RESUMO:
Considerando que as interações discursivas em aulas de ciências permitem a promoção de um ambiente dialógico e que a argumentação tem sido um foco de estudo da área de ensino de ciências, neste texto, pretendemos explorar como argumentos são discutidos em aulas em que a abordagem didática são as interações discursivas. A discussão teórica que fundamenta este estudo também nos ajuda a analisar os dados. Este estudo de caso tem viés qualitativo para a análise de situações de ensino de ciências. Apresentamos um modo de organizar as informações provenientes das interações discursivas para mostrar como as ideias em debate transformam-se em argumentos. Entendemos que este estudo pode contribuir para a pesquisa em ensino de ciências apresentando um modo de análise para a construção dos argumentos que, ao mesmo tempo em que pontua as contribuições de cada sujeito, revela transformações pelas quais estas vão passando até configurarem-se em alegações, evidências ou justificativas de um argumento.
Palavras-chave:
Interações discursivas; Argumentação; Ensino Fundamental; Práticas Epistêmicas
RESUMEN:
Considerando que las interacciones discursivas en clases de ciencias permiten el fomento de un ambiente dialógico y que la argumentación es un foco de estudio del área de enseñanza de ciencias, en este texto, pretendemos explorar como se discuten argumentos en clases en las cuales el enfoque didáctico son las interacciones discursivas. La discusión teórica que fundamenta este estudio también nos ayuda en el análisis de los datos. Este caso de estudio tiene enfoque cualitativo para el análisis de situaciones de enseñanza de ciencias. Presentamos un modo de organizar las informaciones provenientes de las interacciones discursivas para señalar como las ideas en debate se transforman en argumentos. Entendemos que este estudio puede contribuir a la investigación en enseñanza de ciencias presentando un modo de análisis para la construcción de argumentos que, al mismo tiempo que destaca contribuciones de cada sujeto, revela transformaciones por las cuales estas pasan hasta que se configuren como alegaciones, evidencias o justificativas de un argumento.
Palabras clave:
Interacciones discursivas; Argumentación; Educación Primaria; Prácticas Epistémicas
ABSTRACT:
Discursive interactions in science education promote dialogical environment. Argumentation has been focus of study in science education research. In this paper, we intend to explore how arguments are discussed in classes in which discursive interactions are realized. The theoretical discussion that underlies this study also helps us to analyze data. This case study has a qualitative bias for the analysis of science lessons. We present a way of organizing information from discursive interactions to show how the ideas under discussion become arguments. We understand that this study can contribute to research in science education, presenting a kind of analysis for the construction of arguments that, while punctuating the contributions of each person, reveals transformations from ideas to become claims, evidence or justification.
Keywords:
Discursive interactions; Argumentation; Elementary School; Epistemic Practices
INTRODUÇÃO
No âmbito das ciências, a argumentação é característica de suas atividades, podendo ser entendida como uma das principais práticas epistêmicas do empreendimento científico (HENDERSON, MCNEILL, GONZALEZ-HOWARD, CLOSE & EVANS 2018HENDERSON, J. B., MCNEILL, K. L., GONZÁLEZ-HOWARD, M., CLOSE, K., & EVANS, M. Key challenges and future directions for educational research on scientific argumentation. Journal of Research in Science Teaching, 55, p. 5-18. DOI 10.1002/tea.21412. 2018.
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, DUSCHL & OSBORNE, 2002DUSCHL, R. A. & OSBORNE, J. Supporting and Promoting Argumentation Discourse in Science Education, Studies in Science Education, 38, p. 39-72. 2002., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, BUGALLO-RODRIGUEZ & DUSCHL, 2000JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000.).
Estudos sobre argumentação têm pautado muitos trabalhos da área de pesquisa em Ensino de Ciências (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & BROCOS, 2015JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.P. & BROCOS, P. Desafios metodológicos na pesquisa da argumentação em ensino de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 17(spe), 139-159. https://doi.org/10.1590/1983-2117201517s08. 2015.
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, SASSERON, 2015SASSERON, L.H. Alfabetização Científica, Ensino por Investigação e Argumentação: relações entre Ciências da Natureza e escola. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 17(spe), 49-67. http://dx.doi.org/10.1590/1983-2117201517s04. 2015.
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, SASSERON & CARVALHO, 2014SASSERON, L. H. & CARVALHO, A. M. P. A construção de argumentos em aulas de ciências: o papel dos dados, evidências e variáveis no estabelecimento de justificativas. Ciência & Educação, 20(2), p. 393-410. 2014., NIELSEN, 2013NIELSEN, J.A. Dialectical Features of Students’ Argumentation: A Critical Review of Argumentation Studies in Science Education. Research in Science Education 43, p. 371-393 (2013). https://doi.org/10.1007/s11165-011-9266-x.
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, ERDURAN & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, 2008ERDURAN, S. & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.P. Argumentation in Science education: perspectives from classroom-based research. Dordecht: Springer.2008., ZOHAR & NEMET, 2002ZOHAR, A., & NEMET F . Fostering students’ knowledge and argumentation skills through dilemmas in human genetics. Journal of Research in Science Teaching, 39(1), p. 35-62. 2002.). Não se trata apenas de identificar ou categorizar os argumentos construídos em aula, mas, sobretudo, de considerar a argumentação como uma atividade central para o desenvolvimento dos conhecimentos nas ciências. Neste sentido, a argumentação surge como elemento do ensino das ciências porque é parte indissociável das dimensões epistêmicas e social do conhecimento científico abordados nestas aulas (STROUPE, 2014STROUPE, D. Examining Classroom Science Practice Communities: How Teachers and Students Negotiate Epistemic Agency and Learn Science-as-Practice. Science Education, 98(3), p. 487-516.2014., DUSCHL, 2008DUSCHL, R. A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education, 32(1), p. 268-291. 2008).
Para Leitão (2011LEITÃO, S. O lugar da argumentação na construção do conhecimento. In: LEITÃO, S., & DAMIANOVIC, M.C (Ed.). Argumentação na escola: o conhecimento em construção. p.13-46, Brasil: Pontes. 2011.), a argumentação é tomada como atividade intimamente ligada à reflexão e à construção de conhecimento, uma atividade discursiva presente em diversas esferas de nossa vida cotidiana. Seja em atividades de tomada de decisões, simples ou complexas, pelos diálogos estabelecidos com outros e conosco mesmos, seja em atividades para proposição, partilha e sustentação de conhecimentos, com pessoas de uma mesma comunidade, seja na exposição persuasiva para angariar aliados para um determinado ponto de vista, seja na busca pelo convencimento, pela exposição de ideia ou pela fundamentação justificada de um novo conhecimento, a atividade argumentativa aparece como uma forma básica de pensamento na sociedade.
No ensino de ciências, a argumentação tem sido considerada como uma abordagem dialógica que pode permitir situações de sala de aula em que os estudantes vivenciem práticas científicas, aprendendo tanto os conceitos das ciências como sobre a própria atividade científica e a importância dos dados, das informações e das evidências como forma de construir e sustentar conhecimento científico (KELLY & LICONA, 2018KELLY, G. J., & LICONA, P. Epistemic Practices and Science Education. In: Matthews M. (ed.). History, Philosophy and Science Teaching, p. 139-165, Springer. DOI https://doi.org/10.1007/978-3-319-62616-1. 2018.
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, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & CRUJEIRAS, B. Epistemic Practices and Scientific Practices in Science Education. In: TABER, K., & AKPAN, B. (Ed.). Science Education: An International Course Companion, p.69-80, Rotterdam: Sense Publishers. DOI:10.1007/978-94-6300-749-8_5. 2017.
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, OSBORNE, 2016OSBORNE, J. Defining a knowledge base for reasoning in Science: the role of procedural and epistemic knowledge. In: DUSCHL, R. A., & BISMARCK, A. S. (ed.), Reconceptualizing STEM Education: the central role of practice. New York, NY: Routledge. 2016., KELLY, 2014KELLY, G. J., Drucker, S., & Chen, K. Students’ reasoning about electricity: Combining performance assessment with argumentation analysis. International Journal of Science Education, 20(7), p. 849-871. 1998.).
