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O envolvimento cognitivo e o desempenho acadêmico do aluno do ensino secundário no modelo Flipped Classroom na educação a distância

Cognitive engagement and academic performance of secondary school students on the Flipped Classroom model in distance education

Resumo

O envolvimento cognitivo (EC) do aluno é um pré-requisito para uma aprendizagem significativa. Este texto analisa o EC do aluno numa proposta baseada no modelo Flipped Classroom (FC) na educação a distância (EaD). Implementou-se a proposta no ensino secundário português, através de um ciclo de investigação-ação, durante a pandemia Covid-19, com aulas assíncronas e síncronas divididas em atividades conduzidas pelo professor (ACP) e atividades centradas no aluno (ACA). Com o objetivo de compreender a influência do design das atividades no EC do aluno e o impacto da proposta nos desempenhos acadêmicos dos alunos, analisaram-se os discursos dos alunos, as percepções sobre a EaD e os testes de avaliação de conhecimentos. Os resultados mostraram níveis superiores de EC do aluno nas ACA, pois estas permitiram um papel mais ativo dos alunos na construção do conhecimento, uma maior facilitação da professora e aprendizagens com os pares. Os desempenhos acadêmicos dos alunos foram superiores na EaD comparativamente ao ensino presencial, o que pode estar associado aos indicadores de EC (autopercepções positivas, autoeficácia e compreensão dos conteúdos) identificados nas percepções dos alunos. Porém, a mesma análise também identificou vários aspetos que carecem de melhoria para potenciar o modelo FC na EaD.

Palavras-chave:
Sala de Aula on-line; Educação a distância; Estudantes; Envolvimento cognitivo

Abstract

Cognitive engagement (CE) is a prerequisite for students’ meaningful learning. The present text analyses the student’s CE in a proposal based on the Flipped Classroom (FC) model, in distance education (DE). The proposal was implemented through an action-research cycle in Portuguese secondary schools during the Covid-19 pandemic. It combined asynchronous and synchronous lessons divided into teacher-led activities (TLA) and student-centred activities (SCA). To understand the influence of the design of the activities in the student’s CE and the impact of the proposal on the students’ academic performances, the students’ discourses, perceptions, and knowledge assessment tests were analysed. The results showed higher levels of student CE in ACA, as it allowed for a more active role for the students in knowledge construction, greater facilitation from the teacher and peer learning. The results of the students’ academic performance were higher in DE than in face-to-face teaching. This may be associated with the CE indicators (positive self-perceptions, self-efficacy, and content understanding) identified in the students’ perceptions. However, the same analysis also identified several aspects that need improvement to enhance the FC model in DE.

Keywords:
Online classroom; Distance Education; Students; Cognitive engagement

1 Introdução

Em Portugal, a pandemia causada pela Covid-19 (SARS-Cov-2) forçou, por duas vezes, a transição de todo o processo de ensino-aprendizagem para a modalidade digital para dar continuidade à formação dos alunos. Porém, se da primeira vez foi implementado um ensino remoto emergencial, por carecer de planejamento e de formação adequada dos professores (BOZKURT; SHARMA, 2020BOZKURT, A.; SHARMA, R. Emergency remote teaching in a time of global crisis due to CoronaVirus pandemic. Asian Journal of Distance Education, v. 15, p. 1-6, abr. 2020. DOI: 10.5281/ZENODO.3778083. Disponível em: Disponível em: https://zenodo.org/record/3778083 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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); da segunda vez, supostamente ajustadas as condições de implementação, as instituições escolares chamaram-lhe de Educação a Distância (EaD).

