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Concepções de letramento para o ensino da língua portuguesa em tempos de uso de artefatos digitais

Conceptions of literacy to the teaching of the portuguese language in times of use of digital artifacts

Resumo

Este artigo objetiva apresentar um estudo teórico acerca das principais concepções de letramento que embasam o ensino da Língua Portuguesa na contemporaneidade. Para isso, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica. Na atualidade, há, majoritariamente, três concepções teóricas acerca do letramento: Novos Estudos do Letramento, Pedagogia dos Multiletramentos e Novos letramentos, cujos principais representantes são Brian Street, Magda Soares e Ângela Kleiman, para Novos Estudos do Letramento; Bill Cope, Mary Kalantzis e Roxane Rojo, para Multiletramentos; e Colin Lankshear e Michele Knobel, para Novos Letramentos. Depreende-se, do estudo, que toda visão de letramento está atrelada a uma concepção de linguagem e a uma concepção de sociedade, e que a escola é a principal agência desse letramento, tendendo a desenvolver suas práticas de leitura e escrita a partir de um determinado posicionamento ideológico, estabelecido por valores, relações de poder e perspectivas que refletem o modelo de letramento escolhido para orientar a elaboração do currículo a ser implementado e todo o trabalho em sala de aula.

Palavras-chave:
Letramento; Multiletramentos; Novos estudos do letramento; Novos letramentos

Abstract

This article aims to present a theoretical study about the main literacy concepts that underlie the teaching of the Portuguese language in contemporary times. For this, we developed a bibliographic research. Currently, there are mostly three theoretical conceptions about literacy: New Literacy Studies, Pedagogy of Multiliteracies and New Literacies, whose main representatives are Brian Street, Magda Soares and Ângela Kleiman, for New Literacy Studies; Bill Cope, Mary Kalantzis and Roxane Rojo, for Multi-tools; and Colin Lankshear and Michele Knobel, for New Literacies. It appears from the study that every literacy view is linked to a conception of language and to a conception of society, and that the school is the main agency of this literacy, tending to develop its reading and writing practices from a certain ideological positioning, established by values, power relations and perspectives that reflect the literacy model chosen to guide the elaboration of the curriculum to be implemented and all the work in the classroom.

Keywords:
Literacy; Multiliteracies; New literacies; New literacy studies

1 Introdução

De acordo com Soares (2017SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2017.), em meados dos anos 1980, tanto no Brasil quanto em outros países, já não era suficiente apenas saber ler e escrever, ou seja, codificar e decodificar. Era necessário que as práticas de leitura e escrita fossem além das práticas do ler e do escrever, resultando, assim, no surgimento do termo letramento para nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico.

Essa necessidade se deu em função de a vida social e as atividades profissionais terem se tornado cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita, sendo insuficiente, para esse novo contexto, apenas alfabetizar a criança ou o adulto. No Brasil, a palavra letramento surgiu no campo da Educação e das Ciências Linguísticas, mais especificamente no ano de 1986, com a publicação do livro intitulado No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguistica de Mary Kato (SOARES, 2017SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2017.).

Vários pesquisadores têm se dedicado ao estudo do letramento, suscitando também diferentes visões acerca de sua concepção. Tal concepção de letramento sofreu ressignificações ao longo do tempo, mostrando-se complexo e dinâmico, sendo interpretado e definido de vários modos, e influenciado por diversos fatores que trazem enraizados valores culturais e experiências pessoais. Estudos históricos, antropológicos e etnográficos revelam que houve mudanças na concepção de letramento ao longo do tempo, dependendo das crenças, valores e práticas culturais de cada grupo social (SOARES, 2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.).

Ao construir concepções, o ser humano constrói também valores, que implicam posicionamentos que se materializam em dizeres. Essa compreensão se aproxima do viés bakhtiniano, por defender que todo ser humano é atravessado por múltiplas vozes sociais, e que vai se constituindo socialmente, por meio de saberes e conhecimentos com que tem contato, na relação intersubjetiva que estabelece com outros seres sociais em diferentes campos de atuação.

Nessa perspectiva, este artigo objetiva apresentar um estudo teórico acerca de algumas concepções de letramento que embasam o ensino da Língua Portuguesa no Brasil.

2 Surgimento do termo letramento no Brasil

Soares (2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 35), uma das pioneiras a estudar a temática no país, afirma que o termo letramento foi introduzido na língua portuguesa, originando-se da palavra da língua inglesa literacy, que tem como conceito “’the condition of being literate’, ou seja, a condição de ser letrado [...].” Literate é definido como sendo “educated; especially able to read and write” (SOARES, 2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 35). Letrado, nesse sentido, significa a pessoa que domina a leitura e a escrita. Assim, “[...] literacy designa o estado ou condição daquele que é literate, daquele que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e frequente da leitura e da escrita” (SOARES, 2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 36). Para a autora, o surgimento do termo se deu em função de que

Antes, nosso problema era apenas o do ’estado ou condição de analfabeto’ - a enorme dimensão desse problema não nos permitia perceber esta outra realidade, o “estado ou condição de quem sabe ler e escrever”, e, por isso, o termo analfabetismo nos bastava, o seu oposto - alfabetismo ou letramento - não nos era necessário, porque só recentemente passamos a enfrentar esta nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente - daí o recente surgimento do termo letramento (SOARES, 2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 20).

Assim, num primeiro momento, as habilidades de leitura e escrita estiveram ligadas ao conceito de alfabetização, surgindo, posteriormente, novas demandas no campo das práticas de leitura e escrita e, para designá-las, utilizou-se o termo letramento. Essas novas demandas referem-se à preocupação que os estudos linguísticos passaram a ter, no Brasil, a partir da década de 1980, com o uso social da leitura e da escrita. Preocupação essa advinda, em parte, dos estudos de Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989., p. 9), o qual afirmou que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”.

O autor propôs uma compreensão mais crítica da leitura, que fosse além da decodificação da escrita, ampliando seu conceito para a compreensão do mundo, utilizando alfabetização, ao que nos parece, no sentido de letramento. Nesse sentido, Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.) é quem aparenta inaugurar a concepção de letramento, tal qual estamos aqui considerando:

Inicialmente, me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador. Para mim seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica dos ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que também não pudesse reduzir a alfabetização ao ensino puro de palavras, de sílabas ou das letras (FREIRE, 1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989., p. 13).

Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.) utiliza apenas o termo alfabetização para abarcar esses processos.

Soares (2004SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004., p. 47) define letramento como sendo o “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”. Emerge, assim, uma diferença entre alfabetização e letramento. Enquanto este é compreendido no contexto das práticas sociais, como consequência de ter se apropriado da alfabetização, aquela é compreendida como apenas codificação/decodificação.