Na pesquisa em Ensino de Ciências, a partir de temáticas diversas, diferentes estudos têm sido realizados para analisar os argumentos construídos em situações de ensino e aprendizagem, avaliar o trabalho do professor na promoção da argumentação e entender relações entre o processo de argumentação e a aprendizagem dos ESTUDANTES (PUIG, AGEITOS & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, 2017PUIG, B., AGEITOS, N. & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.P. Learning Gene Expression Through Modelling and Argumentation. Science & Education 26, p. 1193-1222. https://doi.org/10.1007/s11191-017-9943-x. 2017.
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, MARTINS, IBRAIM & MENDONÇA, 2016MARTINS, M., IBRAIM, S.S. & MENDONÇA, P.C.C. Esquemas argumentativos de Walton na análise de argumentos de professores de química em formação inicial. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 18(2), 49-72. https://doi.org/10.1590/1983-21172016180203. 2016.
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, MUNFORD & SILVA, 2015SILVA, A. C. T. Interações discursivas e práticas epistêmicas em salas de aula de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 17(spe), p. 69-96. 2015., OROFINO & TRIVELATO, 2015OROFINO, R.P. & TRIVELATO, S.L.F. O uso de conceitos científicos em argumentos em aulas de biologia. Investigações em Ensino de Ciências, 20(3), p. 116-130. http://dx.doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2016v20n3p116. 2015.
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, DE CHIARO & AQUINO, 2014De CHIARO, S. & AQUINO, K.A.S. Argumentação na sala de aula e seu potencial metacognitivo como caminho para um enfoque CTS no ensino de química: uma proposta analítica. Educação e Pesquisa, 43(2), p. 411-426. https://doi.org/10.1590/s1517-9702201704158018. 2017.
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, SASSERON & CARVALHO, 2013SASSERON, L. H., & CARVALHO, A. M. P. Ações e indicadores da construção do argumento em aulas de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 15, p. 169-189. 2013., CLARK, SAMPSON, WEINBERGER, & ERKENS 2007CLARK, D. B., SAMPSON, V., WEINBERGER, A., & ERKENS, G. Analytic frameworks for assessing dialogic argumentation in online learning environments. Educational Psychology Review, 19(3), p. 343-374.2007., ERDURAN, SIMON & OSBORNE, 2004ERDURAN, S., SIMON, S., & OSBORNE, J. TAPping into argumentation: Developments in the application of Toulmin’s argument pattern for studying science discourse. Science Education, 88(6), p. 915-933. 2004., DUSCHL & OSBORNE, 2002DUSCHL, R. A. & OSBORNE, J. Supporting and Promoting Argumentation Discourse in Science Education, Studies in Science Education, 38, p. 39-72. 2002., KELLY & TAKAO, 2002KELLY, G.J. & TAKAO, A. Epistemic levels in argument: An analysis of university oceanography students’ use of evidence in writing. Science Education, 86: 314-342. doi:10.1002/sce.10024. 2002.
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, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 2000JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000., DRIVER, NEWTON & OSBORNE, 2000DRIVER, R., NEWTON, P. & OSBORNE, J. Establishing the norms of scientific argumentation in classrooms. Science Education, 84 (3), p. 287-312. 2000.).
Considerando esta multiplicidade de estudos já realizados e de relações que podem ser tecidas entre a argumentação na atividade científica e no ensino das ciências, neste trabalho temos como objetivo analisar as interações discursivas entre professor e estudantes que resultam em argumentos construídos sobre fenômenos do mundo natural.
A ARGUMENTAÇÃO COMO PRÁTICA DAS CIÊNCIAS
As práticas realizadas na exploração de fenômenos da natureza são argumentativas, pois elas requerem constantes análise de ideias, avaliação de informações e de pontos de vistas, fundamentação de proposições para que o entendimento proposto possa ser entendido por quem o recebe e para que não pairem muitas dúvidas acerca dos processos realizados e como eles implicaram nos resultados obtidos.
Reconhecida a importância da argumentação para o desenvolvimento das ciências, não se pode ignorá-la no ensino desta disciplina.
Pesquisas discutem sobre modalidades e formas para o ensino da argumentação em aulas de ciências (HENDERSON, MCNEILL, GONZÁLEZ-HOWARD, CLOSE & EVANS, 2018HENDERSON, J. B., MCNEILL, K. L., GONZÁLEZ-HOWARD, M., CLOSE, K., & EVANS, M. Key challenges and future directions for educational research on scientific argumentation. Journal of Research in Science Teaching, 55, p. 5-18. DOI 10.1002/tea.21412. 2018.
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, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2008JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & ERDURAN, S. Argumentation in science education: An overview. In: ERDURAN, S., & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P. (ed.). Argumentation in Science Education: perspectives from classroom-based research, p. 3-27, Netherlands: Springer. 2008.); dentre estes, há trabalhos que trazem a instrução explícita de regras, critérios e modos de argumentar sobre conteúdos das ciências (PEARSON, KNIGHT, CANNADY, HENDERSON & MCNEILL, 2015PEARSON, P. D., KNIGHT, A. M., CANNADY, M. A., HENDERSON, J. B., & MCNEILL, K. L. Assessment at the intersection of science and literacy. Theory into Practice, 54(3), p. 228-237. 2015., RAPANTA, GARCIA-MILA, & GILABERT, 2013RAPANTA, C., GARCIA-MILA, M., & GILABERT, S. What is meant by argumentative competence? An integrative review of methods of analysis and assessment in education. Review of Educational Research, 83, p. 483-520. 2013., MCNEILL, 2009MCNEILL, K. L. Teachers’ use of curriculum to support students in writing scientific arguments to explain phenomena. Science Education, 93(2), p. 233-268. 2009., CLARK, SAMPSON, WEINBERGER, & ERKENS, 2007CLARK, D. B., SAMPSON, V., WEINBERGER, A., & ERKENS, G. Analytic frameworks for assessing dialogic argumentation in online learning environments. Educational Psychology Review, 19(3), p. 343-374.2007.) e outros em que a argumentação é desenvolvida de modo implícito entre os estudantes por meio do uso de operações epistêmicas (SILVA, 2015SILVA, A. C. T. Interações discursivas e práticas epistêmicas em salas de aula de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 17(spe), p. 69-96. 2015., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, BUGALLO RODRÍGUEZ, & DUSCHL, 2000MCNEILL, K. L., LIZOTTE, D. J., KRAJCIK, J., & MARX R. W. Supporting students’ construction of scientific explanations by fading scaffolds in instructional materials. The Journal of the Learning Sciences, 15(2), p. 153-191. 2006.), pelo estabelecimento de interações discursivas em sala de aula (SASSERON & CARVALHO, 2013SASSERON, L. H., & CARVALHO, A. M. P. Ações e indicadores da construção do argumento em aulas de ciências. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 15, p. 169-189. 2013., ERDURAN, SIMON, & OSBORNE, 2004JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000.) ou pela constituição da necessidade de posicionamento entre os estudantes acerca de um tema das ciências (EVAGOROU, JIMENEZ-ALEIXANDRE, & OSBORNE, 2012EVAGOROU, M., JIMENEZ-ALEIXANDRE, M. P., & OSBORNE, J. ‘Should We Kill the Grey Squirrels?’ A Study Exploring Students’ Justifications and Decision-Making. International Journal of Science Education, 34:3, p. 401-428. 2012., ZEIDLER & SADLER, 2007ZEIDLER, D. L., & SADLER, T. D. The role of moral reasoning in argumentation: Conscience, character and car. In: ERDURAN, S., & JIMENEZ-ALEIXANDRE, M. P. (Ed.), Argumentation in science education: Perspectives from classroom-based research, p. 201-216, Netherlands: Springer Press. 2007., ZOHAR & NEMET, 2002ZOHAR, A., & NEMET F . Fostering students’ knowledge and argumentation skills through dilemmas in human genetics. Journal of Research in Science Teaching, 39(1), p. 35-62. 2002.). Vale ainda menção do fato de que as pesquisas sobre argumentação consideram o estabelecimento de interações discursivas não apenas por meio de debates orais, mas também pela apresentação de ideias em outras formas de discursos, como, por exemplo, o discurso escrito (DE CHIARO, 2015De CHIARO, S. O barulho interior de um aluno em silêncio: o desenvolvimento metacognitivo de alunos calados em situações de argumentação em sala de aula. In: De CHIARO, S., & MONTEIRO, C. E. (Org.). Formação de Professores: Múltiplos Olhares (p. 139-163). Recife, PE: Editora Universitária da UFPE.2015., KELLY, REGEV & PROTHERO, 2008KELLY, G. J., REGEV, J., & PROTHERO, W. Analysis of lines of reasoning in written argumentation. In: ERDURAN. S., & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P. (Ed.), Argumentation in science education: perspectives from classroom-based research, p. 137-158, Dordrecht: Springer. 2008., MCNEILL, LIZOTTE, KRAJCIK & MARX, 2006MCNEILL, K. L. Teachers’ use of curriculum to support students in writing scientific arguments to explain phenomena. Science Education, 93(2), p. 233-268. 2009.).
