracht compilados em Der gelbe Bleistift será feita a confrontação com textos de um autor que tem como objetivo não apenas descrever uma realidade exótica, com cenas muitas vezes descritas de forma irreal, mas também como instrumento de sua autoencenação. Apesar dessa divergência de abordagens, em muitos aspectos os estudos de Ette podem ser aplicados à análise da obra de Kracht.
Christian Kracht iniciou sua trajetória profissional no jornalismo como voluntário de redação na revista Tempo, em que permaneceu de 1989 até 1996, escrevendo principalmente críticas e reportagens. Tempo era uma das revistas que melhor transmitiam o espírito moderno da época, com uma mistura de glamour, pop e política, e sua linha redacional previa "opor ao enganoso jornalismo objetivo uma subjetividade honesta", cujas raízes se encontram primordialmente no jornalismo literário surgido no século XIX, e "se servia das estratégias de apresentação da Literatura, para transmitir esteticamente a realidade" (RUF 2009: 46-7RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.). Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60. .). Por isso, Ruf sugere que no caso de Kracht se devesse "talvez falar de 'literatura jornalística' ('journalistischer Literatur'), ao invés de aplicar tradicionais classificações de gênero" (RUF 2009: 58RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.). Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60. .). Neste tipo de jornalismo, chamado de 'jornalismo fronteiriço' ('Grenzgänger-Journalismus') por Fritz WOLF, "facilmente os lados entre fato e ficção se invertem, entre achar e inventar [...], entre verdade e mentira" (apud RUF 2009: 49-50RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.). Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60. .)11 11 "[...] munter [wechseln] die Seiten zwischen Fakt und Fiktion, zwischen Finden und Erfinden [...] zwischen Wahrheit und Lüge" (49). , oferecendo ao leitor a encenação ficcional onde ele menos espera: no noticiário. Kracht trabalhou também como correspondente na Ásia para outros veículos de mídia da Alemanha, como a revista Der Spiegel e o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.
O primeiro romance do autor, Faserland, narra a viagem do protagonista de norte a sul da Alemanha e que termina na Suíça, na busca do túmulo de Thomas Mann. Logo após sua publicação, o curto texto de 166 páginas provocou muitas reações, em sua maioria negativas. Schumann, referindo-se a Faserland, diz que, por um lado, Kracht não tenta escrever um grande romance, pois "para isso os episódios narrados são excessivamente insignificantes, efêmeros, cotidianos" (SCHUMANN 2009: 153-4SCHUMANN, Andreas, '"das ist schon ziemlich charmant". Christian Krachts Werke im literarhistorischen Geflecht der Gegenwart' , em Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Johannes Birgfeld e Claude D. Conter. (Org.). Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 150‐164. .)12 12 "dafür sind die erzählten Episoden zu unbedeutend, ephemer, alltäglich" (153). . Por outro lado, o sucesso que o autor relativamente jovem alcançou não pode ser atribuído apenas a sua encenação, que é um elemento significativo nas aparições midiáticas do autor, mas especialmente ao valor literário inovador de suas obras.
O romance Faserland representa a inovação e se impõe como exemplo para a nova tendência da literatura em língua alemã, lançando as bases da que, alguns anos mais tarde, se denominou 'literatura pop'. Segundo as críticas, o novo romance não corresponde às expectativas e não se insere no discurso literário contemporâneo. Para SCHUMANN, ele é o rompimento da tradição narrativa vigente e se apresenta como a negação do que essa tradição significa:
Ele não prolonga a procura pelo grande romance social ou de época [...], ele não se insere na tradição subjetiva do autoquestionamento [...], ele não assume a função da construção de um sentimento comum de integração de uma geração, ele se furta à formulação de uma oferta concreta de ação e de valores a seus leitores (SCHUMANN 2009: 153-4)13.
Aquilo que caracateriza Kracht como autor inovador, partindo de Faserland, está, portanto, no rompimento provocado pelo romance. O leitor já não se identifica com ele, nem encontra nele um norte para sua vida. Assim, ainda segundo Schumann, o texto de Kracht não apresenta soluções para problemas ou conflitos, sejam eles históricos, sociais ou individuais, deixando de lado a crítica social ou a literatura engajada dos anos 1960 e 1970.
A Faserland seguiu, em 2001, o romance 1979; em 2008 o autor publicou Ich werde hier sein im Sonnenschein und im Schatten (Estarei aqui no sol e na sombra). Em fevereiro de 2012 foi publicado o romance Imperium, que se transforma num grande sucesso de público e provocou reações, em parte violentas, da crítica. Por ocasião de seu lançamento, foi publicado um extenso artigo - "O método Kracht" - na renomada revista semanal Der Spiegel, no qual Georg Diez analisa a obra anterior de Kracht e acusa o autor de ser adepto da ideologia fascista e de assumir posições políticas de direita:
Mais e mais, no entanto, os heróis de Kracht são movidos por uma busca de extinção, que se submetem a sistemas políticos totalitários ou eles mesmos criam utopias autodestrutivas. As coordenadas de Kracht foram sempre destruição e redenção. Com isso, ele se coloca bem conscientemente aquém do discurso democrático (DIEZ 2012)14.
Desde a publicação de seu romance Faserland, Christian Kracht é um dos mais significativos representantes da literatura contemporânea em língua alemã. Para analisar sua obra, é imprescindível considerar a figura do autor, que permanece um mistério para a crítica e especialistas em Literatura (FISCHER 2014: 33FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.). A imagem mais difundida é a de um autor esnobe, que nasceu na Suíça e foi educado nos Estados Unidos, no Canadá e na França, que passou grande parte de sua vida na Ásia, que é arredio a entrevistas, justificando essa atitude dizendo "que é muito rico", o que lhe possibilita viver sem se preocupar com a venda de seus livros (HEGER 2010: 175-6HEGER, Christian, 'Tim, Struppi und die Barbourjacke - Über Christian Kracht und den postmodernen Ennui' , em: Heger, Christian Im Schattenreich der Fiktionen. Studien zur phantastischen Motivgeschichte und zur unwirtlichen (Medien?) Moderne. München: AVM Verlag, 2010 pág. 164-178. .). No entanto, reduzir o autor ao rótulo de dândi não é suficiente para explicar sua imagem e sua abrangência. Um jogo intencional entre ser e parecer faz parte de seu discurso estético e de sua autoprodução. Segundo Lettow, os códigos que envolvem os personagens criados por ele, como viagens, vestimenta, consumismo, drogas, conservadorismo e dandismo são elementos que em certa medida também caracterizam KRACHT, mas não justificam que se confunda o autor com seus personagens, e nem permitem que se tenha uma imagem de quem o autor realmente é (LETTOW 2001: 288-9; 301LETTOW, Fabian, 'Der postmoderne Dandy - Die Figur Christian Kracht zwischen ästhetischer Selbststilisierung und aufklärerischem Sendungsbewusstsein', em Köhnen, Ralf Selbstpoetik 1800-2000. Ich-Identität als literarisches Zeichenrecycling.Frankfurt/M: Langen, 2001 pág. 285-305. .).
Para Matthias LORENZ, a 'figura do autor' Christian Kracht "continua atrapalhando de forma planejada e sem nenhuma exceção" (2014: 9)15 15 "[...] stört jedoch weiterhin planmäßig und ohne Ausnahme jene Ordnung.". (2012: 9). Todas as citações são deste livro; será citado apenas o número de página. todas as tentativas de classificá-lo ou encaixá-lo em qualquer categoria literária. A estratégia de não se dar a conhecer verdadeiramente, que representa grande parte da fascinação e da irritação causadas por Kracht, por antecipação derrota qualquer crítico ou teórico de literatura, pois a 'ficcionalização de sua própria pessoa' (Fiktionalisierung der eigenen Person) é uma estratégia consciente de se furtar à mídia: "Sua figura de autor comunica de forma assimétrica, através de suas poses ela nunca é apreensível e pode ininterruptamente dar a entender que tudo pode ser instantaneamente rompido, ser apenas citado e que não era isso que ele quis dizer" (LORENZ 2014: 9-10LORENZ, Matthias N (Org.). Christian Kracht. Werkverzeichnis und kommentierte Bibliografie der Forschung. Bielefeld: Aisthesis Verlag, 2014.)16 16 "Seine Autorfigur kommuniziert asymetrisch, durch ihre Posen ist sie nie fassbar und kann sich stets darüber entziehen, dass ja alles augenzwinkernd gebrochen, zitiert, und so nicht gemeint war.". (9) .