Na conceitualização dessa modalidade, além da separação física de professores e alunos, existem outras caraterísticas determinantes, nomeadamente, a interação entre os participantes através de ferramentas de comunicação síncronas e assíncronas, o estudo autônomo dos alunos e a existência de apoio institucional (ESPINO-DÍAZ et al., 2020ESPINO-DÍAZ, L. et al. Creating Interactive Learning Environments through the Use of Information and Communication Technologies Applied to Learning of Social Values: An Approach from Neuro-Education. Social Sciences, v. 9, n. 5, p. 72, mai. 2020. DOI: 10.3390/socsci9050072. Disponível em: Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-0760/9/5/72 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Todavia, são vários os fatores que contribuem para o tempo que os alunos são capazes de se comprometer com as tarefas e para a eficácia dos seus esforços. Assim, se por um lado, os alunos valorizam o ambiente criado pela quantidade significativa de interação gerada nas plataformas de aprendizagem e-learning e as oportunidades de compartilhar ideias e recursos com pares (ESPINO-DÍAZ et al., 2020ESPINO-DÍAZ, L. et al. Creating Interactive Learning Environments through the Use of Information and Communication Technologies Applied to Learning of Social Values: An Approach from Neuro-Education. Social Sciences, v. 9, n. 5, p. 72, mai. 2020. DOI: 10.3390/socsci9050072. Disponível em: Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-0760/9/5/72 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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); por outro, distraem-se mais facilmente e apresentam dificuldades em se autorregularem (XU; CHEN; CHEN, 2020XU, B.; CHEN, N.-S.; CHEN, G. Effects of teacher role on student engagement in WeChat-Based online discussion learning. Computers & Education, v. 157, p. 103956, nov. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103956. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131520301548 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Nesse sentido, o envolvimento do aluno tem sido identificado consistentemente como um fator crítico para o seu sucesso acadêmico na EaD (HAMPTON; PEARCE, 2016HAMPTON, D.; PEARCE, P. F. Student Engagement in Online Nursing Courses: Nurse Educator, v. 41, n. 6, p. 294-298, 2016. DOI: 10.1097/NNE.0000000000000275. Disponível em: Disponível em: http://journals.lww.com/00006223-201611000-00006 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Surge positivamente relacionado com importantes resultados educacionais, como a satisfação, persistência e desempenhos acadêmicos dos alunos (KUH, 2009KUH, G. D. What Student Affairs Professionals Need to Know About Student Engagement. Journal of College Student Development, v. 50, n. 6, p. 683-706, 2009. DOI: 10.1353/csd.0.0099. Disponível em: Disponível em: http://muse.jhu.edu/content/crossref/journals/journal_of_college_student_development/v050/50.6.kuh.html . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) e, embora seja amplamente investigado, não há consenso acerca da sua definição exata e composição (ECCLES, 2016ECCLES, J. S. Engagement: Where to next? Learning and Instruction, v. 43, p. 71-75, jun. 2016. DOI: 10.1016/j.learninstruc.2016.02.003. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0959475216300160 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Neste estudo1 1 Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Investigação em Ciências Sociais e Humanas do Conselho de Ética da Universidade do Minho, com o código CEICSH 107/2019 , adotou-se a definição de envolvimento do aluno proposta por Bond e Bedenlier (2019BOND, M.; BEDENLIER, S. Facilitating Student Engagement Through Educational Technology: Towards a Conceptual Framework. Journal of Interactive Media in Education, v. 2019, n. 1, p. 11, set. 2019. DOI: 10.5334/jime.528. Disponível em: Disponível em: http://jime.open.ac.uk/articles/10.5334/jime.528/ . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), que o descreve como a energia e o esforço que os alunos usam dentro da sua comunidade de aprendizagem, observável através de comportamentos, indicadores cognitivos e afetivos, sendo moldado por um conjunto de influências estruturais e internas, incluindo a interação complexa dos relacionamentos, atividades e ambiente de aprendizagem. Essa opção é justificada por dois argumentos: (1) está alinhada com as pesquisas que amplamente aceitam a existência de três dimensões do envolvimento do aluno (FREDRICKS; BLUMENFELD; PARIS, 2004FREDRICKS, J. A; BLUMENFELD, P. C.; PARIS, A. H. School Engagement: Potential of the Concept, State of the Evidence. Review of Educational Research, v. 74, n. 1, p. 59-109, mar. 2004. DOI: 10.3102/00346543074001059. Disponível em: Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/10.3102/00346543074001059 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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): cognitiva (investimento psicológico dos alunos nas tarefas e o modo como usam estratégias autorreguladoras e metacognitivas para compreender e dominar conhecimentos), afetiva (respostas emocionais dos alunos ou sentimentos em relação aos professores, aos colegas, à aprendizagem e à escola) e comportamental (participação dos alunos numa atividade de aprendizagem, como completar uma tarefa, assistir às aulas ou contribuir nas discussões); (2) entende os resultados da atividade formativa como uma construção coletiva e sistêmica assente numa complexa estrutura mediadora (ENGESTRÖM, 2001ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, v. 14, n. 1, p. 133-156, fev. 2001. DOI: 10.1080/13639080020028747. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13639080020028747 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Um aspeto determinante para o envolvimento do aluno no contexto on-line, que decorre da própria conceitualização da modalidade de EaD, relaciona-se com o apoio institucional configurado nos esforços pedagógicos do professor. Este deve ser capaz de conceber um design estratégico dos conteúdos a disponibilizar, suportado por diversos canais de interação com os seus alunos (STONE, 2019STONE, C. Online learning in Australian higher education: Opportunities, challenges and transformations. Student Success, v. 10, n. 2, p. 1-11, ago. 2019. DOI: 10.5204/ssj.v10i2.1299. Disponível em: Disponível em: https://studentsuccessjournal.org/article/view/1299 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Nesse sentido, os educadores que procuram maneiras de aumentar o envolvimento do aluno têm na modalidade híbrida uma possibilidade (HALVERSON; GRAHAM, 2019HALVERSON, L. R.; GRAHAM, C. R. Learner Engagement in Blended Learning Environments: A Conceptual Framework. Online Learning, v. 23, n. 2, jun. 2019. DOI: 10.24059/olj.v23i2.1481. Disponível em: Disponível em: https://olj.onlinelearningconsortium.org/index.php/olj/article/view/1481 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), dadas as evidências do potencial da tecnologia para aumentar a autoeficácia, autorregulação e participação dentro da comunidade educacional (ALIOON; DELIALIOĞLU, 2019ALIOON, Y.; DELIALIOĞLU, Ö. The effect of authentic m-learning activities on student engagement and motivation: Authentic m-learning activities. British Journal of Educational Technology, v. 50, n. 2, p. 655-668, mar. 2019. DOI: 10.1111/bjet.12559. Disponível em: Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bjet.12559 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

O modelo Flipped Classroom (FC) apresenta-se como um modelo de aprendizagem híbrida amplamente adotado porque responde à procura por ambientes de aprendizagem aprimorados pela tecnologia e centrados no aluno (LAI et al., 2021LAI, H.-M. et al. A multilevel investigation of factors influencing university students’ behavioral engagement in flipped classrooms. Computers & Education, v. 175, p. 104318, dez. 2021. DOI: 10.1016/j.compedu.2021.104318. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131521001950 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

A implementação bem-sucedida do modelo, segundo a Flipped Learning Network (FLN) (2014FLIPPED LEARNING NETWORK (FLN). The Four Pillars of F-L-I-P. [S.l.: s.n.], 2014. Disponível em: Disponível em: https://flippedlearning.org/wp-content/uploads/2016/07/FLIP_handout_FNL_Web.pdf . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), deve atender a quatro pilares fundamentais definidos pela sigla F-L-I-P. Assim, a letra F (Flexible environment) refere-se à criação de espaços que possibilitem aos alunos escolher onde e como aprender, trata-se de flexibilizar não só a sequência de aprendizagem, com a utilização de materiais diversos, mas também a avaliação. Esta flexibilização permite que o aluno, ao seu próprio ritmo, explore o material divulgado, assumindo assim o controle da sua aprendizagem, o que traduz a Learning culture (L). Ao centrar o processo de aprendizagem no aluno, o professor assume a gestão e a orientação de todo o processo, através da seleção e criação de conteúdos relevantes para apoiar a aprendizagem dos alunos, Intentional Content (I). O último pilar define o papel do professor, Professional Educator (P), com capacidades de criar um ambiente de aprendizagem flexível, conduzir regularmente avaliações formativas, fornecer feedback e refletir sobre a sua prática de modo a melhorá-la.

