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Redes sociais na aula de alemão como língua estrangeira em contexto escolar: introdução teórica e relato de experiência

[The use of social media in German as foreign language classes in a school setting: theoretical introduction and experience report]

Resumo

O artigo visa a apresentar a experiência com o trabalho “Projekt Deutsch lernen mit Instagram” conduzido com duas turmas do 1º ano do ensino médio no Colégio Cruzeiro (Rio de Janeiro) no primeiro semestre de 2021. O projeto, que consistiu na elaboração e manutenção de perfis do Instagram feitos por e para aprendizes de alemão, teve como objetivo principal reavivar o interesse dos alunos e alunas, cuja motivação encontrava-se seriamente comprometida em decorrência das limitações impostas pela pandemia do Covid-19. Adicionalmente à descrição das fases do projeto e à reflexão sobre os resultados obtidos, serão aqui brevemente discutidas as possibilidades e potenciais desafios do uso de redes sociais em aula de língua estrangeira conforme as pesquisas de Lomicka & Lord (2016) e Würffel (2020) que embasaram a idealização do projeto.

Palavras-Chave:
Alemão como língua estrangeira; Redes sociais; Instagram; Aprendizagem baseada em tarefas

Abstract

This paper aims to report the experience with the “Projekt Deutsch lernen mit Instagram”, carried out with two tenth-grade classes at Colégio Cruzeiro (city of Rio de Janeiro, Brazil) in the first semester of 2021. The project, which consisted on the creation and maintenance of Instagram profiles made for and by German learners, had as main goal to revive the engagement of the students, whose motivation was seriously affected by the limitations imposed by the Covid-19 pandemic. In addition to the description of the project phases and to a reflection on the results achieved, we will be discussing briefly the possibilities and potential challenges of using social networks in foreign language classes according to the studies of Lomicka & Lord (2016) and Würffel (2020), which were used as theoretical basics for the project.

Keywords:
German as a foreign language; Social media; Instagram; Task based learning

Zusammenfassung

Der Artikel berichtet über die Erfahrung mit dem „Projekt Deutsch lernen mit Instagram“, das im ersten Semester 2021 mit zwei 10. Klassen am Colégio Cruzeiro (Rio de Janeiro) durchgeführt wurde. Das Projekt, das die Erstellung und Verwaltung von Instagram-Profilen für und von Deutschlernenden voraussetzte, hatte als Hauptziel, das Interesse der Schüler:innen wieder zu erwecken, das zu der Zeit wegen der Covid-19-bezogenen Beschränkungen deutlich beeinträchtigt war. Neben der Beschreibung der einzelnen Projektphasen werden zugleich die erzielten Ergebnisse kommentiert und die Chancen und eventuellen Risiken der Arbeit mit sozialen Netzwerken im Fremdsprachenunterricht laut den Studien von Lomicka & Lord (2016) und Würffel (2020) kurz dargestellt, auf welchen die Projektarbeit basiert.

Schlüsselwörter:
Deutsch als Fremdsprache; Soziale Netzwerke; Instagram; Aufgabenorientiertes Lernen

1 Introdução

Uma máxima comumente citada com o intuito de ilustrar o quanto a escola nas últimas décadas não se modernizou é aquela que discorre sobre um médico vindo de algum tempo no passado diretamente para os dias de hoje e que, dados os novos adventos tecnológicos na medicina, não saberia como exercer seu trabalho. Já um professor que se aventurasse pela mesma viagem no tempo, ainda segundo tal citação, não teria semelhante dificuldade e poderia dar sua aula como de costume, pois, assim se diz, as escolas pouco ou nada haveriam mudado ao largo das últimas décadas.

Seguramente esse aforismo, de autoria controversa, já não se aplica ao atual contexto pandêmico, que foi testemunha de uma verdadeira reinvenção metodológica pautada pela busca por novas configurações dos espaços de ensino-aprendizagem, nos quais os contatos presenciais foram anulados ou restritos ao mínimo necessário e os suportes digitais desempenharam um papel de importância nunca antes observada em nossas práticas pedagógicas. Entretanto, essa transição - quando ocorreu, considerando-se as desigualdades do país no qual vivemos - se deu de maneira intuitiva e conturbada devido ao caráter emergencial e caótico no qual surgiu e teve muitas vezes como resultado alunos desmotivados e professores exaustos e inseguros sobre a eficácia de seu empenho em “reinventar o avião em pleno voo”.

Ciente da natural carência de pesquisas contextualizadas no novo normal e da necessidade de estender a espaços extraescolares os ambientes de ensino-aprendizagem - atualmente ainda bastante restritos em decorrência da pandemia - o presente artigo tem como objetivo apresentar estudos de relevância, como os de Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) e Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.), sobre o uso das redes sociais no ensino de língua estrangeira e, pautando-se em teorias sobre a pedagogia de projetos, conforme Nogueira (2005Nogueira, N. R. Pedagogia dos projetos. São Paulo: Érica, 2005.) e Traub (2012Traub, S. Projektarbeit erfolgreich gestalten. Bad Heilbrunn: Julius Klinkhardt, 2012), ilustrar as discussões teóricas aqui apresentadas com o relato de experiência do “Projekt Deutsch Lernen mit Instagram”, realizado no segundo trimestre de 2021 com alunos do 1º ano do ensino médio no Colégio Cruzeiro, Rio de Janeiro.

