Acessibilidade / Reportar erro

Sublime, natureza e catolicismo. A Viagem à Itália como repertório de uma possível estética goethiana

The Sublime, Nature and Catholicism. The Italian Journey as Goethe's Aesthetical Repertoire

Resumo

Empreende-se aqui uma leitura de Viagem à Itália, de Goethe, menos como uma obra autobiográfica do que como uma das muitas narrativas enciclopédicas do autor, em que relatos de diferentes dicções e propósitos são reunidos sob motivos e sugestões comuns. Aqui, busca-se identificar esse fio condutor sob a percepção goethiana das formas. Sob o termo, entendemos tanto as formas naturais quanto artísticas, assim como os objetos e ritos da religião católica, trazidas pela experiência italiana.

Palavras-chave:
Goethe; Itália; formas; natureza; arte; sublime

Abstract

Goethe's Journey to Italy is here understood less as an autobiography than as an encyclopedic work of art. Here we can see many different speeches and goals reunited under common suggestions and themes, without a clear articulating line. This article intends to identify Goethe's reception of natural and artistic forms during his stay in Italy as a possible guideline for this work.

Keywords:
Goethe; Italy; forms; nature; art; sublime

Uma das primeiras tarefas que se apresenta para o leitor de Viagem à Itália é decidir-se quanto ao gênero textual que tem a sua frente. Nossa primeira tendência será a de entender a obra como um testemunho imediato das experiências vividas e organizadas cronologicamente desde o primeiro dia da viagem, 3 de setembro de 1786, quando Goethe declara ter-se "evadido logo cedo às três da manhã de Karlsbad" (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 57),1 Todas as traduções são de responsabilidade da autora, exceto quando indicadas nas referências bibliográficas. pois caso contrário não o teriam deixado ir. Alguns advérbios de tempo, como "20 de outubro, à noite", ou de lugar, como "Taormina, junto ao mar" levam-nos a crer que Goethe nos oferece mesmo suas primeiras impressões, literalmente no calor da hora, de modo que nós leitores acompanhamos com interesse narrativo um acontecimento como uma tempestade que o surpreende na viagem marítima de Messina a Nápoles, por exemplo. Sabe-se, no entanto, que não foi assim. A estrutura e a composição da obra que se tem hoje publicada sob o título de Viagem à Itália (Italienische Reise), publicada pela primeira vez em 1817, parte de diferentes fontes, desde os diários mantidos por Goethe ao longo dos dois anos de duração da viagem, de sua correspondência, principalmente com Charlotte von Stein e Herder e de diferentes obras de arquitetura, ciência e guias de viagem. Isso dá ao texto um caráter variado, no qual predomina a narração em primeira pessoa, de caráter autobiográfico. Nunca é demais lembrar, entretanto, que assim como em Poesia e verdade, provavelmente o caso mais evidente e autoconsciente da reelaboração da experiência pessoal, também aqui o tempo decorrido e o processo de seleção e organização dos acontecimentos amplia os limites de inserção da obra sob um gênero determinado, como é o caso em grande parte da obra em prosa do autor. Além disso, a edição de Viagem à Itália legou-nos relatos como "O Carnaval romano" ou "A vida de Filippo Neri, o santo brincalhão", excertos que não têm relação direta com a experiência italiana de Goethe, mas contribuem para a criação de uma atmosfera que reconheceremos mais tarde em obras como o Segundo Fausto e Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Viagem à Itália é uma espécie de mosaico no qual se pode reconhecer a presença das idiossincrasias e das pequenas e grandes obsessões que Goethe cultivou ao longo desses anos, assim como pontos fundamentais de seu pensamento estético.

No âmbito da vida pessoal do autor, o desejo pela Itália é confessado como uma patologia, como um mal a que apenas a contemplação e experimentação direta dos objetos do desejo poderia curar. Inspirado pela viagem anterior feita pelo pai e pelos objetos que lhe foram familiares na infância, trazidos por aquele, Goethe confessará "sua doença e sua estupidez", pois

já há alguns anos não era capaz de contemplar qualquer autor latino, não podia mesmo contemplar coisa alguma que me trouxesse uma imagem da Itália. Se por acaso isso acontecesse, doía-me terrivelmente a alma. [...] Não tivesse eu tomado a decisão que levo adiante agora, teria já sucumbido, tão intenso era em mim o desejo de ver tais objetos com meus olhos (GOETHE 1981: 98).2 2 "Schon einige Jahre her durft' ich keinen lateinischen Autor ansehen, nichts betrachten, was mir ein Bild Italiens erneute. Geschach es zufällig, so erduldete ich die entsetzlichsten Schmerzen. ... Hätte ich nicht den Entschluß gefaßt, den ich jetzt ausführe, so wär' ich rein zugrunde gegangen: zu einer solchen Reife war die Begierde, diese Gegenstände mit Augen zu sehen, in meinem Gemüt gestiegen."

A despeito disso, se tomarmos a narrativa de Goethe como uma narrativa que decorre, em maior ou menor medida, da experiência vivida, é inevitável depararmo-nos com o reconhecimento da falha. Ao longo dos dois anos de sua permanência na Itália, Goethe deixa claro ao leitor que o produto final desse contato direto com os objetos da Antiguidade e com as paisagens inéditas que tinha a sua frente seria sua formação como pintor de paisagens. Desde o começo em Roma, até a viagem à Sicília e o retorno a Roma e Frascati, em todas as estações da viagem, Goethe se faz acompanhar por pintores. Tischbein, Hackert, Kniep, são nomes citados ao longo da narrativa como mestres e como companheiros de viagem. É possível acompanhar o processo por meio do qual o entusiasmo e excitação iniciais vão sendo substituídos por uma promessa a ser cumprida sempre mais adiante, até a renúncia final declarada. A linguagem de Goethe, especialmente nas cartas enviadas a Weimar, demonstram esse progressivo afastar-se de sua formação como pintor, até o reconhecimento final de que lhe faltava, se não a vocação, o talento:3 3 Esse processo será retomado cerca de oito anos depois da volta da Itália como base para o itinerário de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, no qual Goethe tratará do processo de formação do neófito não como pintor, mas como ator. Dois trechos da segunda temporada em Roma, que aconteceu entre julho de 1787 e abril de 1788, ilustram esses registros que se repetem com frequência, tanto nas cartas como nas notas acrescentadas em retrospecto:

23 de agosto de 1787

[...] Sofri realmente um processo de renovação e aprendizado. Sinto que a soma de minhas forças se concentra, e tenho a esperança de conseguir ainda produzir algo. Tenho refletido seriamente sobre a pintura de paisagem e a arquitetura, tenho também me arriscado eu próprio em alguma coisa, de modo que agora quero ver até onde isso pode me levar (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 386).4 4 "Ich bin wirklich umgeboren und erneut und ausgefüllt. Ich fühle, daß sich die Summe meiner Kräfte zusammenschließt, und hoffe etwas zu tun. Über Landschaft und Architektur habe ich diese Zeit her ernstlich nachgedacht, auch einiges versucht und sehe nun, wo es damit hinaus will, auch wie weit es zu bringen wäre."

Cerca de um mês depois, Goethe já admite ter fracassado, como se pode ver pelo trecho abaixo:

22 de setembro de 1787

Entre tanta coisa boa que trarei comigo em meu pequeno barco quando voltar, estará acima de tudo um coração feliz, capaz de desfrutar a ventura do amor e da amizade que me dedicam. Nunca mais terei de empreender algo que esteja além de minhas habilidades, algo frente ao qual me debato apenas, sem conseguir criar nada (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 398, grifo meu).5 5 "Wie manches werd' ich mitbringen, wenn ich mit meinem Schiffchen zurückkehre, doch vor allem ein fröhliches Herz, fähiger, das Glück, was mir Liebe und Freundschaft zudenkt, zu genießen. Nur muß ich nichts wieder unternehmen, was außer dem Kreise meiner Fähigkeit liegt, wo ich mich nur abarbeite und nichts fruchte."

Um ano depois, em setembro de 1787, lê-se:

Espíritos superiores e cheios de energia não se contentam com o prazer, eles exigem conhecimento. Este os leva à atividade independente, e, se têm sucesso nela, sentem por fim que não é possível julgar nada que não se possa também produzir. O homem não tem, entretanto, noção disso, e daí resultam aspirações errôneas, que se tornam tão mais angustiantes quanto mais a intenção seja honesta e clara. Por esse tempo, começaram a surgirem-me dúvidas e suposições que me trouxeram intranquilidade em meio a essas condições tão agradáveis. Pois logo tive que reconhecer que o desejo e a intenção de minha estada aqui dificilmente poderiam ser realizados (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 409-410, grifo meu).6 6 "Lebhaft vordringende Geister begnügen sich nicht mit dem Genusse, sie verlangen Kenntnis. Diese treibt sie zur Selbsttätigkeit, und wie es ihr nun auch gelingen möge, fühlt man zuletzt, daß man nichts richtig beurteilt, als was man selbst hervorbringen kann. Doch hierhüber kommt der Mensch nicht leicht ins klare, und daraus entstehen gewisse falsche Bestrebungen, welche um desto ängstlicher werden, je redlicher und reiner die Absicht ist. Indes fingen mir in dieser Zeit an Zweifel und Vermutungen aufzusteigen, die mich mitten in diesen angenhemen Zuständen beunruihgten; denn ich mußte bald empfinden,daß der eigentliche Wunsch und die Absicht meines Hierseins schwerlich erfüllt werden dürfte."

Em termos práticos, o reconhecimento da falha leva Goethe a retomar seus trabalhos literários, sendo que Egmont, Ifigênia e Erwin e Elmira, um pequeno drama musical, são terminados na Itália e enviados à Alemanha antes da volta de Goethe. Por outro lado, a convivência com artistas, com as obras de arte da Antiguidade e com a natureza, principalmente a siciliana, darão ensejo a alguma sistematização estética, como se poderá ver adiante.

No que diz respeito especificamente à experiência estética de Goethe, é possível abordá-la a partir da perspectiva de sua relação com a forma. Em um trecho da Metamorfose das plantas, em 1817, Goethe dirá:

Da Itália, a rica em formas, fui mandado de volta à Alemanha, a informe. Fui obrigado a trocar o céu límpido e claro por um céu sombrio; os amigos, em lugar de me consolarem e chamarem-me novamente a si, levaram-me ao desespero. Meu encantamento pelos objetos longínquos e quase desconhecidos, meu sofrimento, minhas queixas frente ao que perdi pareciam molestá-los. Perdi a simpatia de todos, ninguém entendia a minha língua (GOETHE 1891: 131).7 7 "Aus Italien dem formreichen war ich in das gestaltlose Deutschland zurückgewiesen, heiteren Himmel mit einem düsteren zu vertauschen; die Freunde, statt mich zu trosten und wieder an sich zu ziehen, brachten mich zur Verzweiflung. Mein Entzücken über ertfernteste, kaum bekannte Gegenstände, mein Leiden, meine Klage über das Verlorene schien sie zu beleidigen, ich vermißte jeder Teilnahme, niemand verstand meine Sprache."