Neste estudo, implementou-se o modelo FC na EaD seguindo as diretrizes do FNL conjugando aulas assíncronas (ASS) com aulas síncronas (AS), dadas as evidências do sucesso do modelo nesse contexto de aprendizagem (RIBEIRINHA; SILVA, 2021RIBEIRINHA, T.; SILVA, B. The flipped classroom model potential in online learning: an assessment focused on pedagogical interactions. Publicaciones, v. 51, n. 3, p. 295-345, jul. 2021. DOI: 10.30827/publicaciones.v51i3.18076. Disponível em: Disponível em: https://revistaseug.ugr.es/index.php/publicaciones/article/view/18076 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). A principal vantagem do modelo são as interações com os pares e professor desenvolvidas em contexto de aula, influenciando o modo como os alunos se envolvem nas tarefas, o que, por sua vez, afeta o nível de compreensão dos conteúdos, com repercussão nos resultados alcançados (ALTEN et al., 2019ALTEN, D. C. D. van et al. Effects of flipping the classroom on learning outcomes and satisfaction: A meta-analysis. Educational Research Review, v. 28, p. 100281, nov. 2019. DOI: 10.1016/j.edurev.2019.05.003. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1747938X18305694 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Assim, o sucesso do modelo está fortemente dependente do envolvimento do aluno, sendo, especificamente, o Envolvimento Cognitivo (EC) um pré-requisito para uma aprendizagem significativa (SOLIS, 2008SOLIS, A. Teaching for Cognitive Engagement Materializing the Promise of Sheltered Instruction. [S.l.: s.n.], 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.idra.org/resource-center/teaching-for-cognitive-engagement/ . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), pois quando os alunos se envolvem cognitivamente com as tarefas são capazes de criar conhecimentos e alcançar maior compreensão nas discussões on-line (ZHU, 2006ZHU, E. Interaction and cognitive engagement: An analysis of four asynchronous online discussions. Instructional Science, v. 34, n. 6, p. 451, nov. 2006. DOI: 10.1007/s11251-006-0004-0. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s11251-006-0004-0 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Uma forma de avaliar a qualidade da aprendizagem on-line é avaliar o nível de EC dos alunos, pois esse é um indicador de que o processo de aprendizagem está a ocorrer, na medida em que os alunos exercem um esforço mental para se envolverem com os conteúdos (SHUKOR et al., 2014SHUKOR, N. A. et al. A Predictive Model to Evaluate Students’ Cognitive Engagement in Online Learning. Procedia Social and Behavioral Sciences, v. 116, p. 4844-4853, fev. 2014. DOI: 10.1016/j.sbspro.2014.01.1036. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1877042814010532 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Estudos sobre o modelo FC e o EC do aluno revelam resultados pouco consistentes (BOND, 2020BOND, M. Facilitating student engagement through the flipped learning approach in K-12: A systematic review. Computers & Education, v. 151, p. 103819, jul. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103819. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S036013152030021X . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Numa revisão sistemática de 107 estudos, no ensino k-12, Bond (2020BOND, M. Facilitating student engagement through the flipped learning approach in K-12: A systematic review. Computers & Education, v. 151, p. 103819, jul. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103819. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S036013152030021X . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) indica que, em um quarto dos estudos analisados, o modelo FC potenciou os indicadores de EC do aluno, autopercepções positivas e autoeficácia, sendo a compreensão dos conteúdos, também, bastante frequente. Porém, os indicadores relutância e confusão são igualmente prevalentes, pois alguns estudos relatam a dificuldade dos alunos em aceitar o modelo FC, uma vez que não estão dispostos a completar as tarefas de pré-aprendizagem e os vídeos, por vezes, geram mal-entendidos que prevalecem pelo fato de não serem imediatamente esclarecidos pelo professor.

Sendo que a maioria dos estudos sobre o envolvimento do aluno usa métodos quantitativos (BOND, 2020BOND, M. Facilitating student engagement through the flipped learning approach in K-12: A systematic review. Computers & Education, v. 151, p. 103819, jul. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103819. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S036013152030021X . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) privilegiando as percepções dos alunos obtidas por questionário (XU; CHEN; CHEN, 2020XU, B.; CHEN, N.-S.; CHEN, G. Effects of teacher role on student engagement in WeChat-Based online discussion learning. Computers & Education, v. 157, p. 103956, nov. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103956. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131520301548 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) e sendo a dimensão comportamental a mais frequentemente medida (HENRIE; HALVERSON; GRAHAM, 2015HENRIE, C. R.; HALVERSON, L. R.; GRAHAM, C. R. Measuring student engagement in technology-mediated learning: A review. Computers & Education, v. 90, p. 36-53, dez. 2015. DOI: 10.1016/j.compedu.2015.09.005. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131515300427 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), esta pesquisa tenta colmatar as falhas apresentadas na literatura ao explorar múltiplos recursos para compreender o modo como o EC do aluno se desenvolve em ambientes de EaD e qual a sua repercussão nos desempenhos acadêmicos dos alunos. Assim, investigou-se o EC do aluno a partir da análise dos seus discursos produzidos nas AS, complementando-se essa análise com as suas percepções sobre a experiência na EaD obtidas por entrevista. Posteriormente, aferiu-se o nível de compreensão dos conteúdos através dos desempenhos acadêmicos dos alunos obtidos em testes de avaliação de conhecimentos.