Espera-se com este artigo lançar uma luz sobre novas possibilidades potencialmente motivadoras que possam ser implementadas em espaços virtuais, apresentando a ensinantes de alemão novos caminhos e ferramentas que tornem a aprendizagem da língua alvo um processo mais significativo e, por consequência, mais eficiente e prazeroso para os aprendentes.

2 Fundamentos teóricos

Iniciando esta breve exposição teórica acerca dos usos das redes sociais para fins de aprendizagem de LE, faz-se necessário abordar o que se entende sobre esses aportes tecnológicos da chamada Web 2.0. De acordo com Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.), redes sociais são ferramentas usadas para disponibilizar e consumir conteúdos, possibilitando a conexão, engajamento e estabelecimento de comunidades entre seus usuários. É teoricamente possível, conforme as autoras e ainda conforme Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.), subdividir tais plataformas em algumas categorias, como redes que promovem trocas de texto escrito (Facebook, Twitter), as que se prestam ao compartilhamento de imagens (Instagram, Pinterest) e aquelas que facilitam a publicação e consumo de conteúdo em áudio (PodOmatic, VoiceThread). Würffel comenta, entretanto, que dada a crescente complexidade e multimodalidade das novas mídias, tais distinções tornam-se cada vez mais difíceis.

Apesar de as redes sociais há anos fazerem parte da nossa interação privada, suas potencialidades para fins pedagógicos todavia não foram suficientemente exploradas. No contexto atual, contudo, o uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC) nunca se fez tão certo e urgente e, neste ponto, vale chamar a atenção para o fato de que, assim como Freitas e Almeida (2012Freitas, M. C. D., Almeida, M. G. Docentes e discentes na sociedade da informação (A escola no Século XXI; v.2). Rio de Janeiro: Brasport, 2012.), entendemos a necessidade da inserção das TIC no âmbito escolar em seu caráter interativo e não meramente expositivo, como se tais ferramentas atuassem como substitutos da lousa na forma de apresentações em slides. É necessária ainda cautela no sentido de considerar o uso das TIC e, mais especificamente, das redes sociais, não como um método em si, e sim como potenciais ferramentas pedagógicas, cujo êxito dependerá diversos fatores, como competência linguística das alunas e alunos, nível de motivação e letramento digital1 1 “[...] letramento digital é definido com base nos artefatos tecnológicos como meio de ‘usar a tecnologia digital, ferramentas de comunicação, e/ou redes para acessar, gerenciar, integrar, avaliar e criar informação para funcionar em uma sociedade de conhecimento’” (Souza, 2007) dos atores envolvidos, configuração da atividade proposta e, em suma, o arranjo metodológico do ambiente de ensino-aprendizagem.

Isso posto, podemos elencar aqui algumas contribuições de estudos dedicados às potencialidades e desafios do uso de redes sociais na aula de LE.

Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) citam primeiramente o caráter motivacional de seu emprego, destacando a possibilidade de interação e colaboração com outros usuários como determinantes para a motivação dos aprendizes. As autoras observam ainda que o engajamento desejado dependerá do nível de competência linguística dos aprendizes na língua alvo. Com relação a esse último ponto como fator condicionante da motivação dos aprendentes, destaco a importância de se refletir de maneira cuidadosa sobre as possibilidades de interação / produção de conteúdo propostas aos aprendentes que sejam compatíveis com seus níveis de competência de linguística, de maneira a efetivar seu engajamento e evitar frustrações.

Para além do potencial fator interacional, podemos citar ainda o “caráter de novidade”, conforme definido por Bzuneck (2010Bzuneck, J. A. Como motivar alunos: sugestões práticas. In: Boruchovitch, E; Bzuneck, J. A. et al. Motivação para aprender. Petrópolis: Vozes, 2010.). Segundo o autor, atividades caracterizadas pelo ineditismo atraem imediatamente a atenção e a curiosidade dos alunos e, portanto, o interesse. Ciente de que as novidades, uma vez incorporadas à rotina em sala de aula, tendem a perder seu ineditismo, Bzuneck nos recomenda que, após a introdução de uma nova proposta de trabalho, seja mantido um grau intermediário em seu uso, situado entre o familiar e o incomum, pois estímulos percebidos como muito corriqueiros pelos aprendentes costumam levar à redução de sua motivação.

Estreitamente relacionado ao caráter motivacional acima exposto, a possibilidade de estabelecer conexões identitárias é também mencionada por Lomicka & Lord. Através da interação com outros aprendizes e do compartilhamento de conteúdo que reflete interesses afins, é possível promover um sentimento de comunidade e pertencimento que se inter-relaciona diretamente à motivação pelo aprender. É importante destacar ainda que a interação não só se presta a despertar o interesse e desenvolver laços de identidade, e sim, conforme frisam as autoras, configura a própria essência do uso bem-logrado das redes sociais na aula de língua estrangeira.

Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) chama a atenção para a possibilidade de unir aprendizagem formal à informal por meio do uso das redes sociais. Citando Sauro & Zourou (2017 apud Würffel, 2020), a autora descreve a aprendizagem informal como uma experiência de “learning in the wild”, na qual a prática linguística se dá em espaços e comunidades digitais de maneira independente dos contextos educacionais formais e que são capazes de promover a interação social de uma maneira não observada nas instituições de ensino. Würffel enfatiza ainda que muitas vezes o trabalho com redes sociais não se presta primeiramente à aquisição da língua em seu caráter estrutural, mas sim, devido às possibilidades de conexão de aprendizagem formal e informal, a fins sociais e de construção de identidades. Tais características, segundo Würffel, são vistas com bons olhos pelos aprendizes, uma vez que o uso de redes sociais nas aulas de língua facilita a conexões com outros alunos, bem como a interação multimodal. Dado o caráter seminal dos estudos relacionados aos usos de redes sociais em contextos de aprendizagem de línguas adicionais, a autora clama ainda pela necessidade de novos estudos que versem sobre como a motivação e autonomia proporcionadas pela aplicação de redes sociais podem ser aplicadas de maneira mais efetiva e sistematizada em sala de aula.

