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O cuidar de enfermagem na terminalidade: observância dos princípios da bioética

Resumos

Objetivou-se investigar a observância dos princípios da bioética por enfermeiros ao cuidar de pacientes na terminalidade. Pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, desenvolvida na Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital Universitário, do nordeste do Brasil, com quinze enfermeiros. A coleta de dados foi realizada entre março e julho de 2013, por meio de um formulário. Os dados foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo, emergindo a seguinte categoria temática: respeito aos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça ao cuidar do paciente na terminalidade. Os enfermeiros participantes do estudo valorizaram tais princípios ao cuidar de pacientes em fase terminal, o que reflete o compromisso ético desses profissionais na prática do cuidar em enfermagem. Ressalte-se que os princípios da bioética devem nortear a assistência de enfermagem ao ser humano em todo o seu ciclo vital.

Cuidados de enfermagem; Assistência terminal; Doente terminal; Bioética


The aim of the study was to investigate the principles of bioethics reported by nurses when caring for terminally ill patients. Exploratory research with qualitative approach, developed with fifteen nurses from an intensive care unit of a university hospital, in northeastern Brazil. Data collection was conducted between March and July 2013, through a form. Data were analyzed using the technique of content analysis, emerging the following thematic category: respect to the principles of autonomy, beneficence, non-maleficence and justice to take care of the terminally ill patients. The participating nurses valued these principles when caring for terminally ill patients, which reflect the ethical commitment of these professionals in the practice of nursing care. It is noteworthy that bioethical principles should guide the nursing care of human beings throughout their life cycle.

Nursing care; Terminal care; Terminally ill; Bioethics


Tuvo como objetivo investigar el cumplimiento de los principios de la bioética por las enfermeras en el cuidado de pacientes con enfermedades terminales. Investigación exploratoria, de naturaleza cualitativa, desarrollado con quince enfermeras en la unidad de cuidados intensivos de un hospital universitario, en el noreste de Brasil. La recolección de datos se llevó a cabo entre marzo y julio de 2013, a través de un formulario. Los datos fueron analizados mediante la técnica de análisis de contenido, surgiendo las siguientes categorías temáticas: respetar los principios de autonomía, beneficencia, no maleficencia y justicia para cuidar al enfermo terminal. Las enfermeras participantes del estudio valoran estos principios en el cuidado de pacientes con enfermedades terminales, lo que refleja el compromiso ético de estos profesionales en la práctica de los cuidados de enfermería. Es de destacar que los principios bioéticos deben orientar la atención de enfermería de los seres humanos a lo largo de su ciclo de vida.

Atención de enfermería; Cuidado terminal; Enfermo terminal; Bioética


INTRODUÇÃO

O cuidado em saúde relaciona-se a assistir ao indivíduo, família e comunidade, procurando promover saúde, prevenir enfermidades e assistir o ser humano em situações de doença, baseado em valores humanísticos e em conhecimentos científicos( 11. Silva RS, Campos AER, Pereira A. Cuidando do paciente no processo de morte na unidade de terapia intensiva. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):738-44. ). Especificamente no campo da Enfermagem, o cuidado não se restringe aos procedimentos técnicos, mas também envolve a subjetividade humana. As mudanças tecnológicas ocorridas na área da saúde têm exigido desse profissional a aquisição de novos conhecimentos científicos e maiores responsabilidades perante a prática do cuidar, especialmente no que concerne ao paciente em fase terminal( 22. Souza LF, Misko MD, Silva L, Poles K, Santos MR, Bousso RS. Morte digna da criança: percepção de enfermeiros de uma unidade de oncologia. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):30-7. - 33. Moraes TM. Como cuidar de um doente em fase avançada de doença. Mundo Saúde. 2009;33(2):231-8. ).

