Resumo
O objetivo deste artigo é analisar as motivações e expectativas profissionais dos estudantes do curso de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã de uma universidade pública brasileira no estado de São Paulo. A investigação foi realizada com base em um questionário respondido por 20 discentes do curso de pós-graduação dos programas de mestrado e doutorado daquela instituição em 2017, visando identificar os motivos que os levaram a optar por essa carreira e suas perspectivas de desenvolvimento profissional na área. A fundamentação teórica advém da perspectiva dos estudos de crenças discentes (Silva 2007; Barcelos 2001), mais especificamente dos estudos de crenças de alunos acerca da aprendizagem de línguas estrangeiras. A metodologia da pesquisa corresponde a um paradigma híbrido (Mayring 2015; Kuckartz 2014; 2016) com características de pesquisa qualitativa e quantitativa. Os resultados apontam que os participantes do contexto investigado são, em grande parte, jovens com o desejo de atuar no ensino superior na área de sua formação. Porém, mesmo que o programa em que participam atenda de modo geral suas expectativas, há preocupações a respeito das dificuldades enfrentadas pela educação brasileira atual, algo que se expressa principalmente pela baixa valorização do papel e função docentes.
Palavras-chave:
Crenças discentes; curso de pós-graduação em língua e literatura alemã; motivações e expectativas profissionais
Abstract
The purpose of this article is to analyze the motivations and professional expectations of the students in the Postgraduate Course in German Language and Literature of a Brazilian public university in the State of São Paulo. The research was carried out based on a questionnaire answered by 20 postgraduate students from master and doctoral programs of that institution in 2017, in order to identify the reasons that led them to choose this career and their perspectives of professional development in the area. The theoretical basis is derived from the perspective of the student beliefs studies (Silva 2007; Barcelos 2001), more specifically from the studies of students' beliefs about learning foreign languages. The research methodology corresponds to a hybrid paradigm (Mayring 2015; Kuckartz 2014; 2016), with qualitative and quantitative research characteristics. The results indicate that the participants in the investigated context are largely young people, with the majority wishing to work in higher education in their area of study. However, even if their program meets their expectations in general, there are some concerns about the difficulties faced by current Brazilian education, which is expressed through a low appreciation of the role and function of teachers.
Keywords:
Students’ beliefs; postgraduate course in German language and literature; professional goals and motivations
1 Palavras iniciais
Discutir a formação universitária é sempre importante. Uma das maneiras de se fazer isso é pesquisar o contexto que envolve a universidade a partir da visão dos seus participantes, suas crenças, motivações e percepções. Foi com este pensamento que abordamos, em trabalho anterior (Redel; Martiny; Garcia 2017Redel, E.; Martiny, F.; Garcia, A. Crenças dos estudantes de Letras Alemão/Português: desafios, perspectivas e oportunidades. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 20, n. 31, jul-ago 2017, p. 30-59.), as crenças dos estudantes do curso de licenciatura de Letras Português/Alemão de uma universidade pública brasileira, destacando desafios, perspectivas e oportunidades vislumbradas por eles ao ingressarem no referido curso.
Nesse sentido, a fim de darmos continuidade à pesquisa já iniciada ampliando o escopo da investigação e tendo em vista a atual configuração política brasileira em relação à formação de professores, à carreira docente e ao futuro dos cursos de pós-graduação gratuitos, voltamo-nos aos estudantes de pós-graduação, mais especificamente de um programa de mestrado e doutorado em Língua e Literatura Alemã, de uma universidade pública do estado de São Paulo. Para tanto, duas principais indagações nortearam nossa pesquisa: quais seriam as motivações dos discentes ao ingressarem no único programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã) existente no Brasil? E, o mais importante: quais as expectativas e pretensões profissionais dos estudantes ao optarem por esse curso de pós-graduação?
A questão das perspectivas profissionais de estudantes de pós-graduação no Brasil, com foco especial nos alunos de mestrado e doutorado em Língua e Literatura Alemã, faz-se especialmente relevante se levarmos em conta as circunstâncias políticas e econômicas do país na atualidade. É consabido que as universidades brasileiras que oferecem cursos de graduação em Língua e Literatura Alemã são, em sua grande maioria, públicas. Os cursos de pós-graduação stricto sensu tendem a formar, de modo prioritário, professores aptos a atuarem profissionalmente no ensino superior. Neste caso, um caminho natural para os egressos desse curso seria participarem de um concurso público com vistas a obterem uma vaga como docentes e pesquisadores em uma das instituições de ensino superior brasileiras em que exista o curso de graduação em Letras/Alemão. Apesar disso, desde a aprovação da proposta de emenda constitucional nº 241/55, de 2016, em meio à crise econômica enfrentada pelo Brasil no período, os gastos e investimentos públicos permanecem, de certa forma, congelados por um prazo de 20 anos, tendo seu valor total corrigido apenas a partir da inflação do ano anterior. Por esse motivo, existe uma perspectiva de não expansão das universidades públicas e, como consequência, uma menor probabilidade de realização de concursos para contratação de novos docentes. Quais seriam, portanto, as perspectivas de futuro profissional e acadêmico dos estudantes diante desse cenário?
A fim de buscar respostas a essas perguntas, apresentamos neste texto os resultados de um trabalho empírico cujos dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário online aos sujeitos participantes do contexto apontado. Sinalizamos que os estudos sobre crenças, em nosso caso, estão situados no campo da Linguística Aplicada (LA), sendo que esse termo tem apresentado diversos significados atribuídos por diferentes estudiosos e, seguindo as considerações de Barcelos (2001Barcelos, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: Estado-da-arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jun. 2001, p. 71-92.), ganhou mais força a partir da década de 1980 no exterior e de 1990 no Brasil, surgindo de uma mudança dentro da LA - transformação de uma visão de línguas com o enfoque na linguagem, no produto, para um enfoque no processo em que o aprendiz ocupa um lugar de destaque (Caspari 2016Caspari, D. Sprachenlehrern als Beruf. In: Burwitz-Melzer, E et al (org.). Handbuch Fremdsprachenunterricht. Tübingen: A. Francke, 2016. p. 305-311.).