O papel do narrador
A obra Der gelbe Bleistift (2012) de Christian Kracht, que não tem tradução para o português, traz experiências pessoais do autor, que nos últimos anos morou em Berlin, Bangkok, Buenos Aires, Lamu e em Florença, mas com frequência se refugia na Ásia, e para quem as viagens parecem oferecer não somente a chance de fugir de uma realidade opressiva e muito normatizada da Europa, mas significam igualmente material para escrever grande parte de suas obras. Ao mesmo tempo, viajar para ele se reduz a um fim em si mesmo, e em suas reportagens não fica bem claro o motivo dessas viagens. (FISCHER 2014: 42FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.). Ademais elas lhe servem como pretexto para subtrair-se à inevitável tomada de posição e comunicação, como seu "próprio desaparecimento até o ponto zero" (BESSING 2009: 153BESSING, Joachim e outros, Tristesse Royale Das popkulturelle Quintett. Berlin: List Taschenbuch, 2009.)17 17 "[...] eigenes Verschwinden hin zum Nullpunkt" (153) . Mas as viagens servem também como um suporte para a autoencenação: os relatos de Kracht, "apesar de apresentarem uma função estruturante, na verdade se subordinam a uma autoencenação esteticista nos acessórios literários" (FISCHER 2014: 39FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.)18 18 "[...] zwar eine strukturierende Funktion einnehmen, sich jedoch der ästhetizistischen Autorinszenierung im literarischen Beiwerk unterordnen" (39) .
As colunas de Kracht sobre sua permanência no sudoeste da Ásia e que foram publicadas no "Die Welt am Sonntag" nem sempre podem ser consideradas verídicas, pois apresentam cenas e descrições que com frequência parecem irreais (SCHUMANN 2009: 158SCHUMANN, Andreas, '"das ist schon ziemlich charmant". Christian Krachts Werke im literarhistorischen Geflecht der Gegenwart' , em Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Johannes Birgfeld e Claude D. Conter. (Org.). Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 150‐164. .). FISCHER (2014: 37-8)FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014. verificou que a intenção de dificultar ao leitor a identificação do que é verdadeiro e do que é ficção abre-se já na primeira reportagem "Im Land des schwarzen Goldes - Baku 1998" [No país do ouro negro - Baku 1998]. Contrariando o que o título sugere, nestas páginas não aparece um relato sobre os campos de petróleo do Azerbaijão, mas uma descrição detalhada do hotel Stary Intourist: "O quarto era mais ou menos assim como a gente sempre desejou um quarto: rigor stalinista e privação encontram uma vulgaridade turca [...] Eu inspecionei o banheiro. O papel higiênico era um papel de jornal bem cortado." (18)19 19 "Das Zimmer war so, wie man sich Zimmer mehr oder weniger schon immer gewüscht hatte: Stalinistische Strenge und Entbehrung trafen auf türkische Schludrigkeit. [...] Ich inspizierte das Badezimmer. Das Toilettenpapier war aus sauber zurechtgeschnittenem Zeitungspapier" (18) .
No penúltimo parágrafo, confessa que ele e o guia jamais iriam realmente atingir os poços de petróleo "e de repente eu percebi que este jamais havia sido o objetivo" (31)20 20 "[...] und auf einmal merkte ich, daß es darum auch nie gegangen war" (31) . Assim como neste exemplo, nos outros textos que compõem Der gelbe Bleistift não se encontram muitas informações sobre os países visitados, e os lugares que visita são usados por KRACHT simplesmente como cenários, que servem à sua autoencenação, até porque eles não o interessam muito do ponto de vista etnológico ou político, impossibilitando ao leitor identificar um "núcleo verdadeiro" ("echten Kern") no "mundo encontrado" ("vorgefundene Welt") (apud RUF 2009: 52RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.). Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60. .).
O autor torna-se ele mesmo objeto de uma reportagem, na qual, na intenção de dirigir-se diretamente ao leitor, emprega um diálogo fingido, num jogo em que Kracht, sem dissimular sua fascinação pela estetização da realidade, utiliza "formas de representação enfeitadas" e através da autoestilização, do disfarce, o autor "quer mostrar, que mesmo cenas 'autênticas' na verdade são apenas 'de faz de conta'. Ele confunde propositalmente o limite entre o ficcional e o factual" (NIEFANGER 2004: 98)21. Nas reportagens de Der gelbe Bleistift os fatos e a ficção estão tão intimamente ligados que não podem ser separados. Referindo-se diretamente aos leitores do jornal, Christian Kracht diz:
Eu sei o que o senhor está pensando, caro leitor, ó sim. O senhor Kracht inventa tudo nas suas histórias sobre a Ásia. Ele enfeita muito. Ele procura descrever o mundo de forma mais agradável do que ele realmente é. A vida em Bangkok não pode ser um infindável tomar chá no terraço do Oriental Hotel (97)22 22 "Ich weiß, was Sie denken, lieber Leser, oh ja. Der Herr Kracht erfindet alles in seinen Asien-Geschichten. Er schmückt zuviel aus. Er versucht, die Welt angenehmer zu beschreiben, als sie ist. Das Leben in Bangkok kann doch nicht nur ein endloses Teetrinken auf der Terrasse des Oriental Hotel sein." (97) .
Enumerando atividades que tornam a vida no Oriente leve, como receber escritores e embaixadores croatas, ou passar o dia conversando sobre futilidades ou ainda entretendo-se lendo poemas de T. S. Eliot, por exemplo, Kracht passa de um plano ficcional à realidade de forma sutil, quase imperceptível. Assim, logo a seguir vem o questionamento: "Onde ficam os banais funcionários públicos, e os ainda mais banais turistas sexuais, onde fica a pobreza e o desespero?" (97)23 23 "Wo bleiben die banalen Beamten und die noch banaleren Sex-Touristen, wo bleibt die Armut und die Verzweiflung?" (97) .
A crítica do autor é perceptível em detalhes inseridos como por acaso no relato. Na viagem de Bangkok para Singapura a bordo do luxuoso Eastern & Oriental Express, em uma alusão indireta à sua origem, como herdeiro de uma família rica, Kracht faz a constatação de que "muitas madeiras tropicais raras haviam sido usadas na construção (do trem)" (72)24 24 "Viele seltene Tropenhölzer waren beim Bau verwendet worden." (72) , apontando para o uso indevido de madeiras em extinção. Em outro momento, faz referência ao aumento do turismo no Vietnã, onde novos costumes foram adotados e novas necessidades foram criadas. Retornando ao país depois de alguns anos, o autor lamenta: "Era muito triste. Alguém havia nesse meio tempo ensinado aos vietnamitas a dizer "Sir" depois de qualquer frase e isso era quase insuportável" (127)25 25 "Es war ganz traurig. Irgend jemand hatte den Vietnamesen inzwischen beigebracht, nach jedem Satz >>Sir<< zu sagen und es war kaum auszuhalten." (127) .
Por ocasião de sua estada na Malásia, país que Kracht diz que viu de dentro de um trem, "e ainda por cima um trem caríssimo"26 26 "[...] in einem arschteuren Zug noch dazu." (78) , ele mais uma vez dirige a palavra diretamente ao leitor:
O senhor tem razão. Eu gostaria de, juntamente com minha mãe, ter batido em algumas portas de algum povoado na floresta, tirado meus sapatos e, à luz de velas, ter conversado com famílias malaias sobre isso e aquilo. Mas nós viajávamos com o Eastern & Oriental Express, que não tinha nada a ver com a realidade. [...] Minha mãe e eu havíamos pago por um estranho pedaço de - desculpem-me a palavra nojenta - Lifestyle, e isso nós havíamos recebido. Com a Ásia isso não tinha absolutamente nada a ver (78)27.
Nessa passagem percebemos que os conhecimentos prévios do viajante constantemente fluem para dentro de sua percepção e isso é transferido para o nível do texto, para a função de uma narrativa subjetiva das vivências pessoais. A função do narrador, via de regra, consiste em garantir a transmissão das informações, que pressupõe determinados conhecimentos do leitor, oferecendo-lhe a possibilidade de refletir sobre seus hábitos de percepção e provar novos meios de apropriar-se de outras realidades.