Esta pesquisa é suportada pela terceira geração da Teoria da Atividade (TA) de Engeström (2001ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, v. 14, n. 1, p. 133-156, fev. 2001. DOI: 10.1080/13639080020028747. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13639080020028747 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), uma lente útil para estudar a aprendizagem intersubjetiva na EaD e cujos pressupostos estão em consonância com as ideias de construtivismo, aprendizagem situada e cognição distribuída e quotidiana (BOWER; HEDBERG, 2010BOWER, M.; HEDBERG, J. G. A quantitative multimodal discourse analysis of teaching and learning in a web-conferencing environment - The effacy of student-centred learning designs. Computers & Education, v. 54, n. 2, p. 462-478, fev. 2010. DOI: 10.1016/j.compedu.2009.08.030. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131509002383 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Ao representar a atividade (formativa) como uma construção coletiva, Engeström (2001ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, v. 14, n. 1, p. 133-156, fev. 2001. DOI: 10.1080/13639080020028747. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13639080020028747 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) identifica seis elementos: o sujeito (indivíduo ou subgrupo), objeto (espaço do problema para o qual a atividade é direcionada), artefatos mediadores (ferramentas físicas ou simbólicas), comunidade (indivíduos ou subgrupos que partilham o mesmo objetivo), divisão do trabalho (divisão horizontal de tarefas entre membros de uma comunidade, bem como a divisão vertical de poder) e as regras (regulamentos implícitos e explícitos que restringem as interações no interior do sistema de atividade). Os sistemas de atividade usados nesta pesquisa estão representados na Figura 1.

Figura 1
Sistemas de atividade de alunos e professora para o modelo FC em contexto online.

Na base desta teoria estão cinco princípios (ENGESTRÖM, 2001ENGESTRÖM, Y. Expansive Learning at Work: Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, v. 14, n. 1, p. 133-156, fev. 2001. DOI: 10.1080/13639080020028747. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13639080020028747 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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): (1) a existência de um sistema de atividade coletivo em relação interativa, por orientar para um objeto coletivo mediado por artefatos que moldam e transformam o objeto em resultados; (2) a multivocalidade, por considerar que os indivíduos que o integram possuem múltiplos pontos de vista, interesses e experiências; (3) a historicidade, por admitir a transformação contínua dos sistemas de atividade ao longo do tempo; (4) as contradições, por serem tensões estruturais acumuladas dentro e entre os sistemas que proporcionam oportunidades de mudanças e desenvolvimento do sistema de atividade; (5) a transformação expansiva, por surgir em resposta às contradições que são alterações qualitativas que levam à reconfiguração do objeto e à transformação da prática educativa.

Assim, ao se utilizar como unidade de análise dois sistemas de atividade (professora e alunos), orientados para um objeto coletivo (atividades do currículo) e mediados, tecnologicamente, pelo ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e, pedagogicamente, pelo modelo FC, pretende-se estudar os resultados dessa interação, nomeadamente o EC do aluno, o nível de compreensão dos conteúdos e as possíveis tensões que resultem dessa interação.

2 Metodologia

Este estudo tem subjacente a experimentação de novas estratégias de ensino com o objetivo de adequar as práticas escolares às necessidades impostas pelo novo contexto (MÁXIMO-ESTEVES, 2008MÁXIMO-ESTEVES, L. Visão Panorâmica da Investigação-Acção. Porto: Porto Editora, 2008.). Assenta, portanto, em pressupostos da metodologia de Investigação-Ação (IA). Essa forma de investigação, efetuada pelos próprios participantes, de cariz autorreflexivo e induzida pela necessidade de compreensão e mudança de certas práticas educacionais, dá voz a todos os intervenientes, num processo colaborativo, que os capacita para o desenvolvimento dessas mudanças (COUTINHO et al., 2009COUTINHO, C. P. et al. Investigação-acção: metodologia preferencial nas práticas educativas, 2009. Disponível em: Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/ . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Além disso, apresenta sobreposições com os princípios da TA e permite a incorporação de várias técnicas de recolha de evidências que imprimem robustez ao estudo realizado (COUTINHO et al., 2009).

2.1 Participantes e contexto de estudo

A pesquisa decorreu numa turma de 11.º ano, do ensino secundário português, na disciplina de Física e Química (F.Q.), no período compreendido entre fevereiro e abril de 2021, que correspondeu ao período de EaD devido à pandemia COVID-19.

A turma é composta por 23 alunos (14 alunos do sexo feminino, 9 do sexo masculino) e a média de idades é de 16,25 anos. O consentimento para a realização da pesquisa foi concedido por todos os participantes através do termo de consentimento informado.

A proposta pedagógica assente no modelo FC apresentava duas componentes: as Aulas Assíncronas (ASS) e as Aulas Síncronas (AS) divididas em dois momentos de aprendizagem. Essa divisão relaciona-se com o design de atividades em e-learning proposto por Clark (2005CLARK, R. C. Multimedia learning in e-courses. In: MAYER, R. (Ed.). The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 589-616.) em: (1) Atividades Conduzidas pelo Professor (ACP): quando são transmitidos pequenos segmentos de informação, que podem ser exemplos ou demonstrações, intercalados com atividades realizadas pelos alunos sobre essa mesma informação, essa abordagem caracteriza-se pela existência de interação e feedback professoraluno; (2) Atividades Centradas no Aluno (ACA): quando os alunos realizam tarefas orientadas por objetivos e o fluxo discursivo entre os alunos permite a construção de conceitos formais através de uma aprendizagem colaborativa. O professor adota um papel de mediador.

Assim, nas ASS usava-se a plataforma de e-learning Edmodo, na qual os alunos exploravam os materiais disponibilizados pela professora, e que eram, normalmente, vídeos didáticos acompanhados por um quiz de monotorização. Nas AS usava-se a plataforma Zoom, nas quais o primeiro momento correspondia às ACP e na presença de todos os alunos eram debatidos os conteúdos das ASS, nomeadamente, os conteúdos do vídeo, as eventuais dúvidas e as respostas do quiz. O segundo momento de aprendizagem correspondia às ACA, sendo os alunos distribuídos, aleatoriamente, por salas virtuais para em grupo realizarem um conjunto de atividades que incluíam resolução de problemas, exploração de simulações e análise de resultados experimentais.

2.2 Recolha e tratamento de dados

Para esta pesquisa foram recolhidos dados das seguintes fontes: discursos dos alunos produzidos durante as AS, teste de avaliação de conhecimentos e entrevistas aos alunos.