Entende-se por paciente terminal, aquele que se encaminha para a morte, a partir do seu diagnóstico e da falta de reação positiva ao tratamento( 44. Celedón C. Sufrimiento y muerte en un paciente terminal. Rev Otorrinolaringol Cir Cabeza Cuello. 2012;72:261-6. ). Suas funções orgânicas já não respondem bem à terapêutica realizada, e ele inevitavelmente se aproxima da possibilidade de morrer, requerendo dos profissionais que o acompanham uma assistência humanizada e pautada em princípios éticos.

Portanto, na assistência ao paciente diante da terminalidade, é imprescindível que se direcionem a atenção e o cuidado às necessidades e limitações desse paciente, adotando uma prática assistencial que o considere de forma integral, ou seja, em suas dimensões física, emocional e espiritual e o contemple em sua singularidade( 55. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção dos enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Ciênc saúde coletiva. 2013;18(9):2589-96. ). Nesse sentido, os profissionais de Enfermagem, em especial os enfermeiros, devem promover cuidados embasados na visão holística e humanizada, promovendo estratégias que favoreçam o respeito, a dignidade e o alívio do sofrimento( 66. Mota MS, Gomes GC, Coelho MF, Lunardi Filho WD, Sousa LD. Reações e sentimentos de profissionais da enfermagem frente à morte dos pacientes sob seus cuidados. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(1):129-35. ), bem como refletindo acerca da valorização da bioética no âmbito do cuidar .

A bioética e seus princípios surgem para nortear a conduta humana a partir das decisões frente aos conflitos morais diante do cuidar, contribuindo para uma assistência alicerçada no respeito e na dignidade humana. São princípios da bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça( 77. Neves NMBC, Siqueira JE. A bioética no atual código de ética médica. Rev Bioética. 2010;18(2):439-50. ).

A autonomia se refere à capacidade de uma pessoa em decidir, segundo seus valores, sobre aquilo que ela julga ser o melhor para si. A beneficência significa fazer o bem para o paciente, enquanto que na não maleficência, o profissional de saúde tem o dever de não causar mal e/ou danos ao paciente. O princípio da justiça se refere à igualdade de tratamento, oferecendo a cada pessoa o que lhe é devido, segundo suas necessidades( 88. Saad ERD, Lima AP, Rodrigues C, Amorin F, Yasuda F, Santos GA et al. Bioética aplicada a pesquisa e inovação farmacêutica. Rev Pesq Inov Far. 2009;1(1):53-62. - 99. Junqueira CR. Bioética: conceito, fundamentação e princípios: módulo bioética. São Paulo: UNIFESP; 2011. ). Esses princípios servem de subsídios para a mudança de pensamento e de ações relacionadas ao cuidar, conduzindo a uma reflexão para a conquista de uma prática holística e humanizada( 99. Junqueira CR. Bioética: conceito, fundamentação e princípios: módulo bioética. São Paulo: UNIFESP; 2011. ).

Na prática assistencial de enfermeiros que lidam com pacientes na terminalidade, observa-se que muitos desses profissionais prestam uma assistência humanizada pautada nos princípios da bioética, enquanto que outros não oferecem um cuidar norteado nas ações éticas que respeitam e valorizavam a existência humana.

Tendo em vista a necessidade de reflexões diante do cuidar de pacientes na terminalidade, esta pesquisa parte do seguinte questionamento: Os enfermeiros seguem a observância dos princípios da bioética ao cuidar de pacientes na terminalidade? Com base nessas considerações, este estudo tem o objetivo de investigar a observância dos princípios da bioética por enfermeiros ao cuidar de pacientes na terminalidade.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa. A pesquisa foi desenvolvida na Unidade de Terapia Intensiva, de um Hospital Universitário do nordeste do Brasil.

Esse Hospital Universitário é caracterizado como um hospital de referência no Estado da Paraíba, que atende a cidade de João Pessoa e adjacências, oferecendo atendimento ambulatorial, clínico, cirúrgico e de terapia intensiva à população que o procura. Essa Instituição apresenta as seguintes Clínicas: Médica, Pediátrica, Cirúrgica, Doenças Infecto-contagiosas, Obstétrica, Unidade de Terapia Intensiva. A Unidade de Terapia Intensiva foi o local escolhido para realizar essa pesquisa por ser espaço onde são admitidos pacientes críticos e que, com frequência, evoluem para o estado de terminalidade, necessitando de um cuidado específico e que atenda também aos próprios familiares.