Independente da modalidade escolhida, os trabalhos de pesquisa sobre o desenvolvimento da argumentação nas aulas de ciências pautam-se na premissa de que a argumentação sustenta a construção de conhecimento das ciências e, por isso, deve pautar a construção de entendimento sobre temas das ciências em sala de aula. Entendemos que a argumentação fundamenta e consolida ações de investigação de problemas e a construção de explicações sobre fenômenos da natureza e, portanto, pode ser concebida como uma prática importante e central da atividade científica (JIMÉNEZ- ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017NASCIMENTO, L.A, & SASSERON, L.H. A constituição de normas e práticas culturais nas aulas de ciências: proposição e aplicação de uma ferramenta de análise. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), 21, e10548. Epub April 25, 2019. https://doi.org/10.1590/1983-21172019210104.
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).
A análise das pesquisas sobre desenvolvimento da argumentação em aulas de ciências também revela segmentos metodológicos que se relacionam com o argumento ou com a argumentação, vinculando, portanto, respectivamente, ao produto ou ao processo (HENDERSON et al., 2018HENDERSON, J. B., MCNEILL, K. L., GONZÁLEZ-HOWARD, M., CLOSE, K., & EVANS, M. Key challenges and future directions for educational research on scientific argumentation. Journal of Research in Science Teaching, 55, p. 5-18. DOI 10.1002/tea.21412. 2018.
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, LEITÃO, 2011LEITÃO, S. O lugar da argumentação na construção do conhecimento. In: LEITÃO, S., & DAMIANOVIC, M.C (Ed.). Argumentação na escola: o conhecimento em construção. p.13-46, Brasil: Pontes. 2011., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2008JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & ERDURAN, S. Argumentation in science education: An overview. In: ERDURAN, S., & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P. (ed.). Argumentation in Science Education: perspectives from classroom-based research, p. 3-27, Netherlands: Springer. 2008.).
O produto de atividades argumentativas, nas pesquisas em Ensino de Ciências, tem sido analisado considerando, especialmente, as propostas de Toulmin (2006TOULMIN, S.E. Os Usos do Argumento, São Paulo: Martins Fontes. 2006.), de van Eemeren e Grootendorst (2004)VAN EEMEREN, F. H., & GROOTENDORST, R. A systematic theory of argumentation: The pragmadialectical approach. Cambridge: Cambridge University Press. 2004. e de Walton (1996WALTON, D. N. Argumentation schemes for presumptive reasoning. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum. 1996.), mas é possível identificar que o TAP, 1
1
TAP é sigla para Toulmin Argument Pattern, na língua inglesa, ou padrão de argumento de Toulmin, em português.
layout de argumento de Toulmin, surge de modo mais intenso dentre estas pesquisas (HENDERSON et al., 2018HENDERSON, J. B., MCNEILL, K. L., GONZÁLEZ-HOWARD, M., CLOSE, K., & EVANS, M. Key challenges and future directions for educational research on scientific argumentation. Journal of Research in Science Teaching, 55, p. 5-18. DOI 10.1002/tea.21412. 2018.
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, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2008JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & ERDURAN, S. Argumentation in science education: An overview. In: ERDURAN, S., & JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P. (ed.). Argumentation in Science Education: perspectives from classroom-based research, p. 3-27, Netherlands: Springer. 2008.).
Não é escopo deste texto apresentar detalhes sobre o TAP e seu uso em pesquisas no Ensino de Ciências. Já trabalhamos bastante com estas ideias em outras pesquisas e temos propostas que ajudam a estudar o argumento construído em situações de ensino e de aprendizagem, por meio do uso do TAP como ferramenta de pesquisa, e na associação com categorias de análise mais diretamente relativas ao desenvolvimento da Alfabetização Científica (AC) (Ferraz e Sasseron, 2017FERRAZ, A. T., SASSERON, L. H. Propósitos epistêmicos para a promoção da argumentação em aulas investigativas. Investigações em ensino de ciências, 22(1), p. 40-62. DOI:10.22600/1518-8795.ienci2017v22n1p42. 2017.
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, Sasseron e Carvalho, 2014, Souza e Sasseron, 2012SOUZA, V. F. M., & SASSERON, L. H. As perguntas em aulas investigativas de ciências: a construção teórica de categorias. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 12, p. 29-44. 2012.). Mas é importante destacar que o padrão de argumento proposto por Toulmin (2006TOULMIN, S.E. Os Usos do Argumento, São Paulo: Martins Fontes. 2006.) oferece fundamento claro e objetivo, ainda que complexo, para avaliar os argumentos que são construídos em discussões estabelecidas em aulas de ciências, especialmente permitindo analisar como uma conclusão se relaciona aos dados, às refutações, às garantias e aos conhecimentos de apoio para elas.
O processo argumentativo também é muito estudado nas pesquisas em ensino de ciências com enfoques, por exemplo, para as ações dos professores (FERRAZ & SASSERON, 2017FERRAZ, A. T., SASSERON, L. H. Propósitos epistêmicos para a promoção da argumentação em aulas investigativas. Investigações em ensino de ciências, 22(1), p. 40-62. DOI:10.22600/1518-8795.ienci2017v22n1p42. 2017.
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, SOUZA E SASSERON, 2012SOUZA, V. F. M., & SASSERON, L. H. As perguntas em aulas investigativas de ciências: a construção teórica de categorias. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 12, p. 29-44. 2012., SIMON, ERDURAN, & OSBORNE, 2006SIMON, S., ERDURAN, S., & OSBORNE, J. Learning to Teach Argumentation: Research and development in the science classroom. International Journal of Science Education, 28, p. 235-260. 2006.), para a construção de ideias pelos estudantes (BERLAND, SCHWARZ, KRIST, KENYON, LO, & REISER, 2016BERLAND, L., SCHWARZ, C., KRIST, C., KENYON, L., LO, A., & REISER, B. Epistemologies in practice: Making scientific practices meaningful for students. Journal of Research in Science Teaching, 53(7). DOI: 10.1002/tea.21257. 2016.
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, SASSERON & CARVALHO, 2011SASSERON, L. H., & CARVALHO, A. M. P. Construindo argumentação na sala de aula: a presença do ciclo argumentativo, os indicadores de alfabetização científica e o padrão de Toulmin. Ciência & Educação, 17(1), 97-114. 2011., KELLY, DRUCKER, & CHEN, 1998KELLY, G. J., Drucker, S., & Chen, K. Students’ reasoning about electricity: Combining performance assessment with argumentation analysis. International Journal of Science Education, 20(7), p. 849-871. 1998.) e para a promoção do engajamento em aulas de ciências (SASSERON & DUSCHL, 2016SASSERON, L. H. & DUSCHL, R. A. Ensino de ciências e as Práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, 21, p. 52-67.2016., REISER, BERLAND, & KENYON, 2012REISER, B., BERLAND, L. K., & KENYON, L O . Engaging students in the scientific practices of explanation and argumentation: Understanding a Framework for K-12 Science Education. The Science Teacher, 79(4), p. 34-39. Recuperado de http://www.jstor.org/stable/43557493. 2012.
http://www.jstor.org/stable/43557493...