A diferença entre alfabetização e letramento também fica bem evidente na definição de Kleiman (2003KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2003., p. 19), que considera que letramento é “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”. Nesse sentido, as habilidades requeridas para as práticas de leitura e escrita, os valores ideológicos vinculados a essas habilidades e os efeitos sociais e cognitivos derivados do uso da leitura e escrita variam em diferentes culturas, contextos institucionais e períodos históricos.

Assim, enquanto a alfabetização é um processo de aquisição de códigos, o letramento é um processo muito mais amplo, em que a escrita, a compreensão e a interação estão imbricadas. Nessa concepção, o conceito de letramento liga-se às práticas sociais de leitura e de escrita. Contudo, vale ressaltar que, inicialmente, o letramento era concebido como uma prática individual, sendo um conjunto de habilidades cognitivas ou psicológicas que as pessoas possuíam, e que poderiam ser ensinadas de maneira neutra em contextos formais ou informais de ensino. Essa era a visão tradicional de letramento, dominante até então.

3 Principais concepções de letramento

3.1 Novos Estudos do Letramento

A partir do século XX, um grupo de estudiosos anglo-saxões passou a desenvolver estudos que focavam muito mais o lado social do letramento do que seu lado cognitivo. Os estudos buscavam compreender o impacto sociocognitivo e cultural da escrita, bem como as práticas de letramento, sendo denominado Novos Estudos do Letramento (NEL).

A palavra “novo” se refere basicamente a uma mudança de paradigma, que retira de foco a mente do indivíduo, e passa a considerar leitura e escrita a partir do contexto das práticas sociais e culturais. “Anteriormente, o foco de boa parte da pesquisa acadêmica incidia sobre consequências cognitivas da aquisição de letramento” (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 17).

Na concepção de teóricos dos Novos Estudos do Letramento ou teoria social do letramento, que tem como principal representante o antropólogo britânico Brian Vincent Street, a escrita tem um caráter social. Assim, o termo letramento refere-se a todas as práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita em determinada sociedade, sendo variáveis de um grupo social para outro (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.). Nessa concepção, rejeita-se a visão dominante do letramento como uma habilidade “neutra”, técnica, passando a percebê-lo como uma prática ideológica, envolvida em relações de poder e incrustada em significados e práticas culturais específicos (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.).

Nessa concepção, pessoas não alfabetizadas, isto é, que não dominam o código escrito, também são consideradas letradas, desde que participem de práticas sociais que, direta ou indiretamente, envolvam a escrita. O foco dos Novos Estudos do Letramento não está no domínio do código, mas na manipulação dele ou mesmo na relação que os indivíduos mantêm com ele, ainda que não o dominem, como quando, por exemplo, um sujeito analfabeto participa do momento da leitura da bíblia em uma cerimônia religiosa.

Os adeptos dessa concepção buscaram evidenciar que todas as práticas de letramento são consequências da cultura e das estruturas de poder da sociedade da qual a pessoa faz parte. Por isso, elas se modificam ou se transformam segundo o contexto em que se desenvolvem.

Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.), a partir de suas pesquisas, definiu dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico.

O modelo de letramento autônomo concebe a escrita como um instrumento ou tecnologia que independe do contexto social no qual a pessoa está inserida, e é associada ao progresso, à civilização, à liberdade individual e à mobilidade social. Está embasado em uma abordagem universal, neutra, independente da cultura, baseado em habilidades cognitivas, e impõe concepções particulares a outras classes sociais, grupos e culturas (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.). Esse modelo concebe a escrita como um ato individual, independente de suas condições sociais, sendo concebida como um

um produto completo em si mesmo, que não estaria preso ao contexto de sua produção para ser interpretado; o processo de interpretação estaria determinado pelo funcionamento lógico interno ao texto escrito, não dependendo das (nem refletindo, portanto) reformulações estratégicas que caracterizam a oralidade [...]. Assim, a escrita representaria uma ordem diferente de comunicação, distinta da oral, pois a interpretação desta última estaria ligada à função interpessoal da linguagem, às identidades e relações que interlocutores constroem, e reconstroem, durante a interação (KLEIMAN, 2003KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2003., p. 22).

Nesse modelo estabelecem-se os conhecimentos que devem ser transmitidos, uma vez que é essa transmissão a produtora de efeitos sobre capacidades cognitivas. Assim, ao serem expostos a um mesmo tipo de letramento padronizado, diferentes grupos desenvolverão as habilidades cognitivas desejáveis. A partir delas, se desenvolverão competências e habilidades relativas à leitura e à escrita, que, em tese, propiciarão aos cidadãos o acesso ao trabalho, à informação e à cidadania, independentemente das reais condições em que vivem. Dessa forma, o letramento é reduzido a um conjunto de capacidades cognitivas que podem ser medidas nos sujeitos, daí resultando em expressões como “grau de letramento”, “nível de letramento” ou “baixo letramento”.

Nessa concepção, Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.) afirma que as políticas públicas nacionais e internacionais de avaliação da compreensão leitora dos alunos ao término do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, os concursos públicos e o ENEM são bons exemplos de ações sociais que revelam e legitimam essa concepção autônoma, centrada no sujeito e nas capacidades de usar apenas o texto escrito. Para Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 9), “[...] o foco central está na análise das capacidades cognitivas individuais”. Assim, “no que diz respeito ao letramento escolarizado, é evidente que, em geral, o modelo autônomo de letramento vem dominando o currículo e a pedagogia (STREET, 2009STREET, Brian. Entrevista com Brian Street. Revista Língua Escrita, n. 7, p. 84-92, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/files/uploads/revista%20lingua%20escrita/LinguaEscrita_7.pdf >. Acesso em: 21 set. 2020.
http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot...
, p. 150).

Já o modelo ideológico parte da premissa de “[...] que o letramento é uma prática social, e não simplesmente uma habilidade técnica e neutra [...]” (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 53). Envolve também aspectos relacionados à cultura e à história de determinado grupo social; portanto, é mais do que a habilidade de grafar e/ou decodificar letras. O termo ideológico “[...] indica bem explicitamente que as práticas letradas são aspectos não só da ’cultura’ como também das estruturas de poder” (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 172).

Nesse modelo, os alunos não só compreendem os textos que leem, mas também conseguem utilizar a escrita de forma satisfatória à situação social apresentada. O letramento é vinculado às forças ideológicas e políticas que constituem as instituições sociais das quais ele faz parte, ou seja, o significado das práticas de leitura e escrita é construído nas interações que ocorrem dentro de estruturas sociais específicas, uma vez que

[...] não tenta negar a habilidade técnica ou os aspectos cognitivos da leitura e da escrita, mas sim entendê-los como encapsulados em todos culturais e em estruturas de poder. Nesse sentido, o modelo ideológico subsume, mais do que exclui, o trabalho empreendido dentro do modelo autônomo (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 172).