Neste âmbito, seguimos a perspectiva de Silva (2007Silva, K. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Linguística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 10, n. 1, jun. 2007, p. 235-271.: 43), que se dedica à realização de pesquisas de opinião junto aos aprendizes a fim de que
se identifiquem e coadunem os interesses dos alunos e o planejamento, condução e mediação das atividades didáticas por parte do professor. Essas pesquisas podem ser feitas dos mais diversos modos, e geralmente se materializam por meio da aplicação de questionários. (SILVA 2007Silva, K. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Linguística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 10, n. 1, jun. 2007, p. 235-271.: 43)
Para o desenvolvimento do questionário que aplicamos, procuramos elaborar questões que abordassem as motivações e perspectivas profissionais dos alunos dos programas de mestrado e doutorado da instituição foco desta investigação a fim de verificar suas pretensões e crenças em torno da área e do curso de Língua e Literatura Alemã, buscando observar, também, o cumprimento ou não de suas expectativas até o presente momento.
A aplicação do questionário com 30 questões, elaborado de acordo com as reflexões de Dörnyei (2003Dörnyei, Z. Questionnaires in second language research: construction, administration and processing. Mahwah: Lawrence Earlbaum, 2003.), Flick (2008Flick, U. Triangulation in der qualitativen Forschung. In: FLICK, U et al. (org.). Qualitative Forschung: ein Handbuch. 6. ed. Reinbek: Rowohlt, 2008, p. 309-318.) e Porst (2011Porst, R. Fragebogen: ein Arbeitsbuch. 3. ed. Wiesbaden: Verlag für Sozialwissenschaften, 2011.), foi realizada durante o mês de novembro de 2017 a partir da divulgação da pesquisa em grupos de redes sociais e via e-mail. Um total de 20 estudantes matriculados nos programas de mestrado e doutorado em Letras (Língua e Literatura Alemã) responderam anonimamente ao questionário, cujos dados fornecidos analisaremos mais adiante, após as discussões teóricas advindas na sequência deste texto.
2 Dos pressupostos teóricos norteadores da pesquisa
Os estudos de crenças não são específicos da Linguística Aplicada, uma vez que estão presentes em outras áreas do conhecimento. No entanto, nesse campo, os trabalhos evidenciam, principalmente, a voz de alunos e professores a partir de pesquisas normalmente conduzidas mediante a aplicação de questionários ou roteiros de entrevistas, visando investigar “verdades pessoais, individuais, baseadas na experiência que servem de base para uma ação subsequente” (Perina apudSilva 2007Silva, K. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Linguística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 10, n. 1, jun. 2007, p. 235-271.: 244). Trata-se de coletar dados acerca de valores, juízos, conhecimentos prévios, opiniões, desejos, anseios, necessidades, visões e intuições dos alunos acerca de elementos do processo de ensino-aprendizagem (Barcelos 2001Barcelos, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: Estado-da-arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jun. 2001, p. 71-92.). Embora não haja uma definição única para o que seria a conceituação de crenças nos estudos sobre a aprendizagem de línguas, uma vez que há diferentes nomenclaturas para estudos semelhantes, Barcelos (2001) reafirma a importância de tais investigações para a profusão que tem tomado esse conceito complexo no campo linguístico aplicado, o que influencia diretamente o comportamento do aprendiz, evidenciando como as pessoas agem. “As crenças são pessoais, contextuais, episódicas e têm origem nas nossas experiências, na cultura e no folclore. As crenças também podem ser internamente inconsistentes e contraditórias”. (Barcelos 2001: 73)
Notamos, nesse sentido de uma abordagem discursiva, que as crenças possuem um caráter individual, evidenciando como pensamos e como refletimos, ao mesmo tempo em que possuem um caráter social. As crenças possuem um perfil dinâmico e mutável e, como já citado, paradoxal, uma vez que essas questões estão relacionadas a um processo interativo relacionado a grupos sociais, ou seja, às experiências dos indivíduos e, ao mesmo tempo, ao contexto sociocultural com o qual têm contato e interagem.
Além disso, podemos verificar que os estudos de crenças coadunam-se com uma visão do ensino e da aprendizagem que mantém o foco no aluno como personagem principal e central desse processo e não apenas nos professores, como acontecia em algumas metodologias tradicionais (Caspari 2016Caspari, D. Sprachenlehrern als Beruf. In: Burwitz-Melzer, E et al (org.). Handbuch Fremdsprachenunterricht. Tübingen: A. Francke, 2016. p. 305-311.). Por outro lado, a investigação das crenças expõe o modo de aprender dos alunos; sendo assim, é um estudo que revela importantes indícios sobre como e porque se aprende.
Se considerarmos o conceito de aprendizagem significativa cunhado por Ausubel (1982Ausubel, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.), entendemos que o novo conhecimento deva ser ancorado em conhecimentos prévios já dominados pelo aluno acerca do tema em questão e que é a partir da identificação desses pré-conhecimentos (conhecimentos subsunçores) do estudante acerca do assunto a ser tratado que novos insumos podem e devem ser ministrados em aula, possibilitando a construção significativa do novo conhecimento. Desse modo, acreditamos que, investigar por meio de estudos de crenças os conhecimentos prévios dos alunos acerca de um tema, consiste em uma metodologia alinhada com os preceitos da aprendizagem significativa.
De modo semelhante, pesquisar opiniões e perspectivas de estudantes mediante um estudo de crenças pode auxiliar-nos na implementação de melhorias e reavaliações da estrutura e da gestão dos cursos, permitindo-nos rever seus propósitos e oferecendo-nos pistas para a implementação de uma flexibilização curricular que tenha em vista o perfil real dos participantes e aquilo que esses discentes de fato anseiam atingir ao completar esse nível de formação. Esse tipo de pesquisa trata-se, portanto, de “desvendar o mundo do aprendiz, isto é, seus anseios, preocupações, necessidades, expectativas, interesses, estilos de aprendizagem, estratégias e, obviamente, suas crenças ou seu conhecimento sobre o processo de aprender línguas” (Barcelos 2001Barcelos, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: Estado-da-arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jun. 2001, p. 71-92.: 127). No caso do estudante de línguas estrangeiras, suas crenças têm forte influência sobre suas motivações e expectativas, sendo esse o foco deste estudo, até mesmo porque as crenças exercem forte papel nas ações e, para tanto, é preciso levar em consideração os contextos que envolvem esses alunos. Nesse cenário, julgamos importante investigar as crenças, pois essas evidenciam questões complexas relacionadas ao processo de ensinar e aprender um idioma, o que dialoga com a formação do futuro docente de línguas.