Com respeito a uma análise que relacione diretamente o uso de redes sociais em ambiente formal de aprendizagem aos ganhos linguísticos observados junto aos aprendizes, os estudos de Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) e Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) são pouco esclarecedores. De fato, Barrot (2021Barrot, J. S. Social media as a language learning environment: a systematic review of the literature (2008-2019). In: Computer assisted language learning, 2021. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09588221.2021.1883673?scroll=top&needAccess=true (03/06/2022).
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
) nos alerta para a falta de pesquisas não só de caráter quantitativo, mas também qualitativo, que poderiam oferecer maiores orientações sobre esse aspecto. Nesse sentido, o trabalho de Shams (2014Shams, S. Efficacy of online social networks on language teaching: a Bangladeshi perspective. IAFOR Journal of Education, v. 2, n. 2, 117-147, 2014.) nos fornece indicativos interessantes ao comparar o desempenho linguístico de estudantes universitários separados em dois grupos: os que frequentaram aulas de inglês fazendo uso ocasional da rede social Facebook (grupo experimental) e os que prescindiram da ferramenta (grupo de controle). Em sua pesquisa realizada com 57 indivíduos previamente submetidos a um teste de nivelamento linguístico para os fins da investigação, a autora nos sugere que os participantes do grupo experimental inicialmente qualificados como medianamente competentes na língua alvo apresentaram ganhos linguísticos consideráveis quando comparados aos participantes do grupo de controle com competência linguística equivalente. A diferença nos resultados, auferidos por meio de diagnóstico posterior, foi menos expressiva entre os participantes do grupo que já possuíam alto nível de competência linguística e aqueles com capacidades muito limitadas no idioma. Como justificativa para o baixo aproveitamento dos estudantes pouco competentes em inglês a autora cita a necessidade de uma instrução formal prévia mais profunda, de maneira que eles e elas possam efetivamente beneficiar-se das possibilidades da rede social. Já a diferença menos expressiva nos resultados observados na comparação entre os estudantes mais competentes na língua alvo é atribuída pela autora às limitações do teste diagnóstico empregado, que não contemplava instrumentos capazes de mensurar eventuais ganhos linguísticos em nível avançado. Como segunda justificativa, Shams cita ainda o fato de os aprendizes mais competentes já possuírem as habilidades comunicativas que o trabalho com o Facebook se propunha a desenvolver.

Após a exposição das potenciais vantagens do uso das redes sociais nas classes de língua estrangeira, cumpre também discutir as eventuais dificuldades e pontos de cautela que devem ser observados no trabalho desenvolvido nessas novas plataformas de interação.

Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) chamam atenção para a necessidade de se estabelecerem códigos de conduta com os alunos, bem como verificar com a instituição de ensino quais as políticas de comportamento e privacidade por ela adotadas. Nada impede, ainda, que as etiquetas a serem implementadas sejam abordadas de maneira linguisticamente produtiva junto aos alunos e alunas através de discussões na língua alvo, de maneira a desenvolver ou exercitar competências linguísticas em consonância com a abordagem do task based learning (Nunan, 1989Nunan, D. Designing tasks for the communicative classroom. Cambridge: Cambridge University Press, 1989., 2004; Thonhauser, 2010Thonhauser, I. Was ist neu an den Aufgaben im aufgabenorientierten Fremdsprachenunterricht? Einige Überlegungen und Beobachtungen. Babylonia: revue pour l'enseignement et l'apprentissage des langues, v. 3, 8-16, 2010.) ou, conforme referido na literatura alemã, aufgabengesteuertes / aufgabenorientiertes Lernen (Thonhauser, 2010; Ende et al, 2013Ende, K; Grotjahn, R. et al. Modelle für die Unterrichtsgestaltung. In: Ende, K; Grotjahn, R. et al, Curriculare Vorgaben und Unterrichtsplanung. Munique: Klett-Langenscheidt, 2013.), que preconiza a elaboração de situações mais realistas de comunicação, com foco na produção de significado e que estejam baseadas em atividades, desafios ou intervenções percebidas como relevantes pelos aprendizes.

A questão da privacidade também é discutida pelas autoras. Ao realizar a transição do espaço confinado de sala de aula para o cyber-espaço, onde as produções dos alunos estarão disponibilizadas a audiências possivelmente muito mais vastas, é necessário que os alunos estejam cientes das consequências de sua exposição. Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) recomendam ainda avaliar a necessidade de separar os perfis pessoais dos profissionais e/ou acadêmicos a fim de se preservar a privacidade dos atores envolvidos no trabalho com redes sociais.

O aspecto da acessibilidade é igualmente abordado por Lomicka & Lord e diz respeito não só à contemplação de alunas e alunos com comprometimentos de aprendizagem ou deficiências, mas também no sentido de se assegurar que todos tenham acesso aos meios tecnológicos necessários para a participação das atividades propostas.

Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) e Paulo & Goulart (2020Paulo, A; Goulart, I. Letramento digital: o professor alfabetizador no contexto das tecnologias digitais. In: Eliezer et al. A educação em tempos de pandemia. Belo Horizonte: Dialética, 2020.) chamam atenção para alguns mitos comumente associados ao uso de novas tecnologias em nossas práticas pedagógicas, dentre eles o da suposta competência midiática dos chamados nativos digitais. Aqui deve-se ter em consideração que, ao contrário do que o senso-comum possa nos levar a pensar, os nativos digitais não necessariamente são satisfatoriamente competentes no emprego das mídias digitais às quais recorrem diariamente. As autoras salientam que o uso de tais mídias para fins pessoais não implica obrigatoriamente na competência em suas potencialidades para objetivos acadêmicos, sendo necessários a sensibilização e o desenvolvimento do letramento digital junto aos aprendizes para que as atividades propostas nos ambientes de ensino alcancem os resultados desejados.

Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) nos lembra ainda que o contexto institucional e formal no qual o aprendizado de língua estrangeira se dá influencia o comportamento dos aprendizes, que, seja por timidez, insegurança ou falta de motivação, não necessariamente vão desejar aproveitar as possibilidades oferecidas pelas redes sociais. Outro fator de atenção, ainda segundo Würffel, é o que se relaciona ao caráter público que as produções linguísticas dos aprendizes assumirão. Se por um lado a existência de interlocutores reais pode de fato levar a um aumento da motivação e da qualidade do material desenvolvido pelas alunas e alunos, a falta de sigilo pode, de igual modo, atuar de maneira intimidadora, limitando os resultados esperados pelas professoras e professores. A autora considera importante envolver os aprendizes na discussão da acessibilidade ao conteúdo por eles desenvolvido, o que pode ser feito na língua alvo, de maneira a criar interessantes oportunidades de interação oral.

3 Relato de experiência: Projekt Deutsch Lernen mit Instagram

O Projekt Deutsch lernen mit Instagram, conduzido com duas turmas de progressão moderada2 2 Nas aulas de língua alemã, as turmas são divididas em grupos menores de acordo com o nível de competência linguística auferido por meio das avaliações formais ao longo do ano letivo e observações do corpo docente. Espera-se das turmas de progressão moderada conforme aqui referidas a conclusão do nível B1, conforme o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, no final da trajetória escolar dos alunos e alunas. do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Cruzeiro Centro - Rio de Janeiro3 3 Cabe situar os leitores e leitoras no contexto sócio educacional no qual a escola se insere. O colégio é uma instituição de ensino privada que tem como público alvo alunos e alunas de classe média e média alta. O Alemão é disciplina obrigatória desde a educação infantil até o segundo ano do Ensino Médio. A escola integra ainda a rede PASCH, iniciativa coordenada pelo Ministério Alemão das Relações Exteriores, que tem como objetivo promover o ensino da língua alemã em escolas ao redor do mundo através de financiamento de projetos escolares e eventos de formação continuada para professores e professoras, consultoria pedagógica, realização de exames oficiais de proficiência linguística, entre outros. , foi parte das atividades realizadas em ocasião da Semana da Língua Alemã4 4 Promovida de 12 a 20 de junho de 2021 pelas representações diplomáticas de Alemanha, Áustria, Bélgica, Luxemburgo e Suíça e com a participação de instituições culturais e escolas bilíngues no Brasil. e teve como produto final a criação de perfis no Instagram com dicas de estudo, humor e informações culturais sobre os países que têm alemão como língua oficial, mais especificamente Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica e Luxemburgo. O projeto, realizado em grupos de até 7 alunos, que frequentavam as aulas em formato híbrido5 5 Durante o segundo trimestre do ano letivo de 2021, período no qual o projeto foi realizado, os alunos e alunas possuíam a opção de frequentar as aulas presenciais na escola ou assistir suas transmissões ao vivo através da ferramenta Google Meets. , se estendeu ao longo de duas semanas e compreendeu as seguintes fases, adaptadas livremente a partir dos modelos propostos por Nogueira (2005Nogueira, N. R. Pedagogia dos projetos. São Paulo: Érica, 2005.) e Traub (2012Traub, S. Projektarbeit erfolgreich gestalten. Bad Heilbrunn: Julius Klinkhardt, 2012):

  1. Apresentação do projeto (1,5 tempo de aula)

  2. Planejamento (2,5 tempos de aula)

  3. Pesquisa e execução (9 tempos de aula)

  4. Auto-avaliação (2 tempos de aula + tarefa para casa)

Na primeira fase do projeto, os alunos foram apresentados a diversos perfis com informações ou conteúdo de humor relevantes para a aprendizagem de alemão, muitos deles feitos por aprendizes da língua. Por meio de um formulário do Google contendo várias postagens previamente selecionadas pelo autor e idealizador do projeto, as alunas e alunos foram solicitados a identificar os tipos de conteúdo mais recorrentes na plataforma, conforme podemos ver na figura 1.

Figura 1
Excerto da atividade apresentando perfis do Instagram voltados a aprendizes de alemão

Após a sensibilização inicial dos aprendentes para o tema do projeto na maneira acima exposta, foram apresentadas aos alunos as formalidades da atividade, como prazo de execução, resultados esperados e critérios de avaliação, conforme exibidos na tabela 1.