O eu e o outro
Através da integração geográfica e cultural dos países, relatos de viagem "objetivos" perderam seu atrativo estético e a perda de seu significado "tem como consequência que os textos que tratam desses lugares visitados eles mesmos desparecem na ausência de significado" (FISCHER 2014: 37FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.)28 28 "[...] was zur Folge hat, dass die Texte, die sich mit diesen Reiseorten befassen, selbst in der Bedeutungslosigkeit verschwinden." (37) , como já foi referido acima. O fato de até hoje o relato de viagem ser lido como um documento empírico, conectado à realidade, justifica uma leitura que vê e avalia os relatos de viagem como fontes históricas, sociológicas ou geográficas.
A associação entre o espaço e a cultura, delimitado a priori pelo pertencimento a uma determinada cultura, "parece indissociavelmente ligar o domínio e a reformulação cultural de todos os problemas existenciais e vitais humanos com essa região chamada pátria" (JOACHIMSTHALER 2013: 77JOACHIMSTHALER, Jürgen, 'Formação do espaço cultural-regional através de políticas linguísticas e literárias' , em Arendt, JC,. e Neumann,G.R,. (Org.). Regionalismos. Subsídios para um novo debate. Caxias do Sul: EDUCS, 2013 pág. 75-107. .). Em Der gelbe Bleistift, Kracht faz uma referência à pátria na visita da mãe suíça a Bangkok, trazendo chocolates de Lindt & Sprüngli, que derreteram devido ao calor e tiveram que ser descartados, assim como quando ele diz que à noite sonhava com geleiras e lagos alpinos suíços porque o calor na Tailândia era insuportável (71). O jogo de Kracht com clichês envolvendo a sua própria imagem de autor suíço, afirmando de forma irônica que para fugir do calor sua mãe e ele fariam uma viagem de trem "de preferência uma caríssima e climatizada" (71)29 29 "am besten sauteure, klimatisierte" (71) é evidente aqui. A referência aos compatriotas está presente também na reportagem sobre Burma. No avião que os levaria de Bangkok a Rangoon, Kracht e sua companheira de viagem viram um grupo de turistas suíços: "Eles já estavam embriagados às dez horas da manhã. No aeroporto de Rangoon então nós os observamos, enquanto estavam parados ao lado dos birmaneses. Os suíços eram pessoas como montanhas de carne cor de rosa" (49-50)30 30 "Sie waren um zehn Uhr morgens schon betrunken. Am Flughafen von Rangoon dann beobachteten wir sie, wie sie neben den Burmesen standen. Die Schweizer waren Menschen wie rosa Fleischberge." (50) . Nesse jogo autorreferencial, Kracht também sugere que suíços tendem ao alcoolismo, que já em Faserland é um tema recorrente. A trajetória do protagonista do romance foi marcada por consumo de drogas, álcool, sexo e festas, sempre associados a excessos e descritos de forma negativa (SCHUMANN 2009: 155SCHUMANN, Andreas, '"das ist schon ziemlich charmant". Christian Krachts Werke im literarhistorischen Geflecht der Gegenwart' , em Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Johannes Birgfeld e Claude D. Conter. (Org.). Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 150‐164. .). No último capítulo, tendo chegado há pouco em Zurique, em um café, o protagonista vê um grupo de homens de negócios jovens "e eles bebem uma cerveja com um líquido vermelho, apesar de ainda não ser meio-dia" (KRACHT 1995: 148)31 31 "[...] und sie trinken ein Bier mit einer roten Brause drin, obwohl es noch nicht einmal Mittag ist" (148) . Referindo-se ao próprio hábito de ingerir bebidas alcoólicas, em uma entrevista Kracht diz que "se eu tivesse continuado assim, em três anos teria estado morto" (BÜSCHER 2008)32 32 ">>Hätte ich so weitergemacht<<, sagt er, >>wäre ich in drei Jahren tot gewesen.<< Er spricht vom Trinken" (2008) .
Colocando em movimento uma percepção do outro e de si mesmo, levando à reflexão sobre a própria percepção, o europeu, percebendo-se como europeu, como
pessoa do velho continente, perceberá o outro, o diferente, de maneira mais radical, e o viajante perceberá o outro, o diferente, o vivido e o narrado de forma distanciada, causando identificação ou estranhamento:
A Lufthansa aterrissou, parou. [...] e se podia ver que não haveria ponte. Assim, pensei comigo, se diferencia sempre a parte interessante do mundo da parte desinteressante - onde se tem que sair do avião com sua bagagem de mão e ir caminhando pela pista até a sala de desembarque, sem ponte, como se diz, e sem ônibus (16)33.
Chegando ao Japão, Kracht percebe que "em Tóquio-Narita tudo era muito suíço" (157)34 34 "(Am Flughafen) Tokio-Narita dann war alles eigentilich sehr schweizerisch." (157) . E mais tarde, já na cidade, Kracht tinha a sensação de estar "em lugar nenhum" (Nirgendwosein) (160), e por não entender o idioma diz que se "sentia como um mongol, que foi deixado no Alexanderplatz em Berlin, sem um lampejo de alemão" (162)35 35 "Ich fühlte mich wie ein Mongole, der in Berlin am Alexanderplatz ausgesetzt wurde, ohne einen Funken Deutsch" (162) . Referindo-se ao monte Fuji, Kracht explica que é o "santo Matterhorn dos japoneses" (170)36 36 "das heilige Matterhorn der Japaner" (170) . E, por fim, Kyoto é uma antiga sede imperial, um centro do poder japonês e é
[...] como se se houvesse unido Heidelberg, Rothenburg ob der Tauber e o Mercado Viktualien de Munique, e tentado formar a partir dessa mistura a Alemanha, uma Alemanha irônica, autorreferencial, brega, romântica e infinitamente bela - um pouco, naturalmente, como a imagem japonesa da Alemanha (171)37.
Christian Kracht se coloca no lugar do asiático para invocar a percepção que este poderia ter da Europa ao visitá-la. Isso ocorre em movimento contrário ao que tradicionalmente é feito nos relatos dos autores europeus. Nesse sentido, a análise de Ottmar Ette complementa a visão de Kracht, pois a mentalidade de um povo tem relação direta com os processos políticos, sociais e culturais de seu tempo e a perspectiva do viajante flui para dentro de sua forma de percepção.
Kracht aparentemente distancia-se de um posicionamento moral ou de uma análise política como foi referido por Ette. Ele parece mais interessado no valor estético, mostrando que, conforme Oliver Ruf, privilegia em seus textos jornalísticos "uma contemplação [...] autorreflexiva de uma alternativa esteticamente motivada à linguagem racional-neutra de um jornalismo concentrado unicamente na mediação de notícias, na qual a reflexão crítica e imaginação manipulada fluem quase imperceptivelmente uma para o interior da outra" (RUF 2009: 57RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.). Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60. .)38 38 "[...] als selbstreflexive [...] Kontemplation einer ästhetisch motivierten Alternative zur rational-nüchternen Sprache eines rein auf Nachrichtenvermittlung konzentrierten Journalismus, ber der kritischen Reflexion und manipulierter Imagination fast nahtlos ineinander übergehen" (57) , possibilitando modelos de leitura ficcionais e não-ficcionais.
Segundo Spiegel (2001)SPIEGEL, Hubert, 'Christian Kracht: 1979. Wir sehen uns mit Augen, die
nicht die unseren sind (09.10.2001)', em Frankfurter Allgemeine Feuilleton. URL:
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/rezensionen/belletristik/christian-kracht-1979-wir-sehen-uns-mit-augen-die-nicht-die-unseren-sind-142299.html
(Acesso em: 31.08.2013)
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/bu...