Dado o contexto atual do cenário político, econômico e educacional brasileiro, como já explanamos na introdução deste artigo, faz-se especialmente relevante, neste momento, investigar o lugar do aluno, seus anseios e expectativas dentro desse contexto, de modo que possamos entender o papel que um determinado curso ou formação desempenham em nossa sociedade e tempo, apontando rumos para eventuais mudanças e adequações tendo em vista aquilo que os alunos esperam e necessitam.
Acreditamos que esse conhecimento possa levar também à reflexão sobre as próprias crenças e até mesmo à mudança, se assim for pertinente, como mostram os estudos de Barcelos (2001Barcelos, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: Estado-da-arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jun. 2001, p. 71-92.), possibilitando a melhor compreensão do cenário pesquisado, pois este também faz parte de sua formação docente. Nesse sentido, é preciso que o formador saiba de suas crenças e de seus alunos, futuros professores, a fim de refletir tais questões a partir da problematização desses contextos.
Para contextualizar mais o cenário brasileiro de pós-graduação e, mais tarde, os alunos, trazemos na sequência deste artigo alguns dados sobre como se encontra este nível de ensino no país e algumas informações do programa focalizado em nossa pesquisa para, depois, apresentar e analisar os dados levantados em nossa investigação.
3 A pós-graduação no Brasil
De acordo com informações do Ministério da Educação (MEC)4 4 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/212-educacao-superior-1690610854/54741-resultado-da-avaliacao-quadrienal-da-pos-graduacao-brasileira-mostra-crescimento-de-cursos. Acesso em: 23 ago 2018. , a partir de dados levantados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), a quantidade de cursos de pós-graduação realizados no Brasil cresceu consideravelmente nos últimos 10 anos. A análise foi feita entre os anos de 2007 e 2017 no país, sendo que os resultados apontaram para um aumento considerável no número de cursos de doutorado, que passaram de 2.061 para 3.398, e de cursos de mestrados acadêmicos, que aumentaram em 65%. Já os mestrados profissionais passaram de 156 para 703, evidenciando que este campo também tem crescido e atraído estudantes. Além de mostrar os dados quantitativos, o relatório apresenta a avaliação quadrienal 2017 que contém as notas desses cursos. De maneira geral, houve um crescimento no total de programas (16) que obtiveram notas 6 ou 7, consideradas de excelência. Um dado que chama atenção é que os cursos que alcançaram essa nota estão um pouco mais espalhados pelo país do que anteriormente, sendo que a Região Sul possui programas com nível de excelência em todos os seus estados, sendo a única região em que isso acontece.
Outro dado importante sobre o país é que temos, na atualidade, mais de 120 mil estudantes matriculados na pós-graduação, sendo que o maior número é de alunos de mestrado acadêmico. Entretanto, este crescente número de alunado dos últimos anos não tem sido acompanhado pelo número de bolsas disponibilizadas nos programas brasileiros. Conforme o levantamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes/MEC)5 5 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/180-estudantes-108009469/pos-graduacao-500454045/2583-sp-2021081601. Acesso em: 21 ago 2018. , do número total de estudantes matriculados em 1.925 programas de pós-graduação reconhecidos pelo MEC, no Brasil, apenas um terço possui bolsa, ou seja, em torno de 44 mil discentes são bolsistas - 54% recebem pela Capes; 13.166 pelo CNPq; 4.249 pelas fundações de amparo à pesquisa (FAPs) e 2.896 por intermédio de outras instituições.
Nesta última década, também o número de cursos de pós-graduação aprovados pela Capes cresceu em torno de 9% ao ano. A área de humanas, juntamente com a das engenharias, das ciências da computação e das ciências da saúde são as que possuem maior número de alunos.
Embora os cursos estejam presentes em todo o país, a Região Sudeste concentra o maior número de pós-graduandos: 31.274 no doutorado, 45.856 no mestrado acadêmico e 2.893 no mestrado profissional. Por outro lado, a Região Norte tem 228 doutorandos e 1.507 mestrandos, concentrando nessa região o menor número de bolsas. Notamos que ainda continua existindo a desigualdade na distribuição espacial dos cursos de pós-graduação no Brasil; situação que estava ainda pior em 1998, quando os estados do Acre, Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins não ofereciam nenhum programa de mestrado ou doutorado para a população. Atualmente, todos os estados do país contam com programasstricto sensu, mesmo que de forma geograficamente desproporcional. O levantamento mostra, por exemplo, que a soma do número de docentes de pós-graduação das Re giões Norte e Nordeste é menor que a do estado de São Paulo, que também concentra o maior número de discentes.
Conforme matéria jornalística presente na Revista Galileu a partir de dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)6 6 Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2017/08/o-que-voce-precisa-saber-sobre-pos-graduacao-no-brasil.html. Acesso em: 23 ago 2018. , ainda que o número de cursos de pós-graduação tenha crescido bastante nos últimos anos, como vimos anteriormente, o Brasil possui 7,6 doutores para cada 100 mil habitantes, enquanto o Reino Unido conta com um índice de 41 doutores para cada 100 mil habitantes, uma distância considerável, sem contar que, neste momento, como já citado, está havendo cortes no orçamento para a pesquisa no cenário brasileiro, o que pode afetar tanto a criação de novos programas quanto a continuidade ou crescimento dos já existentes. Uma preocupação que pode afetar a procura e a permanência de estudantes nos cursos de pós-graduação.
Com relação ao programa de pós-graduação em Língua e Literatura Alemã, foco desta pesquisa, este possui mais de quatro décadas, sendo que vários egressos atuam também em cursos de pós-graduação no Brasil. Trata-se do único programa com ênfase exclusiva e específica na diplomação em Letras (Língua e Literatura Alemã), mas também é possível realizar pesquisas na área de língua e literatura alemã em programas de pós-graduação de outras instituições brasileiras, geralmente mais abrangentes e intitulados “Letras”, “Estudos Literários”, entre outros.