Tabela 1
Formalidades do projeto

Deu-se início então à fase de planejamento, na qual os grupos de trabalho foram formados. Em seguida, os aprendizes foram instigados a refletir sobre a importância de diferentes funções no processo de criação de um perfil atraente no Instagram. Através da ferramenta Mentimeter7 7 Ferramenta que permite a colaboração e interação de seus usuários em ambiente online através de quizes, enquetes, nuvens de palavras (word clouds) etc. Disponível em: http://www.mentimeter.com , os alunos e alunas puderam avaliar de 0 a 5 a relevância dos seguintes papéis dentro do grupo: I. designer gráfico, II. patrocinador(a), III. pesquisador(a) de conteúdo, IV. redator(a), V. divulgador(a), VI. administrador(a) do perfil, VII. coordenador(a) da equipe. Os resultados auferidos podem ser visualizados na figura 2, sendo o primeiro item da enquete referente ao cargo I. designer gráfico, e o último ao cargo VII. coordenador(a) da equipe.

Figura 2
Enquete realizada com a ferramenta Mentimeter

Após a exibição dos resultados da enquete, prosseguiu-se com uma breve discussão em alemão sobre a importância das funções previamente avaliadas dentro do grupo. Considerando-se as limitações na competência oral de alguns aprendizes, agravadas pelos meses de ensino remoto, fez-se necessário projetar um slide (figura 3) com subsídios linguísticos de maneira a viabilizar a participação de todos e todas na atividade proposta.

Figura 3
Subsídios linguísticos disponibilizados aos aprendizes para atividade oral

Ainda na etapa de planejamento, foram criadas sub-salas nas vídeo-conferências realizadas no Google meets para que as alunas e alunos pudessem distribuir entre si as tarefas I a VII acima mencionadas entre os membros. Uma vez que a função II. patrocinador(a), foi considerada irrelevante - e teria sido, de fato, inviável ou demasiadamente complexa no contexto escolar - prescindiu-se dessa. Já a função VII. coordenador(a) da equipe, também considerada pelos participantes como de menor relevância, foi abordada pelos professores como importante tendo em vista a complexidade do projeto a ser realizado e foi incorporada às atribuições a serem distribuídas entre os membros dos grupos.

Destaca-se aqui que a maioria dos grupos dispensou a ferramenta Google meets e preferiu se organizar de maneira autônoma em grupos do Whatsapp, criados por eles para esse propósito, sob a justificativa de que seu uso facilitaria a comunicação dos alunos e alunas frequentando as aulas na modalidade remota com seus colegas que se encontravam na escola.

Após a delegação das tarefas, os aprendentes relataram aos professores em alemão quem seria responsável por qual tarefa, tendo sido mais uma vez necessária a disponibilização de subsídios linguísticos (figura 4) para a viabilização da participação de todos os alunos e alunas presentes na aula.

Figura 4
Subsídios linguísticos disponibilizados aos aprendizes para atividade oral

Por meio de um formulário do Google, os grupos enviaram ao professor e à professora as atribuições de cada membro do grupo. No documento constavam ainda os nomes dos perfis, bem como as respectivas senhas de acesso, de maneira a garantir que os códigos de conduta, conforme abordados por Lomicka & Lord (2016Lomicka, L; Lord, G. Social networking and language learning. In: Farr, F; Murray, L. The Routledge handbook of language learning and technology. Nova Iorque: Routledge, 2016.) fossem observados.

Foi observada neste momento a necessidade de intervenção da parte do professor e da professora participante do projeto no sentido de desenvolver o letramento digital das alunas e alunos, uma vez que muitos dos nomes inicialmente escolhidos para os perfis eram pouco expressivos ou não se relacionavam ao propósito da atividade. Através de mais uma pesquisa de opinião realizada na plataforma Mentimeter (figura 5), os grupos puderam refletir sobre a relevância de se pensar em nomes condizentes com a intenção do produto final esperado. Após a reflexão, observou-se que todos os grupos que haviam optado por nomes inadequados os substituíram por outros mais pertinentes.

Figura 5
Enquete realizada com a ferramenta Mentimeter

Foi dado então prosseguimento com a fase de pesquisa e execução. Partindo do pressuposto de que a interação, conforme observamos, configura a essência do uso das redes sociais, seja para fins particulares ou acadêmicos, solicitou-se aos grupos que seguissem os perfis recém-criados pelos colegas, bem como os outros perfis previamente apresentados a eles na fase inicial do trabalho. A primeira tarefa consistiu em pesquisar e compartilhar nos stories8 8 Modalidade de compartilhamento oferecida pelo Instagram na qual os conteúdos postados ficam disponíveis para visualização por apenas 24 horas. postagens das contas de Instagram afins já existentes e teve como objetivo sensibilizar os alunos e alunas ainda mais para as possibilidades de criação observadas na plataforma, estimular a interação para além das fronteiras escolares e oferecer um ponto de partida que pudesse ser atraente para eventuais novos seguidores.

Em seguida, os alunos e alunas foram apresentados à ferramenta de edição gráfica Canva, muito usada para a produção de conteúdo nas redes sociais e já conhecida por alguns dos aprendentes. O aplicativo lhes foi apresentado por meio do tutorial em vídeo Canva - Einführung und Tipps9 9 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=65TRmIztIgE&pbjreload=102. Acesso em 10 abr. 2022. , disponível no Youtube. Devido a limitações de tempo, a exibição do vídeo infelizmente não contou com atividades adicionais, como sistematização de vocabulário ou tarefas de compreensão audiovisual.

Nesta parte do trabalho, cumpre observar que, em virtude da sobrecarga de trabalho imposta aos alunos e alunas pelas outras matérias escolares, toda a fase de execução do projeto foi realizada no horário das aulas e os grupos puderam contar com o auxílio e intervenções dos professores quando desejado. Ao longo do projeto, no qual foram elaboradas as postagens sobre os temas previamente estabelecidos (cf. tabela 1), os membros das equipes distribuíram-se na realização das tarefas, já aqui relacionadas, respeitando com maior ou menor rigor a divisão de funções por eles previamente estabelecida na fase de planejamento do projeto.