Goethe resumirá portanto sua experiência na Itália como formreich, rica em formas. Sob o termo, podemos entender tanto a diversidade de objetos da Antiguidade e da Renascença que Goethe teve sob os olhos, como uma alusão à oscilação entre o belo, o rico em formas e o sublime. A forma guia a experiência com os objetos e fenômenos inéditos, seja por meio de julgamentos espontâneos, provavelmente emitidos no calor da hora, seja por meio de ponderações acrescidas posteriormente ao texto, imbuídas já da reflexão e da leitura de Kant.

Posto isso, podemos nos dedicar a inventariar as diferentes dicções e registros textuais que se manifestam ali. Entre o registro do diário e o da correspondência, Goethe lança mão frequentemente do vocativo e da referência a seus leitores, os "amigos" que ele deixou em Weimar ignorantes de seu paradeiro, paradeiro esse que só revelará uma vez já estabelecido em Roma. Em 1º de novembro de 1786, depois de ter chegado a Roma em 29 de outubro, Goethe finalmente se revela aos "amigos" que deixara para trás:

Finalmente posso quebrar o silêncio para saudar meus amigos com o ânimo elevado. Perdoai-me o segredo e a viagem clandestina até aqui. Não ousava dizer nem a mim mesmo qual era o meu destino, mesmo a caminho eu tinha ainda receio, e só agora, sob a Porta del Popolo, estou certo de ter alcançado Roma. Lembro-me de vós a toda hora, na presença de objetos que nunca imaginei chegar a ver sozinho. Pois ao ver-vos todos atados de corpo e alma ao norte, ao ver todo o apetite por esta região desaparecer, decidi-me a fazer este longo e solitário caminho para alcançar o centro ao qual uma atração irresistível me atraía. Sim, pois nos últimos anos uma espécie de doença me atingiu, da qual poderia ser curado apenas pela visão e pela presença. Agora posso confessá-lo: nos últimos tempos, mal conseguia suportar a presença de um livro em latim, mal podia ver o desenho de uma região italiana. O desejo de conhecer esta terra estava mais do que maduro. Uma vez que foi satisfeito, voltam a ser os amigos e a terra natal amados e o retorno ansiado, mais ansiado ainda porque sinto que não trarei comigo muitos tesouros para minha posse e uso privado, mas sim que eles deverão servir de orientação e estímulo a mim e a outros por toda a vida (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 125, grifo meu).8 8 "Endlich kann ich den Mund auftun und meine Freunde mit Frohsinn begrüßen. Verziehen sei mir das Geheimnis und die gleichsam unterirdische Reise hierher. Kaum wagte ich mir selbst zu sagen, wohin ich ging, selbst unterwegs fürchtete ich noch, und nur unter der Porta del Popolo war ich gewiß, Rom zu haben. Und laßt mich nun auch sagen, daß ich tausendmal, ja beständig eure gedenke in der Nähe der Gegenstände, die ich allein zu sehen niemals glaubte. Nur da ich jedermann mit Leib und Seele in Norden gefesselte, alle Anmutungen nach diesen Gegenden verschwunden sah, konnte ich mich entschließen, einen lange, einsamen Weg zu machen und den Mittelpunkt zu suchen, nach dem mich ein unwiderstehliches Bedürfnis hinzog. Ja, die letzten Jahre wurden es eine Art von Krankheit, von der mich nur der Anblick und die Gegenwart heilen konnte. Jetzt darf ich es gestehen; zuletzt durft' ich kein lateinisch Buch mehr ansehen, keine Zeichnung einer italienischen Gegend. Die Begierde, dieses Land zu sehen, war überreif:da sie befriedigt ist, werden mir Freunde und Vaterland erst wieder recht aus dem Grunde lieb und die Rückkehr wünschenswerter, da ich mit Sicherheit empfinde, daß ich so viele Schätze nicht zu eignem Besitz und Privatbrauch mitbringe, sondern daß sie mir und andern durchs ganze Leben zur Leitung und Fördernis dienen sollen."

O trecho é crucial para que se evidencie a polarização encontrada ao longo de todo o texto da narrativa, a polarização entre o norte sombrio e a luz mediterrânea, entre o clima no qual vivem os "cimérios" e a vida ao ar livre dos italianos, entre as escassas obras da Antiguidade as quais já pudera contemplar na Alemanha e a delirante profusão de ruínas, estátuas e templos que Goethe encontrará na Itália, aliada a uma natureza rica, exótica e variada. O "pobre homem do Norte" terá ali a oportunidade, nunca mais repetida, de exercitar o olhar, visitando os mesmos monumentos e objetos repetidas vezes e criando para si um repertório que reaparecerá em obras como Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister e o Segundo Fausto. Esse repertório, constituído principalmente na memória, será também concretizado em pequenos objetos e desenhos, que o viajante levará de volta consigo. A meio caminho de Ferrara a Roma, Goethe chama a atenção dos amigos para um sonho que tivera cerca de um ano antes, o qual dá margem a interpretações alusivas ao seu desejo de ser bem recebido em sua volta, como um homem que saíra à caça de tesouros alcançáveis apenas por aqueles que arriscam distanciar-se.9 9 Ao se afastar de seus "amigos" em Weimar, onde se encontrava já havia onze anos, Goethe afasta-se também de seu empregador, o Duque Karl August, o qual, entretanto, mantém ainda o pagamento a seu Conselheiro. Ao que consta, Goethe gastou cerca de três mil táleres de seu próprio patrimônio, sendo outros quatro mil produto desse salário. Nota-se a importância de manter-se em boas relações com Weimar, do ponto de vista afetivo, mas também financeiro. Eis a narração do sonho:

Devo relembrar aos amigos um sonho que tive, há cerca de um ano, que me pareceu bastante significativo. Sonhei que aportava, a bordo de um bote extremamente grande, em uma ilha de rica vegetação e árvores frutíferas, onde eu sabia haver os mais belos faisões. Negociei imediatamente essas aves com os habitantes da ilha, que mas trouxeram ao barco em abundância, já abatidas. Eram mesmo faisões, mas, como os sonhos cuidam de transformar tudo, era possível ver longas faixas coloridas e pontilhadas por manchas em forma de olhos, como nos pavões e aves-do-paraíso. Foram trazidos a bordo e depositados com as cabeças para o lado de dentro do barco, arranjados de modo tão gracioso que a penugem longa e colorida, pendendo para fora, constituía, à luz do sol, um volume magnífico, e em tamanha profusão que mal sobrara espaço para o timão e os remos. Cruzamos assim as águas tranquilas do rio, enquanto eu já pensava nos amigos com quem compartilharia a notícia desse tesouro colorido. Por fim, ao ancorar em um grande porto, vi-me perdido entre enormes navios à vela, subindo de convés a convés, à procura de um lugar seguro para aportar meu pequeno barco. Alegramo-nos com tais imagens insensatas porque elas, brotando de nosso íntimo, devem necessariamente possuir analogia com nossa vida mesma e nosso destino (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 108).10 10 "Indem ich mich nun in dem Drang einer solchen Überfüllung des Guten und Wünschenswerten geängstigt fühle, so muß ich meine Freunde an einen Traum erinnern, der mir, es wird eben ein Jahr sein, bedeutend genug schien. Es träumte mir nähmlich, ich landete mit einem ziemlich großen Kahn an einer fruchtbaren, reich bewachsenen Insel, von der mir bewußt war, daß daselbst die schönsten Fasanen zu haben seien. Auch handelte ich sogleich mit den Einwohnern um solches Gefieder, welches sie auch sogleich häufig, getötet, herbeigebrachten. Es waren wohl Fasanen, wie aber der Traum alles umzubilden pflegt, so erblickte man lange, farbig beaugte Schweife, wie von Pfauen oder seltenen Paradiesvögeln. Diese brachte man mir schochweise ins Schiff, legte sie mit den Köpfen nach innen, so zierlich gehäuft, daß die langen, bunten Federschweife, nach außen hängend, im Sonnenglanz den herrlichsten Schober bildeten, den man sich denken kann, und zwar so reich, daß für den Steuernden und die Rudernden kaum hinten und vorn geringe Räume verblieben. So durchnitten wir die ruhige Flut, und ich nannte mir indessen schon die Freunde, denen ich von diesen bunten Schätzen mitteilen wollte.Zuletzt in einem großen Hafen landend, verlor ich mich zwischen ungeheur bemasteten Schiffen, wo ich von Verdeck auf Verdeck stieg, um meinem kleinen Kahn einen sicheren Landungsplatz zu suchen. An solchen Wahnbildern ergötzen wir uns, die, weil sie aus uns selbst entspringen, wohl Analogie mit unserm übrigen leben und Schicksalen haben müssen."

O sonho de Goethe, que, por sinal, utiliza o faisão como objeto de desejo, na esteira da famosa novela do faisão narrado no Decameron, é, como ele próprio diz, bastante significativo. Não é preciso nos esforçarmos muito para desdobrar seu significado mais imediato, o desejo de Goethe de ser bem recebido quando do retorno de sua caça aos tesouros da Itália, e sua insegurança quanto a essa mesma acolhida. De fato, a volta a Weimar dois anos depois confirmará essa etapa de isolamento de Goethe: "Não havia homem mais solitário do que eu então", escreverá Goethe trinta anos mais tarde, quando revisita a década de noventa.

Quais eram, afinal, esses objetos dos quais Goethe sente tanta falta e que se encontravam para sempre perdidos? Pois mesmo uma segunda viagem à Itália, que ocorreu efetivamente em 1790, quando Goethe passa algumas semanas em Veneza, não foi capaz de recuperar a mesma experiência e disposição de espírito. Em um dos Epigramas venezianos, Goethe chega mesmo a dizer que "Esta não é a Itália da qual me despedi dolorosamente." (GOETHE 1990 3 Esse processo será retomado cerca de oito anos depois da volta da Itália como base para o itinerário de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, no qual Goethe tratará do processo de formação do neófito não como pintor, mas como ator. : 85).