As AS foram gravadas com a permissão dos alunos e dos seus encarregados de educação para, posteriormente, serem analisadas. Nesse sentido, selecionaram-se sete AS, com a precaução de não serem as primeiras aulas, que correspondiam a adaptação dos alunos à abordagem, nem as últimas que denotavam o cansaço face a ela. Após transcrição dos discursos dos alunos, procedeu-se à sua categorização de acordo com a estrutura analítica proposta por Zhu (2006ZHU, E. Interaction and cognitive engagement: An analysis of four asynchronous online discussions. Instructional Science, v. 34, n. 6, p. 451, nov. 2006. DOI: 10.1007/s11251-006-0004-0. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s11251-006-0004-0 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Segundo essa estrutura, o EC do aluno, nas discussões on-line, envolve interpretação, análise, capacidade de resumir informações, criticar e raciocinar permitindo, posteriormente, emitir opiniões, argumentar e tomar decisões. Seguidamente, as unidades de análise de uma dada categoria receberam uma pontuação de acordo com a sua profundidade cognitiva (XU; CHEN; CHEN, 2020XU, B.; CHEN, N.-S.; CHEN, G. Effects of teacher role on student engagement in WeChat-Based online discussion learning. Computers & Education, v. 157, p. 103956, nov. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103956. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131520301548 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). A Tabela 1 ajuda a visualizar as categorizações, as pontuações e as características do EC do aluno.

Tabela 1
Estrutura analítica do EC do aluno na discussão em grupo on-line.

Esta categorização permitiu, em primeiro lugar, comparar o número de interações produzidas em cada momento de aprendizagem, ou seja, verificar se existe influência do design da atividade na quantidade de interações produzidas pelos alunos. Posteriormente, permitiu comparar o nível de EC do aluno nos dois momentos de aprendizagem: ACP e ACA. Para assegurar a consistência dos procedimentos de análise, 20% da codificação foi feita por dois codificadores, sendo o nível de concordância de ambos 0.87.

Para aferir o nível de compreensão dos conteúdos evidenciados pelos alunos na EaD, compararamse os desempenhos acadêmicos dos alunos da turma através dos testes de avaliação de conhecimentos. Todos os testes foram realizados presencialmente e cotados numa escala de 200 pontos, tendo sido elaborados pela equipe de professores que lecionava o 11.º ano, de modo a garantir um grau de dificuldade semelhante e uma estrutura equivalente à do exame nacional de F.Q. O primeiro teste (T1), realizado a 10/12/2020, incidiu sobre conteúdos lecionados no ensino presencial; o segundo (T2), realizado a 27/04/2021, sobre conteúdos lecionados durante a EaD; e o terceiro, realizado a 01/06/2021, apresentava uma combinação de conteúdos do T2 com outros lecionados após o regresso ao ensino presencial.

De modo a perceber como os alunos experienciaram a abordagem pedagógica, realizaram-se sete entrevistas com grupos de três alunos e com uma duração média de 35 minutos. A entrevista semiestruturada foi realizada virtualmente e conduzida através de um guião (roteiro) próprio, produzido para o efeito e direcionado para obter informações acerca das AS e ASS. Para cada componente (AS e ASS), foram exploradas as interações do aluno com professora, colegas, conteúdos e tecnologia. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra para serem sujeitas a uma análise de conteúdo, utilizando o software NVivo 11.

As respostas dos alunos foram analisadas e os dados pertinentes foram classificados e reduzidos a partir da identificação objetiva das características das informações analisadas, tendo em conta o sistema de atividade coletiva da Figura 1, cujas componentes foram usadas como categorias de análise. Essa classificação manteve-se provisória, permitindo reformulações à medida que novos dados iam sendo adicionados. Com essa análise, pretendia-se descrever a ação resultante da interação das componentes do sistema de atividade no processo de aprendizagem dos alunos, identificando os indicadores de EC presentes e as tensões estruturais acumuladas dentro do sistema de atividade.

3 Resultados

3.1 Resultados relativos à categorização dos discursos dos alunos produzidos nas AS

A Tabela 2 mostra os resultados da categorização dos discursos dos alunos segundo a estrutura proposta por Zhu (2006ZHU, E. Interaction and cognitive engagement: An analysis of four asynchronous online discussions. Instructional Science, v. 34, n. 6, p. 451, nov. 2006. DOI: 10.1007/s11251-006-0004-0. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s11251-006-0004-0 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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).

Tabela 2
Número de interações discursivas categorizadas em cada momento de aprendizagem das AS.

Verificou-se que em quase todas as AS, independentemente do momento de aprendizagem, a categoria mais frequente no discurso dos alunos foi DR. Nas ACA verificou-se um aumento da categoria QV relativamente às ACP. A categoria S não foi identificada nos discursos dos alunos.

Para proceder à comparação do número de interações discursivas nos dois momentos de aprendizagem, foi necessário normalizar os dados. Assim, o número de interações discursivas em cada momento de aprendizagem foi dividido pelo número de alunos da turma (presente nessa AS) e pela duração do momento de aprendizagem (em minutos), obtendo-se, assim, o número de interações por minuto por aluno em cada momento de aprendizagem. Os dados apresentam uma distribuição normal [W ACP = 0, 964; p = 0, 849; W ACP = 0, 881; p = 0, 232], pelo que se comparou o número de interações por minuto por aluno nos dois momentos de aprendizagem através do teste-t pareado. O resultado [t (6) = 1, 54; p = 0, 176] mostra que não há diferença estatisticamente significativa na média do número de interações por minuto, por aluno, nos dois momentos de aprendizagem.

Posteriormente, determinou-se o nível de EC do aluno para cada momento de aprendizagem. Para tal, somaram-se os valores que foram atribuídos às várias categorias presentes no discurso dos alunos (vide Tabela 1).

A Tabela 3 apresenta os resultados desse cálculo. Como os dados apresentam uma distribuição normal [W ACP = 0, 869; p = 0, 182; W ACA = 0, 888; p = 0, 262], comparou-se o nível de EC do aluno nos dois momentos de aprendizagem através do teste-t pareado. O resultado mostra que a média do nível de EC do aluno nas ACP é estatisticamente diferente da média do nível de EC do aluno nas ACA [t (6) = 3, 71; p = 0, 005]. Assim, e de acordo com a hipótese formulada, a média do nível de EC do aluno nas ACA é superior à média do nível de EC do aluno nas ACP com 95% de confiança.