Ainda na fase de produção, os alunos e alunas foram instruídos a fazer uso de hashtags e estarem constantemente seguindo, comentando ou curtindo outros perfis afins. Com respeito ao visual das postagens, a única observação feita pelo professor e pela professora foi a de que o conteúdo divulgado no período entre 14 e 18 de junho contivesse o logotipo da Semana da Língua Alemã, sendo que alguns grupos decidiram espontaneamente incluir também o logotipo da escola, conforme vemos na figura 6.

Figura 6
Postagem sobre a Semana da Língua Alemã, com logotipo do evento

Após a fase de pesquisa/execução, deu-se início à fase de auto-avaliação, conforme adaptação livre do modelo de Traub (2012Traub, S. Projektarbeit erfolgreich gestalten. Bad Heilbrunn: Julius Klinkhardt, 2012) e que se prestou não apenas à reflexão sobre os resultados obtidos, mas também à criação de eventos para a expressão oral dos participantes do projeto. Nessa etapa, foi dada primeiramente aos alunos e alunas a oportunidade de, por meio de uma ficha com atividades de fixação (texto com lacunas), sistematizar o vocabulário relacionado a redes sociais trabalhado em sala de aula com o objetivo de oferecer subsídios para a atividade oral que se seguiria. Em seguida, foi lhes solicitada a gravação de um vídeo com um relato de experiência (Erfahrungsbericht), na qual eles e elas expusessem suas impressões sobre o projeto realizado.

Optou-se pelo formato em vídeo dadas as especificidades do ensino híbrido e as limitações do calendário letivo, que impossibilitaram a realização de um encontro no qual os alunos pudessem expor suas ideias em tempo real. No entanto, nada impediria que, em circunstâncias normais, o relato de experiência fosse conduzido em formato de apresentação oral ou mesa redonda. Cabe mencionar ainda que, antes da realização da tarefa em vídeo, foram propostas aos participantes do projeto perguntas orientadoras, como “O que foi o projeto Instagram?”, “Qual foi a tarefa de cada membro do grupo?, “Qual foi sua postagem preferida e por quê?”, “O que você achou do projeto?” entre outras. Aos alunos e alunas foram disponibilizados mais uma vez subsídios linguísticos, de maneira semelhante àqueles exibidos nas figuras 3 e 4, não com o objetivo de limitar a expressão criativa dos aprendizes, e sim visando a oferecer o apoio necessário para a expressão oral de todos e todas, independentemente dos seus níveis de competência linguística. A disponibilização do material de apoio procurou também inibir o uso de ferramentas de tradução automática, tão comum nos dias atuais e, na percepção dos professores e professoras da escola, agravado nos tempos de ensino à distância.

As produções orais dos alunos e alunas registradas em vídeo foram posteriormente avaliadas, considerando os critérios relacionados na tabela 1. Com relação ao quesito conteúdo, é importante observar que as percepções dos aprendizes acerca do projeto não exerceram influência na composição da nota, tendo sido considerado aqui apenas se todas as perguntas orientadoras previamente propostas foram respondidas.

Conforme observamos na tabela 1, o projeto teve como nota máxima 25 pontos, representando um quarto da nota final dos alunos e alunas no segundo trimestre letivo. Com o objetivo de estimular o engajamento e interação dos grupos, não só entre si, mas também com outros aprendizes de alemão dentro e fora da comunidade escolar, foram concedidos ainda 3 pontos de bônus para o perfil que contasse com a maior quantidade de seguidores no momento do encerramento formal do projeto.

4 Reflexão sobre os resultados obtidos

Considerando que um dos propósitos principais do projeto era o aumento da motivação em sala de aula, é possível afirmar que o trabalho realizado foi exitoso, embora não tenha atingido todos os alunos e alunas de forma homogênea. Notou-se, contudo, que alguns aprendizes, que se encontravam na modalidade de ensino remoto e apresentavam participação primordialmente passiva ou nula, voltaram a frequentar a escola presencialmente para interagirem com os colegas e envolverem-se de maneira mais ativa na execução das tarefas. Percebeu-se ainda um aumento na quantidade de participantes das aulas online e um maior engajamento dos alunos e alunas na modalidade presencial.

Certamente é justo questionar se a motivação dos alunos e alunas possuiu caráter intrínseco, ou seja, se o engajamento no trabalho se deu devido ao aspecto lúdico, aos desafios e às possibilidades por ele apresentados, ou se podemos entender tal motivação como de natureza extrínseca, isto é, se os alunos e alunas mostraram interesse no trabalho em razão da nota que poderiam obter no momento da avaliação pelos professores e professoras.

Com base, por um lado, na observação de outras atividades avaliativas realizadas ao longo do ano letivo e que não despertaram igual interesse nos alunos e alunas e, por outro lado, estando ciente da grande importância que nossas tradições de ensino de maneira geral atribuem às notas (cf. Luckesi, 2011Luckesi, C. C. Segunda constatação: razões da resistência a transitar do ato de examinar para o de avaliar. In: Luckesi, C. C. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011.) no contexto escolar, é possível afirmar que o trabalho conduzido com os grupos foi capaz de despertar a motivação tanto intrínseca como extrínseca dos aprendizes.