O incomensurável, a natureza e o sublime

São frequentes, no texto de Viagem à Itália, as declarações de Goethe quanto à incapacidade dos sentidos de medir, representar, narrar ou descrever certos objetos e fenômenos, devido a sua magnitude, variedade e/ou incomensurabilidade. Os exemplos são muitos. O primeiro é o mais importante, por se tratar da primeira vez em que Goethe visita um monumento autêntico da Antiguidade, o Anfiteatro de Verona, em 16 de setembro de 1787. Depois de se rejubilar com o bom estado em que se encontra a obra, acentuando ser essa a sua primeira experiência frente a um monumento antigo, Goethe passa a discorrer sobre o tamanho descomunal do anfiteatro, que contempla de cima, sobre um dos níveis das arquibancadas:

Assim que entrei, melhor dizendo, quando de cima dei a volta ao edifício pareceu-me estranho estar vendo algo enorme e ao mesmo tempo não estar vendo nada. Não é uma construção par ser vista vazia, mas sim cheia de gente [...]. O povo fica perplexo ao se ver a si mesmo, quando se junta em multidões. Pois, acostumado a se ver andando disperso, vê-se agora, em volteios desordenados, essa manada extraordinária, esse animal vagante de muitas cabeças e muitos sentidos, indo de lá para cá, reunido agora em um organismo nobre, tornado em unidade, amalgamado e solidificado em uma massa, em uma forma habitada pelo espírito. A simplicidade da forma oval é perceptível aos olhos e pode ser experimentada da maneira mais agradável aos sentidos, sendo que cada cabeça é em si uma medida de quão extraordinariamente grande é o todo. Mas agora, ao vê-lo vazio, não se tem a medida, não se sabe se o anfiteatro é grande ou pequeno (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 40, grifo meu).11 1 "Als ich hineintrat, mehr noch aber, als ich oben auf dem Rande umherging, schien es mir seltsam, etwas Großes und doch eigentlich nichts zu sehen. Auch will es leer nicht gesehen sein, sondern ganz voll Menschen.... Wenn es das Volk sich so beisammen sah, mußte es über sich selbst erstaunen; denn da es sonst nur gewohnt, sich durcheinander laufen zu sehen, sich in einem Gewühle ohne Ordnung und sonderliche Zucht zu finden, so sieht das vielköpfige, vielsinnige, schwankende, hin und her irrendes Tier sich zu einem edlen Körper vereinigt, zu einer Einheit bestimmt, in eine Masse verbunden und befestigt, als eine Gestalt, von einem Geist belebt."

Por muitas vezes, Goethe se valerá de expressões semelhantes para dar vazão à perplexidade que se segue a sua contemplação dos edifícios muito grandes, das abóbadas muito altas, dos grandes espaços erguidos ao ar livre. Em Pádua Goethe é surpreendido pelo "tamanho descomunal" da sala de audiências do Conselho Municipal:

A sala de audiências do Conselho Municipal, chamada com justiça de Augmentativum Salone, é um espaço fechado de tamanho descomunal, difícil de se imaginar, também impossível de ser reproduzido na memória, mesmo que na mais recente (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 62).12 2 "Der Audienzsaal des Rathauses, mit Recht durch das Augmentativum Salone betitelt, das ungeheurste abgeschlossene Gefäß, das man sich nicht vorstellen, auch nicht einmal in der nächsten Erinnerung zurückrufen kann."

A primeira citação permite que se entenda a descrição do Anfiteatro de Verona como um objeto que desperta o prazer negativo do sublime ligado à ausência de forma e à quantidade. Vazio, o anfiteatro é informe e ilimitado. Parece estar-se vendo algo enorme e, ao mesmo tempo, não se estar vendo nada. Cheio, essa ausência de forma e essa ilimitação tornam-se belas, uma forma habitada pelo espírito. No entanto, são poucos os momentos do texto de Viagem à Itália em que Goethe relaciona nominalmente o termo "sublime" (das Erhabene) com a experiência subjetiva do abalo provocado pela natureza tremenda ou pela arte. Ainda assim, o texto é rico em ocorrências de descrições desse tipo, seja diante de uma erupção vulcânica, seja na descrição de uma tela de um pintor inglês que representa o dilúvio, seja diante dos monumentos da Antiguidade, como o estádio de Verona. Segundo o Goethe-Wörterbuch [Dicionário Goethe], são 370 ocorrências do termo "das Erhabene" em Goethe, e, na maior parte delas, cerca de um terço, no sentido de "qualidades humanas como grande, nobre (dotado de espírito), significativo, frequentemente com ênfase no caráter moral". Em segundo lugar, aparece o termo como designação atribuída a pessoas "respeitáveis, de grande distinção social, de alta hierarquia, em geral um epíteto destinado a príncipes ou soberanos." Por fim, a acepção que permeia sua compreensão do sublime subjetivo é definida pelo Dicionário Goethe como

incomensurável ou infinitamente grande (e tremendo), frequentemente na forma das Erhabene; em geral, empregado com referência à natureza e a Deus, na maior parte das vezes como uma manifestação desafiadora e percebida de modo ambivalente pelo espírito humano; ocorre frequentemente em reflexões, especialmente sobre a relação com o monstruoso ou insólito [Ungeheuren], nem sempre fácil de diferenciar do próprio sublime [Erhabenen] (Goethe-Wörterbuch, 1999: 304).13 3 O Dicionário Goethe afirma que "a obra de Pseudo-Longino Do sublime Vom Erhabenen que teve grande influência no século 18 e foi propagada por Bodmer e Breitinger, não teve 'qualquer papel no uso que Goethe fez do termo. Ao contrário, foi importante, desde a juventude até a idade avançada, a tematização da dominação do monstruoso/tremendo-sublime por meio da arte, que mais tarde adquirirá, para Goethe, por meio das Críticas kantianas, um fundamento ético.'"

Essa definição, extraída do próprio uso semântico em Goethe, é a que orienta seus encontros com objetos que escapam a sua capacidade de expressão verbal ou de reconstituição na memória e na imaginação, ainda que o termo seja poucas vezes usado.

Mas não são apenas as grandes extensões construídas pelo homem que escapam a sua capacidade de apreensão sensível. Também a riqueza da terra cultivada, a grandiosidade do mar e a violência da montanha fumegante escapam a sua capacidade discursiva:

Nápoles, 17 de março.

Ainda que eu queira escrever palavras, a mim aparecem sempre imagens aos olhos, da terra frutífera, do mar sem limites, das ilhas perfumadas, da montanha que expele fumaça, sendo que me faltam os sentidos capazes de representar tudo isso (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 209).14 4 " Wenn ich Worte schreiben will, so stehen mit immer Bilder vor Augen des fruchtbaren Landes, des freien Meeres, der duftigen Insel, des rauchenden Berges, und mir fehlen die Organe, das alles darzustellen."

É, entretanto, no sublime representado na pintura que Goethe se aproximará do sublime da natureza bruta como o descreverá Kant. Na pintura, o impacto causado pela representação do terrível pode ser contemplado "a distância", o que preserva a racionalidade daquele que o contempla, afastando o temor:

Estive depois com Angélica em visita ao inglês Moore, um pintor de paisagens, cujos quadros em sua maioria têm uma composição bastante afortunada. Entre outras coisas há uma pintura do Dilúvio que é algo único. Ao contrário de outros, que pintam um mar aberto, o que dá sem dúvida a ideia de amplitude, mas não de altura das águas, ele imaginou um vale isolado entre as montanhas, no qual as águas crescentes acabam por irromper. Pela forma das rochas pode-se perceber que o nível das águas se aproxima do cume. Isso causa um efeito amedrontador, uma vez que o vale se fecha em diagonal e as rochas são muito íngremes. O quadro todo é em tons de cinza, a água suja e revolta une-se à chuva que cai, e as formidáveis massas de água caem das montanhas como se quisessem diluir-se também no elemento universal. O sol brilha como uma lua pálida sobre o corredor de água, sem iluminar nada, e ainda nem mesmo é noite. No centro do primeiro plano há uma superfície isolada de rocha plana, sobre a qual alguns infelizes buscam momentânea salvação, pois as águas subirão e cobrirão a todos (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 366-367).15 5 "Dann war ich mit Angelika bei dem Engländer Moore, einem Landschaftsmaler, dessen Bilder mehr trefflich gedacht sind, Unter andern hat er eine Sundflut gemalt, das etwas Einziges ist. Anstatt daß andere ein offenes Meer genommen haben, das immer nur die Idee von weiten, aber nicht hohen Wasser gibt, hat er ein geschlossenes hohes Bergtal vorgestellt, in welches die immer steigenden Wasser endlich auch hereinstürtzen. Man sieht an der Form der Felsen, daß der Wasserstend sich dem Gipfel nähert, und dadurch, daß es hinten quervor zugeschlossen ist, die Klippen alle steil sind, macht es einen fürchterlichen Effekt. Es ist gleichsam nur grau in grau gemalt, das schmützige aufgewühlte Wasser, der triefende Regen verbinden sich aufs innigste, das Wasser stürtzt und trieft von den Felsen, als wenn die ungeheueren Massen sich auch in dem allgemeinen Element auflösen wollten, und die Sonne blickt wie ein trüber Mond durch den Wasserflohr durch, ohne zu erleuchten, und doch ist es nicht Nacht. In der Mitte des Vordergrundes ist eine flache isolierte Felsenplatte, auf die sich einige hülflose menschen retten in dem Augeblick, daß die Flut heranschwillt und sie bedecken will.".

Na citação acima, é possível perceber que Goethe busca, algo intencionalmente, a representação do sublime na natureza bruta. Uma vez que o próprio Dicionário Goethe aponta para uma afinidade do sublime em Goethe com a Terceira Crítica de Kant, seguimos então trechos da "Analítica do sublime" para encontrar ali a possível fonte filosófica das descrições do sublime da natureza em Viagem à Itália. A Crítica da faculdade de julgar, publicada entre 1790-1793, pode ser considerada um resumo sistemático de um discurso sobre o sublime na Alemanha do século 18. É fato conhecido que Goethe teve acesso ao texto de Kant já no começo da década de 1790. No parágrafo 23 da Crítica, intitulado de "Passagem da faculdade de ajuizamento do belo à de ajuizamento do sublime", Kant oporá o sublime ao belo pois o primeiro é "contrário a fins para nossa faculdade de juízo, inconveniente à nossa faculdade de apresentação e, por assim dizer, violento para a faculdade de imaginação" (KANT: 2002, 91).16 6 "Zweckwidrig für unsere Urteilskraft, unangemessen userem Darstellungsvermögen, und gleichsam gewalttätig für die Einbildungskraft." Como prazer negativo, o sublime se dá por meio de um movimento de oscilação entre a repulsa e a atração, provocadas pela natureza mostrada "em seu caos ou em suas mais selvagens e desregradas desordem e devastação" (KU B 78).