Tabela 3
Nível de EC do aluno nas ACP e ACA.

A fim de aferir o nível de compreensão dos conteúdos evidenciados pelos alunos na EaD, compararamse os desempenhos acadêmicos dos alunos através dos testes de avaliação de conhecimentos. A Tabela 4 mostra uma análise descritiva desses testes.

Tabela 4
Análise descritiva dos resultados dos testes de avaliação de conhecimentos.

Para comparar os resultados dos três testes de conhecimentos, usou-se o teste ANOVA para medidas repetidas. Primeiramente, foram verificados os pressupostos inerentes à sua utilização, nomeadamente: (1) a normalidade dos dados [W teste1 = 0, 922; p = 0, 0747; W teste2 = 0, 923; p = 0, 0776 e W teste3 = 0, 957; p = 0, 412]; (2) a ausência de outliers pelo teste de Dixon Q [Q teste1 = 0, 1316; p = 0, 8908; Q teste2 = 0, 1143; p = 0, 9234 e Q teste3 = 0, 2237; p = 0, 6235]; (3) a esfericidade dos dados pelo teste de Mauchly’s [W (2) = 1, 000; p = 0, 997]. Posteriormente, os resultados da comparação mostraram que há pelo menos uma diferença entre as médias dos testes nas três condições [F (2) = 3, 961; p = 0, 026], pelo que se fez a comparação entre pares com o teste-t corrigido pelo ajuste de Bonferroni.

A comparação entre pares mostrou que a média das notas dos alunos no T2 foi superior à do T1 [t (22) = 2, 812, p = 0, 022 e que não há diferença entre as médias dos testes 2 e 3 [t (22) = 1, 310, p = 0, 590] e 1 e 3 [t (22) = 1, 502, p = 0, 420].

3.2 Resultados relativos à análise das entrevistas

A análise das entrevistas, com base no sistema de atividade coletiva da Figura 1, permitiu descrever a ação dos componentes do sistema no processo de aprendizagem dos alunos, identificar os indicadores de EC presentes em seus discursos e algumas tensões acumuladas. Assim, a Tabela 5 descreve as ações resultantes da interação sujeito (professora), objeto e mediadores e da interação objeto, mediadores e comunidade no processo de aprendizagem dos alunos.

Tabela 5
Ações resultantes da interação sujeito, objeto e mediadores e da interação objeto, mediadores e comunidade no processo de aprendizagem dos alunos.

A análise das entrevistas permitiu perceber que os alunos apresentaram estratégias pessoais de aprendizagem que lhes possibilitaram a realização sistemática das tarefas da ASS, geriram o tempo e a necessidade de interação com os pares, de modo a não se sentirem sobrecarregados com elas. Alguns alunos exibiram estratégias diferenciadas de aprendizagem, aumentando o tempo de interação com os materiais disponibilizados. Na aula AS, as estratégias pessoais de aprendizagem passaram por gerir expectativas de modo a criar alguma interação com o grupo para a conclusão das tarefas.

O desenvolvimento da autonomia foi um dos resultados do sistema de atividade coletivo e surge associado à liberdade de escolher percursos de aprendizagem mais convenientes para atingir objetivos. Em outros casos, o desenvolvimento pessoal surge traduzido pela capacidade de adaptação e interação com colegas com os quais não estavam habituados a trabalhar.

4 Discussão dos resultados

A divisão das AS em ACP e ACA permitiu analisar e comparar o EC do aluno nos dois momentos de aprendizagem. Essa análise mostrou que não há influência do design da atividade na quantidade de interações discursivas produzidas pelos alunos e categorizadas segundo a estrutura analítica proposta por Zhu (2006ZHU, E. Interaction and cognitive engagement: An analysis of four asynchronous online discussions. Instructional Science, v. 34, n. 6, p. 451, nov. 2006. DOI: 10.1007/s11251-006-0004-0. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s11251-006-0004-0 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Estudos anteriores que dividiram a AS em episódios de aprendizagem indicam que a passagem de ACP para ACA conduz a um aumento substancial no número de interações por minuto por aluno (RIBEIRINHA; SILVA, 2021RIBEIRINHA, T.; SILVA, B. The flipped classroom model potential in online learning: an assessment focused on pedagogical interactions. Publicaciones, v. 51, n. 3, p. 295-345, jul. 2021. DOI: 10.30827/publicaciones.v51i3.18076. Disponível em: Disponível em: https://revistaseug.ugr.es/index.php/publicaciones/article/view/18076 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Fica claro que uma análise que se especifica numa dimensão do envolvimento do aluno reduz as interações em análise. Além disso, o presente estudo, por limitações técnicas da plataforma usada, apenas captava as interações discursivas da sala virtual em que a professora se encontrava, o que também limitou o número de interações a considerar.

O nível de EC do aluno, porém, é influenciado pelo design da atividade, ou seja, verifica-se um maior EC do aluno nas ACA do que nas ACP. Os resultados mostraram que, embora em quase todas as AS sejam predominantes as DR, verificou-se uma diminuição dessas interações nas ACA, um aumento das QV e o aparecimento de QH. O que está relacionado com as dinâmicas de aprendizagem presentes em cada momento. Nas ACP, a interação partia da professora (sob a forma de questionamento) e permitia a explicitação do conhecimento prévio dos alunos (Tabela 5), sendo assim natural a existência de um número elevado de DR. Além disso, as ACP destacam os indicadores de EC do aluno autopercepção positiva e compreensão (Tabela 5), pois a facilitação da professora, ao reduzir a carga cognitiva associada à tarefa (KIRSCHNER; SWELLER; CLARK, 2006KIRSCHNER, P. A.; SWELLER, J.; CLARK, R. E. Why Minimal Guidance During Instruction Does Not Work: An Analysis of the Failure of Constructivist, Discovery, Problem-Based, Experiential, and Inquiry-Based Teaching. Educational Psychologist, v. 41, n. 2, p. 75-86, jun. 2006. DOI: 10.1207/s15326985ep4102_1. Disponível em: Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1207/s15326985ep4102_1 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), permitiu que os alunos ativamente gerassem aprendizagens significativas através do estabelecimento de relações com os conceitos estudados autonomamente. O que está em linha com o estudo de Abou-Khalil et al. (2021ABOU-KHALIL, V. et al. Emergency Online Learning in Low-Resource Settings: Effective Student Engagement Strategies. Education Sciences, v. 11, n. 1, p. 24, jan. 2021. DOI: 10.3390/educsci11010024. Disponível em: Disponível em: https://www.mdpi.com/2227-7102/11/1/24 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), o qual indica que as estratégias de interação professor-aluno, baseadas em atividades Q&A, são percebidas pelos alunos como sendo as mais eficazes e as que mais potenciaram o seu envolvimento no ensino on-line.