As diferenças apresentadas na qualidade das postagens criadas pelos participantes do projeto nos fazem igualmente questionar sobre em que medida a motivação dos alunos e alunas se traduziu em resultados. Da mesma forma que alguns grupos produziram conteúdo relevante e criativo em quantidade satisfatória (exemplo na figura 7), outros apresentaram produção aquém da esperada. Seria obviamente utópico esperar que o aproveitamento de todos os envolvidos e envolvidas na atividade se desse de maneira homogênea, mas nesse sentido Traub (2012Traub, S. Projektarbeit erfolgreich gestalten. Bad Heilbrunn: Julius Klinkhardt, 2012) nos lembra sobre a importância de se introduzirem fases intermediárias de monitoramento e avaliação ao longo da execução de projetos escolares. Devido às limitações de tempo e às dificuldades impostas pelo próprio contexto pandêmico, tal acompanhamento não pôde ser feito de maneira formal e individualizada conforme proposto pela autora, mas pode-se imaginar que a inclusão de fases intermediárias nas quais os grupos possam expor eventuais dificuldades e contar com o feedback dos professores e professoras tenha influência positiva sobre os resultados, principalmente no caso de alunos e alunas com baixa motivação e/ou autonomia.

Figura 7
Postagem com referência aos conteúdos previamente trabalhados em aula

Cumpre destacar ainda a relevância do papel desempenhado pelos conteúdos de humor encontrados no Instagram. Se por um lado, a possibilidade de criar posts cômicos aumentou a motivação e estimulou a criatividade dos participantes do projeto, a exposição a tais conteúdos criados por perfis já existentes na rede influenciou positivamente o estabelecimento de laços identitários com outros aprendizes de alemão. Embora a subjetividade desse fator não nos permita analisar rapidamente e de maneira objetiva em qual medida novas identidades foram negociadas, observou-se que o contato com memes ironizando as dificuldades no aprendizado da língua - e, até mesmo, o descompromisso com os estudos (figura 8) - despertaram, além de risadas, reações de identificação dos alunos e alunas, que verbalmente manifestaram haver-se reconhecido nos personagens retratados pelas postagens.

Figura 8
Postagem de humor ironizando o descompromisso com os estudos.

No tocante à interação com outros aprendizes de alemão fora da comunidade escolar, conversas realizadas com os grupos levaram a crer que ela se restringiu ao plano da simples troca de likes e follows e do compartilhamento de conteúdo. Nesse ponto, Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) esclarece que em geral a interação de usuários e usuárias de redes sociais para fins de lazer se dá de maneira muito distinta daquela observada em contextos de aprendizagem de língua estrangeira, estando tal discrepância associada sobretudo à insegurança linguística comumente presente entre os aprendizes de línguas. Entretanto, relatos de alunos e alunas que afirmaram haver começado a seguir perfis voltados ao aprendizado da língua alvo em suas contas pessoais permitem concluir que em muitos casos a interação, apesar de superficial, ocorreu não só durante a realização do projeto, mas possivelmente também após sua finalização, uma vez que os alunos e alunas seguem em contato, inclusive nos momentos de lazer, com conteúdos didática e culturalmente relevantes publicados por outros perfis da rede social.

Pode-se considerar a experiência com o Instagram igualmente proveitosa no que diz respeito ao desenvolvimento do letramento digital dos aprendizes. Por meio da exposição, análise e criação de conteúdo, somadas às intervenções relacionadas no item 3 deste trabalho, os alunos e alunas foram certamente sensibilizados para as possibilidades da plataforma de compartilhamento de imagens que vão além do uso corriqueiro para fins de lazer.

Por fim, cabe certamente refletir sobre os ganhos linguísticos verificados junto aos participantes do projeto. É importante neste ponto chamar a atenção para as dificuldades que foram impostas pelo ensino remoto ou híbrido a professores e professoras no tocante à avaliação precisa do desempenho verbal de seus alunos e alunas. Se, por um lado, as infinitas possibilidades de consulta às quais os aprendizes recorrem nas atividades escritas mascaram o seu desempenho real na língua alvo, por outro lado a conveniência de se manter em silêncio nas discussões orais inviabilizam qualquer forma de intervenção ou avaliação. Nesse sentido, o relato oral de experiência gravado em vídeo se mostrou a única ferramenta razoavelmente confiável para o diagnóstico da aprendizagem. Através dela constatou-se que a produção oral dos alunos e alunas se deu em níveis variados de competência e segurança, o que sugeriu não só o caráter heterogêneo da aquisição das novas estruturas linguísticas sistematizadas através do projeto, mas também em muitos casos a existência de déficits consideráveis, sobretudo na pronúncia, acumulados após meses de participação passiva nas aulas remotas.

5 Considerações finais

É inegável a relevância dos dispositivos digitais e redes sociais nas vivências de nossos alunos e alunas, sobretudo entre indivíduos de classe média nos grandes centros urbanos. Partindo então do pressuposto de que as experiências dos aprendentes constituem um fator de suma importância no momento do planejamento das aulas, torna-se clara a necessidade de, enquanto educador, aproximar-se de e explorar as possibilidades das formas de interação online, cujas fronteiras com o “mundo de carne e osso” encontram-se cada vez menos claras.

As oportunidades são muitas e não se limitam ao trabalho por meio de projetos conforme relatado neste artigo. Como vimos, as contas de Instagram voltadas a estudantes de alemão oferecem a oportunidade de aprendizagem informal e, ao mesmo tempo, de manter-se em contato com discursos metalinguísticos inclusive nos momentos de lazer. Já os perfis de interesse geral publicados em alemão, embora não abordados neste estudo, disponibilizam grande quantidade de conteúdo sobre uma miríade de temas de caráter cotidiano que podem, por exemplo, servir como impulso na sala de aula para a produção verbal livre dos alunos e alunas em todos os níveis de competência linguística e, adicionalmente, aproximá-los das culturas alvo em tempo quase real e sem a necessidade de grandes esforços da parte dos ensinantes no momento do planejamento das aulas.