).
A análise do processo argumentativo permite avaliar as interações estabelecidas entre professor e alunos, com os materiais e os conhecimentos, e, como consequência, podem colocar luz sobre o envolvimento ativo destes sujeitos com os temas das ciências.
Temos como fundamento que o desenvolvimento do processo argumentativo no ensino de ciências está relacionado ao desenvolvimento de práticas epistêmicas do ensino por investigação. Isso porque o trabalho com informações, o levantamento de hipóteses para construção de modos de ação de investigação e a construção de modelos explicativos para limites e previsões deve estar sendo mais bem desenvolvido, considerando o objetivo de promover a alfabetização científica entre os alunos, quando se relaciona com processos de análise sobre as ideias em construção. Entendemos ainda que, assim como a argumentação, a investigação e a modelagem acima mencionadas são grandes práticas epistêmicas das ciências que podem ser desenvolvidas em sala de aula quando ocorrem ações de proposição, de comunicação, de avaliação e de legitimação dos conhecimentos (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & CRUJEIRAS, B. Epistemic Practices and Scientific Practices in Science Education. In: TABER, K., & AKPAN, B. (Ed.). Science Education: An International Course Companion, p.69-80, Rotterdam: Sense Publishers. DOI:10.1007/978-94-6300-749-8_5. 2017.
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, KELLY & LICONA, 2018KELLY, G. J., & LICONA, P. Epistemic Practices and Science Education. In: Matthews M. (ed.). History, Philosophy and Science Teaching, p. 139-165, Springer. DOI https://doi.org/10.1007/978-3-319-62616-1. 2018.
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). Estas práticas epistêmicas surgem como forma de investigar processos de ensino e de aprendizagem em sala de aula quando se enseja a formação dos estudantes alinhada a ideias da alfabetização científica (DUSCHL, 2008DUSCHL, R. A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education, 32(1), p. 268-291. 2008, JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017SASSERON, L. H. & DUSCHL, R. A. Ensino de ciências e as Práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, 21, p. 52-67.2016., KELLY & LICONA, 2018KELLY, G.J. Inquiry Teaching and Learning: Philosophical Considerations. In: Matthews M. (ed.). International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching. Springer, Dordrecht. 2014., NASCIMENTO E SASSERON, 2019NASCIMENTO, L.A, & SASSERON, L.H. A constituição de normas e práticas culturais nas aulas de ciências: proposição e aplicação de uma ferramenta de análise. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), 21, e10548. Epub April 25, 2019. https://doi.org/10.1590/1983-21172019210104.
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, FRANCO & MUNFORD, 2020FRANCO, L.G., & MUNFORD, D. O Ensino de Ciências por Investigação em Construção: Possibilidades de Articulações entre os Domínios Conceitual, Epistêmico e Social do Conhecimento Científico em Sala de Aula. Revista Brasileira De Pesquisa Em Educação Em Ciências, 20(u), 687-719. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u687719. 2020.
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).
Ao desenvolvimento da proposição, estão associadas práticas de propor perguntas científicas, planejar investigações para responder às perguntas, supor evidências relevantes que possam surgir da investigação, construir e refinar modelos; a comunicação deve surgir associada ao desenvolvimento de uma linha de raciocínio científico, fornecimento de justificativa para propostas de conhecimento, escrita de explicação científica e construção de explicação científica baseada em evidência e raciocínio; no desenvolvimento da avaliação surgem práticas de estimar a qualidade de uma alegação, evidência ou modelo científicos, avaliar uma linha de raciocínio científico, avaliar uma explicação científica e considerar explicações alternativas; e a legitimação se devolve a partir de práticas associadas à construção de consenso em grupo para explicações científicas, conferência de valor à explicação que mais se aproxima de teorias científicas aceitas e reconhecimento de conhecimento relevante para a comunidade epistêmica.
O ESTABELECIMENTO DE INTERAÇÕES DISCURSIVAS E A CONSTRUÇÃO DE ARGUMENTOS EM AULAS DE CIÊNCIAS
Fundamentam também nossas ideias o pressuposto de que as interações discursivas são modos pelos quais professor e estudantes relacionam-se em sala de aula e com os materiais e conhecimentos que ali são construídos e estão à disposição. Além disso, consideramos a ideia de que as interações discursivas são os meios pelos quais novos entendimentos são construídos, negociados e assumidos em um grupo, sejam estes conhecimentos de dimensão conceitual, social ou epistêmica (DUSCHL, 2008DUSCHL, R. A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education, 32(1), p. 268-291. 2008, STROUPE, 2014STROUPE, D. Examining Classroom Science Practice Communities: How Teachers and Students Negotiate Epistemic Agency and Learn Science-as-Practice. Science Education, 98(3), p. 487-516.2014.).
As interações discursivas não têm um simples propósito. Sendo múltiplas suas funções, podem abarcar desde a instituição de um ambiente de apresentação de informações, a concretização de espaço para discussões e construção de entendimentos, até a obtenção, pelo professor, de informações que permitam avaliar o envolvimento e a aprendizagem de seus estudantes sobre os assuntos em tela.
Em aulas de ciências, as interações discursivas podem colaborar para o desenvolvimento da linguagem científica (LEMKE, 1997LEMKE, J. L. Aprender a Hablar Ciencia: lenguaje, aprendizaje y valores. Espanha: Paidós. 1997.), assim como para o envolvimento dos estudantes para o aprendizado de conceitos e práticas das ciências (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & CRUJEIRAS, B. Epistemic Practices and Scientific Practices in Science Education. In: TABER, K., & AKPAN, B. (Ed.). Science Education: An International Course Companion, p.69-80, Rotterdam: Sense Publishers. DOI:10.1007/978-94-6300-749-8_5. 2017.
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).
A linguagem científica é composta por termos e expressões que revelam o entendimento da área para os fenômenos do mundo natural; e sua natureza é do tipo argumentativa (ADÚRIZ-BRAVO & CHION, 2017ADÚRIZ-BRAVO A., & CHION A. R. Language, Discourse, Argumentation, and Science Education. In: TABER K.S., & AKPAN B. (ed.), Science Education: an international course companion, p. 157-166, Rotterdem: SensePublishers.2017., DUSCHL & OSBORNE, 2002DUSCHL, R. A. & OSBORNE, J. Supporting and Promoting Argumentation Discourse in Science Education, Studies in Science Education, 38, p. 39-72. 2002., LEMKE, 1997LEMKE, J. L. Aprender a Hablar Ciencia: lenguaje, aprendizaje y valores. Espanha: Paidós. 1997.), com construção e apresentação de proposições de conhecimento que necessitam ser justificadas e cujos contextos precisam estar definidos para que se tornem passíveis de avaliação e de legitimação pela comunidade científica.
Estes processos argumentativos de comunicação, proposição, avaliação e legitimação das ideias permitem o entendimento da linguagem científica como uma prática epistêmica das ciências (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & CRUJEIRAS, 2017JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., & CRUJEIRAS, B. Epistemic Practices and Scientific Practices in Science Education. In: TABER, K., & AKPAN, B. (Ed.). Science Education: An International Course Companion, p.69-80, Rotterdam: Sense Publishers. DOI:10.1007/978-94-6300-749-8_5. 2017.
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, KELLY, 2016KELLY, G. J. Methodological considerations for the study of epistemic cognition in practice. In: Handbook of Epistemic Cognition, p. 393-408, Taylor and Francis Inc. DOI 10.4324/9781315795225. 2016.
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) que acompanha e pode se desenvolver conjuntamente à investigação e à construção de modelos explicativos.