Nessa Unidade de Internação os pacientes são cuidados por uma equipe multiprofissional, de acordo com as necessidades e limitações que vivenciam. Os profissionais que ali trabalham, em especial, os enfermeiros, procuram contemplá-los, não apenas em sua dimensão biológica, mas também em suas dimensões emocionais e sociais, respeitando seus valores e crenças espirituais. Além disso, procuram assistir a família do paciente, que se encontra, geralmente, fragilizada e temerosa frente à terminalidade da vida vivenciada pelo ente querido.

Cabe ressaltar que alguns profissionais que atuam nessa Instituição fazem parte do Núcleo de Estudos de Pesquisas em Bioética e atuam na linha de pesquisa sobre cuidados paliativos, que contempla estudos direcionados aos pacientes sem possibilidades terapêuticas de cura e na terminalidade da vida. Além disso, o Hospital tem um projeto para implantação de uma Unidade de Internação de Cuidados Paliativos, destinada à promoção deste serviço especializado.

Os participantes do estudo foram quinze enfermeiros assistenciais que lidam diretamente com pacientes diante da terminalidade, selecionados a partir dos seguintes critérios: estar em exercício profissional durante a coleta de dados; ter, no mínimo, um ano de atuação profissional na instituição selecionada para o estudo; ter interesse e disponibilidade para participar da referida pesquisa, confirmando a participação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados ocorreu no período de março a julho de 2013, sendo iniciada após submissão e aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital supracitado, com registro CAAE de nº 13289213.1.0000.5183. Convém ressaltar que foram respeitadas as recomendações éticas previstas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentam as pesquisas com seres humanos no País( 1010. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil 2013 [citado 14 de nov 2013]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2013/06_jun_14_publicada_resolucao.html
http://conselho.saude.gov.br/ultimas_not...
).

Para aquisição do material empírico, foi utilizado um formulário contendo uma questão norteadora pertinente ao objetivo proposto. Como você utiliza os princípios da Bioética para assistir o paciente na terminalidade? Vale destacar que este estudo faz parte de um recorte de uma dissertação de mestrado intitulada: Vivência de enfermeiros no cuidar de pacientes na terminalidade: um enfoque bioético apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba( 1111. Felix ZC. Vivência de enfermeiros no cuidar de pacientes na terminalidade: um enfoque bioético [dissertação]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2014. ).

O material empírico foi analisado por meio da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin( 1212. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. ), compreendida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que tem por finalidade obter processos sistemáticos e objetivos de definição do conteúdo e indicadores das mensagens, que possibilitam a indução de informações sobre as categorias de produção dessas mensagens. Para operacionalização da referida técnica foram realizadas as seguintes etapas: Pré-análise, em que o pesquisador realiza uma leitura flutuante dos dados obtidos; a Exploração do material, fase em que destacam-se pontos relevantes de cada questão para depois agrupá-los e organizá-los em categorias temáticas; e por último, a fase de Interpretação dos Resultados, na qual os dados empíricos são analisados de acordo com as categorias temáticas reveladas, com respaldo na literatura pertinente ao tema em estudo( 1212. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. ). Da análise, emergiu a seguinte categoria: Respeito aos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça ao cuidar do paciente na terminalidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo foi contemplado com uma categoria temática cujo conteúdo revela como os enfermeiros utilizam os princípios da bioética ao cuidar de pacientes na terminalidade.

Respeito aos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça ao cuidar do paciente na terminalidade

Os enfermeiros participantes do estudo revelam o respeito aos princípios da bioética frente aos pacientes no processo de terminalidade, garantindo, sobretudo, uma assistência fundamentada nas necessidades humanas, uma vez que tais princípios surgem como referencial norteador para basear as decisões éticas na sua prática assistencial.