Esse modelo parece se aproximar do conceito freireano de alfabetização, embora Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.) não tenha se referido a esse campo conceitual.

De acordo com Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.), aqui no Brasil, os modelos autônomo e ideológico, discutidos por ele ainda em 1984, foram mobilizados e apresentados por Ângela Kleiman em 1995 em uma coletânea que teve o objetivo de discutir os “significados do letramento” e “uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”.

Outra questão central, para compreendermos o letramento como um fenômeno social, proposta pelos teóricos dos Novos Estudos do Letramento, refere-se a eventos de letramento e práticas de letramento.

Eventos de letramento correspondem a qualquer ocasião em que um fragmento de escrita integra a natureza das interações dos participantes e seus processos interpretativos (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.). São, em geral, atividades que utilizam textos escritos para serem lidos ou para se falar sobre eles; episódios observáveis que emergem de práticas e são por elas moldados, mediados por textos escritos. Os eventos de letramento identificam a ocorrência de uma situação social na qual a escrita assume um papel central, ou seja, são as ocasiões em que a escrita medeia a interação.

De acordo com Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.), as palestras representam um clássico exemplo do conceito de eventos de letramento: o palestrante pode ler suas anotações; um projetor de slides com diferentes tipos de informações; as pessoas podem olhar para a projeção no alto, baixar o olhar e fazer uma anotação, ler sua anotação e voltar a escutar o palestrante. Portanto, há “[...] uma mescla de traços orais e letrados na comunicação cotidiana” (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 146), havendo, assim, um diálogo entre os participantes, mesmo que estes estejam ausentes ou sejam imagináveis. Barton e Lee (2015BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem Online: textos e práticas digitais. Tradução: Milton Camargo Mota. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2015. 270 p. ISBN 9788579340888., p. 25) afirmam que “o essencial nos eventos de letramento é a interação da escrita e da fala, pois um evento de letramento pode ter fala em torno de um texto.”

Já as práticas de letramento dizem respeito aos “modos culturais de utilização da escrita”, correspondendo às relações sociais que se estabelecem em torno dos usos escritos, às valorações que a modalidade escrita recebe nas diversas vivências. “O conceito de práticas de letramento se coloca num nível mais alto de abstração e se refere igualmente ao comportamento e às conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido aos usos da leitura e/ou da escrita” (STREET, 2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014., p. 18). Barton e Lee (2015BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem Online: textos e práticas digitais. Tradução: Milton Camargo Mota. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2015. 270 p. ISBN 9788579340888.) afirmam que quando uma pessoa comenta uma notícia on-line, reserva um ingresso, joga ou marca um encontro com um amigo está negociando a língua escrita, ocorrendo eventos de letramento, e ao decidir onde e quando fazer essas coisas, juntamente com quais estilos de linguagem usar, os participantes empregam suas práticas de letramento.

Os autores ainda afirmam que, em um planejamento de um feriado, prática social reconhecível, a checagem dos horários do voo e a reserva de bilhetes podem ser vistas como práticas de letramento, pois há padrões comuns na utilização da leitura e da escrita no contexto do planejamento do feriado. “Práticas de letramento são constituídas por atividades específicas e, ao mesmo tempo, fazem parte de processos sociais mais amplos [...]” (BARTON; LEE, 2015BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem Online: textos e práticas digitais. Tradução: Milton Camargo Mota. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2015. 270 p. ISBN 9788579340888., p. 40). Eventos de letramento são as ocasiões em que o texto escrito figura como central, enquanto as práticas de letramento dizem respeito às crenças, concepções e valores atribuídos à leitura e à escrita em determinado contexto, ou seja, eventos correspondem à parte visível e práticas, à parte invisível do letramento.

Nesse contexto, Street (2014STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução: Marcos Bagno. São paulo: Parábola Editorial, 2014.) pontua que no modelo ideológico a variedade de práticas de leitura e escrita que integram o letramento permite considerá-lo algo plural, ou seja, é possível falar em letramentos e não em um único letramento. Terra (2013TERRA, Márcia Regina. Letramento & letramentos: uma perspectiva sociocultural dos usos da escrita. Delta: documentação de estudos em lingüística teórica e aplicada, v. 29, n. 1, p. 29-58, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/delta/v29n1/02.pdf >. Acesso em: 19 set. 2020.
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, p. 53) esclarece que a “[...] a constituição de diferentes tipos de letramento está intrinsecamente ligada à inserção do indivíduo em determinadas esferas da atividade humana (família, escola, trabalho, igreja etc.) nas quais circulam uma infinidade de textos/gêneros escritos”. Nessa perspectiva, o professor de Língua Portuguesa deve pautar seu trabalho a partir de práticas situadas, dos gêneros do cotidiano do aluno, como, por exemplo, os que circulam na esfera doméstica: bilhetes, lista de compras, dentre outros, desenvolvendo situações de uso real da linguagem, e não apenas privilegiando, na sala de aula, os textos dos letramentos dominantes da sociedade.

A concepção dos Novos Estudos do Letramento está mais intimamente ligada aos textos escritos. Bragança e Baltar (2016BRAGANÇA, Marcela Langa Lacerda; BALTAR, Marcos Antônio Rocha. Novos estudos de letramento: conceitos, implicações metodológicas e silenciamentos. Imagens da Educação, Universidade Estadual de Maringa, v. 6, n. 1, p. 3, abr. 2016. DOI: 10.4025/imagenseduc.v6i1.25321. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.4025/imagenseduc.v6i1.25321 >. Acesso em: 19 set. 2020.
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, p. 3) explicam que “o termo ‘letramento’, dentro dos Novos Estudos do Letramento (NEL), reporta-se a todos os usos sociais da escrita; dito de outra forma, ao conjunto de práticas sociais mediadas pela escrita, direta ou indiretamente”. Para Street (2009STREET, Brian. Entrevista com Brian Street. Revista Língua Escrita, n. 7, p. 84-92, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/files/uploads/revista%20lingua%20escrita/LinguaEscrita_7.pdf >. Acesso em: 21 set. 2020.
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, p. 91), as áreas do conhecimento é que determinam os vários gêneros de escrita, de acordo com “o tema, o período do aluno, dentre outros fatores”. Porém, com o advento e disseminação do uso das tecnologias de informação e comunicação, surgiu a necessidade de considerar os textos que vão além das concepções tradicionais de ensino pautadas em uma visão estática e monomodal da linguagem. Segundo Kleiman (2014KLEIMAN, Angela B. Letramento na contemporaneidade. Bakhtiniana, v. 9, n. 2, p. 72-91, 2014. , p. 81),

[...] o texto digital, com suas combinatórias de diversas linguagens com modos específicos de significar; a constatação do aumento progressivo da presença da imagem no texto em que antes predominava a linguagem verbal; e o interesse em estudar essas mutantes formas de comunicação definiram, em 1996, para o chamado “New London Group (Grupo de Nova Londres), um novo objeto de estudo, os multiletramentos”.