Complementarmente, podemos avaliar de que modo as informações são trabalhadas pelos alunos tendo elas sido fornecidas em sala de aula ou obtidas e trazidas de outras situações. Um caminho que parece muito adequado para tal análise é a estrutura CER, amplamente utilizada em trabalhos na área de ensino de ciências para avaliar a construção de argumentos (KUHN & REISER, 2006KUHN, L. & Reiser, B. Structuring activities to foster argumentative discourse. Paper presented at the annual meeting of the American Educational Research Association, San Francisco, CA. 2006., DUSCHL, 2003DUSCHL, R. A. Assessment of inquiry. In: ATKIN, J. M., & COFFEY, J (Ed.), Everyday assessment in the science classroom (p. 41-59) Arlington, VA: NSTA Press. 2003., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 2000JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000.). A estrutura CER provém de uma interpretação das ideias propostas por Toulmin (2006TOULMIN, S.E. Os Usos do Argumento, São Paulo: Martins Fontes. 2006.) em seu padrão para o layout de argumentos. Nesta estrutura, C refere-se a claim, ou à conclusão, que expressa o que aconteceu ou a percepção de porque algo aconteceu; E advém de evidence expressando a evidência que pode ser uma informação ou dado que sustenta C; R representa reasoning, ou seja, o raciocínio que justifica porquê aquela informação ou aquele dado podem ser tomadas como evidência para suportar a conclusão.
METODOLOGIA DO ESTUDO
Esta pesquisa teve abordagem qualitativa para, em consonância com o objetivo deste texto e a partir da análise dos dados, responder à seguinte pergunta: De que modo as interações discursivas entre professor e estudantes ocorridas em aulas de ciências resultam em argumentos consolidados pelo grupo?
O uso do método qualitativo para a análise encontra apoio em Erickson (1998ERICKSON, F. (1998). Qualitative Research Methods for Science Education, In: FRASER, B.J & TOBIN, K. G. (Org.), International Handbook of Science Education. Part Onde. Kluwer Academic Publishers.) para quem a pesquisa qualitativa em educação é especialmente apropriada quando se pretende, entre outros pontos, identificar as nuances do entendimento subjetivo que motiva os vários participantes (p. 1155, tradução nossa).
Trata-se também de um estudo de caso (LÜDKE & ANDRÉ, 1986LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. E.D.A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. Temas Básicos de Educação e Ensino. São Paulo: EPU. 1986.) com objetivos delimitados e com hipóteses que vão se construindo ao longo do processo de toda a pesquisa, inclusas aí as incursões teóricas e as empíricas.
A escolha pela abordagem qualitativa não foi tomada com a intenção de confrontar uma análise quantitativa, mas apenas por entender que, pelo modo escolhido, é possível dar atenção a nuances do processo através da análise de como as ideias apresentadas em sala de aula conectam-se e revelam a progressão do entendimento sobre o conteúdo pelos estudantes, bem como a interação com o conteúdo promovido pelas práticas do professor.
Os dados da pesquisa
Este estudo empírico foi realizado com dados já existentes em nosso grupo de pesquisa e que já haviam sido utilizados em outros estudos (Sasseron, 2008SASSERON, L.H. (2008). Alfabetização científica no ensino fundamental: estrutura e indicadores deste processo em sala de aula. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo.).
Estas pesquisas anteriores analisaram como discussões e argumentações ocorridas em aula de ciências podem ser estruturadas para o desenvolvimento da AC e quais os indícios que revelam este processo em andamento em sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Na ocasião, obtivemos resultados que revelam a concretização do desenvolvimento da AC para os estudantes desta turma, nas aulas analisadas. Isso é um fundamento importante e critério decisivo para a escolha do mesmo corpus: temos ciência de que as aulas garantem a promoção da AC e, portanto, devem revelar a instituição da investigação e da argumentação como práticas nesta sala de aula. Metodologicamente, este fato permite a análise direta para a construção de entendimento e de argumentos, pois sabemos que ela ocorreu.
Para a realização das pesquisas em que estes dados foram inicialmente analisados, desenvolvemos e implementamos uma sequência didática pautada nos pressupostos do ensino por investigação. Esta sequência de aulas versa sobre o tema “Navegação e Ambiente” e está organizada em torno das seguintes discussões: condições para flutuação dos corpos, uso diversos das embarcações pela humanidade, uso de lastro para manutenção da estabilidade das embarcações, transporte de seres vivos na água de lastro, relações entre presa e predador, e problemas ambientais decorrentes da inserção de seres vivos em habitats em que são espécies exóticas.
O trabalho com estes temas ocorre de modo conectado em discussões e atividades ao longo de um bimestre letivo. As temáticas da proposta permitem que os alunos tenham contato com noções e práticas das ciências, para a resolução de problema, e com a análise de situações que revelam influências e interferências entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.
As aulas que resultaram nos dados para esta pesquisa ocorreram com a implementação da sequência em uma classe de quarto ano do Ensino Fundamental em que havia 30 alunos matriculados com idades entre 9 e 10 anos. A escola em que as aulas foram gravadas é uma escola pública da cidade de São Paulo e as aulas ocorreram ao longo de dois meses.
A professora responsável pelas aulas analisadas era a professora da turma. Formada em Pedagogia, na oportunidade da gravação das aulas, estava em seu oitavo ano de trabalho naquela escola, sendo seu décimo ano de atuação como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Compromissos éticos foram mantidos e respeitados a partir da autorização concedida pelos pais e responsáveis dos alunos e pela professora da turma por meio de assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o uso das imagens e do áudio com finalidade de pesquisa. Para manter preservada a identidade dos estudantes, na transcrição dos dados, utilizamos pseudônimos.
Todas as 11 aulas foram gravadas em vídeo, e, para evitar problemas com o som e com a imagem das aulas, utilizamos duas câmeras. Cada uma destas câmeras estava ligada a um microfone. Os dois microfones foram colocados estrategicamente em pontos centrais da sala de tal modo que um deles era capaz de captar os sons de todo o lado direito da sala e o outro capaz de perceber os sons do lado esquerdo.
As aulas foram transcritas em sua íntegra e acrescentamos menções a ações e gestos ocorridos durante as falas, as quais procuramos reproduzir fielmente cada fala escutada.
As aulas analisadas
Para este estudo, foram escolhidas três aulas para a análise. Elas são as aulas 7, 9 e 10 da implementação da sequência de ensino. A escolha se dá pela sucessão temporal delas, permitindo que observemos o contínuo desencadeamento da discussão sobre água de lastro e impactos ambientais que podem ser gerados pela introdução de seres vivos em novo local, transportados em tanque de lastro de embarcações.
Na aula 7, os alunos, juntamente com a professora, leem e debatem o texto “Vida marina na água de lastro”. Neste texto, os alunos tomam contato com o mecanismo de inserção e retirada de água dos tanques de embarcações como lastro para assegurar sua estabilidade e são informados sobre a existência de seres vivos nesta água. Ao serem transportados, os seres vivos podem sobreviver à viagem e serem despejados em um novo local, diferente de seu habitat natural e no qual podem encontrar ou não condições para sua sobrevivência e reprodução.
Na aula 8, ocorre o jogo Presa e Predador 2 2 O jogo Presa e Predador ocorre como uma brincadeira de pega-pega em que, em cada rodada, os participantes atuam como planta, tapiti ou jaguatirica; e devem “pegar” apenas um indivíduo do outro grupo, conforme as seguintes regras: (a) planta não se move e é presa de tapitis; (b) tapitis são presas de jaguatiricas; e (c) jaguatiricas apenas se alimentam de tapiti, não tendo predador na brincadeira. Ao final de cada rodada, os papéis são alterados do seguinte modo: (1) plantas permanecem plantas se não tiverem sido predadas pelos tapitis; plantas predadas serão tapitis na rodada seguinte; (2) tapitis que predaram uma planta permanecem como tapitis; tapitis predados por jaguatirica serão jaguatiricas na rodada seguinte; tapiti que não se alimentaram nem serviram de alimentos serão planta na rodada seguinte; (3) jaguatiricas que se alimentaram de um tapiti serão jaguatirica na rodada seguinte e jaguatirica que não predou tapiti será planta. que simula a flutuação das populações. Não há discussão nesta aula, apenas a representação do jogo que permite a coleta de informações que serão analisadas pelos alunos na aula seguinte.