Atualmente, o programa contempla duas grandes linhas de pesquisa: de um lado, Estudos de Literatura, Cultura e Tradução e, de outro, Alemão como Língua Estrangeira (ALE), Linguística e Tradução. Essas áreas, por sua vez, estão subdivididas em projetos de pesquisa. A primeira contempla os seguintes projetos: Narrativa ficcional e factual na literatura de língua alemã; Literatura, história e sociedade; Literatura como possibilidade de conhecimento; Literatura, humanidades e escritas biográficas; Literatura e imaginário político; Literatura e Historiografia; Tradução e estudo da recepção de literatura traduzida e Literatura e mídia. Juntos, esses projetos de pesquisa ativam 10 docentes orientadores. A segunda linha de pesquisa, com 9 docentes orientadores, contempla os seguintes projetos de pesquisa: O ensino de alemão no Brasil: passado, presente e futuro; Aquisição de alemão como língua estrangeira: aprendizagem e ensino; Construções verbais; Classes de palavras da língua alemã e do português do Brasil e Estudos descritivos, teoria da tradução e filosofia da linguagem. Juntos, essas linhas e projetos de pesquisa abrigam um total de, aproximadamente, 20 pesquisas de mestrado e doutorado em andamento, tendo o programa formado dezenas de mestres e doutores em Língua e Literatura Alemã nas últimas décadas.
Com base nestas considerações, a seguir trazemos os dados empíricos levantados durante a pesquisa, lançando reflexões sobre o que eles nos mostram e/ou sugerem sobre as motivações e expectativas dos pós-graduandos do mestrado e doutorado na área de Língua e Literatura Alemã acerca de sua formação e futuro profissional.
4 Análise do questionário aplicado aos estudantes de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã)
Um primeiro aspecto importante na pesquisa que realizamos já é revelado na pergunta que abre o questionário aplicado. Apesar de o programa de pós-graduação em questão estar localizado na capital de São Paulo, o seu público não é constituído apenas por estudantes desse estado. Dos 20 participantes, um (1) é de Goiás, um (1) do Paraná, um (1) do Rio de Janeiro e um (1) do Mato Grosso. Ou seja, é relevante que esse programa de pós-graduação atraia estudantes de estados distintos, pois isso é indicativo de sua visibilidade no contexto brasileiro. Entretanto, evidentemente, a grande maioria dos estudantes desse programa é proveniente de São Paulo. Disso podemos hipoteticamente inferir que, comumente, os estudantes voltam-se a programas de pós-graduação mais próximos de suas localidades ou, ainda, a instituições com as quais já possuam algum vínculo.
Além disso, conforme observado na tabulação e organização dos dados, chama atenção que não haja representatividade das Regiões Norte e Nordeste do Brasil entre o público de estudantes deste programa. Contribuem para esta interpretação as respostas recebidas da pergunta 07 do questionário a respeito da instituição de origem na qual cada participante fez seu curso de graduação. Apesar desse percentual diversificado de pós-graduandos advindos de outras regiões do Brasil que não São Paulo, a maioria deles, mais especificamente 75% dos participantes, cursou os estudos universitários na Universidade de São Paulo (USP). Os outros 25% fizeram a graduação na Pontifícia Universidade Católica (PUC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e Universidade do Oeste Paulista (Unioeste)7 7 Lembramos, conforme pesquisa anterior (Redel; Martiny; Garcia 2017), que 5 universidades públicas ofertam a graduação em língua alemã, de um total de 14 que oferecem a graduação em Letras com habilitação em Alemão, bacharelado ou licenciatura, no Brasil. No contexto universitário, há vinte e sete universidades brasileiras que possuem algum tipo de estudo de língua alemã. Se incluirmos os cursos livre e de extensão nas universidades o número aumenta para 50, aproximadamente (Soethe 2010). .
Em um sentido mais amplo, não podemos desconsiderar, para a interpretação deste dado, o fato de que as Regiões Norte e Nordeste também possuem, historicamente, menos presença da língua e cultura alemã, uma vez que os estados com maior imigração germânica foram Rio Grande do Sul e Santa Catarina e, depois, a migração de uma parte deles e de seus descendentes para o Paraná. Além disso, fazendo uma relação com a oferta do ensino dessa língua nas escolas públicas, atualmente a maioria está centralizada justamente na Região Sul do Brasil (253 escolas públicas e 48 particulares); na Região Sudeste há 24 escolas públicas e 26 particulares que ofertam a língua alemã em seus currículos e apenas duas públicas em Pernambuco (Savedra; Loureiro; Carapeto-Conceição 2010Savedra, M. M. G.; Loureiro, H.; Carapeto-conceição, R. Questões de interculturalidade no ensino da Língua Alemã como segunda língua DaZ (Deutsch als Zweitsprache): o caso dos “ovinhos de Páscoa” (Ostereier). Pandaemonium Germanicum, São Paulo, n. 16, 2010, p. 204-219.: 206).
De igual importância são os dados obtidos com a segunda pergunta do questionário, por meio da qual buscamos saber se no lugar de nascimento dos estudantes era usada a língua alemã na vida cotidiana (seja uma variedade dialetal como o Hunsrückisch, por exemplo, seja a variedade do “alemão padrão” ou Hochdeutsch). A partir dessa questão, 95% dos participantes − o que corresponde a 19 dos 20 que responderam ao questionário − atestaram não interagir em língua alemã nem no contexto familiar nem no contexto social de sua comunidade ou município. A única pessoa que respondeu usar a língua alemã em seu lugar de nascimento afirma utilizá-la em âmbito familiar. Esse dado nos leva a duas observações principais. A primeira delas é que a língua alemã não faz parte dos anos iniciais de vida dos estudantes. A segunda observação, consequência da primeira, é a de que é muito improvável que os participantes tenham optado pelo programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã) devido a seu vínculo afetivo com o idioma ou por ser uma língua falada no âmbito familiar.