Essa concepção de letramento será abordada na seção seguinte.

4 Pedagogia dos Multiletramentos

Apesar da relevância do letramento voltado para a linguagem verbal, surge a necessidade de pensar novas formas de letramento1 1 As reuniões começaram em 1994 para conversar sobre o que estava acontecendo no mundo das comunicações e no ensino, haja vista as transformações por que estava passando a humanidade (COPE; KALANTZIS, 2009). . Um grupo de pesquisadores, o Grupo de Nova Londres2 2 O Grupo é composto por Courtney Cazden, Bill Cope, Charles William Eliot, Jim Gee, Norman Fairclough, Mary Kalantzis, Allan Luke, Carmen Luke, Martin Nakata e Sara Michaels (COPE; KALANTZIS, 2009). , apontou o termo multiletramentos para definir uma nova abordagem, a qual oferece argumentos para repensar os letramentos e suas implicações para a participação social na vida pública, econômica e comunitária (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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). Os pesquisadores publicaram, em 1996, “[...] um manifesto intitulado A Pedagogy of Multiliteracies - Designing3 3 A palavra ’design’ descreve os padrões significado e ação que constituem representação, comunicação e interpretação (COPE; KALANTZIS, 2009). Social Futures (Uma Pedagogia dos Multiletramentos - desenhando futuros sociais) (ROJO, 2012ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31., p. 12), resultante de um colóquio realizado em Nova Londres, Estados Unidos.

O manifesto chamava a atenção para a necessidade de a escola se apropriar dos novos letramentos emergentes na sociedade e de considerar as diferenças culturais presentes nas salas de aula, haja vista a multiplicidade de canais de comunicação e a diversidade linguística e cultural presentes no mundo. Assim, o termo multiletramentos aponta para dois aspectos: multiplicidade semiótica de constituição dos textos e multiplicidade de culturas (ROJO, 2012ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31.).

A multiplicidade semiótica refere-se à multiplicidade de linguagens, ou seja, textos compostos de muitas linguagens, denominada modos ou semioses, como o linguístico, o visual, o auditivo, o gestual e o espacial, por exemplo (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
https://doi.org/10.1080/1554480090307604...
).

A multiplicidade de culturas, de acordo com Rojo (2012ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31.), refere-se às produções culturais letradas que circulam na sociedade, como um conjunto de textos híbridos de diferentes letramentos (vernaculares e dominantes) e de diferentes campos (popular, de massa, erudito). A autora esclarece que o Grupo de Nova Londres considera necessário, por exemplo, desenvolver habilidades referentes a negociar dialetos regionais, étnicos ou baseados em classes; variações no registro que ocorrem de acordo com o contexto social e discursos transculturais híbridos, por exemplo.

Na concepção dos Multiletramentos, propõe-se formar um usuário funcional, que tenha competência técnica, que entenda como diferentes tipos de texto e tecnologia operam, que tenha criticidade e que seja capaz de promover transformações (ROJO, 2012ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31.). O diagrama abaixo (Figura 1) evidencia esses princípios.

Figura 1
Prática na Pedagogia dos Multiletramentos.

O Grupo de Nova Londres considera que a mente humana é incorporada, situada e social, ou seja, o conhecimento humano está embutido em contextos sociais, culturais e materiais e seu conhecimento desenvolvido como parte de um processo de interações colaborativas com outros de diferentes habilidades, contextos e perspectivas que fazem parte de uma mesma comunidade (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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), o que leva os autores a propor uma pedagogia como uma complexa integração de quatro fatores, não necessariamente em uma sequência fixa: a) prática situada; b) instrução aberta; c) enquadramento crítico; d) prática transformada.

Rojo (2012ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31.) esclarece que prática situada refere-se à imersão do aluno na experiência e utilização de projetos disponíveis - mundo do aluno e simulações dos relacionamentos encontrados nos locais de trabalho e nos espaços públicos, ou seja, práticas que fazem parte da cultura dos alunos e nos gêneros e designs disponíveis para essa prática, relacionando-as com outras, de outros espaços culturais. Instrução aberta consiste em os aprendizes moldarem para si mesmos uma metalinguagem explícita do design. Enquadramento crítico consiste em relacionar os sentidos aos seus contextos e propósitos sociais. Prática transformada se dá quando os aprendizes transferem e recriam designs de sentidos de um contexto para o outro.

Em 2006, tendo em vista as transformações que ocorreram na humanidade desde 1996, quando da publicação do Manifesto, Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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) reformularam esses componentes traduzindo-os em “processos de aprendizagem”, ou, ainda, orientações pedagógicas, passando a denominá-los experienciando, conceitualizando, analisando e aplicando, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Processos de Aprendizagem.

Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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) afirmam que experienciando consiste em levar o aluno a refletir sobre suas próprias experiências, interesses, ou seja, aquilo que lhe é conhecido, bem como o experienciamento do novo, permitindo-lhe entrar em contato com novas situações, levando-os a novos domínios de ação e significado. Faz-se a valorização dos conhecimentos extraescolares dos alunos, permitindo-lhes relacionar saberes prévios e novas informações e experiências, ocorrendo, dessa forma, o entrelaçamento do novo com o conhecido.

Conceitualizando refere-se a definir e aplicar conceitos. “Conceitualizando por nome envolve distinções de similaridades e diferenças, categorias e nomes abstratos. Conceitualizando com teoria significa fazer generalizações e construir modelos que possam ser transferidos” (RAULIK, 2016RAULIK, Viviane de Fátima Pettirossi. Práticas colaborativas de escrita em disciplina de língua inglesa de curso militar. 2016. Diss. (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 31). Assim, conceitualizando refere-se ao entrelaçamento entre conhecimento que adquirimos no dia a dia e o conhecimento científico. Silva (2016SILVA, Themis Rondão Barbosa da Costa. Pedagogia dos multiletramentos: principais proposições metodológicas e pesquisas no âmbito nacional. Letras, Santa Maria, v. 26, n. 52, p. 11-23, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/25319/14659 >. Acesso em: 22 set. 2020.
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, p. 14) esclarece que “é a partir da junção de diversos conceitos que o conhecimento da disciplina é construído como um todo”.

Analisando refere-se à capacidade crítica em que se busca estabelecer raciocínios a fim de extrair inferências, conclusões, estabelecendo relação de causa e efeito e da razão de ser das coisas, evidenciando os objetivos, motivos, intenções e pontos de vista das pessoas. “Analisando funcionalmente inclui analisar processos de causa e efeito, analisar conexões lógicas e textuais, desenvolver cadeias de raciocínio e explicar padrões. Analisando criticamente envolve a avaliação das perspectivas, interesses e motivações das pessoas” (RAULIK, 2016RAULIK, Viviane de Fátima Pettirossi. Práticas colaborativas de escrita em disciplina de língua inglesa de curso militar. 2016. Diss. (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 31). Analisando envolve, portanto, a capacidade de os alunos questionarem, por exemplo, os interesses implícitos em uma mensagem ou ação.