Assim, apenas a natureza bruta, ou seja, a "natureza como poder" (Kant 2002KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.: 106) pode apresentar o sublime. Se a natureza deve ser julgada por nós como sublime, diz Kant, "então ela tem que ser representada como suscitando medo" (KANT 2002KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.: 106). No entanto, é possível considerar um objeto como temível sem temer diante dele, "quando o ajuizamos imaginado simplesmente o caso17 7 "Daß wir uns bloß den Fall denken..." em que porventura quiséssemos opor-lhe resistência e que em tal caso toda resistência seria de longe vã" (KANT 2002KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.: 107, grifo meu). Desse modo, o aspecto temível do sublime é mediado pela representação, na imaginação ou na arte, como é o caso em Goethe, do aspecto terrível da natureza revolta. O espectador contempla a violência das águas "em segurança", o que lhe permite não temer por si. O processo, mediado pela consciência, resulta no chamado prazer negativo. Nos termos de Hartmut Böhme: "O caos que inunda o aparato da percepção sensível é afastado por meio de um ato da consciência, tornando-se então um prazer negativo. Prazer negativo significa aqui a transformação da experiência de enfraquecimento e descentralização do eu sensível em um elemento que favorece o início de um processo de autoconscientização desse eu como sujeito racional inteligível. A distância qualitativa e intelectual favorece o aparecimento de uma consciência de um eu que se eleva sobre a natureza devastada. É esse o lado prazeroso do sublime." (BÖHME 1989BÖHME, Harmut.Das Steinerne: Anmerkungen zur Theorie des Erhabenen aus dem Blick des "Menschensfremdesten". In: PRIEST, Christine. Zwischen Grenzenerfahrungen und Größen Wahn.Weinheim: 1989, 160-182.: 162).18 8 "das Chaos, das den sinnlichen Wahrnehmungsapparat überflutet,wird durch einen Akt des Bewußtseins in Distanz gesetzt und als Negativreiz gebraucht. Negativreiz - das meint hier: die Erfahrung der Schwäche und Dezentrierung des sinnlich-leiblichen Ichs wird zum Anlasser eines Prozesses der Selbstbewußtwerdung als intelligibles Vernunft-Subjekt. Die qualititative, nämlich intellektuelle Distanz bringt das Bewußtsein eines über alle Verwüstungen der Natur erhabenen Selbst hervor: das ist die lustvolle Seit des Erhabenen." A descrição da natureza como poder, em Kant, evidencia esse primeiro abalo sofrido pelo eu da contemplação sensível, que se torna logo depois o prazer da descoberta da capacidade de resistência:

Rochedos audazes sobressaindo-se por assim dizer ameaçadores, nuvens carregadas acumulando-se no céu, avançando com relâmpagos e estampidos, vulcões em sua inteira força destruidora, furacões com a devastação deixada para trás, o ilimitado oceano revolto, uma queda d´água de um rio poderoso etc. tornam nossa capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação com seu poder. Mas o seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é, contanto que, somente, nos encontremos em segurança; e de bom grado denominamos esses objetos sublimes, porque eles elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, a qual nos encoraja a medir-nos com a aparente onipotência da natureza (Kant 2002KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.: 107, grifo meu).19 9 "Kühne überhangende gleichsam drohende Felsen, am Himmel sich auftürmende Donnerwolken, mit Blitzen und Krachen einherziehend, Vulkane in ihrer ganzen zerstörenden Gewalt, Orkane mit ihrer zurückgelassenen Verwüstung, der grenzenlose Ozean, in Empörung gesetzt, ein hoher Wasserfall eines mächtiges Flusses u. d. gl. machen unser Vermögen zu widerstehen, in Vergleichung mit ihrer Macht, zur unbedeutenden Kleinigkeit. Aber ihr Anblick wird nur um desto anziehender, je furchtbarer er ist, wenn wir uns nur in Sicherheit befinden; und wir nennen diese Gegenstände gern erhaben, weill sie die Seelenstärke über ihr gewöhnliches Mittelmaß erhöhen, und ein Vermögen zu widerstehen von ganz anderer Art in uns entdecken lassen, welches uns Mut macht, uns mit der scheinbaren Allgewalt der Natur messen zu können."

Na descrição do quadro de Moore feita por Goethe, a natureza representada não permite que se instale o temor que as forças brutais da natureza provocariam no espectador, pois este se encontra em segurança, distanciado, em uma relação mediada pela arte. Goethe repete, assim, o mesmo pressuposto de Kant quanto à apreciação sublime da natureza como poder e violência.

A relação de Goethe com o idealismo kantiano perpassa tanto a percepção do sublime na arte quanto aquela que é certamente a ideia mais intrigante gerada por suas investigações botânicas. Foi também durante a experiência italiana, em meio à rica diversidade botânica da Sicília, que Goethe teve a intuição da Planta Primordial. Em maio de 1787, Goethe, em Nápoles, escreve a Charlotte von Stein e a Herder:

Sob este céu é possível fazer as mais belas observações. Diga-lhe [a Herder] que já não tenho mais dúvidas, que claramente descobri onde se encontra o cerne das coisas, diga-lhe que agora sou capaz de contemplar tudo o mais no Todo e que apenas alguns pontos precisam ainda de melhor definição. A Planta Primordial será a criação mais prodigiosa do universo, pela qual a própria Natureza deverá invejar-me. Com esse modelo e essa chave, pode-se descobrir um número infinito de plantas, em uma série consequente. Isso quer dizer que, mesmo que não existam, sua existência seria certamente possível, não como sombra e aparência artística ou poética, mas sim dotadas de uma verdade e necessidade internas (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 323-323, grifo meu).20 20 "Unter diesem Himmel kann man die schönsten Beobachtungen machen. Sage ihm daß ich den Hauptpunkt wo der Keim stickt ganz klar und zweifellos entdeckt habe, daß ich alles übrige auch schon im Ganzen übersehe und nur noch einige Punckte bestimmter werden müssen. Die Urpflanze wird das wunderlichste Geschöpf von der Welt über welches mich die Natur selbst beneiden soll. Mit diesem eseyn müßen, das heißt: die, wenn sie auch nicht existiren, doch existiren könnten und nicht etwa mahlerische oder dichterische Schatten und Scheine sind, sondern eine innerliche Wahrheit und Nothwendigkeit haben."

Não é difícil reconhecer aqui, mais uma vez, um fundamento semelhante ao da teleologia kantiana, o da "finalidade intrínseca", que Goethe conhecerá em sua leitura da Crítica da faculdade de julgar.21 2 A esse respeito, ver meu artigo "Goethe e a filosofia da natureza", Revista Discurso, FFLCH USP, v. 42, 2012, p. 117-138. A Planta Primordial, forma que não pertence ao mundo dos fenômenos, permite pensar uma infinidade de outras formas, que, dada sua organicidade e finalidade intrínseca, poderiam existir no mundo sensível. Não é desmedido afirmar, portanto, que aquilo que Goethe experimentou imediatamente na Itália, as formas da arquitetura e da natureza, foram mediatizadas posteriormente pela sua leitura de Kant.

Catolicismo, desvario e grotesco

Mas não são apenas os objetos da Antiguidade e a diversidade da natureza que comovem e alimentam a percepção sensível de Goethe na Itália.22 22 Uma declarada antipatia pelos excessos da igreja especialmente ao que diz respeito ao uso de símbolos como a cruz e figuras de santos, será desenvolvida mais tarde no romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, no capítulo da Bela Alma, onde se narra o distanciamento progressivo de uma mulher em relação aos símbolos da fé. Ainda que ali se trate da fé pietista, Goethe demonstra a mesma aversão ao apego aos objetos sensíveis como intermediários da fé. Roma, como o centro do catolicismo, produz um efeito intenso e paradoxal na sensibilidade do autor. Os excessos imagéticos e êxtases místicos que Goethe presencia nas missas e celebrações católicas, o culto às relíquias e o testemunho de atos prodigiosos são sintetizados em uma breve narrativa inserida no texto de Viagem à Itália, na qual Goethe narra a biografia de "Filippo Neri, o santo brincalhão", um monge dominicano do século 16. Em um registro que oscila entre a galhofa e a perplexidade e mesmo a admiração, somos apresentados a esse homem, líder da irmandade dominicana e personagem de uma Roma mais do que católica, supersticiosa e crente. A Neri eram atribuídos inúmeros talentos misteriosos, como a capacidade de levitar, o êxtase religioso e a capacidade de conjurar e exorcizar espíritos:

É certo que, para ser capaz dessas ousadias e ser ainda assim capaz de atos moralíssimos, é preciso ser um grande homem como Filippo Neri, cujas ações muitas vezes foram tomadas por milagres. [...]. Suas orações fervorosas, feitas em êxtase, por parecerem sobrenaturais, colocavam a audiência em um estado de perplexidade, no qual as pessoas acreditavam estar experimentando com os sentidos aquilo que a imaginação, provocada pela emoção, configurava em seus espíritos (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 469-470).23 23 "Freilich dergleichen zu wagen und dennoch die größten sittlichen Wirkungen hervorzubringen, bedurfte es eines Mannes wie Philipp Neri, dessen Handlungen gar oft als Wunder anzusehen waren. ... sein brüstiges ekstatisches Gebet setzte seine Umgebung als übernatürlich in Erstauen, in einen Zustand, in welchen die Menschen wohl auch durch ihre Sinne zu erfahren glauben, was ihnen die Einbildungskraft, angeregt durch das Gefühl,, vorbilden mochte.

Esse pequeno trecho permite que se identifique um motivo comum em Goethe, que reconhece a vulnerabilidade dos sentidos frente a uma capacidade de imaginação inflamada.

O piedoso homem teria ainda avistado certa vez um espírito contraditório, de aparência simiesca, coxeando por entre ente as ruínas dos banhos antoninos, que desaparecera entre as ruínas e colunas fendidas ao ouvir-lhe a voz. Mais importante, porém, do que esse fato isolado, são os testemunhos calorosos de seus discípulos, os quais teriam sido agraciados por meio dos procedimentos do mestre com visões beatíficas como da mãe de Deus e outros santos. Ele, ciente de que figurações desse tipo são capazes de provocar uma espécie de vaidade intelectual e espiritual, assegurou que, por trás dessa claridade e beleza celestiais, ocultava-se a mais terrível treva. A fim de prová-lo, aconselhou-os a cuspir diretamente no rosto de tão adorável virgem, se sua imagem voltasse a lhes aparecer. Eles obedeceram-no, e deu-se que o sucesso comprovou-se, quando no lugar dela surgiu o espectro do diabo (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 470).24 24 "Oben zwieschen dem verfallenen Gemäuer der Antoninischen Bäder sieht wohl einmal der fromme Mann in äffischer Ungestalt ein widerwärtiges Wesen herumhupfen, das aber auf sein Geheiß also gleich zwischen Trümmern und Spalten verschwindet. Bedeutender jedoch als diese Einzelheit ist, wie er gegen seine Schüler verfährt, die ihn von seligen Erscheinungen, womit sie von Mutter Gottes und andern beglückt worden, mit Entzücken benachrichtigen. Er, wohl wissend, daß aus dergleichen Einbildungen ein geistlicher Dünkel, der schlimmste und hartnäckigste von allen, gewöhnlich entspringe, versichert sie deshalb, daß hinter dieser himmlischen Klarheit und Schönheit gewiß eine teuflische, häßliche Finsternis liege. Dieses zu erproben, gebietet er ihnen: bei der Wiederkehr einer so holdseligen Jungrau ihr gerade ins Gesicht zu speien;sie gehorchen, und der Erfolg bewährt sich,inden er auf der Stelle eine Teufellarve hervortritt."