No tocante ao princípio da autonomia, este garante aos pacientes, o direito de decidir sobre sua vida e seus atos. Tal princípio é considerado relevante no que se refere ao cuidar de pacientes em fase terminal, conforme explicitado nos depoimentos de alguns enfermeiros inseridos no estudo.

Para exercer a autonomia do paciente pergunto, quando possível, quais suas vontades e medos [...]. (E1)

[...] Para preservar a autonomia do paciente, permito que ele faça suas escolhas. (E11)

Respeitando a opinião do paciente, porém não deixando de orientar os riscos que podem causar a vida do paciente terminal. (E14)

Procuro respeitar a opinião do paciente, pois acredito que seja fundamental para sua dignidade. (E15)

Estas falas deixam transparecer o compromisso ético desses enfermeiros em valorizar a prática do cuidar de pacientes em estágio final de vida, quando expressam a importância de permitir que as escolhas dos pacientes sejam consideradas durante as tomadas de decisões referentes a si mesmos. Os relatos mostram, ainda, a busca desses profissionais em respeitar as decisões dos pacientes para que, desse modo, prevaleça a dignidade humana. Isso denota o reconhecimento do paciente terminal como um cidadão de direito, que deve ser respeitado mesmo diante de sua finitude.

Estudo( 1313. Schramm FR. Finitude e bioética do fim da vida. Rev Bras Cancerol. 2012;58(1):73-8. ) sobre bioética e finitude humana evidencia que os profissionais devem compreender que é direito do paciente, desde que esteja em plena consciência, saber e decidir sobre si mesmo, fazendo prevalecer sua autonomia, mesmo diante do final da vida. Além disso, é oportuno acrescentar que a família tem papel fundamental na tomada de decisões diante do paciente na terminalidade, necessitando de orientações por parte desses profissionais, para auxiliarem na compreensão desse processo. Alguns enfermeiros mostraram-se preocupados com essa atitude, conforme revelam os seguintes trechos dos depoimentos a seguir:

Procuro informar ao paciente e à família a realidade do tratamento e não esconder nada. (E10)

Esclareço à família sobre a importância do tratamento, bem como explico todas as possibilidades do tratamento [...] para o paciente. (E6).

Esses trechos demonstram a importância dada pelos enfermeiros à comunicação entre a equipe e a família no processo de terminalidade. Esta ação fortalece o vínculo e revela uma atitude ética de respeito à dignidade do paciente e sua família, diante da finitude humana.

Em se tratando do princípio da beneficência, os relatos de alguns enfermeiros participantes do estudo expressam a importância de uma assistência pautada no intuito de promover o bem ao paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura e diante da terminalidade. Os trechos dos depoimentos a seguir, são esclarecedores:

Promover o bem ao paciente através da manutenção da pele íntegra, dos cuidados nutricionais e de hidratação da pele, evitando úlcera por pressão... [...] (E1)

Promovendo ações que garantem benefício ao paciente como: higiene e nutrição adequadas, controle da dor através de analgésicos, dentre outros. (E2)

Promovendo conforto e bem-estar. (E5)

Priorizo [...] decisões que possam beneficiar o paciente enquanto [...] pessoa. (E13)

[...] buscando o alívio dos sintomas, o conforto da alma. (E14)

[...] procuro ajudar e fazer o bem, prestando assistência necessária, tentando minimizar sua dor através de medicamentos para analgesia. (E15)

Esses depoimentos asseguram o quão se faz necessária, a valorização do princípio da beneficência diante do cuidar de pacientes na terminalidade. Os relatos mostram a necessidade de promover o conforto e o bem-estar ao paciente terminal, assegurando cuidados básicos que envolvem a manutenção da higiene, a nutrição, o alívio da dor física e espiritual, a partir de ações que buscam beneficiá-lo.