Aplicando consiste em o aluno aplicar o conhecimento ao seu mundo real, ou em situações que se aproximem do real, fazendo uma intervenção criativa, que afete o mundo de maneira positiva, transferindo um conhecimento anterior para um novo cenário. “Aplicando apropriadamente significa que o aluno fará algo de maneira previsível e já esperada. Aplicando criativamente inclui uma intervenção criativa e inovadora de acordo com os interesses, experiências e aspirações do aluno” (RAULIK, 2016RAULIK, Viviane de Fátima Pettirossi. Práticas colaborativas de escrita em disciplina de língua inglesa de curso militar. 2016. Diss. (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 31).

Esses componentes propõem um letramento diferente das concepções mais antigas em que os alunos eram vistos como passivos e meros recipientes, cujo papel consistia em memorizar e reproduzir o que recebiam do professor como verdade única (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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), sendo necessário, nesse novo contexto, que os alunos projetem significados àquilo que lhes é apresentado, sendo capazes de participar de diversos letramentos, tanto no que se refere aos diferentes contextos culturais e institucionais de uso da leitura e da escrita como na escola, no trabalho, no lazer, nas atividades cívicas, quanto no que se refere ao uso de diferentes códigos e linguagens, como, por exemplo, a escrita alfabética, a representação visual, a comunicação gestual, a comunicação sonora e musical, e diferentes mídias (por exemplo, o corpo, a escrita, a imprensa, a mídia eletrônica - como rádio e televisão, as mídias digitais).

O Grupo de Nova Londres considera que lidar com as diferenças linguísticas e culturais tornou-se ponto central para o mundo do trabalho, da cidadania e da vida privada. Consideram que na Pedagogia dos Multiletramentos educadores e estudantes podem se ver como participantes ativos da mudança social, pois podem ser designers ativos, ou seja, criadores de futuros sociais, pensando na questão da formação para o trabalho, para a cidadania, para a vida pessoal.

A ideia de design4 4 Observamos uma divergência quanto à tradução do termo para o português: alguns trabalhos apontam design como “desenho”, outros como “projeto”. é um conceito chave para a Pedagogia dos Multiletramentos. Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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) afirmam que essa palavra apresenta duplo significado: descreve, simultaneamente, estrutura ou morfologia, e o ato de construção. Afirmam que conhecimento e significado são situados histórica e socialmente, e são projetados, sendo por isso, chamado de design. Este, conforme Tabela 2, apresenta três aspectos: designs disponíveis, designing e the redesigned.

Tabela 2
Designs.

Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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) afirmam que designs disponíveis referem-se às formas representacionais encontradas. Para eles, os padrões e convenções para representação de significados podem ser constituído de modo (linguístico, visual, áudio, gestual, tático e espacial), de gênero (a forma que um texto possui) e de discurso (a forma que significa fazer tomadas em uma instituição social). Designing é o ato de apropriação, de “revozeamento” e de transformação dos designs disponíveis; refere-se à apropriação dos projetos disponíveis para fazer as representações do mundo ou de outros para si ou para os outros (como escrever, falar, tirar fotos, ler, ouvir, visualizar, por exemplo). Com isso, cria-se um novo design, uma expressão da voz do aluno. O redesigned refere-se às transformações ocasionadas nas pessoas e no mundo pelo ato de projetar. A Figura 2 ilustra os modos de significação dos designs disponíveis.

Figura 2
Modos de significação dos designs disponíveis.

O design multimodal é de ordem diferente dos outros cinco modos de significado, pois representa os padrões de interconexão entre os outros modos. Para o grupo,

[...] somos herdeiros de padrões e convenções de significado e, ao mesmo tempo, designers ativos de significado. E, como designers de significado, somos designers de futuros sociais - local de trabalho futuros, futuros públicos e futuros da comunidade (CAZDEN et al., 1996CAZDEN, Courtney et al. A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures. Harvard Educational Review, Harvard Education Publishing Group, v. 66, n. 1, p. 60-93, abr. 1996. DOI: 10.17763/haer.66.1.17370n67v22j160u. Disponível em: <https://doi.org/10.17763/haer.66.1.17370n67v22j160u>.
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, p. 65, tradução nossa)5 5 “[...] we are both inheritors of pattern and conventions of meaning and at the same time active designers of meaning. And, as designers of meaning, we are designers of social futures - workplace futures, public futures, and community futures” (CAZDEN et al., 1996, p. 65). .

De acordo com Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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), o modelo proposto contempla as formas de representar significados dos diferentes sistemas semióticos - linguístico, visual, sonoro ou auditivo, espacial e gestual - inter-relacionados no texto multimodal contemporâneo, estando, portanto, a linguagem inseparavelmente relacionada a esses modos de significado.

Tendo em vista que muitas transformações aconteceram desde 1996, Cope e Kalantzis (2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
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) reconfiguraram essa gama de modalidades possíveis: separaram a linguagem escrita da oral, adicionaram um modo tátil e redefiniram o conteúdo e o escopo dos outros modos. A Tabela 3 mostra como ficou essa alteração.

Tabela 3
Formas de representar significados dos diferentes sistemas semióticos.

Para os autores, muito do nosso cotidiano é multimodal: a linguagem escrita está intimamente ligada ao visual no que se refere, por exemplo, ao espaçamento, layout e tipografia, assim como também a linguagem falada está associada ao áudio no uso da entonação, inflexão, andamento e pausa.

A Pedagogia dos Multiletramentos está centrada no uso de modalidades e linguagens múltiplas, como música, imagem e em diversidade cultural. Para o Grupo de Nova Londres, as TIC são apenas um recurso para ensinar e aprender modos e linguagens, sendo o letramento digital um dos componentes dos assim chamados multiletramentos, entendidos como práticas e também como capacidades/habilidades de interpretação. Segundo Kleiman (2014KLEIMAN, Angela B. Letramento na contemporaneidade. Bakhtiniana, v. 9, n. 2, p. 72-91, 2014. , p. 81), essas “[...] práticas de letramento intersemióticas contemporâneas exigem do leitor e produtor de textos cada vez mais competências e capacidades de leitura e abordagem da informação cuja interpretação (e produção) aciona uma combinação de mídias”.

Ao trabalhar na perspectiva dos Multiletramentos, o professor de Língua Portuguesa deve propiciar aos alunos o contato com diversos textos, de cultura valorizada e de cultura local, possibilitando também o acesso e análise das múltiplas linguagens presentes, principalmente, nos textos contemporâneos, “[...] ampliando a noção de letramentos para o campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO, 2009ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009., p. 107), tendo em vista a construção de significados que promovam transformação e não simplesmente a sua reprodução, propiciando que o aluno mobilize conhecimentos para resolução de problemas concernentes à vida pessoal, ao trabalho e ao exercício da cidadania. Mais que saber sobre teorias, conteúdos gramaticais, por exemplo, é necessário saber como utilizar tudo em isso em situações de práticas de linguagem na sociedade.