Com esse dado, permanece ainda em aberto uma das perguntas iniciais que norteou esta investigação, a saber: o que motiva o estudante a optar por este programa de pós-graduação. Para esta interpretação confluem as questões 03 e 04 do questionário. Sobre o local de moradia atual, novamente, a maioria dos participantes da pesquisa respondeu que reside em São Paulo, com exceção de quatro que, atualmente, moram em Brasília, Dublin (Irlanda), Rio de Janeiro e Paraná. Relacionada a essa questão, foi perguntado se há, na atual residência dos estudantes, a presença da língua e cultura alemãs, sendo que 85%, ou seja, 17 pessoas responderam que não há esse contato. Os quatro que afirmaram existir essa presença relataram que a língua e a cultura alemãs estão nos seus costumes, hábitos e que até os seus pensamentos são influenciados pela língua estudada, inclusive por intermédio de suas pesquisas no âmbito da Germanística.
Notamos que, nas respostas afirmativas, os discentes destacaram mais a questão do seu contanto individual com a língua e não um contato social, de grupo. Essa situação mostra que o alemão está presente, quase que integralmente, apenas em seu ambiente e contexto de estudos universitários. Diante do que vimos até aqui, as perguntas 2, 3 e 4 do questionário levam à compreensão de que não são laços do tipo afetivo que motivaram os participantes desta pesquisa a optarem pelo programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã), visto que a maioria deles não tem (e não teve) contato com o idioma no contexto familiar e/ou comunitário. Esse contato, assim, aparece apenas no âmbito universitário e na pesquisa científica, conforme podemos observar no gráfico abaixo:
Seguindo com a análise de dados, é também expressiva a constatação de uma porcentagem de 80% de público feminino entre os discentes que responderam ao questionário. Para sermos mais específicos, de um total de 20 pessoas, apenas quatro são do sexo masculino. Este quadro, além de indicar uma maciça e positiva participação da mulher no âmbito da pesquisa do programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã), revela também que o programa em questão desperta mais interesse entre o público feminino. Nesse aspecto, é bastante válido confrontarmos os nossos resultados com os divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), em 2017. No quadro a seguir, disponibilizado na página do MEC, podemos observar que, de acordo com os dados coletados pela Capes sobre o Sistema Nacional de pós-graduação, em 2015, as mulheres estão em maior número neste nível de ensino no Brasil. Em 2015, havia 175.419 mulheres matriculadas e tituladas em cursos de mestrado e doutorado, em contraposição ao número de 150.236 homens, uma diferença que equivale a aproximadamente 15%, segundo publicou o MEC. Ou seja, o programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemão) não está em descompasso com a realidade brasileira dos demais cursos no que diz respeito ao alto índice de discentes mulheres.
Com relação à faixa etária do público participante, temos a seguinte composição: cinco estudantes são nascidos na década de 1970; oito na década de 1980 e sete na década de 1990. Ou seja, trata-se de um grupo de discentes jovens, principalmente na faixa de 26 a 36 anos de idade, o que condiz também com os dados da questão 08. A maioria dos participantes, 68,4%, está cursando mestrado, enquanto a menor parcela, de 31,6%, é composta por alunos regulares do doutorado9 9 Neste caso, a porcentagem foi calculada sobre 19 respostas recebidas e registradas (e não 20). .
Quando os mestrandos foram indagados se pretendem realizar o doutorado, 46,6% deles responderam afirmativamente. Inclusive houve menção ao interesse em permanecer na mesma área de formação (Língua e Literatura Alemã). Dos que responderam que pensam na troca de área na continuidade dos seus estudos, um discente declarou que irá partir para os estudos românicos; outro manifestou que não sabe se vai permanecer com os estudos na área da Germanística ou vai partir para os de português; outro informou que pretende continuar trabalhando com o ensino de alemão, mas, no entanto, declarou que vai prestar o doutorado em Educação por uma “questão de praticidade”, pois julga a formação nessa outra área mais abrangente, o que, segundo sua visão, proporcionará maiores chances de trabalho. Sobre este último ponto, um discente afirmou não ter interesse em continuar no doutorado na área de Língua Alemã porque “não há onde trabalhar”. Por fim, outros dois pesquisados afirmaram que ainda estão em dúvida se vão fazer doutorado.
Conforme a pergunta analisada no parágrafo anterior, 46,6% dos respondentes pretendem fazer doutorado, sendo que seis deles, menos da metade, disseram que almejam permanecer na área. Entretanto, devemos destacar que no nosso questionário não foi abordado se os discentes permanecerão no mesmo programa, pois é possível que eles queiram continuar na área da Germanística, mas fazendo o doutorado junto a outro programa de pós-graduação, inclusive na Alemanha, que permita igualmente a realização de pesquisas com elementos da língua ou literatura alemãs. De todo modo, se quase a metade dos respondentes pretende ingressar em um curso de doutorado, fica ainda mais relevante perguntarmos qual a motivação para tal escolha.
A pergunta 10 do questionário aplicado, que indagou sobre a motivação principal do estudante para se matricular no curso de pós-graduação stricto sensu analisado neste trabalho, revelou que 45% dos participantes, o que corresponde mais precisamente a nove dos 20 respondentes, manifestaram o desejo de tornarem-se professores universitários. Em segunda colocação, com um percentual total de 25%, cinco alunos responderam que a motivação foi o prazer em fazer pesquisa científica. Em terceiro lugar, com 10% cada uma das opções, a pesquisa revelou que duas pessoas foram motivadas pela possibilidade de realização de intercâmbio acadêmico e as outras duas foram estimuladas pelo desejo de incrementar o currículo acadêmico e profissional. Em última instância, 5% dos participantes responderam que gostariam de seguir o caminho já iniciado no curso de Letras/Alemão e outros 5% afirmaram que escolheram a pós-graduação devido ao gosto pelas disciplinas do curso.