Na aula 9, em sala de aula, os alunos trabalharam com dados coletados a partir do jogo. Estes dados são apresentados em formato de tabela e acompanhados de perguntas que auxiliavam na leitura e interpretação dos dados. Após realizada a análise dos dados em pequeno grupo, aconteceu a discussão com toda a turma, organizada pela professora. Não temos a gravação e, consequentemente, a transcrição das discussões ocorridas em pequenos grupos, quando os alunos estavam analisando as informações fornecidas em tabela e, por elas, buscando responder às perguntas sobre o jogo Presa e Predador. Assim, a análise da aula 9 tem início na segunda parte da atividade, quando a professora repassa cada pergunta que responderam buscando discutir com os estudantes os resultados obtidos.
Na aula 10, os alunos leram e discutiram com a professora o texto “Entendendo o jogo Presa e Predador” em que detalhes da atividade e das discussões ocorridas na aula 9 eram sistematizados. A aula foi gravada em sua íntegra, o que possibilitou a transcrição de toda a discussão; a análise estará voltada para este debate.
ANÁLISE DOS DADOS
Como apresentado na seção de Metodologia, a análise dos dados tem por objetivo responder à seguinte pergunta: De que modo as interações discursivas entre professor e alunos ocorridas em aulas de ciências resultam em argumentos consolidados pelo grupo?
Para responder a esta pergunta, organizamos a análise em dois principais movimentos. Neste texto, daremos ênfase especial ao segundo deles, mas é importante expor algumas informações sobre o primeiro a fim de explicitar os processos realizados.
O primeiro movimento desta análise foi encontrar as conclusões propostas em cada aula e, após isso, identificar como e de onde as informações foram sendo trazidas e trabalhadas pelo grupo com o objetivo de sustentar a conclusão construída. Para este propósito, fizemos uso da estrutura CER (KUHN & REISER, 2006KUHN, L. & Reiser, B. Structuring activities to foster argumentative discourse. Paper presented at the annual meeting of the American Educational Research Association, San Francisco, CA. 2006., DUSCHL, 2003DUSCHL, R. A. Assessment of inquiry. In: ATKIN, J. M., & COFFEY, J (Ed.), Everyday assessment in the science classroom (p. 41-59) Arlington, VA: NSTA Press. 2003., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 2000JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000.), de modo a identificar as conclusões, as evidências e o raciocínio, acrescentando as condições propostas e estabelecidas. Este movimento possibilitou perceber a transformação de informações em condições e evidências, além do raciocínio utilizado para torná-las justificativas que sustentem as conclusões estabelecidas.
Além dos elementos do CER, ou seja, a conclusão, a evidência e o raciocínio, inserimos à estrutura condições (Cn) estabelecidas pelos estudantes ao longo das interações discursivas, portanto temos uma estrutura do tipo CCnER.
O segundo movimento de análise corresponde ao registro nos diagramas esquemáticos dos argumentos construídos e das relações estabelecidas com informações que resultaram nestes argumentos, para cada uma das aulas. Entendemos que eles permitem estruturar como uma ideia trazida para a sala de aula, seja pela professora, pelos alunos ou por um texto, é utilizada nas discussões.
O primeiro movimento de análise: identificação dos argumentos na estrutura CCnER
Explicamos aqui como foram identificados os argumentos em estruturas do tipo CCnER. No próximo movimento de análise, eles surgem, de modo esquemático, nos diagramas.
Para esta exemplificação tomamos uma discussão estabelecida na aula 7, quando alunos e professora debatem sobre o transporte de seres vivos em tanques de lastro de embarcações. De modo mais específico, recorremos à discussão em torno de C3. 3 3 Optamos por manter aqui a numeração associada aos elementos de CCnER tal qual aparecerá no diagrama esquemático da discussão da aula 7 como uma forma de permitir a relação quando da leitura da análise que virá na sequência
Reproduzimos um trecho de transcrição desta discussão acompanhada da codificação realizada.
Identificação de elementos do argumento em trecho de transcrição de discussão ocorrida na aula 7
Na discussão representada pela transcrição, no turno 145, a professora faz a leitura do texto em voz alta, intercalando leitura com informações e perguntas aos estudantes. Esta fala da professora no turno 145 dá origem à conclusão identificada como C3, ou seja, a partir da qual é debatido se “é um problema para os seres vivos deixá-los onde antes não viviam”.
Ela não surge como uma afirmação, mas como uma alegação a ser debatida, o que está previsto na proposta do esquema CER (KUHN & REISER, 2006KUHN, L. & Reiser, B. Structuring activities to foster argumentative discourse. Paper presented at the annual meeting of the American Educational Research Association, San Francisco, CA. 2006., DUSCHL, 2003DUSCHL, R. A. Assessment of inquiry. In: ATKIN, J. M., & COFFEY, J (Ed.), Everyday assessment in the science classroom (p. 41-59) Arlington, VA: NSTA Press. 2003., JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 2000JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M. P., BUGALLO RODRÍGUEZ, A., & DUSCHL, R. A. “Doing the Lesson” or “Doing Science”: Argument in High School Genetics. Science Education, 84(6), p. 757-792. 2000.). Diante da pergunta da professora se isso “é um problema?”, os alunos apresentam suas contribuições.
No turno 148, Davi argumenta sobre isso expondo que pode ser um problema para os seres vivos que vivem em grupo. Identificamos esta proposta como uma condição, aqui representada como Cn9. Esta ideia nos permite inferir que, para Davi, em vivendo sozinhos, seres vivos habituados a estar em grupos poderiam não sobreviver, o que é identificado nesta análise como um raciocínio R que relaciona Cn a C. Ou seja, neste caso, o argumento encontrado pode ser representado por CCnR da seguinte forma: “é um problema para os seres vivos deixá-los onde antes não viviam” (C3), considerando que “eles vivem em grupos” (Cn9), o que, implicitamente nos leva a entender que “não estando em grupos, os seres vivos assim habituados a viver podem morrer” (R).
No turno 150, Daniel traz uma nova condição, representada por Cn10, identificada pela preocupação com as mudanças que possam ocorrer no clima quando comparando aspectos do local do qual os seres vivos saíram com os aspectos do local em que chegaram. Diante disso, Daniel expõe o raciocínio, R, de que, com a diferença na temperatura da água em diferentes lugares pode acarretar a morte daqueles seres vivos. Neste caso, o argumento pode ser identificado como um novo esquema de CCnR, assim organizado: “é um problema para os seres vivos deixá-los onde antes não viviam” (C3), considerando “as mudanças climáticas no ambiente” (Cn10), já que “a diferença na temperatura da água em diferentes lugares pode causar a morte de seres vivos” (R).
O segundo movimento de análise: organização dos argumentos identificados em diagramas esquemáticos
Passamos agora a expor o segundo movimento de análise, em que representamos a discussão ocorrida em aulas em diagramas esquemáticos.
A disposição das informações no diagrama segue a ordem cronológica das discussões estabelecidas em sala de aula e a ordem da estrutura CCnER. Em cada célula dispusemos as informações sobre o sujeito que fala, a ideia enunciada e o número do turno referente à transcrição da aula em que a ideia foi trazida. Em se tratando de informações apresentadas em texto de leitura e discussão da aula, fazemos menção destacando em que trecho do texto esta informação surge.
Ao longo da análise, identificamos que conclusões propostas, condições estabelecidas e evidências trazidas ao debate podem ser encontradas em interações discursivas que se sucedem ao longo de vários turnos. Assim, para auxiliar na leitura do diagrama esquemático, colorimos as linhas em que as interações estão centradas em uma mesma conclusão, sendo possível, com isso, identificar como as condições, as evidências e os raciocínios são trazidos para fundamentar a conclusão em discussão.
Também é importante salientar que a leitura do diagrama esquemático linha a linha deve considerar que uma mesma conclusão pode estar relacionada a várias condições, evidências e raciocínios, assim como uma mesma condição pode se relacionar a diferentes evidências e raciocínios ou uma mesma evidência ser utilizada em diferentes raciocínios. Cada linha do diagrama esquemático já revela as relações percebidas quando da análise das interações discursivas.
Diagrama esquemático das ideias construídas na aula 7
Nesta aula, o texto “Vida marinha na água de lastro” é lido e discutido. A análise do texto permite identificar as principais informações ali presentes e, portanto, à disposição da turma para as discussões.
