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Estudo da confiabilidade da punção em lajes lisas sem armadura de cisalhamento de acordo com a NBR6118

Resumo

O uso frequente de lajes lisas na construção de edifícios destaca a importância do aprimoramento no estudo das ligações laje-pilar, principalmente quanto a verificação do Estado Limite Último de Punção, visto a complexidade envolvida neste fenômeno. Este artigo aplica conceitos da Teoria da Confiabilidade com o objetivo de avaliar a segurança existente na formulação proposta pela norma NBR6118: 2014 para verificação de punção em lajes lisas com pilares centrados. Foram elaborados 12 modelos de análise probabilística das equações dos contornos C e C', considerando a influência que a variação da espessura da laje, do 𝑓𝑐𝑘e da excentricidade da força cortante exerce sobre o índice de confiabilidade 𝛽 e a probabilidade de falha 𝑃𝑓. Os resultados indicaram que a formulação do contorno C possui segurança razoável, porém o contorno C' apresentou índice 𝛽 abaixo do esperado.

Palavras-chave:
punção; lajes lisas; confiabilidade; concreto armado

Abstract

The frequent use of flat slabs in building constructions highlights the importance of improving the study of slab-column joints, particularly regarding the verification of the ultimate limit state of punching shear, given the complexity of this phenomenon. This article applies concepts of the Theory of Reliability in order to evaluate the safety of the formulation established by NBR6118: 2014 standard to check punching shear in flat slabs with centered columns. Twelve probabilistic model analysis for C and C' equations were developed, considering the influence that the variation of the slab thickness, the 𝑓𝑐𝑘 and the shear force eccentricity have on reliability index 𝛽 and failure rate 𝑃𝑓. Results indicated that formulation of C boundary is reasonably safe, although C'boundary revealed 𝛽 index below expectations.

Keywords:
punching shear; flat slab; reliability; reinforced concrete

1. Introdução

A solução estrutural em lajes lisas (ou lajes planas) para edificações é utilizada como alternativa viável ao sistema convencional (formado por pilares, vigas e lajes) devido a maior simplicidade e agilidade na execução das formas, redução da mão de obra, redução de interferências com instalações, padronização e racionalização dos cimbramentos, redução da altura dos pavimentos (possibilitando melhor aproveitamento da ocupação do terreno) além de maior facilidade no lançamento e adensamento do concreto (diminuindo o aparecimento de falhas de concretagem).

Apesar dos benefícios citados, este tipo de sistema estrutural requer uma análise mais sofisticada, principalmente no dimensionamento do Estado Limite Último, devido ao fenômeno conhecido como punção, que decorre da concentração de forças aplicadas em pequenas áreas das lajes, geralmente na ligação laje-pilar, causando sua perfuração.

A ruptura por punção está associada à tensão principal de tração decorrente da tensão de cisalhamento e é considerada frágil por ocorrer subitamente (sem aviso prévio), o que acarreta a ruptura da ligação da laje com o pilar, podendo provocar ainda o colapso progressivo de lajes em pavimentos inferiores. A norma NBR 6118:2014 apresenta formulação para dimensionamento de lajes lisas à punção com e sem armação de cisalhamento.

Através da Teoria da Confiabilidade e com o auxílio da simulação de Monte Carlo, método de análise numérica amplamente utilizado na atualidade devido a sua robustez, simplicidade e flexibilidade, é possível avaliar o modelo de cálculo proposto pela norma NBR 6118:2014.

1.1 Teoria da Confiabilidade

A segurança de uma estrutura está associada aos seguintes fatores:

  • Confiabilidade a qual é caracterizada pela baixa probabilidade de falha nos estados limites último e de serviço;

  • Capacidade de adaptação e aviso da estrutura (ductilidade dos elementos estruturais);

  • Fidelidade associada a impossibilidade de falsos avisos de colapso;

  • Durabilidade, relacionada a capacidade de manter as três qualidades anteriores ao longo da vida útil, desde que efetuadas as manutenções planejadas.