Igualmente numerosos são os desafios. Ademais das limitações técnicas, que afetam de maneira desigual as escolas em nosso país, a aprendizagem ativa que recorra a meios digitais esbarra ainda, conforme nos lembram Würffel (2020Würffel, N. Soziale Medien im Deutsch-als-Fremdsprache-Unterricht: Potenziale und Herausforderungen. In: Marx, K; Lobin, H. et al. Deutsch in Sozialen Medien: Interaktiv - multimodal - vielfältig. Berlin: De Gruyter, 2020.) e Fini (2021Fini, M. I. Educação híbrida: renovar o velho processo escolar. [Entrevista concedida a] Paulo de Camargo. Revista educação, n. 276, 18-23, 2021.), em dificuldades que estão além da capacidade de ação dos professores e professoras. Würffel pontua que, para o uso proveitoso de redes sociais em sala de aula, é necessário em muitos casos romper com uma série de condições que subjazem a instrução formal de línguas, entre elas a tendência à padronização dos processos avaliativos e a pouca ênfase colocada no desenvolvimento da autonomia dos aprendizes, realidade observada, segundo a autora, em muitas instituições que oferecem ensino de alemão. Fini complementa o entendimento de Würffel e afirma que, com o objetivo de se atingir a mudança desejada, é necessário apoiar e capacitar professores e professoras e investir em uma formação ampla que inclua também alunos e alunas, as famílias e a gestão escolar.

Castro (2021Castro, M. H. G. Educação híbrida: renovar o velho processo escolar. [Entrevista concedida a] Paulo de Camargo. Revista educação, n. 276, 18-23, 2021.) nos lembra que a pandemia do Covid-19, apesar de desastrosa em todos os aspectos, conseguiu quebrar a resistência ao uso da tecnologia e mostrar que não existe um caminho sem o professor. Nesse ponto - e como última consideração - chamo atenção mais uma vez para o fato de que o uso de mídias digitais na aprendizagem de LE não constitui um objetivo em si mesmo. O papel do professor nesse sentido é primeiramente ter em mente o/a aluno/aluna como centro do processo de ensino-aprendizagem, considerando sua bagagem de experiências, suas necessidades e seus interesses, para só então atuar como mediador entre aprendizes e conteúdos digitais nas situações em que, após cuidadosa reflexão, julgar necessário.

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  • 1
    “[...] letramento digital é definido com base nos artefatos tecnológicos como meio de ‘usar a tecnologia digital, ferramentas de comunicação, e/ou redes para acessar, gerenciar, integrar, avaliar e criar informação para funcionar em uma sociedade de conhecimento’” (Souza, 2007)
  • 2
    Nas aulas de língua alemã, as turmas são divididas em grupos menores de acordo com o nível de competência linguística auferido por meio das avaliações formais ao longo do ano letivo e observações do corpo docente. Espera-se das turmas de progressão moderada conforme aqui referidas a conclusão do nível B1, conforme o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, no final da trajetória escolar dos alunos e alunas.
  • 3
    Cabe situar os leitores e leitoras no contexto sócio educacional no qual a escola se insere. O colégio é uma instituição de ensino privada que tem como público alvo alunos e alunas de classe média e média alta. O Alemão é disciplina obrigatória desde a educação infantil até o segundo ano do Ensino Médio. A escola integra ainda a rede PASCH, iniciativa coordenada pelo Ministério Alemão das Relações Exteriores, que tem como objetivo promover o ensino da língua alemã em escolas ao redor do mundo através de financiamento de projetos escolares e eventos de formação continuada para professores e professoras, consultoria pedagógica, realização de exames oficiais de proficiência linguística, entre outros.
  • 4
    Promovida de 12 a 20 de junho de 2021 pelas representações diplomáticas de Alemanha, Áustria, Bélgica, Luxemburgo e Suíça e com a participação de instituições culturais e escolas bilíngues no Brasil.
  • 5
    Durante o segundo trimestre do ano letivo de 2021, período no qual o projeto foi realizado, os alunos e alunas possuíam a opção de frequentar as aulas presenciais na escola ou assistir suas transmissões ao vivo através da ferramenta Google Meets.
  • 6
    A criatividade, nos lembra Nakano (2018), pode ser avaliada de distintas maneiras, sendo que uma discussão mais aprofundada sobre esse aspecto se afastaria do escopo do presente trabalho. Para fins de esclarecimento conciso, pontuo que a avaliação desse critério se deu de maneira subjetiva da parte do professor e da professora, que, certamente influenciados pelo seu próprio entendimento de criatividade, levaram em consideração sobretudo o empenho e cuidado dos alunos e alunas na elaboração das postagens.
  • 7
    Ferramenta que permite a colaboração e interação de seus usuários em ambiente online através de quizes, enquetes, nuvens de palavras (word clouds) etc. Disponível em: http://www.mentimeter.com
  • 8
    Modalidade de compartilhamento oferecida pelo Instagram na qual os conteúdos postados ficam disponíveis para visualização por apenas 24 horas.
  • 9
    Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=65TRmIztIgE&pbjreload=102. Acesso em 10 abr. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    20 Maio 2022
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