O misto de ironia e perplexidade com que Goethe trata os rituais da religião católica nesta sua Viagem à Itália permite, ainda, que se vislumbre uma provável inspiração para o regime das manifestações fantasmagóricas que habitam os seus Faustos. Veja-se episódio "Cozinha da bruxa" do Primeiro Fausto, no qual criaturas simiescas e coxeantes fazem intenso contraste com o espectro ideal de Helena, ou ainda o episódio dos lêmures ("Inumação" e "Grande átrio do palácio") no Segundo Fausto, para citar apenas dois exemplos. Aqui, essas imagens harmonizam-se com a dicção presente na narração de Viagem à Itália, na qual os excessos da mitologia católica são apresentados sob uma perspectiva jocosa e mesmo com algum desprezo. Da mesma forma que a Itália lhe trouxe a experiência estética da Antiguidade, trouxe-lhe também os excessos visuais e extáticos do catolicismo. A narrativa sobre Filippo Neri sintetiza as observações encontradas ao longo de todo o texto, já desde os primeiros dias da primeira temporada romana. Mesmo no Vaticano, fascinado pela pompa e hierarquia das cerimônias católicas, Goethe revela seu desagrado frente aos excessos de devoção pelas imagens, sugerindo até mesmo que as obras da Renascença, como os afrescos de Rafael, estariam sofrendo dano físico causado pelo excesso de devoção dos crentes, pela fumaça das velas. Nem mesmo o Papa escapará do "pecado original" do protestante Goethe, que vê o Santo Padre "zunindo e sussurrando de um lado para o outro", ao passo que o autor esperava que ele "abrisse sua boca dourada e nos deleitasse a todos" (GOETHE 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 127).

A dicção de Goethe para falar sobre os excessos do catolicismo é muito próxima daquela que ele usará para descrever aquele conjunto que talvez seja o mais inesperado nessa narrativa. O Palácio do Príncipe de Pallagonia, em Palermo, dá origem a uma descrição do aspecto grotesco, como que uma extensão da percepção sobre os excessos religiosos, não faltando mesmo ao fim uma fusão entre ambos. É possível ter a medida de sua aversão "clássica" ao estilo moderno e grotesco da construção e decoração dos salões, uma espécie de sarabanda demoníaca onde épocas e estilos se encontram misturados e empilhados uns sobre os outros, como se pode ler na saborosa descrição que segue:

A fim de narrar em toda a sua extensão os desvarios do príncipe, fornecemos uma espécie de inventário. Figuras humanas: mendicantes do sexo masculino e feminino, espanhóis e espanholas, turcos, corcundas, todo tipo de deformações, anões, músicos, polichinelos, soldados em trajes antigos, deuses e deusas, gente vestida à antiga maneira francesa, soldados carregando as sacolas de munição e calçando coturnos, mitologia misturada a ingredientes farsescos: Aquiles e Quíron junto com Polichinelo. Animais: apenas partes, cavalos com mãos humanas, macacos deformados, muitos dragões e serpentes, todos os tipos de patas nas mais diferentes figuras, duplicação e troca das cabeças. Vasos: todo tipo de monstros e arabescos, que terminavam lá em baixo no ventre dos vasos e nos suportes sob eles. Pense-se em tais figuras, empilhadas umas sobre as outras, surgidas sem qualquer espírito ou racionalidade, e reunidas também sem escolha prévia ou intenção, imagine-se esses pedestais e outras deformidades alinhadas a perder de vista e de modo desconexo, então será possível compartilhar o sentimento desagradável que acomete aquele que se vir perseguido por essas chicotadas desferidas pelo desvario. [...] O que há de mais avesso aos sentidos nessa forma de pensar é o fato de que as cornijas das casinhas pendem para um lado ou para o outro, de modo que o sentido para o nível horizontal e para a direção perpendicular, que nos tornam propriamente humanos e constituem a base para todo equilíbrio e harmonia é em nós destruído e torturado. Da mesma forma, também essa sequência de telhados é toda enfeitada com hidras e pequenos bustos, com coros de macacos fazendo música e outros disparates semelhantes. Dragões e deuses intercalam-se, um gigante Atlas traz nos ombros um barril de vinho, em lugar da esfera celeste (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002., p. 244-245).25 25 "Daß wir aber die Elemente der Tollheit des Prinzen Pallagonia vollständig überliefern, geben wir nachstehendes Verzeichnis. Menschen: Bettler, Bettlerinnen, Spanier, Spanierinnen, Mohren, Türken, Bucklige, alle Arten Verwachsene, Zwerge, Musikanten, Pulcinelle, antike kostümierte Soldaten, Götter, Göttinen, altfranzösich Gekleidete, Soldaten mit Patrontaschen und Gamaschen, Mythologie mit fratzenhaften Zutaten: Achill und Chiron mit Pulcinell. Tiere: nur Teilen derselben, Pferd mit Menschehänden, Pferdekopf auf Menschenkörper, entstellte Affen, viele Drachen und Schlangen, alle Arten von Pfoten an Figuren aller Art, Verdoppelungen, Verwechslungen der Köpfe. Vasen: alle Arten von Monstern und Schnörkeln, die unterwärts zu Vaserbäuchen und Untersätzen endigen."

A descrição da capela, por sua vez, confirma a aversão de Goethe quanto aos excessos com os objetos de devoção, de maneira hilariante:

Para descrever a capela seria necessário preencher um caderno inteiro. Aqui se encontra a chave para todo o desvario que só poderia proliferar em um espírito supersticioso a esse grau. Deixo-vos supor o tipo de simulacro de uma devoção mal orientada que se encontra aqui. Mas não posso deixar de mencionar o melhor. Bem rente ao teto foi colocado um crucifixo de madeira de bom tamanho, pintado em cores naturais e laqueado em dourado. Foi colocado um gancho no umbigo do Crucificado, do qual pende um corrente fixada por sua vez na cabeça de um homem que ora, ajoelhado, figura essa que oscila no ar, pintada e laqueada como tudo o mais ali dentro, e que deve certamente simbolizar a crença inquebrantável do proprietário da capela. [...] Kniep, cujo sentido artístico foi levado ao desespero nessa casa de loucos, mostrou-se pela primeira vez impaciente. Quis que eu me apressasse a gravar e esquematizar os elementos dessa aberração. Teve suficiente boa vontade para desenhar ainda algumas das composições, a única que de fato podia compor uma espécie de quadro. Representa uma égua sentada em uma poltrona jogando cartas com um cavaleiro com cabeça de grifo, vestido à moda antiga, usando uma grande peruca e uma coroa. A cena alude ao singularíssimo, mesmo depois de todo disparate, brasão da casa Pallagonia: um sátiro apresenta um espelho a uma mulher com cabeça de cavalo. (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 247)26 26 "Die Kapelle zu beschreiben, wäre allein ein Heftchen nötig. Hier findet man den Aufschluß über den ganzen Wahnsinn, der nur in einem bigotten Geiste bis auf diesen Grad wuchern konnte. Wie manches Fratzenbild einer irregeleiteten Devotion sich hier befinden mag, geb' ich zu vermute, das Beste jedoch will ich nicht vorenthalten. Flach an der Ecke nämlich ist ein geschnitztes Kruzifix von ziemlicher Größe befestigt, nach der Natur angemalt, lackiert mit untermischter Vergoldung. Dem Gekreuzigten in den Nabel ist ein Haken eingeschraubt, eine Kette aber, die davon herabhängt, befestigt sich in den Kopf eines knieend betendenden, in der Luft schwebenden Mannes, der, angemalt und lackiert wie alle übrigen Bilder der Kirche, wohn ein Sinnbild der ununterbrochenen Andacht des Beistzers darstellen soll.... Kniepen,, dessen Künstlerischen Sinn innerhalb dieses Tollhauses zur Verzweiflung getrieben wurde, sah ich zum ersten Mal ungeduldig; er trieb mich fort, da ich mir die Elemente dieser dieser Unschöpfung einzeln zu vergegenwärtigen und zu schematiesieren suchte. Gutmütig genug zeichnet er zuletzt noch eine von den Zusammenstellungen, die einzige, die noch wenigsten eine Art von Bild gab. Sie stellt ein Pferdweib auf einem Sessel sitzend, gegen einem unterwärts altmodisch gekleideten, mit Greifenkopf, Krone und großer Perücke gezierten Kavalier Karte spielend vor und erinnert an das nach aller Torheit immer höchst merkwürdig Wappen des Hauses Pallagonia: ein Satyr hält einem weibe, das einem Pferdekopf hat, einen Spiegel vor." 27 27 Os trechos acima nos fazem lembrar, de algum modo, a descrição que o ainda não romântico Friedrich Schlegel faz, em seu Estudos sobre a poesia grega, de 1795, do saco de gatos, ou, em suas palavras, do armazém estético em que se havia transformado a literatura moderna: "Como em um armazém estético, encontram-se aqui lado a lado a poesia popular e a poesia de bom tom, e mesmo o metafísico procura, não sem sucesso, seu próprio sortimento: epopeias nórdicas ou cristãs para os amigos do norte e da cristandade; histórias fantasmagóricas para os apreciadores dos horrores místicos, e odes iroquesas ou canibais para os apreciadores de carne humana." (SCHLEGEL 1988: 122).