Os dados do gráfico oferecem, se não uma resposta, ao menos um direcionamento à pergunta principal desta investigação sobre o que motiva os estudantes a cursarem o mestrado e doutorado em Letras (Língua e Literatura Alemã) no curso analisado. Trata-se, predominantemente, da intenção de seguir a carreira docente no ensino superior e, disso, podemos tirar duas conclusões hipotéticas, embora elas estejam completamente condicionadas aos resultados restritos desta pesquisa. A primeira consideração a ser feita é que há interesse entre os jovens brasileiros pelo campo da Germanística em suas diferentes linhas de pesquisa. De outro lado − e esta é a nossa segunda consideração −, os dados mostram que a maioria dos respondentes, que estão em processo de alta capacitação e formação continuada, manifestam grande interesse em atuar no ensino superior. Apesar disso, é chamativo que, conforme dados que obtivemos na Questão 25, apenas seis estudantes fazem parte de associações de professores de língua alemã; cinco da Associação Paulista de Professores de Alemão (APPA) e uma pessoa da Associação Paranaense de Professores de Língua Alemã (APPLA). Disso podemos inferir que o público de estudantes que respondeu ao questionário pode não ver vantagens profissionais na participação de tais associações.
Em termos mais amplos, esses índices não deixam de refletir a atual desvalorização do profissional da educação no Brasil, nas condições de trabalho e remuneração, principalmente nos níveis Fundamental I e II e Médio. Nesse contexto, o ensino superior público, apesar da ampla concorrência, é um campo de trabalho (ainda) mais atrativo para quem está fazendo mestrado e/ou doutorado. Em consonância com essa interpretação estão os dados da questão 11, sobre quais passos o estudante pretende dar ao concluir seu curso de pós-graduação stricto sensu. Enquanto sete mestrandos manifestaram a pretensão de ingressar no doutorado, seis participantes responderam que irão prestar concurso em universidades públicas. Dois estudantes pretendem ingressar no pós-doutorado e apenas um citou a vontade de ingressar na docência em uma instituição de ensino privada. Além disso, três estudantes afirmaram o desejo de lecionar a língua alemã, mas não definiram em que tipo de instituição. Esses dados são bastante relevantes porque indicam que os estudantes pretendem continuar os estudos e/ou trabalhar com o ensino de alemão de alguma forma, ou seja, desejam continuar tendo o vínculo com sua área de formação e especialização.
Nesse sentido, esses dados nos permitem sustentar a interpretação de que os estudantes que ingressam na pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã) o fazem porque vislumbram, por intermédio dela, um campo de trabalho em potencial, principalmente no ensino superior público. Se observarmos mais atentamente os dados acima, sistematizados no próximo gráfico, veremos que, além das seis pessoas que manifestaram diretamente interesse em realizar concurso em universidades públicas, também os sete mestrandos podem ter tais pretensões para depois do doutorado, além dos outros três que apenas assinalaram a opção de lecionar alemão, o que também inclui a universidade pública.
Na avaliação dos pós-graduandos sobre o cenário brasileiro na área de Germanística (Questão 12), o maior número de alunos respondeu que não acredita ser fácil uma colocação profissional neste campo. 35% deles, ou seja, sete pessoas não responderam por que acreditam ser difícil conseguir um emprego nessa área, enquanto cinco afirmaram a dificuldade de emprego devido a basicamente três fatores: a) a língua alemã não é tão difundida, ainda, no país; b) já existe um número grande de estudantes, mestres e doutores na área em questão; c) trata-se de uma área que julgam bastante restrita no campo de trabalho. Além disso, um estudante citou as “políticas atuais para o ensino superior” como fator restritivo à contratação de novos docentes, bem como a questão salarial. Sob um diferente ponto de vista, dois pós-graduandos mencionam não achar difícil conseguir trabalho na área em escolas de idiomas e colégios alemães; no entanto, o cenário muda quando se trata da universidade, segundo eles, porque já há um quadro bem completo de docentes. Apenas 25% dos respondentes, o que equivale a cinco pessoas, disseram considerar fácil uma colocação futura profissional na área e uma pessoa afirma não saber como está a situação do mercado de trabalho, pois trabalha em outra área.
Consoante ao questionário aplicado (Questão 21), não podemos perder de vista que, de um lado, o público pesquisado apresenta índice relevante de estudantes que conseguem se dedicar aos estudos por meio de bolsas, sete pessoas. Outras quatro pessoas apenas estudam, mas sem bolsa. Por outro lado, nove entrevistados estão empregados. Dos que possuem trabalho, apenas duas pessoas assinalaram dar aulas de alemão, uma na universidade pública (em vaga temporária) e outra em aulas particulares. Nesse sentido, percebemos que quase metade dos pós-graduandos precisa trabalhar e não pode dedicar-se integralmente aos estudos, o que foi também constatado em pesquisa anterior (Redel; Martiny; Garcia 2017Redel, E.; Martiny, F.; Garcia, A. Crenças dos estudantes de Letras Alemão/Português: desafios, perspectivas e oportunidades. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 20, n. 31, jul-ago 2017, p. 30-59.) sobre os graduandos de Letras Português/Alemão em uma outra instituição pública que oferta a formação de docentes nessa língua. Assim, consideramos ser esta uma realidade de grande parte do estudante universitário brasileiro que se repete na pós-graduação. Ainda sobre a pretensão de ingressar no mercado de trabalho na área de alemão (Questão 23), apenas três discentes afirmaram não querer e um expressou não saber se o fará. Por outro lado, oito pretendem atuar no ensino dessa língua, cinco pretendem atuar em tradução, sete estão dispostos a atuar em pesquisas envolvendo a literatura alemã e uma pessoa quer trabalhar em empresas alemãs. Sendo assim, vemos a preferência por docência e pesquisa.
De maneira geral, nota-se que há um certo receio dos alunos em ingressar na carreira docente universitária, uma vez que essa, para eles, já estaria com a demanda suficientemente preenchida, embora seja esse o interesse de grande parte das pessoas que busca cursos de pós-graduação. Ainda sobre esse ponto, ao final do questionário, um participante deixou um comentário pessoal mostrando um ponto de vista mais pessimista, uma vez que afirmou ser a área “pouco respeitada por parte dos alunos, pais e da sociedade em geral”, além do universo salarial baixo. O mesmo discente destaca também, em seu texto, a necessidade de “amor e afinidade” pelo tema porque, caso contrário, não valeria a pena “tanta dedicação”. Avaliamos que tal comentário é um desabafo que vem de encontro com outros resultados de pesquisas sobre a situação do país em relação aos professores e aos cursos de formação, que estão cada vez mais esvaziados.