4.1 Novos Letramentos

Essa concepção tem como principais representantes Colin Lankshear e Michele Knobel. Os estudos estão relacionados às práticas contemporâneas ligadas às tecnologias digitais, em especial, os blogs, wikis e redes sociais. Acredita-se que uma nova identidade (novo ethos) tem se instaurado nas práticas letradas contemporâneas ligadas às tecnologias digitais. Colin Lankshear e Michele Knobel publicaram estudos em 2007 cunhando o termo “novos letramentos” para diferenciar dos “letramentos convencionais” ou “letramentos da letra”.

Afirmam que para que um letramento seja considerado novo é necessário haver nova tecnologia e novo ethos.

Consideram nova tecnologia as relacionadas aos artefatos digitais, aquelas em que os programadores escrevem código fonte a ser armazenado como código binário, que direciona diferentes tipos de aplicativos (para texto, som, imagem, animação, funções de comunicação etc.) em aparelhos digital-eletrônicos (computadores, hardware de jogos, CD e mp3 players etc.), permitindo que uma pessoa possa, por exemplo, criar um texto multimodal e enviá-lo para uma pessoa, um grupo ou toda uma comunidade da Internet em pouco tempo e sem custo; postar uma imagem no Flickr.com; fazer uma curta sequência de filme de animação usando brinquedos e objetos encontrados em casa, com uma trilha sonora original, anexada para uma postagem no blog; criar uma apresentação de slides de imagens para algum evento com narrativas ou comentários editados ou clipes misturados de um videogame que retratem algum aspecto da cultura popular ou que reconta alguma obra literária em animações em quadrinhos, dentre outros (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.).

Softwares de editoração podem produzir texto e efeitos de imagem que incluam gravações de voz, arquivos de música, animações, vídeo, imagens pintadas, imagens digitalizadas de obras de arte em papel, etc., diferentemente dos textos impressos, reconfigurando o conceito de texto. Também é possível remixá-lo - materiais originais do texto são copiados, recortados, emendados, editados, retrabalhados e misturados em uma nova criação. As animações de Machinima são um bom exemplo disso, pois envolve a manipulação de ângulo da câmera, script editores, editores de nível e similares, além de recursos como planos de fundo, temas, personagens, configurações etc. A música também pode ser amostrada e remixada usando software de edição de áudio. Softwares fornecidos com a maioria dos computadores permitem aos usuários converter arquivos de música de um CD em um formato editável, editar e unir seções de músicas diferentes e converter a música final de arquivos de volta em um formato altamente portátil e carregá-los na Internet para que outras pessoas acessem ou, alternativamente, as usem como trilhas sonoras de fundo em projetos de multimídia (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.).

Os autores definem como novo ethos os letramentos que são mais participativos, colaborativos e distribuídos por natureza que os letramentos convencionais. Nesse contexto há uma fratura do espaço e um novo tipo de mentalidade. Afirmam que, na atualidade, coexistem o espaço físico e o ciberespaço, surgindo uma nova mentalidade, abordando-se o mundo contemporâneo por meio de duas lentes diferentes. A primeira, chamada de mentalidade “físico-industrial”, e a segunda, chamada de mentalidade “ciberespacial pós-industrial”. O ethos dos novos letramentos reflete a segunda mentalidade. Muito desse ethos está encapsulado em conversas que surgiram recentemente em torno do conceito de Web 2.0.

Os autores consideram que a primeira mentalidade pressupõe que o mundo contemporâneo opera de acordo com os princípios e lógicas físicas/materiais e industriais. Já a segunda mentalidade assume que o mundo contemporâneo é diferente de como era há, por exemplo, 30 anos, e que essa diferença está crescendo, impulsionada pelo desenvolvimento de novas redes de tecnologias que têm propiciado novas formas de fazer coisas e novas maneiras de ser, em vez de usar novas tecnologias para fazer coisas familiares de maneiras mais “tecnologizadas” (primeira mentalidade).

A Tabela 4 mostra algumas diferenças importantes entre as mentalidades.

Tabela 4
Mentalidade 1.0 X Mentalidade 2.0.

A mentalidade 1 está pautada na Web 1.06 6 Web 1.0 conceitua a primeira geração de internet que tinha um conteúdo pouco interativo e o usuário era visto como espectador. e a mentalidade 2 na Web 2.07 7 Web 2.0 refere-se à segunda geração de internet, caracterizada por uma maior popularização da internet, com um conteúdo mais interativo, colaborativo, participativo e permite que o usuário seja tanto espectador quanto produtor do conteúdo dentro do ambiente. . Na Web 1.0 produtos, artefatos ou mercadorias são produzidos a partir de uma fonte e disponibilizados aos usuários da Internet, que, por sua vez, recebem artefatos ou mercadorias prontas. Os usuários não estão posicionados como controladores de seus próprios dados, recebendo em um site o que os editores da web colocam. Há uma abordagem “industrial” da atividade produtiva material, em que empresas produzem artefatos para consumo, ocasionando uma divisão entre produtor e consumidor (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.).

Já a mentalidade Web 2.0 apresenta uma visão de mundo “pós-industrial” muito mais centrada em “serviços” e “habilitação” do que na produção e venda de artefatos de material para consumo privado. A produção está pautada na participação coletiva, colaboração, conhecimento e inteligência distribuídos, por meio de práticas que descentralizam autoria, mobilizando informações para relacionamento, hibridização e similares, e não na fabricação de produtos prontos. Um exemplo disso seria a enciclopédia on-line Wikipedia.org, que é gratuita e produzida em colaboração (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.). Os autores consideram que os novos letramentos privilegiam

[...] participação sobre publicação, conhecimento distribuído sobre conhecimento centralizado, inteligência coletiva sobre inteligência possessiva individual, colaboração sobre autoria individualizada, dispersão sobre escassez, compartilhamento sobre propriedade, experimentação sobre “normalização”, inovação e evolução sobre estabilidade e fixação, regra criativa-inovadora sobre pureza e policiamento genéricos, relacionamento sobre a transmissão de informações (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007., p. 21, tradução nossa)8 8 “[...] participation over publishing, distributed expertise over centralized expertise, collective intelligence over individual possessive intelligence, collaboration over individuated authorship, dispersion over scarcity, sharing over ownership, experimentation over “normalization,” innovation and evolution over stability and fixity, creative-innovative rule breaking over generic purity and policing, relationship over information broadcast [...]” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007, p. 21). .