O Carnaval romano. Alegoria e licenciosidade

Aversão e deslumbramento serão relatados também no excerto sobre o Carnaval romano, que Goethe vivenciou por duas vezes. Seu relato refere-se à segunda, em fevereiro de 1787, dois meses antes de sua partida de Roma. Sob a perspectiva de Goethe, trata-se de um desfile desvairado que agrega uma literalmente incalculável multidão de gente a um regime de tempo antinatural, em que a ordem das coisas é, também literalmente, abolida. A ambiguidade sexual das fantasias, a promessa de licenciosidade e uma tendência à infração e mesmo ao crime fazem dessa descrição um belo exercício para as cenas fáusticas, ao mesmo tempo em que familiarizam o autor com alegorias avant la lettre. O primeiro parágrafo da narrativa resume o sentimento dúbio que essa festa dos sentidos provoca no "cimério":

Ao nos propormos a descrever o Carnaval romano, devemos esperar objeções quanto ao fato de que uma festa como essa não pode ser descrita. Uma tal massa viva de tantos objetos sensuais deveria movimentar-se apenas imediatamente frente aos olhos e ser contemplada e abarcada por cada um à sua maneira. Torna-se ainda mais séria essa objeção quando somos nós mesmos obrigados a confessar que, para um espectador estrangeiro que o vê pela primeira vez, o Carnaval romano não oferece uma impressão alegre, não oferece consolo aos olhos nem tranquiliza a alma. Não se vê mais a longa e estreita rua, coberta que está por uma multidão que se agita de um lado para o outro; mal se distingue alguma coisa em meio a esse tumulto, algo que os olhos possam fixar. O movimento é monótono, obtuso, o barulho, ensurdecedor e o fim do dia deixa-nos em um estado de grande intranquilidade e insatisfação. Todas essas objeções, entretanto, são anuladas quando contemplamos mais de perto (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 484).28 28 "Indem wir eine Beschreibung des Römischen Karnevals unternehmen, müssen wir den Einwurf befürchten, daß eine solche Feierlichkeit eigentlich nicht beschrieben werden könne. Eine so große lebendige Masse sinnlicher Gegenstände sollte sich unmittelbar vor dem Auge bewegen und von einem jeden nach seiner Art angeschaut und gefaßt werden. Noch bendenklicher wird diese Einwendung, wenn wir selbst gestehen müssen, daß das Römische Karneval einem fremden Zuschauer, der es zum erstenmal sieht und nur sehen will und kann, weder einen ganzen noch einen erfreulichen Eindruck gebe, weder das Auge sonderlich ergötze, noch das Gemüt befriedigte.Die lange und schmale Straße, in welcher sich unzählige Menschen hin und wider wälzen, ist nicht zu übersehen; kaum unterscheidet man etwas im dem Bezirk des Getümmels, den das Auge fassen kann. Die Bewegung ist einförmig, der Lärm betäubend, das Ende der Tage unbefriedigend. Allein diese Bendenklichkeiten sind gehoben, wenn wir uns näher erklären."

O trecho reforça, mais uma vez, a incapacidade da percepção pelos sentidos e da reprodução discursiva do impacto e incômodo provocados seja pela multidão informe, fenômeno que Goethe só conhecerá na Itália, seja pelo excesso de estímulos sensuais. Também mais uma vez a oscilação entre o belo e o terrível se faz presente, bastando que se altere a disposição subjetiva de quem contempla.

Dentre o elenco de tropos adversos que passam a ser considerados como belos está a alegoria. No final da década de 1780, em textos como "Sobre os objetos das artes figurativas", Goethe criticara os procedimentos alegóricos, seja como tropo literário, seja nas artes plásticas. Já no texto de Viagem à Itália, serão bem-vindas alegorias literais como a "musa da história da arte", "a musa trágica", "a musa da História", "uma cidade", todas consideradas agora "formas nobres" (GOETHE 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 510).

Por fim, é preciso lembrar como o Carnaval romano fornecerá suporte material para uma ideia presente já em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, que vem à público oito anos depois: as relações amorosas travadas entre membros de diferentes estamentos:

Da mesma forma, os trajes costumeiros de todos os estamentos da sociedade podem servir como fantasias. Empregados de estábulo vêm, munidos de suas grandes escovas, para escovar as costas de quem bem lhes aprouver. Cocheiros oferecem seus serviços com sua costumeira grosseria. [...]A distinção entre as camadas mais elevadas e as mais baixas parece anulada por um instante. Todos se aproximam de todos, cada um pega aquilo que vem a seu encontro, facilmente, e a ousadia e a liberdade alternam-se, sendo equilibradas por um bom humor geral (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 493; 485).29 29 "Ebenso müssen die gewöhnlichen Kleidungen aller Stände als Masken dienen. Stallknechten mit ihren großen Bürsten kommen, einem jeden, wenn es ihnen beliebt, den Rücken auszukehren. Vetturine bieten ihre Dienste mit ihrer gewöhnlichen Zudringlichkeit an.... Der Unterschied zwischen Hohen und Niedern scheint enen Augenblick aufgehoben; alles nähert sich einander, jeder nimmt, was ihm begegnet, leicht auf, und die wechselseitige Frechheit wird durch einen allgemeine gute Laune im Gleichgewicht erhaten."

O trecho poderia ser ilustrado, sem qualquer prejuízo, pelos pares amorosos que se formam no segundo romance do Meister, como os jocosos Philine e Friedrich ou mais graves Wilhelm e Natalie, uniões que foram saudadas por críticos como Bernd Witte como uma resposta (estética, não política) de Goethe aos eventos da Revolução Francesa.

Epopeia siciliana. Goethe como Ulisses

Dentre as muitas obsessões goethianas, a temporada na Sicília forneceu-lhe ainda a paisagem ideal para o que ele chamou uma concentração dramática da Odisseia, que considerava "possível, contanto que não se perca dos olhos a grande diferença entre o drama e a epopeia." Movido pela paisagem e atmosfera mediterrânea, Goethe retoma sua leitura de Homero, propondo-se à dramatização do tema de Nausícaa.

A claridade do céu, o hálito marinho, os odores, por meio dos quais as montanhas, o céu e o mar se diluem em um único elemento, tudo serve de alimento a meus propósitos. E quando vagueei por entre este belo jardim público, entre florescentes oleandros, por entre as copas carregadas das laranjeiras e limoeiros, detendo-me junto a árvores e arbustos que eu desconhecia, senti a influência estrangeira da maneira mais prazerosa. Convencido de que esta viva paisagem seria o melhor comentário à Odisseia, consegui um exemplar e li-o, segundo meu hábito, com grande envolvimento. Logo senti-me instado a produzir uma obra própria, a qual, por mais singular que possa ter parecido em um primeiro momento, sempre me fora cara e acabou por ocupar-me completamente. Foi quando concebi o pensamento de tratar de modo trágico o tema de Nausícaa (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 298-299).30 30 "Die Klarkeit des Himmels, der Hauch des Meeres, die Düfte, wodurch die Gebirge mit Himmel und Meer glaichsam in einem Element afgelöst wurden, alles dies gab Nährung meinen Vorsätzen; und indem ich in jenem schönen öffentlichen Garten zwischen blühenden Hecken von Oleander, durch Lauben von fruchtrageden Orangen- un und Zitronenbäumen wandelte und zwischen andern Bäumen und Sträuchen, die mir unbekannt waren, verweilte, fühlte ich den fremden Einfluß auf das aller angenehmste. Ich hatte mir, überzeugt, daß es für mich keinen besseren Kommentar zur "Odyssee" geben könne als eben gerade iese lebendige Umgebung, ein Exemplar verschafft und las nach meiner Art, mit unglaublichen Anteil. Doch wurde ich gar zur eignen Produktion angeregt, die, so seltsam sie auch im ersten Augeblicke schien, mir doch immer lieber ward und mich endlich ganz beschäftigte. Ich ergriff nämlich den Gedanken, den Gegenstand der Nausikaa als Tragödie zu behandeln."

A identificação de Goethe com o tema e o cenário é tão intensa que ele chega mesmo a se comparar a Ulisses, o estrangeiro incógnito:

Não há nada nessa composição que eu não pudesse representar a partir de minha própria experiência. Também eu em viagem, também correndo o perigo de despertar inclinações que, ainda que não tenham tido um fim trágico, poderiam certamente provocar alguma dor, algum perigo e algum dano. Também na mesma situação de pintar com cores vivas, para entreter a sociedade, objetos deixados a grande distância na pátria, aventuras de viagem e incidentes pessoais. Ser tomado pelos jovens por um semideus e pelas pessoas mais conservadoras por um impostor, desfrutando de favores por vezes imerecidos e experimentando obstáculos por vezes inesperados (Goethe 2002GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.: 300).31 31 "Es war in dieser Komposition nichts, was ich nicht aus eignen Erfahrungen nach der Natur hätte ausmalen können.Selbst auf der Reise, selbt in Gefahr, Neigungen zu erregen, die, wenn sie auch kein tragisches Ende nehmen, doch schmerzlich genug, gefährlich und schädlich werden können; selbst in dem Falle, in einer so großen Entfernung von der Heimat abgelegne Gegenstände, Reiseabneteuer, Lebensvorfälle zu Unterhaltung der Gesellschaft mit lebhaften Farben auszumalen, von der Jugend für einen Halbgott, von gesetzternen Personen für eine Aufschneider gehalten zu werden, manche unverdiente Gunst, manches unerwartete Hindernis zu erfahren."

O último parágrafo poderia mesmo servir de epígrafe aos sucessos narrados no texto de Viagem à Itália, tantos são os percalços, prazeres e situações inusitadas ali narrados. A aludida dificuldade de se determinar a que gênero pertence o texto publicado como Viagem à Itália advém, como já se disse, do caráter enciclopédico dos relatos reunidos em um mesmo texto, assim como das diferentes épocas em que foram compostos e inseridos. Buscou-se aqui acompanhar uma linha mestra que possa, se não dar unidade e harmonia ao texto, algo que na maior parte das vezes não é possível quando se trata de Goethe, dar a medida das preocupações do autor quanto a sua própria atividade e reflexão estética. Na "mitologia" goethiana, Viagem à Itália é um testemunho autobiográfico do mesmo peso de Poesia e verdade; aqui, entendemos o texto da experiência italiana como mais uma de suas obras enciclopédicas, na qual a forma e a contemplação têm lugar predominante.