, não se deveria tomar as
declarações de Kracht "simplesmente como tentativas de provocação de um jovem escritor,
que quer aparecer a qualquer custo" (SPIEGEL
2001SPIEGEL, Hubert, 'Christian Kracht: 1979. Wir sehen uns mit Augen, die
nicht die unseren sind (09.10.2001)', em Frankfurter Allgemeine Feuilleton. URL:
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/rezensionen/belletristik/christian-kracht-1979-wir-sehen-uns-mit-augen-die-nicht-die-unseren-sind-142299.html
(Acesso em: 31.08.2013)
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" [...] (nicht) leichthin als Provokationsversuche eines jungen Schriftstellers, der
um jeden Preis auffallen will (abtun)" (2001)
, mas é necessário verificar o
que o autor pretende ao defender certos posicionamentos ou quando faz determinadas
afirmações, por exemplo, quando tematiza a luta pela liberdade ou quando flerta com o
terrorismo. Dessa forma, a visita a um povoado na fronteira entre o Afeganistão e o
Paquistão traz elementos característicos do trabalho jornalístico de Christian Kracht,
no qual ele segue uma estratégia de escrita "que não dispensa um potencial alto grau de
ficcionalidade" (RUF 2009: 50RUF, Oliver, 'Christian Krachts New New Journalism. Selbst-Poetik und
ästhetische Schreibstruktur' , em Birgfeld, Johannes, / Conter, Claude D,. (Ed.).
Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 44-60.
.)40
40
" [...] bei der ein potenziell hoher Fiktionalitätsgrad nicht ausgewiesen wird."
(50)
e pode ser lida como passagem irônica e provocativa. Seguindo
esse raciocínio, o relato em Der gelbe Bleistift sobre o Afeganistão
não parece ser uma defesa explícita do terrorismo. O artigo de SPIEGEL, que basicamente
trata de 1979, auxilia na compreensão de alguns posicionamentos de
Kracht. O romance, publicado em setembro de 2001, descreve um ocidente
decadente e o confronta com a Revolução de Khomeini no Irã. 1979 relata
a viagem de um europeu rico pelo mundo, "em busca de distração, beleza, amor, sexo e
morte" (SPIEGEL 2001SPIEGEL, Hubert, 'Christian Kracht: 1979. Wir sehen uns mit Augen, die
nicht die unseren sind (09.10.2001)', em Frankfurter Allgemeine Feuilleton. URL:
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/rezensionen/belletristik/christian-kracht-1979-wir-sehen-uns-mit-augen-die-nicht-die-unseren-sind-142299.html
(Acesso em: 31.08.2013)
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" [...] auf der Suche nach Zerstreuung, Schönheit, Liebe, Sex und Tod." (2001)
, até terminar num campo de trabalhos forçados na China. Para
Spiegel,
[...] seu autor não é um fundamentalista ou islamita, nem sequer é adepto da crença muçulmana, mesmo que na entrevista exija levianamente a proibição de fotos conforme o exemplo islâmico. [...] O nojo cansado, com que são descritos os excessos de drogas e os rituais do meio jet-set, tem ele próprio um toque decadente e de dândi (SPIEGEL 2001)42.
Ainda de acordo com Spiegel, pode-se afirmar que KRACHT em seus romances, mais do que
flertar com regimes totalitários, com a decadência e o prazer na derrocada, "tem saudade
de beleza e lamenta sua perda" (2001)43
43
Já em Faserland, o tema do nazismo é recorrente (Göring: 17;
Abkürzungswahn der Nazis: 35) ou na troca de e-mails com Woodard sobre a colônia
Nueva Germania no Paraguai, publicada em Five Years (2011); ou ainda
as referências a Hitler em Imperium (2012) levaram parte da crítica
literária especialmente alemã a atribuir a Kracht simpatia por regimes
autoritários
, e que sua
obra, além da inconformidade com um mundo visto como horrível, decadente, sem estilo e
sem nível, mostra um outro lado, bem menos óbvio, que é o tema da luta pela liberdade e
contra o terrorismo. E conclui dizendo que quem lê esses textos de Kracht possivelmente
passará a ver o terrorismo com outros olhos: "O que para o islamita radical parece o
último instrumento para a construção de um estado religioso ideal, poderia para o
esteticista cínico ser bem-vindo como meio de negação da situação vigente" (SPIEGEL 2001SPIEGEL, Hubert, 'Christian Kracht: 1979. Wir sehen uns mit Augen, die
nicht die unseren sind (09.10.2001)', em Frankfurter Allgemeine Feuilleton. URL:
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/rezensionen/belletristik/christian-kracht-1979-wir-sehen-uns-mit-augen-die-nicht-die-unseren-sind-142299.html
(Acesso em: 31.08.2013)
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"Was dem radikalen Islamisten als letztes Instrument zur Errichtung eines idealen
Gottesstaates erscheint, könnte dem zynischen Ästhetizisten als Mittel zur Negation
der bestehenden Verhältnisse willkommen sein" (2001)
.
Nesse cenário e no constante vai-e-vem entre as culturas, numa ambivalência entre posições ora anacrônicas ora progressistas, ora críticas e libertárias, temos a descrição de uma cena marcante de choque cultural, que reforça no espelho do diferente o papel transmitido pela tradição e ao mesmo tempo a transcende. Andando sem destino certo por uma rua de Peshawar, no Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, Kracht reflete sobre "onde ele havia parado, e para distrair-se um pouco, cantarolava uma antiga canção de Serge Gainsbourg [...]" (56)45 45 "[...] wo ich hier eigentlich gelandet war, und um mich ein bißchen abzulenken, summte ich einen alten Schlager von Serge Gainsbourg" (56) . No dia seguinte, viajando em um ônibus de Peshawar para o povoado de Darra, uma cabra deitou sua cabeça em seu joelho e o acompanhante "Ibrahim Khan perguntou se no meu país cabras são permitidas nos ônibus. Eu respondi: Não, somente cachorros [...] E na tua província tem bastante muçulmanos? Certamente alguns, eu respondi" (57)46 46 "Ibrahim Khan fragte, ob in meinem Land Ziegen in den Bussen erlaubt seien. Ich antwortete: Nein, nur Hunde. [...] Und, gibt es dort in der Schweiz viele Moslems? Sicher, einige, antwortete ich" (57) . Chegando ao destino em Darra, onde seriam testados vários tipos de armas, dentre as que experimenta, Kracht se apaixona por uma Kalaschnikow, "a espada e a armadura do Islã" ("Schwert und Schild des Islams"):
Eu experimentei naquele dia ainda algumas outras armas, eu, que nunca na vida havia atirado: Uzis e o M16 e outras de obscura fabricação tcheca, e percebi que atirar é como comer chips de batatas, porque a gente só se satisfaz quando se sente mal. A que mais me agradou foi a Kalaschnikow, a russa AK17. Havia também a versão chinesa e uma versão Darra-made, mas com a russa nenhuma das duas poderia competir (64)47 47 "Ich probierte an diesem Tag noch ein paar andere Waffen aus, ich, der ich noch nie in meinem Leben geschossen hatte: Uzis und die M16 und einige obskure tschechische Fabrikate, und ich merkte, daß schießen wie Kartoffelchips essen ist, weil man davon erst genug kriegen kann, wenn einem schlecht ist. Am besten gefiel mir die Kalaschnikow, die russische AK47. Es gab sie auch in einer chinesischen Darra-made-Version, aber mit der Russischen konnten beide nicht mithalten" (64) .
No final do dia, Christian Kracht é presenteado com um Alcorão, e nesse gesto inusitado ele reconhece que o desenvolvimento tecnológico, mesmo abrindo possibilidades de deslocamento rápido e comunicação instantânea, nem sempre é acompanhado do desenvolvimento humano ou da real compreensão da alteridade.