Nas ACA, a interação partia do aluno, o que é evidenciado pelo aumento das QV e QH, tanto à professora como aos colegas, atendendo que o nível de EC do aluno pode ser influenciado pelo incentivo do professor e pela facilitação que este promove ao longo da discussão (ZHU, 2006ZHU, E. Interaction and cognitive engagement: An analysis of four asynchronous online discussions. Instructional Science, v. 34, n. 6, p. 451, nov. 2006. DOI: 10.1007/s11251-006-0004-0. Disponível em: Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s11251-006-0004-0 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Esse tipo de atividades potenciava a interação com a professora devido à presença de um menor número de alunos (Tabela 5), o que permitia uma facilitação mais personalizada do processo de construção de conhecimento. Além disso, promovia aprendizagens com os colegas (Tabela 5) o que destaca o papel de alguns alunos também como facilitadores na discussão on-line, como se constata na seguinte declaração de um aluno: “melhorei a minha capacidade de trabalhar em grupo com pessoas que não conheço tão bem, pois eu tentava sempre puxar por elas”. Embora o desenvolvimento de níveis cognitivos superiores exija a capacidade do professor para orientar os esforços colaborativos dos alunos na transição da reflexão de conteúdo para uma reflexão crítica (CARRILLO; FLORES, 2020CARRILLO, C.; FLORES, M. A. COVID-19 and teacher education: a literature review of online teaching and learning practices. European Journal of Teacher Education, v. 43, n. 4, p. 466-487, ago. 2020. DOI: 10.1080/02619768.2020.1821184. Disponível em: Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02619768.2020.1821184 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), o aparecimento de um aluno líder tem uma forte influência no envolvimento do grupo com as tarefas e nos seus desempenhos (XU; CHEN; CHEN, 2020XU, B.; CHEN, N.-S.; CHEN, G. Effects of teacher role on student engagement in WeChat-Based online discussion learning. Computers & Education, v. 157, p. 103956, nov. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103956. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0360131520301548 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Daí que as ACA evidenciem espectros mais largos de interações com níveis superiores de EC do aluno.

As tensões detectadas no sistema de atividade coletivo relacionadas às caraterísticas do AVA também podem contribuir para explicar as diferenças do EC do aluno nos dois momentos de aprendizagem. Por um lado, dificultaram a interação com a professora devido à exposição excessiva que sentiam na sala principal (Tabela 5), limitando as interações nas ACP; por outro, reduziram o tempo de aprendizagem (Tabela 5), limitando as interações nas ACA. Também a aleatoriedade na formação dos grupos de trabalho, ao juntar alunos com menor afinidade (Tabela 5), limitou as interações nas ACA.

Relativamente aos indicadores de EC do aluno identificados nas entrevistas destacam-se as autopercepções positivas, a autoeficácia e a compreensão, o que é consistente com a revisão sistemática de Bond (2020BOND, M. Facilitating student engagement through the flipped learning approach in K-12: A systematic review. Computers & Education, v. 151, p. 103819, jul. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103819. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S036013152030021X . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) sobre o modelo FC e o envolvimento cognitivo do aluno. Esses indicadores de EC do aluno surgem tanto nas ASS como nas AS. Nas AS, as autopercepções positivas e a compreensão aparecem associadas às interações com os pares e com a professora, como já foi referido anteriormente. Nas ASS, a autoeficácia surge associada à possibilidade do quiz aferir a qualidade do estudo autônomo e a necessidade de realização de um maior aprofundamento dos conteúdos (autorregulação) (Tabela 5), reforçando a ideia de que o estudo autônomo inicial pode ter efeitos positivos na capacidade de autorregulação das aprendizagens (BOND, 2020BOND, M. Facilitating student engagement through the flipped learning approach in K-12: A systematic review. Computers & Education, v. 151, p. 103819, jul. 2020. DOI: 10.1016/j.compedu.2020.103819. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S036013152030021X . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Já a compreensão aparece associada a aspectos funcionais e pedagógicos (Tabela 5) dos vídeos. À medida que o aluno controla diferentes segmentos do vídeo, poderá haver redução da carga cognitiva facilitando o processamento da informação disponibilizada (CLARK et al., 2006CLARK, R. C. et al. Efficiency in learning: Evidence-based guidelines to manage cognitive load. Performance Improvement, v. 45, n. 9, p. 46-47, out. 2006. DOI: 10.1002/pfi.4930450920. Disponível em: Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/pfi.4930450920 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) e facilitada pela professora no conteúdo do vídeo. Resultados semelhantes são descritos por Dove e Dove (2017DOVE, A.; DOVE, E. Flipping Preservice Elementary Teachers’ Mathematics Anxieties - CITE Journal. Contemporary Issues in Technology and Teacher Education, v. 17, n. 3, 2017. Disponível em: Disponível em: https://citejournal.org/volume-17/issue-3-17/mathematics/flipping-preservice-elementary-teachersmathematics-anxieties . Acesso em: 16 abr. 2022.
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) ao indicarem que os vídeos elaborados pelo professor têm o potencial de melhorar a ansiedade dos alunos e a confiança nos conteúdos da disciplina quando comparados com vídeos feitos por terceiros.

Outra tensão presente no sistema de atividade coletivo dá conta de que para alguns alunos os fatores distrativos do AVA dificultaram hábitos de estudo e trabalho traduzindo-se na não compreensão dos conteúdos (Tabela 5).