Ao mesmo tempo, os pesquisados acreditam que a formação acadêmica proporcionada pelo curso de pós-graduação que estão frequentando oferecerá boas oportunidades profissionais, conforme podemos observar na figura seguinte, referente à questão 13 do questionário aplicado. A maioria, 55% dos 20 respondentes, acredita que a formação acadêmica proporcionada por um curso de pós-graduação oferecerá boas oportunidades de trabalho no âmbito do ensino superior. Em segundo lugar, 25% dos estudantes também manifestaram-se positivamente em relação às expectativas profissionais por intermédio do curso de pós-graduação e afirmam que ele contribuirá para a docência de alemão como língua estrangeira de uma forma geral, ou seja, em universidades, escolas públicas e de idiomas ou cursos livres. Apenas dois estudantes, 10% dos participantes, responderam que a pós-graduação trará boas oportunidades para continuar no campo da pesquisa científica. Também apenas um discente manifestou que, apesar de acreditar em oportunidades profissionais em sua área de formação, será mal pago.
Diante dos dados observados, de maneira geral, podemos constatar que é razoavelmente bem elevado o índice de estudantes pesquisados que apresenta uma perspectiva otimista em relação ao mercado de trabalho, embora a questão salarial sempre seja retomada ao longo das respostas, sendo uma preocupação constante por parte dos entrevistados.
Especificamente sobre a formação no curso de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã), um percentual de 60% dos respondentes, portanto 12 estudantes, manifestaram estar muito satisfeitos com relação à qualificação dos docentes da área e do seu curso de pós-graduação. 20%, ou seja, quatro pessoas avaliaram esse quesito como bom, 10% como regular e apenas um estudante, 5% do total, se mostrou insatisfeito. Esses dados são bastante expressivos, pois apontam que 80% dos mestrandos e doutorandos avaliam positivamente o quadro docente que compõe o programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã). Nessa mesma direção estão os resultados obtidos nas questões seguintes.
À pergunta 15, sobre a situação das salas de aula em sua faculdade, 15% dos 20 participantes responderam que estão muito satisfeitos; 50% as avaliaram como boas; 30% as consideram regulares e 5% afirmaram estar insatisfeitos com elas. Ou seja, no quesito das salas de aula, podemos afirmar que aproximadamente 70% dos estudantes as consideram adequadas. Quando indagados sobre a disponibilidade de equipamentos com computadores e projetores (Questão 16), também observamos, em parte, resultados semelhantes aos anteriores: 5% dos respondentes assinalaram estar muito satisfeitos; 50% avaliaram essa parte tecnológica como boa, 20% a consideraram regular e apenas 15% se mostraram insatisfeitos. Na questão subsequente (Questão 17), sobre as condições da biblioteca, há um índice um pouco mais elevado de estudantes muito satisfeitos com a biblioteca: 30%. 40% a consideram boa, 15% regular e também 15% assinalaram que estão insatisfeitos.
Os dados que recebemos indicam, portanto, que grande parte dos mestrandos e doutorandos está satisfeita com a qualificação docente e com a infraestrutura, incluindo a biblioteca, as salas de aulas e os equipamentos, ou seja, os discentes, quase em sua totalidade, avaliam positivamente a universidade em geral, conforme evidencia a questão 18 sobre o grau de satisfação dos estudantes com a universidade como um todo: 40% muito satisfeitos, 50% bom, 5% regular e 5% insatisfeitos. Em relação à porcentagem de insatisfação apontada, não houve aqui justificativa específica.
A questão que mais apresentou insatisfação, 20%, foi em torno das disciplinas oferecidas na pós-graduação (Questão 19), conforme podemos observar na figura abaixo. Também 20% considera a oferta das disciplinas regular, o que aponta que 40% dos pesquisados, um percentual relativamente elevado, fizeram uma avaliação negativa deste aspecto do curso. Um dos participantes comentou a necessidade de haver um maior número de disciplinas, principalmente com relação ao curso de doutorado. De outro lado, 65% dos estudantes, portanto mais da metade, manifestaram-se positivamente sobre a grade de disciplinas ofertadas.
Quanto à somatória dos dados, totalizando valor superior a 100%, assinalamos que, no caso da avaliação das disciplinas, um respondente possivelmente assinalou duas opções de modo que, na somatória do número de respondentes, temos ao invés de 20 pessoas, 21, o que incide no cálculo final de 105%. Com isso temos em vista a presença de uma pequena margem de erro nos resultados gerados. Mesmo assim, a investigação que realizamos trouxe um dado bastante interessante que revela o baixo índice de insatisfação dos mestrandos e doutorandos do programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã) quando se trata do acompanhamento do orientador. 45% de todos os participantes, isto é, nove pessoas estão muito satisfeitas com a orientação recebida e outros 45% consideram esse acompanhamento bom. Assim, 90% dos pesquisados estão satisfeitos com o trabalho desempenhado pelo seu orientador, o que muito provavelmente influencia positivamente na manutenção e representatividade do programa no contexto brasileiro, e 10% estão insatisfeitos.
Uma das questões que chamam bastante atenção foi em relação ao nível de conhecimento de alemão que os discentes acreditam ter ao ingressar nos programas (Questão 23). Conforme a escala do Quadro Europeu Comum de Referência para o ensino de línguas, três participantes assinalaram ter conhecimento A1, dois A2 e dois B1. A maior parte, sete respondentes, afirmaram ter o nível B2, três assinalaram ter C1 e quatro ter o C2. Ou seja, 35% dos estudantes desta pós-graduação possuem conhecimento avançado do idioma alemão e igualmente 35% possuem conhecimento intermediário. Esse ponto ressalta a formação universitária desses estudantes antes da pós-graduação, evidenciando um nível não muito alto de conhecimento linguístico em 30% dos discentes, de A1 a B1.