Consideram, ainda, que há dois tipos de casos para os novos letramentos: casos periféricos (peripheral cases) e casos paradigmáticos (paradigm cases). “Casos periféricos seriam os casos em que há novo ethos, mas não necessariamente nova tecnologia/técnica. Já casos paradigmáticos ocorrem quando o ethos é novo e a tecnologia também” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007., p. 7, tradução nossa)9 9 “Paradigm cases of new literacies have both new “technical stuff”(digitality) and new “ethos stuff.” Peripheral cases of new literacies have new “ethos stuff” but not new ‘technical stuff’” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007, p. 7). .

Nessa perspectiva, nem todo letramento/prática que envolve nova tecnologia será sempre novo letramento. Práticas nas quais há apenas a digitalidade são consideradas, pelos autores, como casos periféricos de novos letramentos, pois, embora tragam algo de novo em termos técnicos, não há o novo ethos, pois não foram idealizadas, pensadas, estruturadas e realizadas sob a perspectiva de um novo ethos, que se apresenta como sendo mais colaborativo, interativo, participativo, menos individualizado e centralizado, bem diferente do letramento convencional. Os novos letramentos só serão de fato novos se incorporarem o espírito e os valores da Web 2.0, não garantido pela simples presença do computador.

Knobel e Lankshear (2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.) afirmam que o que é central para os novos letramentos não é o fato de podermos, por exemplo, procurar informações on-line ou escrever textos usando um processador de texto em vez de uma caneta ou máquina de escrever, mas o fato de podermos mobilizar tipos muito diferentes de valores, prioridades e sensibilidades dos letramentos com as quais estamos familiarizados. O significado do novo material técnico está relacionado à participação de práticas de letramento que envolvem diferentes tipos de valores, sensibilidades, normas e procedimentos diferentes dos letramentos convencionais.

Assim, um novo letramento só deve ser considerado novo quando ele não se restringe a transferir para uma nova infraestrutura tecnológica as mesmas práticas, atitudes, normas e valores provenientes de letramentos anteriores. Em vez disso, busca construir um quadro específico de atitudes e valores socioculturais mobilizados pelas novas possibilidades de construção, manipulação e circulação de textos oferecidas pelas tecnologias digitais. Portanto, não há como pensar em novos letramentos sem se levar em consideração a união indissociável entre as novas tecnologias e um novo ethos que elas implicam (MAIA, 2013MAIA, Junot de Oliveira. Novos e híbridos letramentos em contexto de periferia. In: ROJO, Roxane (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola , 2013. p. 59-71.).

Porém, o que temos visto, muitas vezes, é uma inserção “forçada” de tecnologias que desconsidera seus maiores potenciais, suas dinâmicas interativas e estratégias sociocognitivas, limitando-se a transferir práticas letradas tradicionais para práticas mediadas por novos recursos tecnológicos, ou seja, mais do mesmo como pontua Barreto (2017BARRETO, Raquel Goulart. Objetos como sujeitos: o deslocamento radical. In: FERREIRA, Giselle Martins dos Santos; ROSADO, Luiz Alexandre da Silva; CARVALHO, Jaciara de Sá (Org.). Educação e Tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: SESES/UNESA, 2017. p. 124-141. Disponível em: <Disponível em: https://ticpe.files.wordpress.com/2017/04/ebook-ticpe-2017.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2018.
https://ticpe.files.wordpress.com/2017/0...
). A autora alerta que nem sempre tudo que está veiculado no computador pode ser realmente chamado de digital, como, por exemplo, um livro que foi digitalizado e transformado em arquivo PDF. Corroborando essa ideia, Rojo (2016ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos: parte II. [Entrevista concedida a Cristiane Mori]. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IRFrh3z5T5w >. Acesso em: 2 out. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=IRFrh3z5...
) afirma que nesse caso, passou do livro, papel, para a tela do computador, mas a experiência de leitura continua a mesma, ou seja, continua sendo uma leitura linear. Soares (2002SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação & Sociedade, FapUNIFESP (SciELO), v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. DOI: 10.1590/s0101-73302002008100008. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0101-73302002008100008>.
https://doi.org/10.1590/s0101-7330200200...
, p. 150) esclarece que o texto “[...] é lido linearmente, seqüencialmente - da esquerda para a direita, de cima para baixo, uma página após a outra [...]”. A autora afirma que quando se trata de um texto na tela, em que há o hipertexto, então a experiência da leitura e da escrita é diferente, pois o texto

é escrito e é lido de forma multilinear, multi-seqüencial, acionando-se links ou nós que vão trazendo telas numa multiplicidade de possibilidades, sem que haja uma ordem predefinida. A dimensão do texto no papel é materialmente definida: identifica-se claramente seu começo e seu fim, as páginas são numeradas, o que lhes atribui uma determinada posição numa ordem consecutiva - a página é uma unidade estrutural; o hipertexto, ao contrário, tem a dimensão que o leitor lhe der: seu começo é ali onde o leitor escolhe, com um clique, a primeira tela, termina quando o leitor fecha, com um clique, uma tela, ao dar-se por satisfeito ou considerar-se suficientemente informado - enquanto a página é uma unidade estrutural, a tela é uma unidade temporal (SOARES, 2002SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação & Sociedade, FapUNIFESP (SciELO), v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. DOI: 10.1590/s0101-73302002008100008. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0101-73302002008100008>.
https://doi.org/10.1590/s0101-7330200200...
, p. 150).

Ainda em 1988, Colin Lankshear e Michele Knobel já falavam da necessidade de uma visão sociocultural de letramento que envolvesse uma dimensão operacional, cultural e crítica, uma vez que as novas formas de letramentos, provenientes do letramento digital, traziam novas formas de compreender o mundo. Os autores propunham a articulação do letramento digital com o crítico, implicando, assim, desenvolvimento do senso crítico do aluno, permitindo a este questionar, analisar e contestar as relações de poder existentes, com vistas a provocar mudança social.

Dessa forma, possibilitaria o desenvolvimento de hábitos analíticos de pensar, ler, escrever, falar ou discutir o que está por trás de impressões superficiais, mitos tradicionais, opiniões comuns, além de entender os contextos sociais e as consequências de qualquer tema. O que se pretende é que os participantes das práticas letradas não só construam sentidos, mas que também consigam transformá-los e produzi-los de maneira ativa.

Um trabalho nessa perspectiva seria, por exemplo, o professor de Língua Portuguesa, a partir de gêneros discursivos próprios da cultura digital, propor questões de interpretação de texto que possam ir além de uma abordagem verificacionista, abordagem essa do letramento tradicional, em que apenas se objetiva reconhecer as informações apresentadas no texto. Os questionamentos devem levar os alunos a expandir os significados do texto para além do que está explícito, propiciando o estabelecimento de relações entre os âmbitos individual (o que representa para o aluno), comunitário (o que representa para o bairro/país) e global (o que representa em outros países), com um olhar atento também acerca das informações, checando as fontes consultadas pelo autor do texto, verificando a credibilidade, questionando o posicionamento assumido pelo autor, e também se posicionando, aclarando os privilégios e apagamentos nas práticas sociais, intervindo no texto, alterando, com isso, os papéis autor/leitor, caminhando para uma prática mais participativa, colaborativa e distribuída, possibilitando que o aluno compreenda e transforme o meio em que vive.