No sentido de averiguar o nível de compreensão dos conteúdos evidenciados pelos alunos na EaD, compararam-se os seus desempenhos acadêmicos com o ensino presencial. Os resultados indicam que comparativamente ao ensino presencial os desempenhos dos alunos foram significativamente superiores na EaD. No entanto, há uma atenuação desse efeito com o tempo.

Lockman e Schirmer (2020LOCKMAN, A. S.; SCHIRMER, B. R. Online Instruction in Higher Education: Promising, Research-based, and Evidence-based Practices. Journal of Education and e-Learning Research, v. 7, n. 2, p. 130-152, 2020. DOI: 10.20448/journal.509.2020.72.130.152. Disponível em: Disponível em: http://asianonlinejournals.com/index.php/JEELR/article/view/1606 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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), numa revisão de 104 estudos, indicam que os resultados da aprendizagem dos alunos, consistentemente, não apresentam diferenças com alteração do formato. Todavia, uma meta análise baseada em 114 estudos que compara o ensino tradicional com o ensino baseado no modelo FC, em contexto presencial, indica que a implementação do modelo permite a melhoria dos desempenhos acadêmicos dos alunos relativamente ao ensino tradicional (ALTEN et al., 2019ALTEN, D. C. D. van et al. Effects of flipping the classroom on learning outcomes and satisfaction: A meta-analysis. Educational Research Review, v. 28, p. 100281, nov. 2019. DOI: 10.1016/j.edurev.2019.05.003. Disponível em: Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1747938X18305694 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Uma justificativa para a melhoria dos desempenhos na EaD parece estar na análise das entre-

vistas, na medida em que essas revelam os aspectos do modelo FC responsáveis pelos indicadores de EC do aluno anteriormente identificados. Relativamente às ASS, os alunos indicam que a sua interatividade permitiu-lhes assumir responsabilidade pela aprendizagem criando hábitos de trabalho e a realização das tarefas assíncronas em grupo promovia a reflexão sobre as discrepâncias na forma de resolver as tarefas, bem como a aprendizagem com os colegas (Tabela 5). Além disso, reportam estratégias diferenciadas de aprendizagem e indicam que o modelo FC permitiu o desenvolvimento da sua autonomia. A autonomia é uma competência-chave na EaD; embora relativa, significa que os alunos têm capacidade de tomar decisões acerca da sua aprendizagem (MOORE; KEARSLEY, 2008MOORE, M. G.; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.), como se constata na declaração de um aluno: “…na escola embora tenhamos alguma liberdade é tudo muito automatizado, fazemos exatamente o que a professora pede. Aqui, nós podemos escolher a ordem, quando e como vamos fazer para aprender e isso melhora a autonomia de cada um”. Na AS, já explorada anteriormente, verificou-se a fomentação da participação ativa e crítica dos estudantes na construção do conhecimento e a condução de expectativas de modo a criar alguma interação para a conclusão das tarefas, ainda que o grupo de trabalho juntasse membros sem grande afinidade.

Embora nas entrevistas estejam presentes indicadores de EC do aluno, estão também presentes seus indicadores de envolvimento comportamental, uma vez que a melhoria dos resultados poderá estar relacionada à ação de ambos. O que é consistente com os achados de uma meta análise que reporta a existência de uma correlação positiva média entre o desempenho acadêmico dos alunos e de todas as dimensões do envolvimento do aluno (LEI; CUI; ZHOU, 2018LEI, H.; CUI, Y.; ZHOU, W. Relationships between student engagement and academic achievement: A meta-analysis. Social Behavior and Personality: an international journal, v. 46, n. 3, p. 517-528, mar. 2018. DOI: 10.2224/sbp.7054. Disponível em: Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/content/10.2224/sbp.7054 . Acesso em: 16 abr. 2022.
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). Diante disso, importa analisar outras dimensões do envolvimento do aluno no processo de aprendizagem tendo como base o modelo FC.

Dadas as características do estudo, surgiram certas limitações. Como já foi referido, a plataforma usada apenas captava as interações discursivas da sala virtual em que a professora se encontrava, o que, além de limitar o número de interações a considerar, deixou de fora as interações aluno-aluno produzidas na ausência da professora. A leitura dos resultados da comparação dos desempenhos acadêmicos dos alunos na EaD com o ensino presencial deve ser cautelosa, pois eles apresentam pouca robustez, dado que refletem apenas uma turma com 23 alunos.

5 Conclusão

Este estudo teve como objetivo compreender o modo como o EC do aluno se desenvolve na EaD com a utilização do modelo FC e qual a sua repercussão nos desempenhos acadêmicos dos alunos. Nesse sentido, o design da AS permitiu a interação de todos os participantes, promovendo e destacando o papel crucial do diálogo na aprendizagem em EaD. A presença de múltiplas vozes nesse diálogo potenciou o EC do aluno e, consequentemente, a aprendizagem.

Além disso, ao se assumir que essa construção é coletiva e que resulta de uma multiplicidade de perspectivas assentes numa complexa estrutura mediadora, relevou-se o papel da terceira geração da TA como adequado suporte teórico-metodológico para a planificação e estudo das AS. Por essa lente, visualizou-se a aula como um sistema de atividades cujos elementos em interação influenciaramse e tensionaram-se. Tensões essas que devidamente analisadas e reconvertidas poderão, em ciclos seguintes, melhorar práticas e expandir a aprendizagem.

6 Financiamento

Este trabalho é financiado pelo CIEd Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT. Também foi desenvolvido no âmbito do Programa de Doutoramento “Technology Enhanced Learning and Societal Challenges”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT I. P. - Portugal, contrato # PD/BD/150424/2019.

Referências

  • 1
    Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Investigação em Ciências Sociais e Humanas do Conselho de Ética da Universidade do Minho, com o código CEICSH 107/2019

Editado por

Editor de seção: Daniervelin Pereira
Editor de layout: Leonado Araújo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2022
  • Aceito
    28 Mar 2022
  • Publicado
    19 Abr 2022
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