É oportuno destacar que o mencionado princípio diz respeito ao agir dos profissionais envolvidos no cuidar, assegurando o reconhecimento do dever ético e moral de agir em benefícios dos outros( 1414. Barbosa LNF, Fábio, GD, Marcos ABS, Josimário JS. Sobre ética e violência sexual: recortes de um caso atendido fora dos serviços especializados. Rev SBPH. 2010;13(2):299-317. ). Diante disso, sempre que o profissional fornecer um tratamento ao ser fragilizado pela doença, deverá reconhecer a dignidade dele, além de respeitá-lo, valorizá-lo e, sobretudo, considerá-lo em sua totalidade, promovendo técnicas que proporcionem o reconhecimento de suas necessidades físicas, psicológicas ou sociais(9). Desse modo, o enfermeiro estará agindo de forma a contemplar o princípio bioético da beneficência.

No que diz respeito ao princípio da não maleficência, estudo( 88. Saad ERD, Lima AP, Rodrigues C, Amorin F, Yasuda F, Santos GA et al. Bioética aplicada a pesquisa e inovação farmacêutica. Rev Pesq Inov Far. 2009;1(1):53-62. ) aponta que o profissional de saúde tem o dever de não causar mal e/ou danos ao seu paciente. Cabe ressaltar que a não maleficência baseia-se na minimização dos riscos que afetam a qualidade de vida do paciente( 1515. Teixeira RKC, Yamaki VN, Gonçalves TB, Silva JAC. Análise bioética dos anteprojetos de um CEP universitário. R Ci Med Biol. 2012;11(3):285-89. ). Os relatos de alguns participantes do estudo revelam essa preocupação ao assistirem os pacientes diante da terminalidade, como revelam os trechos a seguir:

Todos os procedimentos destinados aos pacientes devem ser feitos sem lhes causar nenhum mal. (E3)

Promover o bem-estar sem causar danos [...] (E10)

[...] Não permitir procedimentos invasivos desnecessários. (E11)

[...] não adoto condutas que favorecem o sofrimento, que afetem a dignidade humana. (E14)

[...] evito procedimentos ou situações que possam levar a algum tipo de risco. (E15)

Os relatos mostram que esses profissionais reconhecem a importância de promover cuidados que livrem os pacientes de danos e/ou riscos previsíveis, além de mostrarem-se conscientes de que devem abster-se de procedimentos que possam comprometer o bem-estar dos pacientes terminais.

Convém mencionar que os profissionais de enfermagem, ao assistir o paciente diante de sua finitude, devem evitar condutas que favorecem o sofrimento humano, protegendo-o de ações que venham colocar em risco a qualidade de vida desse paciente e afetem, sobretudo, a sua dignidade; como mencionado nos depoimentos dos enfermeiros do estudo.

Estudo ressalta que o profissional de saúde deve compreender que, diante do cuidar, mesmo que seu ato não beneficie o paciente, a sua intervenção será eticamente positiva quando essa não causar nenhum dano. Porém, caso ocorra omissão, essa poderá desencadear danos e/ou riscos na sua prática assistencial( 1616. Primo WQSP, Primo GRP, Cunha FMP, Garrafa V. Estudo bioético da informação do diagnóstico do HPV em uma amostra de mulheres no Distrito Federal. Rev Bioética. 2009;12(2):33-51. ).

Em se tratando desse princípio, para que se possam evitar os danos previsíveis aos pacientes, em especial aos que vivenciam o processo de terminalidade, faz-se necessário obter o equilíbrio entre os benefícios e os riscos. Dito de outro modo, deve-se avaliar até que ponto é válido colocar em risco a qualidade de vida do paciente para alcançar o seu benefício( 1717. Silva CR, Fiabani KJ, Matos JCM, Arancibia BAV. Reflexiones sobre la gestión documental frente a los principios bioéticos en la investigación científica en Brasil. Acimed. 2012;23(2):250-62. ).