Na viagem à Malásia, Kracht chega a verbalizar esse estranhamento, dizendo que, numa espécie de desmistificação dos trópicos, sentia saudades de plantas que, quando chovia, não dobravam de tamanho durante a noite, tinha saudades de prédios que houvessem sido construídos de forma planejada durante anos, de banheiros que funcionassem, de comida limpa em pequenas porções: "Sim, eu sentia realmente saudade de ordem" (154)48 48 "[...] ja, ich sehnte mich tatsächlich nach Ordnung" (154) . Esse tipo de comentário propositalmente preconceituoso do autor não tem a função de reforçar tal atitude, mas de enfatizar a diversidade, e ele parece não sentir aversão por esses lugares como sugerem seus textos. Afinal, Kracht busca insistentemente ambientes exóticos, na maioria das vezes localizados no sul, no leste ou no sudoeste da Ásia, para viver e para ambientar grande parte de seus textos, e "eles funcionam igualmente como áreas de projeção ou como lugares de sonho" (SCHUMANN 2009: 160SCHUMANN, Andreas, '"das ist schon ziemlich charmant". Christian Krachts Werke im literarhistorischen Geflecht der Gegenwart' , em Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Johannes Birgfeld e Claude D. Conter. (Org.). Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 150‐164. .)49 49 "Sie funktionieren ebenso als Projektionsflächen wie die Wunschträume" (160) . Esse ambiente exótico nas obras de Christian Kracht pode ser visto como um projeto alternativo, e "exotismo aqui deve ser lido como a busca pelo estranho, como diferenciação dos coletivismos convencionais de uma sociedade ocidental capitalista, como distanciamento do consumismo e suas implicações" (SCHUMANN 2009, 158SCHUMANN, Andreas, '"das ist schon ziemlich charmant". Christian Krachts Werke im literarhistorischen Geflecht der Gegenwart' , em Christian Kracht. Zu Leben und Werk. Johannes Birgfeld e Claude D. Conter. (Org.). Köln: Kiepenheuer & Witsch, 2009 pág. 150‐164. .)50 50 "Exotismus muss hier gelesen werden als die Suche nach Fremdheit, als Abgrenzung von konventionellen Kollektivismen einer postkapitalistischen westlichen Gesellschaft, als Abkehr von Konsumismus und seinen Implikationen" (158) .
A confrontação do extremo contraste entre o país de nascimento e o Oriente torna impossível uma sintonia entre os dois lugares. Para Ette, textos literários não são meros comprovantes de processos culturais, mas devem ser analisados considerando seu sistema simbólico: "Sem dúvida, a fascinação que emana de relatos de viagens sobre culturas distantes certamente é marcada pela percepção da alteridade cultural, social e política" (ETTE 2001: 23ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)51 51 "Zweifellos ist durch Reiseberichte gerade über weit entfernte Kulturen erzeugte Faszination nicht zuletzt von der Wahrnehmung kultureller, gesellschaftlicher und politischer Alterität geprägt" (23) , mas é importante ter consciência do quanto de nossa própria percepção pode estar presente na suposta percepção do outro. E o pressuposto de que "literatura de viagem é uma literatura que nos mostra continuamente o movimento do entendimento" (ETTE 2001: 64ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)52 52 "Reiseliteratur ist eine Literatur, welche die Bewegung des Verstehens unablässig vor Augen führt" (64) aqui não se realiza.
A presença das mídias e a intertextualidade
Da mesma forma como o trem e o navio revolucionaram o turismo no século XIX, a facilidade de deslocamento atualmente abre muitas possibilidades. Ligado diretamente à velocidade dos meios de transporte e com isso ao nível de desenvolvimento tecnológico, o ir e vir entre dois ou mais lugares é um elemento básico quando falamos em literatura de viagens. Nem sempre a ênfase está na viagem propriamente dita, em partida e chegada, mas na quase simultaneidade de lugares geográfica e temporalmente distintos. O viajante se move na cronologia da própria viagem, que cria sua própria cronologia. Táxis hoje são equipados com conexão de internet e, ao invés de admirarmos a paisagem de janelas de automóveis ou de trens, olhamos para os monitores dos computadores, que ainda "aumentam a sobreposição dinâmica de movimentos os mais diferenciados em forma de hipertexto" (ETTE 2001: 43ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)53 53 "welche die dynamische Überlagerung verschiedener Bewegungen in der Form von Hypertexten noch erhöhen" (43) . Isso significa um distanciamento possibilitado pelas mídias, podendo estar em qualquer lugar a qualquer momento, ou simplesmente significar o fim da viagem no espaço geográfico. E mesmo que essa mudança de espaço poucas vezes se torne um processo consciente, buscamos superar as distâncias e construir formas diretas de contato e trocas em que muitas vezes não é o espaço, mas sua superação que é almejada.
Tentando reduzir o impacto que pode ser causado no viajante, segundo Ette, filmes ou outras formas de informação apresentadas ao turista antes ou durante a viagem e que pretendem transmitir a alteridade do local visitado são úteis apenas como instrumentos de cultura de massa, mas não garantem a verdadeira compreensão do que é apresentado. "Movimento físico não é igual à viagem, viagem não necessariamente implica movimento físico. [...] O estranho é colocado perante os olhos como imagem multicor e simultaneamente neutralizado." (ETTE 2001: 68ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)54 54 "Physische Bewegung ist nicht gleich Reise, Reise impliziert nicht notwendigerweise physische Bewegung. [...] Das Fremde wird als buntes Bild zugleich vor Augen geführt und neutralisiert" (68) .
Outras relações podem ser estabelecidas a partir do relato de uma viagem. Segundo o modelo de percepção da literatura de viagem a partir de nove dimensões e espaços proposto por Ottmar Ette, a sétima dimensão poderia ser denominada de "(dimensão) do espaço literário" (2001: 35)55 55 Ette (2001: 25-36), fazendo referência às cinco dimensões da viagem de que fala Claude Lévi-Strauss em Tristes Tropiques, cita nove dimensões do relato de viagem: as primeiras duas referem-se ao espaço geográfico, no qual o/a viajante se move, num sistema de coordenadas; a terceira dimensão do espaço é característica dos relatos de viagem do final do século XVIII e início do século XIX e tem a ver com a paisagem, especialmente as montanhas; a quarta é formada pelo tempo do viajante, que é ao mesmo tempo o da pátria e o da viagem; a quinta é a dimensão dos grupos sociais nos quais o viajante circula; a sexta complementa a quinta e trata da imaginação e da ficção, relacionada a modelos literários ficcionais; a sétima é a da inter- e intratextualidade, referida neste artigo; a oitava dimensão relaciona-se com modelos e tradições que se inserem naquele relato; completando, a nona dimensão é a dimensão do cultural, que em última instância perpassa todas as outras . Ela se refere à maneira como um relato de viagem se relaciona com textos de outros autores (intertextualidade) ou com textos do próprio autor (intratextualidade), podendo estas referências estar explícitas ou implícitas, quando elas nem sempre são perceptíveis ao leitor. Importante também é observar se o autor não se limita a referir-se aos seus conterrâneos ou se inclui os textos de nativos em seus relatos e "em que medida aos objetos do relato de viagem é permitido se expressarem como sujeitos" (ETTE 2001: 35ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. .)56 56 "inwieweit die Objekte des Reiseberichts selbst auch als Subjekte zu Wort kommen (dürfen)" (35) .
Nos relatos de Christian Kracht encontram-se inúmeras referências intertextuais. Como exemplo podemos citar a passagem em que ele narra que durante o trajeto de trem de Bangkok a Singapura, o autor lia Murder on the Orient Express, de Agatha Christie e, depois de haver lido três quartos do livro, o trem para em Kanchanaburi, para que os passageiros pudessem ver a ponte do rio Kwai (71-4), que era uma construção que os prisioneiros de guerra dos Aliados haviam erguido para os japoneses por volta do fim da Segunda Guerra Mundial. Muitos desses prisioneiros haviam sucumbido a doenças, maus tratos e má alimentação, "e se David Lean não tivesse feito um filme dessa história, esses homens hoje estariam esquecidos" (75)57 57 "und hätte David Lean nicht einen feinen Spielfielm daraus gemacht, wären diese Männer heute vergessen" (75) .
Esses elementos da intertextualidade estão tão presentes nos relatos que o autor chega ao ponto de afirmar que é estranho, "que um país se invente a partir de filmes e música rock", e que filmes sobre o Vietnam façam com que o país e a guerra sejam conhecidos no mundo. E enumera: Apocalypse Now, Platoon, O amante. [...] Indochine, com Cathérine Deneuve, Hamburger Hill, Full Metal Jacket, The Deer Hunter, Rambo, Hanoi Hilton, Dien Bien Phu, Good Morning Vietnam, e assim por diante. Mas aí vem o alerta do seu interlocutor, um senhor francês que vive lá: "E todos os filmes foram feitos com a intenção de tirar o verdadeiro Vietnam das cabeças" (111)58 58 "Und alle Filme haben es darauf abgesehen, das wirkliche Vietnam aus dem Kopf zu verdrängen" (111) . A imagem transmitida por esses filmes é de que o Vietnam é um país onde
[...] é sempre quente, sempre úmido, e sempre em algum lugar tem um ventilador pendurado no teto. No filme, lindas meninas vietnamitas correm descalças por uma plantação de arroz qualquer, sorrindo misteriosamente, e todas têm granadas de mão sob seus vestidos (111)59.