Referências bibliográficas

  • BÖHME, Harmut.Das Steinerne: Anmerkungen zur Theorie des Erhabenen aus dem Blick des "Menschensfremdesten". In: PRIEST, Christine. Zwischen Grenzenerfahrungen und Größen WahnWeinheim: 1989, 160-182.
  • GOETHE, Johann Wolfgang von. Hamburger Ausgabe (HA), v. 11. München: C.H.Beck, 2002.
  • GOETHE, Johann Wolfgang von. Münchner Ausgabe (MA), v. 3/2. München: Carl Hanser, 1990.
  • GOETHE, Johann Wolfgang von. Goethes Werke Weimar: Hermann Böhlau/Böhlaus, 1887-1919. 143 v. Editado por ordem da grã-duquesa Sophie von Sachsen (Weimarer Ausgabe - WA).
  • KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. In: WEISCHEDEL, Wilhelm (Ed.). Immanuel Kant: Werke in sechs Bänden, v. 5. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1957.
  • KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
  • SCHLEGEL, Friedrich Kritische Schriften und Fragmente In: BEHLER, Ernst; EICHNER, Hans (Ed.). Paderborn; München; Wien; Zürich; Ferdinand Schöningh, 1988. v. 1-2.
  • GOETHE-WÖRTERBUCH. 2. ed. Stuttgart; Berlin; Köln: W. Kohlhammer, 1999. v. 4
  • Todas as traduções são de responsabilidade da autora, exceto quando indicadas nas referências bibliográficas.
  • 2
    "Schon einige Jahre her durft' ich keinen lateinischen Autor ansehen, nichts betrachten, was mir ein Bild Italiens erneute. Geschach es zufällig, so erduldete ich die entsetzlichsten Schmerzen. ... Hätte ich nicht den Entschluß gefaßt, den ich jetzt ausführe, so wär' ich rein zugrunde gegangen: zu einer solchen Reife war die Begierde, diese Gegenstände mit Augen zu sehen, in meinem Gemüt gestiegen."
  • 3
    Esse processo será retomado cerca de oito anos depois da volta da Itália como base para o itinerário de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, no qual Goethe tratará do processo de formação do neófito não como pintor, mas como ator.
  • 4
    "Ich bin wirklich umgeboren und erneut und ausgefüllt. Ich fühle, daß sich die Summe meiner Kräfte zusammenschließt, und hoffe etwas zu tun. Über Landschaft und Architektur habe ich diese Zeit her ernstlich nachgedacht, auch einiges versucht und sehe nun, wo es damit hinaus will, auch wie weit es zu bringen wäre."
  • 5
    "Wie manches werd' ich mitbringen, wenn ich mit meinem Schiffchen zurückkehre, doch vor allem ein fröhliches Herz, fähiger, das Glück, was mir Liebe und Freundschaft zudenkt, zu genießen. Nur muß ich nichts wieder unternehmen, was außer dem Kreise meiner Fähigkeit liegt, wo ich mich nur abarbeite und nichts fruchte."
  • 6
    "Lebhaft vordringende Geister begnügen sich nicht mit dem Genusse, sie verlangen Kenntnis. Diese treibt sie zur Selbsttätigkeit, und wie es ihr nun auch gelingen möge, fühlt man zuletzt, daß man nichts richtig beurteilt, als was man selbst hervorbringen kann. Doch hierhüber kommt der Mensch nicht leicht ins klare, und daraus entstehen gewisse falsche Bestrebungen, welche um desto ängstlicher werden, je redlicher und reiner die Absicht ist. Indes fingen mir in dieser Zeit an Zweifel und Vermutungen aufzusteigen, die mich mitten in diesen angenhemen Zuständen beunruihgten; denn ich mußte bald empfinden,daß der eigentliche Wunsch und die Absicht meines Hierseins schwerlich erfüllt werden dürfte."
  • 7
    "Aus Italien dem formreichen war ich in das gestaltlose Deutschland zurückgewiesen, heiteren Himmel mit einem düsteren zu vertauschen; die Freunde, statt mich zu trosten und wieder an sich zu ziehen, brachten mich zur Verzweiflung. Mein Entzücken über ertfernteste, kaum bekannte Gegenstände, mein Leiden, meine Klage über das Verlorene schien sie zu beleidigen, ich vermißte jeder Teilnahme, niemand verstand meine Sprache."
  • 8
    "Endlich kann ich den Mund auftun und meine Freunde mit Frohsinn begrüßen. Verziehen sei mir das Geheimnis und die gleichsam unterirdische Reise hierher. Kaum wagte ich mir selbst zu sagen, wohin ich ging, selbst unterwegs fürchtete ich noch, und nur unter der Porta del Popolo war ich gewiß, Rom zu haben. Und laßt mich nun auch sagen, daß ich tausendmal, ja beständig eure gedenke in der Nähe der Gegenstände, die ich allein zu sehen niemals glaubte. Nur da ich jedermann mit Leib und Seele in Norden gefesselte, alle Anmutungen nach diesen Gegenden verschwunden sah, konnte ich mich entschließen, einen lange, einsamen Weg zu machen und den Mittelpunkt zu suchen, nach dem mich ein unwiderstehliches Bedürfnis hinzog. Ja, die letzten Jahre wurden es eine Art von Krankheit, von der mich nur der Anblick und die Gegenwart heilen konnte. Jetzt darf ich es gestehen; zuletzt durft' ich kein lateinisch Buch mehr ansehen, keine Zeichnung einer italienischen Gegend. Die Begierde, dieses Land zu sehen, war überreif:da sie befriedigt ist, werden mir Freunde und Vaterland erst wieder recht aus dem Grunde lieb und die Rückkehr wünschenswerter, da ich mit Sicherheit empfinde, daß ich so viele Schätze nicht zu eignem Besitz und Privatbrauch mitbringe, sondern daß sie mir und andern durchs ganze Leben zur Leitung und Fördernis dienen sollen."
  • 9
    Ao se afastar de seus "amigos" em Weimar, onde se encontrava já havia onze anos, Goethe afasta-se também de seu empregador, o Duque Karl August, o qual, entretanto, mantém ainda o pagamento a seu Conselheiro. Ao que consta, Goethe gastou cerca de três mil táleres de seu próprio patrimônio, sendo outros quatro mil produto desse salário. Nota-se a importância de manter-se em boas relações com Weimar, do ponto de vista afetivo, mas também financeiro.
  • 10
    "Indem ich mich nun in dem Drang einer solchen Überfüllung des Guten und Wünschenswerten geängstigt fühle, so muß ich meine Freunde an einen Traum erinnern, der mir, es wird eben ein Jahr sein, bedeutend genug schien. Es träumte mir nähmlich, ich landete mit einem ziemlich großen Kahn an einer fruchtbaren, reich bewachsenen Insel, von der mir bewußt war, daß daselbst die schönsten Fasanen zu haben seien. Auch handelte ich sogleich mit den Einwohnern um solches Gefieder, welches sie auch sogleich häufig, getötet, herbeigebrachten. Es waren wohl Fasanen, wie aber der Traum alles umzubilden pflegt, so erblickte man lange, farbig beaugte Schweife, wie von Pfauen oder seltenen Paradiesvögeln. Diese brachte man mir schochweise ins Schiff, legte sie mit den Köpfen nach innen, so zierlich gehäuft, daß die langen, bunten Federschweife, nach außen hängend, im Sonnenglanz den herrlichsten Schober bildeten, den man sich denken kann, und zwar so reich, daß für den Steuernden und die Rudernden kaum hinten und vorn geringe Räume verblieben. So durchnitten wir die ruhige Flut, und ich nannte mir indessen schon die Freunde, denen ich von diesen bunten Schätzen mitteilen wollte.Zuletzt in einem großen Hafen landend, verlor ich mich zwischen ungeheur bemasteten Schiffen, wo ich von Verdeck auf Verdeck stieg, um meinem kleinen Kahn einen sicheren Landungsplatz zu suchen. An solchen Wahnbildern ergötzen wir uns, die, weil sie aus uns selbst entspringen, wohl Analogie mit unserm übrigen leben und Schicksalen haben müssen."
  • 1
    "Als ich hineintrat, mehr noch aber, als ich oben auf dem Rande umherging, schien es mir seltsam, etwas Großes und doch eigentlich nichts zu sehen. Auch will es leer nicht gesehen sein, sondern ganz voll Menschen.... Wenn es das Volk sich so beisammen sah, mußte es über sich selbst erstaunen; denn da es sonst nur gewohnt, sich durcheinander laufen zu sehen, sich in einem Gewühle ohne Ordnung und sonderliche Zucht zu finden, so sieht das vielköpfige, vielsinnige, schwankende, hin und her irrendes Tier sich zu einem edlen Körper vereinigt, zu einer Einheit bestimmt, in eine Masse verbunden und befestigt, als eine Gestalt, von einem Geist belebt."
  • 2
    "Der Audienzsaal des Rathauses, mit Recht durch das Augmentativum Salone betitelt, das ungeheurste abgeschlossene Gefäß, das man sich nicht vorstellen, auch nicht einmal in der nächsten Erinnerung zurückrufen kann."
  • 3
    O Dicionário Goethe afirma que "a obra de Pseudo-Longino Do sublime Vom Erhabenen que teve grande influência no século 18 e foi propagada por Bodmer e Breitinger, não teve 'qualquer papel no uso que Goethe fez do termo. Ao contrário, foi importante, desde a juventude até a idade avançada, a tematização da dominação do monstruoso/tremendo-sublime por meio da arte, que mais tarde adquirirá, para Goethe, por meio das Críticas kantianas, um fundamento ético.'"
  • 4
    " Wenn ich Worte schreiben will, so stehen mit immer Bilder vor Augen des fruchtbaren Landes, des freien Meeres, der duftigen Insel, des rauchenden Berges, und mir fehlen die Organe, das alles darzustellen."
  • 5
    "Dann war ich mit Angelika bei dem Engländer Moore, einem Landschaftsmaler, dessen Bilder mehr trefflich gedacht sind, Unter andern hat er eine Sundflut gemalt, das etwas Einziges ist. Anstatt daß andere ein offenes Meer genommen haben, das immer nur die Idee von weiten, aber nicht hohen Wasser gibt, hat er ein geschlossenes hohes Bergtal vorgestellt, in welches die immer steigenden Wasser endlich auch hereinstürtzen. Man sieht an der Form der Felsen, daß der Wasserstend sich dem Gipfel nähert, und dadurch, daß es hinten quervor zugeschlossen ist, die Klippen alle steil sind, macht es einen fürchterlichen Effekt. Es ist gleichsam nur grau in grau gemalt, das schmützige aufgewühlte Wasser, der triefende Regen verbinden sich aufs innigste, das Wasser stürtzt und trieft von den Felsen, als wenn die ungeheueren Massen sich auch in dem allgemeinen Element auflösen wollten, und die Sonne blickt wie ein trüber Mond durch den Wasserflohr durch, ohne zu erleuchten, und doch ist es nicht Nacht. In der Mitte des Vordergrundes ist eine flache isolierte Felsenplatte, auf die sich einige hülflose menschen retten in dem Augeblick, daß die Flut heranschwillt und sie bedecken will.".
  • 6
    "Zweckwidrig für unsere Urteilskraft, unangemessen userem Darstellungsvermögen, und gleichsam gewalttätig für die Einbildungskraft."
  • 7
    "Daß wir uns bloß den Fall denken..."
  • 8