Na concepção dos Novos Letramentos, os artefatos digitais são concebidos como parte de um novo contexto social, que provoca transformações na própria construção do saber e como possível instrumento para promover o aprendizado, conectando-se a zonas de experiência reais em contextos estabelecidos, nos quais os indivíduos interagem buscando resolver problemas, enfatizando, assim, mais o aprender a ser do que o aprender sobre. Nessa perspectiva, a tecnologia não é vista nem como “salvação” nem como “perdição” para o aprendizado (escolar ou não) (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007.).

Acreditamos que há uma linha tênue separando a concepção da Pedagogia dos Multiletramentos da dos Novos Letramentos. A primeira constrói-se com base na multissemiose e na multiculturalidade; a segunda, embora possa abarcar esses dois aspectos, necessita da parte técnica oriunda das TIC juntamente a uma nova ética proporcionada por essas tecnologias, o que faz com que nem toda prática social situada nos Multiletramentos seja considerada um novo letramento. Já a concepção dos Novos Estudos do Letramento está mais focada nos textos escritos, pautada em uma visão estática e monomodal da linguagem.

5 Considerações finais

Na atualidade, há, majoritariamente, três concepções teóricas acerca do letramento: Novos Estudos do Letramento, Multiletramentos e Novos letramentos.

Na concepção dos Novos Estudos do Letramento, que tem como principal representante o antropólogo britânico Brian Street, a escrita tem um caráter social. Assim, o termo letramento refere-se a todas as práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita em determinada sociedade, sendo variáveis de um grupo social para outro. A palavra “novo” se refere basicamente a uma mudança de paradigma, que retira de foco a mente do indivíduo, e passa a considerar a leitura e a escrita a partir do contexto das práticas sociais e culturais.

A Pedagogia dos Multiletramentos, defendida em 1996, pelo Grupo de Nova Londres, tendo Roxane Rojo como uma das principais adeptas dessa concepção aqui no Brasil, acredita que com a multiplicidade de canais de comunicação e a diversidade linguística e cultural presentes no mundo, há a necessidade de a escola considerar os novos letramentos, em que a leitura e a escrita, para além da linguagem verbal, estão constituídas por outros recursos semióticos, como o visual, o auditivo e o espacial, por exemplos, bem como de considerar as diferenças culturais presentes nas salas de aula.

A concepção dos Novos Letramentos defende que uma nova identidade (novo ethos) tem se instaurado nas práticas letradas contemporâneas, uma vez que a leitura e a escrita passam a envolver novas operações, relacionando uma dimensão operacional, uma cultural e uma crítica. Para os autores, novas formas de letramentos, provenientes do letramento digital, trazem novas formas de compreender o mundo, fazendo-se necessária a articulação do letramento digital com o crítico, implicando, assim, desenvolvimento do senso crítico do aluno, e permitindo a este questionar, analisar e contestar as relações de poder existentes, com vistas a provocar mudança social.

Assim, percebemos que há diferentes concepções acerca de letramento e letramento digital. Contudo, a discussão não se encerra aqui, posto que o letramento acontece nas práticas sociais, que também são mutáveis, haja vista os diversos acontecimentos por que tem passado e ainda há de passar a humanidade. Porém, é fato que na atualidade a escola ainda é a principal agência de letramento, responsável por desenvolver as competências e habilidades necessárias para os educandos poderem atuar de maneira efetiva na sociedade.

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    » https://www.scielo.br/pdf/delta/v29n1/02.pdf
  • 1
    As reuniões começaram em 1994 para conversar sobre o que estava acontecendo no mundo das comunicações e no ensino, haja vista as transformações por que estava passando a humanidade (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
    https://doi.org/10.1080/1554480090307604...
    ).
  • 2
    O Grupo é composto por Courtney Cazden, Bill Cope, Charles William Eliot, Jim Gee, Norman Fairclough, Mary Kalantzis, Allan Luke, Carmen Luke, Martin Nakata e Sara Michaels (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
    https://doi.org/10.1080/1554480090307604...
    ).
  • 3
    A palavra ’design’ descreve os padrões significado e ação que constituem representação, comunicação e interpretação (COPE; KALANTZIS, 2009COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, Informa UK Limited, v. 4, n. 3, p. 164-195, ago. 2009. DOI: 10.1080/15544800903076044. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/15544800903076044>.
    https://doi.org/10.1080/1554480090307604...
    ).
  • 4
    Observamos uma divergência quanto à tradução do termo para o português: alguns trabalhos apontam design como “desenho”, outros como “projeto”.
  • 5
    “[...] we are both inheritors of pattern and conventions of meaning and at the same time active designers of meaning. And, as designers of meaning, we are designers of social futures - workplace futures, public futures, and community futures” (CAZDEN et al., 1996CAZDEN, Courtney et al. A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures. Harvard Educational Review, Harvard Education Publishing Group, v. 66, n. 1, p. 60-93, abr. 1996. DOI: 10.17763/haer.66.1.17370n67v22j160u. Disponível em: <https://doi.org/10.17763/haer.66.1.17370n67v22j160u>.
    https://doi.org/10.17763/haer.66.1.17370...
    , p. 65).
  • 6
    Web 1.0 conceitua a primeira geração de internet que tinha um conteúdo pouco interativo e o usuário era visto como espectador.
  • 7
    Web 2.0 refere-se à segunda geração de internet, caracterizada por uma maior popularização da internet, com um conteúdo mais interativo, colaborativo, participativo e permite que o usuário seja tanto espectador quanto produtor do conteúdo dentro do ambiente.
  • 8
    “[...] participation over publishing, distributed expertise over centralized expertise, collective intelligence over individual possessive intelligence, collaboration over individuated authorship, dispersion over scarcity, sharing over ownership, experimentation over “normalization,” innovation and evolution over stability and fixity, creative-innovative rule breaking over generic purity and policing, relationship over information broadcast [...]” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007., p. 21).
  • 9
    “Paradigm cases of new literacies have both new “technical stuff”(digitality) and new “ethos stuff.” Peripheral cases of new literacies have new “ethos stuff” but not new ‘technical stuff’” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007KNOBEL, Michele; LANKSHEAR, Colin. A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007., p. 7).

Editado por

Editado por:

Leonardo Araújo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2020
  • Aceito
    11 Set 2020
  • Publicado
    07 Nov 2020
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