E o francês com quem Kracht conversava pede: "Faça um favor a si mesmo" [...] "Esqueça os filmes. Olhe para o verdadeiro Vietnam" (111)60 60 "Tun Sie sich einen Gefallen" [...]. "Vergessen Sie dei Filme. Sehen Sie sich das wirkliche Vietnam an." (111) .
O Japão, por sua vez, no imaginário do autor parece intermediado pela imagem de um retângulo projetado numa tela como num filme, uma imagem do Hotel Okura, "produzida unicamente para a educação estética", e a percepção de que grande parte daquele país realmente corresponde a "uma vista por uma moldura retangular - desde os Manga-Comics aos primeiros filmes de Ozu e Mizoguchi até os pequenos jardins japoneses encenados [...]" (161)61 61 "[...] hergestellt allein zur ästhetischen Erbauung" [...] "ein Blick durch einen rechteckigen Rahmen - von den Manga-Comics zu den frühen Filmen von Ozu und Mizoguchi bis zu den inszenierten kleinen japanischen Gärten." (161) .
Como podemos verificar, ficção e realidade se confundem e lugares se entrelaçam, formando uma trama de elementos inseparáveis, de referências históricas, citações da Literatura e de filmes ganham nova vida, criando vários níveis de narrativa, em que a intertextualidade se torna um modelo da própria narrativa. O próprio título da obra objeto deste artigo, Der gelbe Bleistift, pode ter vários significados, desde a cor amarela representando a Ásia, ou significando decadência. David Fischer faz referência, entre outros, a Dorian Gray, de Oscar Wilde, e à revista satírica britânica The Yellow Book, publicada no final do século XIX, e também cita grupos de pretensos dândis, que na mesma época em Paris usavam luvas amarelas (FISCHER 2014: 42FISCHER, David, Das Bildnis des Kristian Kracht: Wie sich der Autor Christian Kracht im Internet und im Beiwerk von Büchern sebst inszeniert. Hamburg: Diplomica, 2014.). Ainda segundo
Fischer, o título Der gelbe Bleistift igualmente sugere que KRACHT induz a uma associação da atividade do autor "com a figura de dândi do fim do século"62 62 "[...] mit dem Dandytum des Fin de Siècle" (42) , reforçando essa ligação com um toque de autoironia.
A busca do paraíso
No século XIX, como relata Sautermeister (1998: 143)SAUTERMEISTER, Gerd, 'Reiseliteratur als Ausdruck der Epoche' , em Sautermeister, Gerd, e Schmid, U,. (Ed.) Zwischen Revolution und Restauration 1815-1848. München: DTV, 1998 pág. 116-150. ., o Oriente já era visto como a esperança de um possível recomeço, e cita como exemplo a condessa Hahn-Hahn, que, numa viagem extremamente difícil e acessível a poucos, levou duas semanas a cavalo para se deslocar de Jerusalém ao Egito. Na segunda metade do século XX, pela primeira vez na história da humanidade, surgiu um turismo de massas para o Terceiro Mundo e as viagens se tornaram mais acessíveis e rápidas, nivelando o privilégio das viagens a países considerados exóticos pelos europeus e tornando banais deslocamentos a lugares distantes.
Na atualidade, a Ásia continua sendo considerada o paraíso que muitos europeus e turistas de outras partes do mundo procuram para fazer turismo barato, consumir drogas livremente, praticar o nudismo, pedir esmola "como último gesto de rebeldia" ("als letzte Auflehnung"), comportando-se como pobres numa encenação de um hippie-dândi, ou mendigo-dândi. No Oriente, "Goa tornou-se o primeiro paraíso virtual, um lugar pseudolivre de leis, uma temporariamente falsificada zona autônoma [...]." (90)63 63 "Goa wurde das erste virtuelle Paradies, ein pseudo-rechtsfreier Raum, eine gefälschte vorübergehende autonome Zone [...]" (90) . Segundo Christian KRACHT, o único desejo de um determinado grupo de turistas era estarem nus e cabeludos, livres e high e fazerem o sinal de paz-e-amor, "um dos gestos mais afetados e vazio de sentido deste século" (89)64 64 "[...] eine der sinnentleertesten, affektiertersten Gesten dieses Jahrhunderts" (89) .
Mas Goa, "uma Disneylândia anárquica" ("ein anarchistisches Disneyland", 88), não é o único destino desejado. Dirigindo-se mais uma vez a um interlocutor presumido, o autor descreve a chegada a outro paraíso:
O paraíso é uma ilha no golfo da Tailândia, um lugarzinho verde e dourado, lá embaixo no azul do mar. O pequeno avião aterrissa na pista e um aeroporto, que não poderia ser mais agradável, nos recebe: um pequeno pavilhão de madeira, aberto de todos os lados, fica ao lado de alguns coqueiros; guirlandas de flores são penduradas em volta do pescoço do viajante, um pequeno Disney-Móvel liga avião e pavilhão, e o melhor nisso tudo: o paraíso pode apenas receber aviões desde 1989. Sim, bem certo, recém há dez anos (133)65 65 "Das Paradies ist eine Insel im Golf von Thailand, ein grüner und goldener Fleck, dort unten im blauen Azur des Meeres. Das kleine Flugzeug setzt auf der Landepiste auf und ein Flugplatz empfängt uns, wie er angenehmer nicht sein könnte: Eine kleine, nach allen Seiten offene Holzhalle steht dort neben ein paar Kokospalmen, Blumengirlanden werden dem Reisenden um den Hals gehängt, ein kleines Disney-Mobil verbindet Flugzeug und Holzhalle, und das beste daran ist: Das Paradies kann erst seit 1989 überhaupt angeflogen werden. Ja, ganz richtig, seit zehn Jahren erst" (133) .
Nessa fascinação pelo Oriente, Christian Kracht fala de si, mas fala também sobre o mundo, e o relato de viagem pode romper as expectativas de seus leitores e ao mesmo tempo colocá-los diante de questionamentos, trazendo aspectos da cultura contemporânea e elaborando saber sociocultural, despertando a questão da identidade, do pertencimento a algum grupo, especialmente no que se refere à subjetividade e à identidade pessoal. Por isso, os efeitos de um texto literário não podem ser previstos, nem controlados.
Desta maneira, obras literárias contribuem para mostrar valores alternativos ou questionar preceitos estabelecidos, produzindo inclusive o que Vera NÜNNING denomina "ideais e identidades nacionais" ("nationale Ideale und Identitäten") e a história da literatura cultural vê textos literários como veículos de significado importantes, ou como "objetos de autopercepção culturais ou de autoanálise" (apud NÜNNING 2010: 67NÜNNING, Vera, 'Literaturgeschichte nach dem‚ Cultural Turn: Auswahlprinzipien und Konzepte einer kulturwissenschaftlichen Literaturgeschichtsschreibung' ., em Hannenberg, P, et. al. (Ed.) Rahmenwechsel Kulturwissenschaften. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2010 pág. 61-74..)66 66 "Objekte kultureller Selbstwahrnehmung und Selbstanalyse" (67) . Vera Nünning completa: "As variadas funções de literatura significam por isso também um objeto muito interessante, porque literatura é um lugar possível para aquilo que a cultura normalmente oprime, ou coloca à margem." (NÜNNING 2010: 67NÜNNING, Vera, 'Literaturgeschichte nach dem‚ Cultural Turn: Auswahlprinzipien und Konzepte einer kulturwissenschaftlichen Literaturgeschichtsschreibung' ., em Hannenberg, P, et. al. (Ed.) Rahmenwechsel Kulturwissenschaften. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2010 pág. 61-74..)67 67 "Die vielfältigen Funktionen von Literatur bilden auch deshalb einen sehr interessanten Gegenstand, weil Literatur Raum für das bieten kann, was eine Kultur sonst unterdrückt oder an den Rand drängt" (67) .
Concluindo, constatamos que, no século XIX, as mudanças tecnológicas deram início a um rápido processo de modernização, alavancado pelo desenvolvimento do transporte ferroviário e de navios a vapor e se falava de uma nova era para a humanidade. Uma das consequências desse desenvolvimento e do incremento das viagens foi o surgimento de novas formas de produzir livros e um aumento do consumo de literatura sobre o tema. Mas essas obras não eram simples relatos realistas, que apenas mostravam a realidade dos lugares visitados, que os seus leitores buscavam. A inserção de elementos ficcionais dava origem a um "jornalismo literário", que passou a ser característico da época, e desfez os limites entre simples relatos de viagem e a literatura ficcional.