Nessa linha de pensamento, pesquisa( 1818. Barbosa IA, Silva MJP. Cuidado humanizado de enfermagem: o agir com respeito em um hospital universitário. Rev Bras Enferm. 2007;60(5):546-51. ) aponta que os princípios da beneficência e da não maleficência podem ser analisados conjuntamente, uma vez que a não maleficência não é apenas evitar danos ao paciente, e sim buscar promover o bem. Com base nesse entendimento, percebe-se que os princípios da beneficência e não maleficência são inerentes um ao outro, uma vez que suscitando o bem, consequentemente promoverão ações que visam a evitar situações de riscos e danos aos pacientes sem possibilidades terapêuticas de cura.

Entretanto, cuidar de pessoas ao final da vida em uma Unidade de Terapia Intensiva é uma situação bastante complexa. É oportuno reconhecer que esses pacientes encontram-se vivenciando uma situação de sofrimento e de limitação física imposta pela própria gravidade do quadro clínico, ficando, muitas vezes, expostos a procedimentos terapêuticos direcionados ao prolongamento da vida. Sendo assim, enfermeiros participantes do estudo afirmaram que, em sua prática profissional, também se deparam com dilemas, como referem os seguintes depoimentos:

Constatar que o paciente não tem mais um prognóstico favorável e persistir em tratamentos para prolongar o processo natural da morte. (E1)

Utilização de procedimentos e medicamentos que prolonguem a vida e o sofrimento de um paciente terminal. (E4)

Realização de procedimentos que não interferem no prognóstico do mesmo; provocando dor desnecessária. (E5)

Estes discursos retratam uma situação comum em Unidades de Terapia Intensiva que é a utilização de terapêutica específica direcionada ao prolongamento da vida que, por vezes, torna o processo de morrer mais doloroso e sofrido para o paciente, que já se encontra na terminalidade da vida, ou seja, sem possibilidades terapêuticas de cura, com prognóstico desfavorável, em que a morte é inevitável.

A disponibilidade da tecnologia e dos medicamentos em Unidade de Terapia Intensiva conduz à obstinação terapêutica que nega a morte, com a submissão do paciente a um processo mais prolongado da vida, que caracteriza a distanásia, interferindo no bem-estar e na dignidade do paciente em sua terminalidade( 1919. Santana JCB, Rigueira ACM, Dutra BS. Distanásia: reflexões sobre até quando prolongar a vida em uma unidade de terapia intensiva na percepção dos enfermeiros. Rev Bioétikos. 2011;4(4):402-11. ).

Estudo( 1919. Santana JCB, Rigueira ACM, Dutra BS. Distanásia: reflexões sobre até quando prolongar a vida em uma unidade de terapia intensiva na percepção dos enfermeiros. Rev Bioétikos. 2011;4(4):402-11. ) retrata a complexidade do tema distanásia, evidenciando aspectos importantes de serem refletidos, como a influência dos aspectos religiosos, éticos e legais nas condutas de profissionais utilizadas no tratamento de pacientes sem possibilidades terapêuticas de cura, trazendo a necessidade de se ampliar a comunicação entre profissionais, o paciente (quando possível) e a própria família, no que diz respeito ao tratamento, visando que esse paciente tenha sua dignidade e autonomia preservadas, durante todo o processo terapêutico que envolve a terminalidade da vida. Desse modo, serão preservados não apenas os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência, mas também da autonomia e da justiça, a esse ser humano, que merece vivenciar esta fase da terminalidade da vida de forma digna, humanizada e ética.

No tocante ao princípio da justiça, diante de situações éticas, envolvendo pacientes terminais, alguns enfermeiros participantes do estudo demonstram em seus relatos que todo paciente deve ser assistido de maneira igualitária, evidenciando a equidade e a justiça como fator fundamental no processo de cuidar:

Procuro tratar todos os pacientes com igualdade, para que não haja injustiça no tratamento, nos cuidados, nas condutas. (E1)

Utilizo da justiça quando trato todos os pacientes de forma igual, sem favoritismo, com imparcialidade. (E4)

Forneço cuidados, independente de raça, cor, religião, crença. (E7)

Os avanços tecnológicos (por exemplo) devem beneficiar a todos, não a grupos individualmente. (E8)