T1: Seres vivos (algas, bactérias, plantas e animais) podem ser inseridos no tanque de lastro. T2: No tanque de lastro, alguns destes seres vivos podem não sobreviver devido às condições pouco favoráveis. T3: No tanque de lastro, alguns seres vivos podem sobreviver uma longa viagem. T4: Seres vivos transportados no tanque de lastro podem ser despejados em um novo local onde não há seres de sua espécie. T5: Seres vivos transportados no tanque de lastro podem ser despejados em um novo local e não encontrar comida ou condição climática adequada para sobreviver. T6: Seres vivos transportados no tanque de lastro e despejados em um novo local podem não encontrar parceiros para a reprodução o que se configura em um obstáculo para a ocupação do novo local. T7: Seres vivos transportados no tanque de lastro podem ser despejados em um novo local com condições climáticas para sobreviver, comida em abundância e inexistência de predador.
Pelo diagrama, percebemos seis conclusões propostas nesta aula. Destas, quatro foram propostas pela professora e duas por estudantes. Todas as conclusões foram trabalhadas pela turma. Apesar de C5 não ter sido discutida pelos estudantes de modo a haver condições, evidências e raciocínio a ela relacionados, mas a conclusão de Davi, expressa como C6, é a refutação do que a professora apresentou em C5, portanto revela um interessante movimento epistêmico de análise e contraposição à ideia inicial.
Ao longo da discussão, identificamos catorze condições estabelecidas pelos estudantes ou pela professora, com referência ao texto e ao tema em debate. Chama a atenção que a proposição de uma condição é acolhida pelo grupo e isso fica evidente pelo amplo uso delas por outros estudantes que não apenas aquele que a propôs.
Outro aspecto que fica claro pelo diagrama esquemático é a exploração das ideias: uma conclusão é discutida pelo grupo, com acréscimo de informações e de proposição, até o momento em que ela se mostra complexamente analisada.
O quadro esquemático permite também identificar as quatro práticas epistêmicas propostas por Kelly e Licona (2018KELLY, G. J., & LICONA, P. Epistemic Practices and Science Education. In: Matthews M. (ed.). History, Philosophy and Science Teaching, p. 139-165, Springer. DOI https://doi.org/10.1007/978-3-319-62616-1. 2018.
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) para a análise do desenvolvimento do ensino por investigação em aulas de ciências: proposição, comunicação, avaliação e legitimação das ideias.
A comunicação pode ser encontrada em cada fala dos estudantes, em sua manifestação sobre as ideias que têm a respeito do tema em discussão. A proposição surge como um desdobramento da obtenção e análise de informações, permitindo inferir algumas outras possibilidades, sejam estas conclusões, resultados ou condições. A avaliação relaciona-se ao próprio movimento para construir estas ideias, uma vez que muitas delas surgem da indagação da professora sobre o que foi dito por alguém. Por fim, a legitimação pode ser encontrada a cada vez que a ideia de um estudante é utilizada por outro, o que nos fornece evidências claras de que a ideia foi aceita.
Diagrama esquemático das ideias construídas na aula 9
Nesta aula, antes da discussão com o grupo todo, em pequenos grupos os alunos responderam a perguntas a eles apresentadas junto às informações presentes na tabela 1, correspondentes aos dados coletados durante o jogo Presa e Predador realizado na aula 8.
A partir dos dados, os alunos responderam às seguintes perguntas: (1) Em que rodada o número de plantas foi maior? (2) Em que rodada foi menor? (3) Que rodada começou com o maior número de tapitis? Quantas plantas havia nesta rodada? (4) Que rodada começou com o menor número de tapitis? Quantas plantas havia nesta rodada? (5) À medida que o número de tapitis aumenta, o número de plantas aumenta ou diminui? Expliquem por que isso acontece. (6) Além da disponibilidade de alimento, que outro fator influenciou no crescimento da população dos tapitis? (7) (a) Houve variações no tamanho da população de jaguatiricas? (b) Em que rodada o número foi mais baixo? (c) Nessa rodada, a população de tapitis estava aumentando, diminuindo ou tinha alcançado seu número máximo? (d) E a população de plantas? (e) Expliquem esse resultado. (8) (a) Em que rodadas o número de jaguatiricas foi maior? (b) Relacionem esse acontecimento ao crescimento das populações de tapitis e de plantas.
A análise das interações discursivas ocorridas na aula 9 permitiu a organização das informações tal qual apresentada no quadro 3.
Nesta aula 9, o objetivo principal é a leitura dos dados na tabela e a construção de entendimento a partir da análise destas informações. Este entendimento deve permitir o acesso, pelos estudantes, a uma ferramenta intelectual para análise das situações que apresentadas no texto a ser lido e discutido na aula 10: os impactos ambientais que possam surgir pela introdução de seres vivos em um novo local, antes não habitados por seres de sua espécie. Estas particularidades ajudam-nos a compreender a diferença entre as conclusões construídas na aula 7 e as identificadas na aula 9. Apesar disso, assim como já havíamos percebido pela leitura do diagrama esquemático da aula 7, voltamos a observar interações discursivas entre os estudantes e professora que resultam na proposição de conclusões e na análise de informações para trazer evidências e raciocínios que as sustentem.
Ao passo em que as conclusões da aula 7 levavam à análise de eventos similares em outras situações ou contexto, das cinco conclusões apresentadas na aula 9, três delas (C1, C2 e C3) têm caráter exploratório de dados. Este exame dos dados para efetivação de conclusões e de seus limites justifica a apresentação de evidências com referência direta aos dados organizados na tabela. Outro aspecto importante que revela este movimento é o uso das regras do jogo Presa e Predador como raciocínio, ou seja, as regras do jogo tornam-se o mecanismo que justifica a conclusão obtida, com relação aos dados coletados.
Diferentemente da aula 7, na aula 9, todas as condições foram trazidas pela professora e correspondem às regras do jogo que foi a atividade central da aula anterior.
Em se tratando de uma turma de 4o ano, com crianças com idades entre 9 e 10 anos, o trabalho com as informações da tabela e o desenvolvimento de mecanismos para a construção de entendimento sobre os mesmos são objetivos complexos e a leitura do diagrama nos permite avaliar que houve êxito nesta promoção.
As outras duas conclusões apresentadas na aula 9 (C4 e C5) revelam características que se assemelham às conclusões encontradas na aula 7, ou seja, natureza de análise de situações e contextos, extrapolando aquilo que foi vivenciado no jogo, mas utilizando relações construídas pela experiência e pela análise para fundamentar as novas proposições.
Diagrama esquemático das ideias construídas na aula 10
A aula acontece pela leitura e discussão do texto “Entendendo o jogo Presa e Predador”. A partir da análise do texto identificamos as principais informações ali presentes e à disposição da turma para as discussões.
T1: Retomada das regras do jogo Presa e Predador. T2: Tapitis e jaguatiricas que não comiam suas presas voltavam como plantas pois morriam e seus corpos transformavam-se em nutrientes para as plantas. T3: Tapitis e jaguatiricas que comiam suas presas permaneciam como tapitis e jaguatiricas na rodada seguinte porque se alimentaram e sobreviveram. T4: Necessidade de alimento para sobrevivência. T5: Plantas e tapitis capturados por seus predadores surgiam, na rodada seguinte, respectivamente, como tapitis e jaguatiricas porque a sobrevivência poderia possibilitar a reprodução.
No quadro 4, apresentamos a esquematização das ideias construídas na aula 10.
Mais uma vez, a leitura do diagrama permite encontrar evidências da discussão colaborativa entre professora e alunos, com ideias apresentadas sendo exploradas e utilizadas pelos diferentes sujeitos para fundamentar um novo ponto de vista.
Lembramos que o trabalho desenvolvido na aula 9, com as conclusões acerca das relações estabelecidas entre espécies predadoras e suas presas, poderia auxiliar para a interpretação e o entendimento das ideias trazidas pelo texto da aula 10. Percebemos que isso parece ter sido exitoso, pois C1 (e sua variante C1*), C2 e C4 remetem diretamente à aula anterior, sendo que as duas primeiras (C1 e C2) são trazidas para a retomada da discussão. C4, por sua vez, exibe uma tentativa de conceituar o que foi discutido.