A fascinação do relato de viagem continua na atualidade e tem um público amplo. Os avanços tecnológicos das últimas décadas permitiram a um número considerável de pessoas visitarem lugares remotos. Isso fez com que a natureza dos relatos de viagem fosse mais uma vez modificada.
O Oriente, como já acontecia no século XIX, continua a ser um destino para muitos viajantes, especialmente europeus, que vão em busca do diferente, do exótico. KRACHT, seguindo uma tradição do século XIX, não retrata os países que visita de forma objetiva. Eles muitas vezes servem apenas de cenário para sua autoencenação, da qual ele se serve para irritar ou confundir os leitores.
Der gelbe Bleistift, portanto, deve ser lido considerando o jogo de Kracht com clichês, envolvendo a sua própria imagem de autor suíço, contextualizando a pessoa do autor e sua relação com a obra. A ironia, a provocação e a reprodução de clichês inseridos de forma proposital nos textos pelo autor devem ser vistos como parte do jogo que ele faz com o leitor, possibilitando tanto a leitura ficcional como não-ficcional de seus textos jornalísticos.
Referências bibliográficas
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» http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/rezensionen/belletristik/christian-kracht-1979-wir-sehen-uns-mit-augen-die-nicht-die-unseren-sind-142299.html
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As traduções do alemão foram feitas pela autora.
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"[...] (denn) der ideelle Horizont umfaßt zwangslos auch die bildenden Künste, die Literatur und das Theater eines fremden Landes, das Feld der Muse also." (128).
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"Eine Grenzlinie zwischen fiktionaler Literatur und Reiseliteratur läßt sich nicht bestimmen. [...] Viele Texte, die wir heute der Fiktionalen Literatur zuordnen, sind aus der Perspektive des Reiseberichts oder gar als Reiseberichte gelesen worden" (37).
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"[...] bleiben sie oftmals unreflektiert" (22).
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"[...] zwischen menschlichem Wissen und Handeln, zwischen Vor-Gewußtem, zwischen den Orten des Lesens, den Orten des Schreibens und den Orten des Berichteten räumlich konkretisiert" (25).
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"Das Verschlingen von Reiseberichten erzeugt gerade nicht den kritischen Leser, sondern führt vielmeher zu einer fast im Wiederholungszwang vollzogenen Lektüre immer neuer Berichte, immer neuer 'Zeugnisse'" (80).
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"[...] (hat) nichts von seiner Ausstrahlungskraft verloren, und zwar nicht nur als Gegenstand eines wie auch immer bestimmten (literar-) historischen oder wissenschaftsgeschichtliches Interesses, sondern zugleich als lebendige literarische Ausdrucksform" (22).
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Neste parágrafo citamos as datas da primeira edição; as citações do livro Der gelbe Bleistift, de Kracht, são da edição de 2012, e ao longo do artigo serão indicados apenas os números de página.
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"[...] nichts weiter tun als die besten Cocktails, die grässlichsten Hotels und die stillosesten Touristen zwischen Ägypten und Thailand, Mexiko und Indien, Frankreich und Südafrika zu beschreiben" (297).
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"[...] munter [wechseln] die Seiten zwischen Fakt und Fiktion, zwischen Finden und Erfinden [...] zwischen Wahrheit und Lüge" (49).
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"dafür sind die erzählten Episoden zu unbedeutend, ephemer, alltäglich" (153).
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"Er verlängert nicht die Suche nach dem großen Zeit- oder Gesellschaftsroman [...], er fügt sich nicht in eine subjektivistische Tradition der Selbstbefragung [...], er übernimmt nicht die Funktion der Konstruktion eines integrationsfähigen Gesellschaftsgefühls einer Generation, er entzieht sich der Formulierung konkreter Handlungs- und Werteangebote an die Leserschaft" (153-4).
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"Mehr und mehr aber sind Krachts Helden von Auslöschungssehnsucht Getriebene, die sich totalitären politischen Systemen unterwerfen oder selbst menschenvernichtende Utopien schaffen. Krachts Koordinaten waren immer Vernichtung und Erlösung. Er platzierte sich damit sehr bewusst außerhalb des demokratischen Diskurses.".
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15
"[...] stört jedoch weiterhin planmäßig und ohne Ausnahme jene Ordnung.". (2012: 9). Todas as citações são deste livro; será citado apenas o número de página.
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"Seine Autorfigur kommuniziert asymetrisch, durch ihre Posen ist sie nie fassbar und kann sich stets darüber entziehen, dass ja alles augenzwinkernd gebrochen, zitiert, und so nicht gemeint war.". (9)
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17
"[...] eigenes Verschwinden hin zum Nullpunkt" (153)
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18
"[...] zwar eine strukturierende Funktion einnehmen, sich jedoch der ästhetizistischen Autorinszenierung im literarischen Beiwerk unterordnen" (39)
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19
"Das Zimmer war so, wie man sich Zimmer mehr oder weniger schon immer gewüscht hatte: Stalinistische Strenge und Entbehrung trafen auf türkische Schludrigkeit. [...] Ich inspizierte das Badezimmer. Das Toilettenpapier war aus sauber zurechtgeschnittenem Zeitungspapier" (18)
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20
"[...] und auf einmal merkte ich, daß es darum auch nie gegangen war" (31)
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21
"[...] sondern möchte zeigen, daß selbst 'authentische' Szenen eigentlich nur 'gespielt' sind. Er verwischt absichtsvoll die Grenze zwischen Fiktionalem und Faktualem." (98)
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22
"Ich weiß, was Sie denken, lieber Leser, oh ja. Der Herr Kracht erfindet alles in seinen Asien-Geschichten. Er schmückt zuviel aus. Er versucht, die Welt angenehmer zu beschreiben, als sie ist. Das Leben in Bangkok kann doch nicht nur ein endloses Teetrinken auf der Terrasse des Oriental Hotel sein." (97)
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23
"Wo bleiben die banalen Beamten und die noch banaleren Sex-Touristen, wo bleibt die Armut und die Verzweiflung?" (97)
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24
"Viele seltene Tropenhölzer waren beim Bau verwendet worden." (72)
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25
"Es war ganz traurig. Irgend jemand hatte den Vietnamesen inzwischen beigebracht, nach jedem Satz >>Sir<< zu sagen und es war kaum auszuhalten." (127)
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26
"[...] in einem arschteuren Zug noch dazu." (78)
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27
"Sie haben recht. Gerne hätte ich mit meiner Mutter draußen in einem Dschungeldorf an ein paar Türen geklopft, dann die Schuhe ausgezogen und uns bei Kerzenschein mit malayischen Familien über dies und jenes unterhalten. [...] Meine Mutter und ich hatten für ein merkwürdiges Stück - Sie entschuldigen bitte das ekelhafte Wort - Lifestyle bezahlt, und das hatten wir auch bekommen. Mit Asien hatte das nicht das geringste zu tun." (78)
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28
"[...] was zur Folge hat, dass die Texte, die sich mit diesen Reiseorten befassen, selbst in der Bedeutungslosigkeit verschwinden." (37)
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29
"am besten sauteure, klimatisierte" (71)
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30
"Sie waren um zehn Uhr morgens schon betrunken. Am Flughafen von Rangoon dann beobachteten wir sie, wie sie neben den Burmesen standen. Die Schweizer waren Menschen wie rosa Fleischberge." (50)
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31
"[...] und sie trinken ein Bier mit einer roten Brause drin, obwohl es noch nicht einmal Mittag ist" (148)
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32
">>Hätte ich so weitergemacht<<, sagt er, >>wäre ich in drei Jahren tot gewesen.<< Er spricht vom Trinken" (2008)
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33
"Die Lufthansa setzte auf dem Rollfeld auf, kam zum Stehen [...] konnte man sehen, daß es keinen Finger geben würde. Das, so dachte ich bei mir, unterscheidet já immer den interessanten Teil der Welt vom uninteressanten Teil - daß man aus dem Flugzeug steigt mit seinem Handgepäck und dann selbst über das Flugfeld zur Empfangshalle laufen muß, ohne Finger, wie es heißt, und ohne Bus" (16)
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34
"(Am Flughafen) Tokio-Narita dann war alles eigentilich sehr schweizerisch." (157)