Busco propiciar equidade a todos os pacientes [...] (E13)

Busco tratar os pacientes de forma justa e igualitária, procuro proteger a vida e a integridade, tento garantir a igualdade de direitos para todos sem preconceitos. (E15)

Os depoimentos evidenciam o reconhecimento, por parte destes enfermeiros, dos direitos de cada paciente, a partir do respeito às suas diferenças e necessidades de receber um tratamento justo e igualitário, independentemente de cor, raça ou religião. Observa-se que, para esses profissionais, o princípio da justiça é posto em prática a partir do momento em que são fornecidas ações que visam atender às necessidades dos pacientes em suas particularidades. Isso é expressivo nos relatos dos enfermeiros, quando afirmam que beneficiam todos os pacientes de maneira igualitária diante de sua prática assistencial.

Nessa perspectiva, agir com justiça pressupõe uma assistência equitativa a todos os pacientes, considerando suas condições clínicas e sociais. Isso implica que, para ser justo, deve-se entender as necessidades de cada paciente e direcionar os cuidados de acordo com essas necessidades( 1818. Barbosa IA, Silva MJP. Cuidado humanizado de enfermagem: o agir com respeito em um hospital universitário. Rev Bras Enferm. 2007;60(5):546-51. ).

Para que a assistência equitativa ocorra, julga-se necessário que os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, busquem reconhecer o direito do outro para que, dessa forma, possam ofertar ao paciente em fase terminal todos os cuidados possíveis. Diante disso, os enfermeiros inseridos no estudo mostram que buscam promover uma assistência em sua totalidade, a fim de garantir cuidados igualitários a todos os pacientes que vivenciam o processo de terminalidade humana.

Nesse sentido, é preciso respeitar com equanimidade e justiça o direito de cada um, pois não seria ética uma decisão que levasse um dos envolvidos, seja o profissional ou o paciente, a se prejudicar( 99. Junqueira CR. Bioética: conceito, fundamentação e princípios: módulo bioética. São Paulo: UNIFESP; 2011. ).

Logo, é inegável o valor dos princípios bioéticos para orientar os profissionais a decidir e agir corretamente, pois estes princípios se destinam a assistir o indivíduo em sua totalidade, isto é, em sua dimensão racional, psicológica e espiritual( 44. Celedón C. Sufrimiento y muerte en un paciente terminal. Rev Otorrinolaringol Cir Cabeza Cuello. 2012;72:261-6. ).

Diante do exposto, percebe-se que as questões relacionadas ao fim da vida são norteadas a partir dos princípios da bioética, uma vez que tais princípios servem para conduzir as estratégias que visam às ações humanizadas no processo de terminalidade humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo ressalta a reflexão acerca do uso dos princípios da bioética no processo de cuidar dos pacientes na terminalidade. Através deste, pôde-se constatar que os enfermeiros participantes do estudo reconhecem a importância da utilização dos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça nas práticas que envolvem a terminalidade humana. A observância destes princípios serve para nortear o agir ético, e respaldar ações humanizadas no processo de morte e morrer dos pacientes em fase terminal, contribuindo para a promoção de cuidados que garantem o respeito e a dignidade humana.

Cumpre assinalar que os princípios da bioética são de fundamental importância para nortear a assistência de enfermagem ao ser humano em todo o seu ciclo vital e não apenas para a promoção do cuidar da pessoa em fase terminal. Ante o exposto, espera-se que esta pesquisa possa subsidiar novas investigações no âmbito do cuidar em enfermagem ao ser criança, adulto, idoso, bem como em situações que propiciem dilemas éticos, como por exemplo, questões relacionadas à eutanásia, distanásia, pesquisa envolvendo grupos vulneráveis, entre outros.

Vale salientar que o estudo apresenta limitações, visto que o número de participantes não possibilita generalizações do fenômeno investigado, bem como trata-se de um grupo específico de pacientes.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2014
  • Aceito
    28 Jul 2014
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