    "das Chaos, das den sinnlichen Wahrnehmungsapparat überflutet,wird durch einen Akt des Bewußtseins in Distanz gesetzt und als Negativreiz gebraucht. Negativreiz - das meint hier: die Erfahrung der Schwäche und Dezentrierung des sinnlich-leiblichen Ichs wird zum Anlasser eines Prozesses der Selbstbewußtwerdung als intelligibles Vernunft-Subjekt. Die qualititative, nämlich intellektuelle Distanz bringt das Bewußtsein eines über alle Verwüstungen der Natur erhabenen Selbst hervor: das ist die lustvolle Seit des Erhabenen."
  • 9
    "Kühne überhangende gleichsam drohende Felsen, am Himmel sich auftürmende Donnerwolken, mit Blitzen und Krachen einherziehend, Vulkane in ihrer ganzen zerstörenden Gewalt, Orkane mit ihrer zurückgelassenen Verwüstung, der grenzenlose Ozean, in Empörung gesetzt, ein hoher Wasserfall eines mächtiges Flusses u. d. gl. machen unser Vermögen zu widerstehen, in Vergleichung mit ihrer Macht, zur unbedeutenden Kleinigkeit. Aber ihr Anblick wird nur um desto anziehender, je furchtbarer er ist, wenn wir uns nur in Sicherheit befinden; und wir nennen diese Gegenstände gern erhaben, weill sie die Seelenstärke über ihr gewöhnliches Mittelmaß erhöhen, und ein Vermögen zu widerstehen von ganz anderer Art in uns entdecken lassen, welches uns Mut macht, uns mit der scheinbaren Allgewalt der Natur messen zu können."
  • 20
    "Unter diesem Himmel kann man die schönsten Beobachtungen machen. Sage ihm daß ich den Hauptpunkt wo der Keim stickt ganz klar und zweifellos entdeckt habe, daß ich alles übrige auch schon im Ganzen übersehe und nur noch einige Punckte bestimmter werden müssen. Die Urpflanze wird das wunderlichste Geschöpf von der Welt über welches mich die Natur selbst beneiden soll. Mit diesem eseyn müßen, das heißt: die, wenn sie auch nicht existiren, doch existiren könnten und nicht etwa mahlerische oder dichterische Schatten und Scheine sind, sondern eine innerliche Wahrheit und Nothwendigkeit haben."
  • 2
    A esse respeito, ver meu artigo "Goethe e a filosofia da natureza", Revista Discurso, FFLCH USP, v. 42, 2012, p. 117-138.
  • 22
    Uma declarada antipatia pelos excessos da igreja especialmente ao que diz respeito ao uso de símbolos como a cruz e figuras de santos, será desenvolvida mais tarde no romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, no capítulo da Bela Alma, onde se narra o distanciamento progressivo de uma mulher em relação aos símbolos da fé. Ainda que ali se trate da fé pietista, Goethe demonstra a mesma aversão ao apego aos objetos sensíveis como intermediários da fé.
  • 23
    "Freilich dergleichen zu wagen und dennoch die größten sittlichen Wirkungen hervorzubringen, bedurfte es eines Mannes wie Philipp Neri, dessen Handlungen gar oft als Wunder anzusehen waren. ... sein brüstiges ekstatisches Gebet setzte seine Umgebung als übernatürlich in Erstauen, in einen Zustand, in welchen die Menschen wohl auch durch ihre Sinne zu erfahren glauben, was ihnen die Einbildungskraft, angeregt durch das Gefühl,, vorbilden mochte.
  • 24
    "Oben zwieschen dem verfallenen Gemäuer der Antoninischen Bäder sieht wohl einmal der fromme Mann in äffischer Ungestalt ein widerwärtiges Wesen herumhupfen, das aber auf sein Geheiß also gleich zwischen Trümmern und Spalten verschwindet. Bedeutender jedoch als diese Einzelheit ist, wie er gegen seine Schüler verfährt, die ihn von seligen Erscheinungen, womit sie von Mutter Gottes und andern beglückt worden, mit Entzücken benachrichtigen. Er, wohl wissend, daß aus dergleichen Einbildungen ein geistlicher Dünkel, der schlimmste und hartnäckigste von allen, gewöhnlich entspringe, versichert sie deshalb, daß hinter dieser himmlischen Klarheit und Schönheit gewiß eine teuflische, häßliche Finsternis liege. Dieses zu erproben, gebietet er ihnen: bei der Wiederkehr einer so holdseligen Jungrau ihr gerade ins Gesicht zu speien;sie gehorchen, und der Erfolg bewährt sich,inden er auf der Stelle eine Teufellarve hervortritt."
  • 25
    "Daß wir aber die Elemente der Tollheit des Prinzen Pallagonia vollständig überliefern, geben wir nachstehendes Verzeichnis. Menschen: Bettler, Bettlerinnen, Spanier, Spanierinnen, Mohren, Türken, Bucklige, alle Arten Verwachsene, Zwerge, Musikanten, Pulcinelle, antike kostümierte Soldaten, Götter, Göttinen, altfranzösich Gekleidete, Soldaten mit Patrontaschen und Gamaschen, Mythologie mit fratzenhaften Zutaten: Achill und Chiron mit Pulcinell. Tiere: nur Teilen derselben, Pferd mit Menschehänden, Pferdekopf auf Menschenkörper, entstellte Affen, viele Drachen und Schlangen, alle Arten von Pfoten an Figuren aller Art, Verdoppelungen, Verwechslungen der Köpfe. Vasen: alle Arten von Monstern und Schnörkeln, die unterwärts zu Vaserbäuchen und Untersätzen endigen."
  • 26
    "Die Kapelle zu beschreiben, wäre allein ein Heftchen nötig. Hier findet man den Aufschluß über den ganzen Wahnsinn, der nur in einem bigotten Geiste bis auf diesen Grad wuchern konnte. Wie manches Fratzenbild einer irregeleiteten Devotion sich hier befinden mag, geb' ich zu vermute, das Beste jedoch will ich nicht vorenthalten. Flach an der Ecke nämlich ist ein geschnitztes Kruzifix von ziemlicher Größe befestigt, nach der Natur angemalt, lackiert mit untermischter Vergoldung. Dem Gekreuzigten in den Nabel ist ein Haken eingeschraubt, eine Kette aber, die davon herabhängt, befestigt sich in den Kopf eines knieend betendenden, in der Luft schwebenden Mannes, der, angemalt und lackiert wie alle übrigen Bilder der Kirche, wohn ein Sinnbild der ununterbrochenen Andacht des Beistzers darstellen soll.... Kniepen,, dessen Künstlerischen Sinn innerhalb dieses Tollhauses zur Verzweiflung getrieben wurde, sah ich zum ersten Mal ungeduldig; er trieb mich fort, da ich mir die Elemente dieser dieser Unschöpfung einzeln zu vergegenwärtigen und zu schematiesieren suchte. Gutmütig genug zeichnet er zuletzt noch eine von den Zusammenstellungen, die einzige, die noch wenigsten eine Art von Bild gab. Sie stellt ein Pferdweib auf einem Sessel sitzend, gegen einem unterwärts altmodisch gekleideten, mit Greifenkopf, Krone und großer Perücke gezierten Kavalier Karte spielend vor und erinnert an das nach aller Torheit immer höchst merkwürdig Wappen des Hauses Pallagonia: ein Satyr hält einem weibe, das einem Pferdekopf hat, einen Spiegel vor."
  • 27
    Os trechos acima nos fazem lembrar, de algum modo, a descrição que o ainda não romântico Friedrich Schlegel faz, em seu Estudos sobre a poesia grega, de 1795, do saco de gatos, ou, em suas palavras, do armazém estético em que se havia transformado a literatura moderna: "Como em um armazém estético, encontram-se aqui lado a lado a poesia popular e a poesia de bom tom, e mesmo o metafísico procura, não sem sucesso, seu próprio sortimento: epopeias nórdicas ou cristãs para os amigos do norte e da cristandade; histórias fantasmagóricas para os apreciadores dos horrores místicos, e odes iroquesas ou canibais para os apreciadores de carne humana." (SCHLEGEL 1988: 122).
  • 28
    "Indem wir eine Beschreibung des Römischen Karnevals unternehmen, müssen wir den Einwurf befürchten, daß eine solche Feierlichkeit eigentlich nicht beschrieben werden könne. Eine so große lebendige Masse sinnlicher Gegenstände sollte sich unmittelbar vor dem Auge bewegen und von einem jeden nach seiner Art angeschaut und gefaßt werden. Noch bendenklicher wird diese Einwendung, wenn wir selbst gestehen müssen, daß das Römische Karneval einem fremden Zuschauer, der es zum erstenmal sieht und nur sehen will und kann, weder einen ganzen noch einen erfreulichen Eindruck gebe, weder das Auge sonderlich ergötze, noch das Gemüt befriedigte.Die lange und schmale Straße, in welcher sich unzählige Menschen hin und wider wälzen, ist nicht zu übersehen; kaum unterscheidet man etwas im dem Bezirk des Getümmels, den das Auge fassen kann. Die Bewegung ist einförmig, der Lärm betäubend, das Ende der Tage unbefriedigend. Allein diese Bendenklichkeiten sind gehoben, wenn wir uns näher erklären."
  • 29
    "Ebenso müssen die gewöhnlichen Kleidungen aller Stände als Masken dienen. Stallknechten mit ihren großen Bürsten kommen, einem jeden, wenn es ihnen beliebt, den Rücken auszukehren. Vetturine bieten ihre Dienste mit ihrer gewöhnlichen Zudringlichkeit an.... Der Unterschied zwischen Hohen und Niedern scheint enen Augenblick aufgehoben; alles nähert sich einander, jeder nimmt, was ihm begegnet, leicht auf, und die wechselseitige Frechheit wird durch einen allgemeine gute Laune im Gleichgewicht erhaten."
  • 30
    "Die Klarkeit des Himmels, der Hauch des Meeres, die Düfte, wodurch die Gebirge mit Himmel und Meer glaichsam in einem Element afgelöst wurden, alles dies gab Nährung meinen Vorsätzen; und indem ich in jenem schönen öffentlichen Garten zwischen blühenden Hecken von Oleander, durch Lauben von fruchtrageden Orangen- un und Zitronenbäumen wandelte und zwischen andern Bäumen und Sträuchen, die mir unbekannt waren, verweilte, fühlte ich den fremden Einfluß auf das aller angenehmste. Ich hatte mir, überzeugt, daß es für mich keinen besseren Kommentar zur "Odyssee" geben könne als eben gerade iese lebendige Umgebung, ein Exemplar verschafft und las nach meiner Art, mit unglaublichen Anteil. Doch wurde ich gar zur eignen Produktion angeregt, die, so seltsam sie auch im ersten Augeblicke schien, mir doch immer lieber ward und mich endlich ganz beschäftigte. Ich ergriff nämlich den Gedanken, den Gegenstand der Nausikaa als Tragödie zu behandeln."
  • 31
    "Es war in dieser Komposition nichts, was ich nicht aus eignen Erfahrungen nach der Natur hätte ausmalen können.Selbst auf der Reise, selbt in Gefahr, Neigungen zu erregen, die, wenn sie auch kein tragisches Ende nehmen, doch schmerzlich genug, gefährlich und schädlich werden können; selbst in dem Falle, in einer so großen Entfernung von der Heimat abgelegne Gegenstände, Reiseabneteuer, Lebensvorfälle zu Unterhaltung der Gesellschaft mit lebhaften Farben auszumalen, von der Jugend für einen Halbgott, von gesetzternen Personen für eine Aufschneider gehalten zu werden, manche unverdiente Gunst, manches unerwartete Hindernis zu erfahren."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2016
  • Aceito
    15 Jan 2017
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br