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35
"Ich fühlte mich wie ein Mongole, der in Berlin am Alexanderplatz ausgesetzt wurde, ohne einen Funken Deutsch" (162)
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36
"das heilige Matterhorn der Japaner" (170)
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37
"als habe man Heidelberg, Rothenburg ob der Tauber und Münchens Viktualienmarkt zusammengebacken und aus dem Kuchen Deutschland formen wollen, ein ironisches, selbsreferentielles Deutschland, kitschig, romantisch udn unendlich schön - ein bißchen, natürlich, wie das japanische Bild von Deutschland" (171)
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38
"[...] als selbstreflexive [...] Kontemplation einer ästhetisch motivierten Alternative zur rational-nüchternen Sprache eines rein auf Nachrichtenvermittlung konzentrierten Journalismus, ber der kritischen Reflexion und manipulierter Imagination fast nahtlos ineinander übergehen" (57)
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39
" [...] (nicht) leichthin als Provokationsversuche eines jungen Schriftstellers, der um jeden Preis auffallen will (abtun)" (2001)
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40
" [...] bei der ein potenziell hoher Fiktionalitätsgrad nicht ausgewiesen wird." (50)
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41
" [...] auf der Suche nach Zerstreuung, Schönheit, Liebe, Sex und Tod." (2001)
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42
"[...] ihr Verfasser ist kein Fundamentalist oder Islamist, er ist nicht einmal muslimischen Glaubens, auch wenn er im Interview ein Bilderverbot nach islamischem Vorbild fordert [...] Der müde Ekel, mit dem Drogenexzesse und die Rituale des Jet-set-Milieus geschildert werden, hat selbst einen dekadenten, dandyhaften Unterton." (2001)
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43
Já em Faserland, o tema do nazismo é recorrente (Göring: 17; Abkürzungswahn der Nazis: 35) ou na troca de e-mails com Woodard sobre a colônia Nueva Germania no Paraguai, publicada em Five Years (2011); ou ainda as referências a Hitler em Imperium (2012) levaram parte da crítica literária especialmente alemã a atribuir a Kracht simpatia por regimes autoritários
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44
"Was dem radikalen Islamisten als letztes Instrument zur Errichtung eines idealen Gottesstaates erscheint, könnte dem zynischen Ästhetizisten als Mittel zur Negation der bestehenden Verhältnisse willkommen sein" (2001)
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45
"[...] wo ich hier eigentlich gelandet war, und um mich ein bißchen abzulenken, summte ich einen alten Schlager von Serge Gainsbourg" (56)
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46
"Ibrahim Khan fragte, ob in meinem Land Ziegen in den Bussen erlaubt seien. Ich antwortete: Nein, nur Hunde. [...] Und, gibt es dort in der Schweiz viele Moslems? Sicher, einige, antwortete ich" (57)
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47
"Ich probierte an diesem Tag noch ein paar andere Waffen aus, ich, der ich noch nie in meinem Leben geschossen hatte: Uzis und die M16 und einige obskure tschechische Fabrikate, und ich merkte, daß schießen wie Kartoffelchips essen ist, weil man davon erst genug kriegen kann, wenn einem schlecht ist. Am besten gefiel mir die Kalaschnikow, die russische AK47. Es gab sie auch in einer chinesischen Darra-made-Version, aber mit der Russischen konnten beide nicht mithalten" (64)
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48
"[...] ja, ich sehnte mich tatsächlich nach Ordnung" (154)
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49
"Sie funktionieren ebenso als Projektionsflächen wie die Wunschträume" (160)
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50
"Exotismus muss hier gelesen werden als die Suche nach Fremdheit, als Abgrenzung von konventionellen Kollektivismen einer postkapitalistischen westlichen Gesellschaft, als Abkehr von Konsumismus und seinen Implikationen" (158)
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51
"Zweifellos ist durch Reiseberichte gerade über weit entfernte Kulturen erzeugte Faszination nicht zuletzt von der Wahrnehmung kultureller, gesellschaftlicher und politischer Alterität geprägt" (23)
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52
"Reiseliteratur ist eine Literatur, welche die Bewegung des Verstehens unablässig vor Augen führt" (64)
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53
"welche die dynamische Überlagerung verschiedener Bewegungen in der Form von Hypertexten noch erhöhen" (43)
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54
"Physische Bewegung ist nicht gleich Reise, Reise impliziert nicht notwendigerweise physische Bewegung. [...] Das Fremde wird als buntes Bild zugleich vor Augen geführt und neutralisiert" (68)
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55
Ette (2001: 25-36)ETTE, Ottmar, 'Kartierung einer Welt in Bewegung', em Literatur in Bewegung Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001 , pág. 21-84. ., fazendo referência às cinco dimensões da viagem de que fala Claude Lévi-Strauss em Tristes Tropiques, cita nove dimensões do relato de viagem: as primeiras duas referem-se ao espaço geográfico, no qual o/a viajante se move, num sistema de coordenadas; a terceira dimensão do espaço é característica dos relatos de viagem do final do século XVIII e início do século XIX e tem a ver com a paisagem, especialmente as montanhas; a quarta é formada pelo tempo do viajante, que é ao mesmo tempo o da pátria e o da viagem; a quinta é a dimensão dos grupos sociais nos quais o viajante circula; a sexta complementa a quinta e trata da imaginação e da ficção, relacionada a modelos literários ficcionais; a sétima é a da inter- e intratextualidade, referida neste artigo; a oitava dimensão relaciona-se com modelos e tradições que se inserem naquele relato; completando, a nona dimensão é a dimensão do cultural, que em última instância perpassa todas as outras
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56
"inwieweit die Objekte des Reiseberichts selbst auch als Subjekte zu Wort kommen (dürfen)" (35)
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57
"und hätte David Lean nicht einen feinen Spielfielm daraus gemacht, wären diese Männer heute vergessen" (75)
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58
"Und alle Filme haben es darauf abgesehen, das wirkliche Vietnam aus dem Kopf zu verdrängen" (111)
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59
"[...] [es ist] immer heiß, immer feucht, und irgendwo schwirrt immer ein Ventilator an der Decke. Im Film laufen wunderschöne vietnamesische Mädchen barfuß durch irgendwelche Reisfelder, unergründlich lächelnd, und alle haben Handgranaten unter ihren Kleidern." (111)
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60
"Tun Sie sich einen Gefallen" [...]. "Vergessen Sie dei Filme. Sehen Sie sich das wirkliche Vietnam an." (111)
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61
"[...] hergestellt allein zur ästhetischen Erbauung" [...] "ein Blick durch einen rechteckigen Rahmen - von den Manga-Comics zu den frühen Filmen von Ozu und Mizoguchi bis zu den inszenierten kleinen japanischen Gärten." (161)
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62
"[...] mit dem Dandytum des Fin de Siècle" (42)
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63
"Goa wurde das erste virtuelle Paradies, ein pseudo-rechtsfreier Raum, eine gefälschte vorübergehende autonome Zone [...]" (90)
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64
"[...] eine der sinnentleertesten, affektiertersten Gesten dieses Jahrhunderts" (89)
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65
"Das Paradies ist eine Insel im Golf von Thailand, ein grüner und goldener Fleck, dort unten im blauen Azur des Meeres. Das kleine Flugzeug setzt auf der Landepiste auf und ein Flugplatz empfängt uns, wie er angenehmer nicht sein könnte: Eine kleine, nach allen Seiten offene Holzhalle steht dort neben ein paar Kokospalmen, Blumengirlanden werden dem Reisenden um den Hals gehängt, ein kleines Disney-Mobil verbindet Flugzeug und Holzhalle, und das beste daran ist: Das Paradies kann erst seit 1989 überhaupt angeflogen werden. Ja, ganz richtig, seit zehn Jahren erst" (133)
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"Objekte kultureller Selbstwahrnehmung und Selbstanalyse" (67)
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67
"Die vielfältigen Funktionen von Literatur bilden auch deshalb einen sehr interessanten Gegenstand, weil Literatur Raum für das bieten kann, was eine Kultur sonst unterdrückt oder an den Rand drängt" (67)
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Jun 2015
Histórico
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Recebido
09 Ago 2014 -
Aceito
20 Abr 2015