Os resultados desta pesquisa apontam que nem todos os discentes pesquisados apresentaram nível de conhecimento linguístico avançado de alemão, apesar de se tratar de um público de pós-graduandos. A próxima pergunta do questionário (Questão 24) abordou, nesse sentido, onde os estudantes aprenderam a língua alemã10 10 Nesta questão, os pesquisados puderam assinalar mais de uma possibilidade. . A maioria, 15 participantes, respondeu que aprendeu o idioma na universidade, oito tiveram contato inicial com a língua em cursos livres e os demais afirmaram ser em diferentes lugares, mas ninguém citou o contexto do lar como a base de sua aprendizagem. Ou seja, podemos inferir, hipoteticamente, que esse dado retoma o que mencionamos anteriormente, que o uso da língua fica mais centralizado dentro de cursos ou mesmo na universidade e sujeito à carga horária e condições de ensino que lhes são inerentes já na sua formação na graduação.
Em torno da questão sobre “pesquisa” (Questão 26), mais da metade do grupo, 65% (13 estudantes) sinalizou não ter publicado até o momento em periódicos científicos desde que estão na pós-graduação. Os sete que já publicaram possuem a média de 3 a 4 publicações e dois já publicaram 10 ou mais artigos. A explicação para o interesse em publicar para a maioria é incrementar o currículo lattes (50%); para divulgar as ideias à comunidade científica (40%); porque é uma exigência do programa (30%); além de outras respostas aleatórias como “não se aplica”. Chama atenção o fato de que ninguém sinalizou a questão da sua própria formação como explicação para publicar seus estudos. Percebemos que a maior justificativa para a publicação das pesquisas está nas exigências quantitativas do currículo lattes e, por conseguinte, também dos programas. Possivelmente, isso também esteja associado aos concursos públicos futuros na carreira de magistério superior. Em consonância com esta realidade e sobre a pretensão de publicar até o final do curso (Questão 28), 65% dos participantes responderam que gostariam de publicar mais artigos até o final de seu curso de pós-graduação.
Quando voltamos ao contexto da graduação, oito entrevistados dizem já haver participado de uma pesquisa de iniciação científica (IC), sendo que mantiveram o mesmo tema na pós-graduação; outros sete participaram de IC, mas mudaram o tema ou subárea na sequência dos seus estudos; e apenas seis não realizaram pesquisas de IC. Esse dado ajuda a compreender a questão anterior da publicação, refletindo a possível falta de conhecimento sobre como pesquisar e publicar, podendo ser este o fator dessa falta de interesse.
Considerações finais
A análise dos dados obtidos permitiu-nos tecer algumas considerações gerais sobre o perfil dos estudantes de pós-graduação em Língua e Literatura Alemã de uma universidade pública brasileira. Trata-se, de modo geral, de jovens pesquisadores com conhecimentos intermediários de língua alemã e pouco ou nenhum contato com o idioma no ambiente familiar ou comunitário, sendo que o aprendizado da língua foi obtido na própria universidade e/ou em outros cursos livres. Destacamos, entre esses estudantes, o desejo de atuarem no ensino superior na área de Letras, com destaque para um razoável número de respondentes que afirmam desejar permanecer na área da Germanística.
Apesar dessa pretensão inicial, é notória a consciência dos alunos a respeito das dificuldades enfrentadas pela educação brasileira como um todo, algo que se expressa por meio de uma baixa valorização do papel e da função docente com uma remuneração geralmente interpretada como insuficiente. Como afirmávamos já na introdução deste texto, a perspectiva de um número menor de contratações de professores mediante concursos para ingresso em instituições de ensino superior públicas é quadro agravado pelas tendências observadas atualmente de redução dos investimentos públicos em educação e pelo crescimento da representatividade política de partidos e coligações que favorecem a diminuição do Estado e o enxugamento de investimentos e gastos públicos, como se observa no momento com as reduções anuais no orçamento dos Ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Comunicações, bem como nas agências públicas de fomento à pesquisa a eles associadas.
Não consiste em nossa intenção, entretanto, aplicar juízos de valor ao mencionarmos essas tendências políticas. Trata-se de temas polêmicos que polarizam opiniões. O que não se pode deixar de fazer, neste caso, é documentar o fato concreto de que o investimento público em educação tem diminuído e tende a não aumentar significativamente durante, ao menos, os 20 anos de vigência da proposta de emenda constitucional do teto de gastos, cuja aprovação no Congresso foi justificada como uma medida de contenção do crescimento desordenado dos gastos e da dívida pública. O fato é que observamos um cenário político e econômico que afeta diretamente o futuro profissional dos egressos do programa de pós-graduação em Língua e Literatura Alemã e se vê refletido em suas visões parcialmente pessimistas a respeito de suas perspectivas profissionais no campo do ensino superior e da Germanística. Por outro lado, apesar de expressarem preocupações, de maneira geral, os participantes pesquisados, como destacado ao longo das análises, manifestaram interesse em continuar se especializando e/ou trabalhando com a língua alemã, principalmente no ensino e na pesquisa.
Também há um posicionamento favorável de muitos discentes em relação à sua formação profissional e acadêmica no programa de pós-graduação em Letras (Língua e Literatura Alemã), foco do estudo. Nesse sentido, verificamos que a maior parte dos mestrandos e doutorandos avaliam positivamente o quadro docente que compõe o curso, a infraestrutura e a orientação, acreditando que a formação proporcionada possibilitará oportunidades de trabalho no âmbito da docência de alemão como língua estrangeira de uma maneira geral, ainda que o campo de atuação, principalmente universitário, não possua muitas vagas no atual contexto e apresente, ao mesmo tempo, outros desafios já citados no decorrer deste artigo.
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7
Lembramos, conforme pesquisa anterior (Redel; Martiny; Garcia 2017), que 5 universidades públicas ofertam a graduação em língua alemã, de um total de 14 que oferecem a graduação em Letras com habilitação em Alemão, bacharelado ou licenciatura, no Brasil. No contexto universitário, há vinte e sete universidades brasileiras que possuem algum tipo de estudo de língua alemã. Se incluirmos os cursos livre e de extensão nas universidades o número aumenta para 50, aproximadamente (Soethe 2010).
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8
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9
Neste caso, a porcentagem foi calculada sobre 19 respostas recebidas e registradas (e não 20).
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10
Nesta questão, os pesquisados puderam assinalar mais de uma possibilidade.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Jul 2019 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2019
Histórico
-
Recebido
21 Out 2018 -
Aceito
28 Fev 2019