Pelo diagrama ainda percebemos que os estudantes se remetem a discussões ocorridas nas aulas 7 e 9 para expressar suas ideias acerca das conclusões em construção. Isso fica mais evidente, por exemplo, na proposição da condição 3, por Luciano, para fundamentar C3, acerca de critérios necessários para a sobrevivência de um ser vivo, que mostra forte relação com Cn6 e Cn11 da aula 7 (parceiro para reprodução e necessidade de abundância de alimentos à disposição); e na apresentação, pelo mesmo aluno Luciano, da Cn11, exposta na aula 7, como evidência para uma outra conclusão (neste caso, C5).
Este movimento evidencia que as discussões que foram estabelecidas nas aulas anteriores estão sendo retomadas para fundamentar as novas interações discursivas, o que também é uma evidência de que os conhecimentos em discussão estão sendo legitimados pelo grupo.
Vale destacar ainda que nas interações discursivas estabelecidas nesta aula 10, algumas conclusões foram acompanhadas de inferências. É o caso específico de C2 e C3 para as quais, a partir dos raciocínios construídos, são expostas possíveis consequências, o que revela uma compreensão dos fatos que extrapola o âmbito do que está em discussão.
Alguns outros apontamentos sobre as análises realizadas
A partir do que está exposto nos diagramas esquemáticos, podemos perceber que muitas conclusões foram construídas em uma mesma aula e que estas, em sua maioria, são acompanhadas de condições, de evidências e de raciocínio construídos e compartilhados pelo grupo.
Isso marca que as conclusões, em sua maioria, não são meras opiniões, mas alegações que encontram apoio teórico ou empírico que as justificam. Sendo as conclusões propostas e comunicadas em sala de aula percebemos que estas práticas epistêmicas estão em curso.
Importante também ressaltar que o esquema original para a análise do argumento remete a conclusão, evidência e raciocínio, sendo, por isso, chamada de estrutura CER. No entanto, em nossa análise, encaramos o surgimento das condições estabelecidas pelos estudantes como forma de ponderar e conjecturar sobre as alegações. Este fato ressalta o caráter analítico das interações discursivas, o que anuncia o desenvolvimento da prática epistêmica de avaliação; que também resplandece pela constante ponderação sobre as situações em discussão.
Além disso, o uso das ideias trazidas pela professora ou pelos alunos para fundamentar uma nova ideia revela movimentos de legitimação das ideias em construção.
Estas percepções que aqui trazemos revelam movimentos das interações discursivas para a construção de argumentos que instigam, promovem e se fundamentam no desenvolvimento de práticas epistêmicas pelos estudantes e pela professora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo tínhamos a seguinte pergunta de pesquisa: De que modo as interações discursivas entre professor e estudantes ocorridas em aulas de ciências resultam em argumentos consolidados pelo grupo?
Os estudos teóricos trazidos para a discussão nos ajudaram a analisar os dados já existentes no grupo de pesquisa e evidenciar argumentos construídos ao longo das três aulas analisadas.
Reforçamos entender que o estabelecimento de práticas epistêmicas de proposição, comunicação, avaliação e legitimação de conhecimento por meio das interações discursivas pode colaborar para a constituição de agência epistêmica dos estudantes, empoderando-os para manifestação de atitudes crítica e investigativa frente a outros problemas, que não apenas aqueles apresentados com finalidades didáticas.
Não propomos estabelecer uma relação entre o surgimento de cada elemento do argumento e as práticas epistêmicas que possam estar a ele associadas. Pensamos que tal associação não exista, uma vez que a construção e explicitação destes elementos podem diferenciar a depender do tipo de atividade e do tipo de interações ocorridos em aula. No entanto, é possível afirmar que as interações discursivas estabelecidas em aulas permitiram a construção de argumentos, assim, é possível afirmar também que as práticas epistêmicas de propor e de comunicar ideias estavam em desenvolvimento. De mesmo modo, a prática epistêmica de avaliação manifesta-se porque as ideias são debatidas no grupo, entre professora e alunos, com condições sendo expostas, ponderadas e analisadas. E, uma vez que as ideias debatidas no grupo se concretizam em conclusões expostas, condições propostas e evidências assumidas entre todos, surgindo em uma aula e sendo novamente consideradas em aulas posteriores, vislumbramos o desenvolvimento da prática epistêmica de legitimação.
A análise também é rica em revelar o caráter coletivo da construção dos argumentos, uma marca clara de que a dimensão social do conhecimento das ciências (FRANCO & MUNFORD, 2020FRANCO, L.G., & MUNFORD, D. O Ensino de Ciências por Investigação em Construção: Possibilidades de Articulações entre os Domínios Conceitual, Epistêmico e Social do Conhecimento Científico em Sala de Aula. Revista Brasileira De Pesquisa Em Educação Em Ciências, 20(u), 687-719. https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u687719. 2020.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
, STROUPE, 2014STROUPE, D. Examining Classroom Science Practice Communities: How Teachers and Students Negotiate Epistemic Agency and Learn Science-as-Practice. Science Education, 98(3), p. 487-516.2014., DUSCHL, 2008DUSCHL, R. A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education, 32(1), p. 268-291. 2008) esteve presente ao longo das interações discursivas. O desenvolvimento de argumentos de modo coletivo, revelado pela análise, evidencia também que as dimensões conceitual e epistêmica dos conhecimentos das ciências (DUSCHL, 2008DUSCHL, R. A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education, 32(1), p. 268-291. 2008) estiveram em cena ao longo das atividades didáticas. E isso pode permitir uma percepção mais completa, pelos estudantes, sobre a atividade científica, em que as práticas são sociais e a avaliação de ideias é um processo constante de aprimoramentos e modificações.
A análise dos dados ainda mostra que a atividade argumentativa pautou a construção de entendimento e foi o modo pelo qual ela ocorreu. Assim, temos evidências de que os estudantes realizaram a argumentação para aprofundar conhecimentos e, ao fazer isso, também puderam desenvolver práticas epistêmicas das ciências.
Diante destes apontamentos, entendemos que o presente texto pode trazer contribuições para a pesquisa em Ensino de Ciências, em especial para os estudos que se dedicam às interações discursivas e ao desenvolvimento da argumentação em sala de aula. Isso porque apresentamos um modo de analisar a construção dos argumentos que, ao mesmo tempo em que pontua as contribuições de cada sujeito, revela as transformações pelas quais estas vão passando até configurarem-se em alegações, evidências ou justificativas de um argumento.
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1
TAP é sigla para Toulmin Argument Pattern, na língua inglesa, ou padrão de argumento de Toulmin, em português.
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2
O jogo Presa e Predador ocorre como uma brincadeira de pega-pega em que, em cada rodada, os participantes atuam como planta, tapiti ou jaguatirica; e devem “pegar” apenas um indivíduo do outro grupo, conforme as seguintes regras: (a) planta não se move e é presa de tapitis; (b) tapitis são presas de jaguatiricas; e (c) jaguatiricas apenas se alimentam de tapiti, não tendo predador na brincadeira. Ao final de cada rodada, os papéis são alterados do seguinte modo: (1) plantas permanecem plantas se não tiverem sido predadas pelos tapitis; plantas predadas serão tapitis na rodada seguinte; (2) tapitis que predaram uma planta permanecem como tapitis; tapitis predados por jaguatirica serão jaguatiricas na rodada seguinte; tapiti que não se alimentaram nem serviram de alimentos serão planta na rodada seguinte; (3) jaguatiricas que se alimentaram de um tapiti serão jaguatirica na rodada seguinte e jaguatirica que não predou tapiti será planta.
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3
Optamos por manter aqui a numeração associada aos elementos de CCnER tal qual aparecerá no diagrama esquemático da discussão da aula 7 como uma forma de permitir a relação quando da leitura da análise que virá na sequência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Nov 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
14 Abr 2020 -
Aceito
19 Out 2020