A Teoria da Confiabilidade considera a incerteza associada a cada variável envolvida na segurança e desempenho da estrutura. Desta forma é possível avaliar a probabilidade de falha da mesma, seja por colapso global ou de um elemento estrutural localizado (Estado Limite Último), seja pela fissuração e deformação excessiva (Estado Limite de Serviço).

Para avaliação da probabilidade de falha se define a função de falha 𝐺=𝑅−𝑆, associada às grandezas aleatórias que influem na capacidade resistente 𝑅 e no nível de solicitação 𝑆:

(1)

Onde 𝑌j(𝑗=1,2,...,𝑛) e 𝑋i (𝑖=1,2,...,𝑚) são as variáveis aleatórias que implicam na resistência e solicitação, respectivamente, e C𝑌 e C𝑋 simbolizam conjuntos de constantes e funções determinísticas que relacionam as variáveis aleatórias às grandezas 𝑅 e 𝑆. Vale ressaltar que caso existam variáveis, mesmo Xi e Yj , significativamente correlacionadas, ou seja, em situações onde não é possível desprezar a interdependência entre as mesmas, a complexidade do problema aumenta. Neste trabalho, como a correlação entre as variáveis não é significativa, elas não serão consideradas. Isso tem sido feito em outros casos semelhantes citados na bibliografia.

O objetivo da Teoria da Confiabilidade consiste em assegurar que o evento (𝐺=𝑅−𝑆>0) ocorra com probabilidade alta durante o período de utilização da estrutura, através da análise da probabilidade de falha 𝑃𝑓=𝑃(𝐺≤0), associada ao evento 𝐺≤0 .

Determinadas as variáveis aleatórias de 𝑅 e 𝑆 e seus respectivos parâmetros estatísticos, média ( 𝜇 𝑅 e 𝜇 𝑆 ) e variância ( 𝜎 𝑅 2 e 𝜎 𝑆 2 ), é possível obter a média 𝜇 𝐺 e desvio-padrão 𝜎 𝐺 da variável 𝐺 utilizando as equações (2) e (3) descritas abaixo:

(2)

(3)

A função 𝐺 é uma função de variáveis aleatórias definida pela diferença entre outras duas 𝑅 e 𝑆 e geralmente sua distribuição de probabilidade é desconhecida. Esse é o nosso caso, que procuraremos resolver pelo Método de Monte Carlo, embora existam outras alternativas.

O caso em que 𝑅 e 𝑆 tem distribuição normal de probabilidade e 𝐺 resulta também normal é interessante porque ai se define o Índice de Confiabilidade descrito a seguir.

Nos casos onde existem variáveis aleatórias representadas por distribuições de probabilidade diferentes da distribuição normal, é possível obter aproximações aceitáveis por meio de uma distribuição normal equivalente, ou seja, uma distribuição normal com os mesmos valores de densidade de probabilidade e probabilidade acumulada da distribuição original no ponto de projeto.

1.1.1 Índice de Confiabilidade (𝜷)

O índice de confiabilidade 𝛽 é um parâmetro associado a probabilidade de falha que serve de referência na avaliação da segurança das estruturas. Dadas as variáveis aleatórias 𝑅 e 𝑆 independentes entre si e com distribuição normal, o índice de confiabilidade 𝛽 é dado por:

(4)

E a probabilidade de falha pode ser descrita como:

(5)

Uma das formas possíveis de se estimar a probabilidade de falha aceitável para uma determinada estrutura consiste em calibrar o índice de confiabilidade 𝛽 conforme a relação entre o custo relativo da segurança e as consequências da falha, conforme Tabela 1, recomendada pelo Eurocode [17[17] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION 2002, "EN 1990 - Eurocode 1: Basis of Structural Design," 2002.].

Tabela 1
Valores de referência para o parâmetro β. [17]

Essa tabela, no entanto, não separa elementos estruturais de responsabilidade diferente como fazem os trabalhos de calibração do ACI (Nowak [13[13] NOWAK, A. S.; RAKOCZY, A. M. M.; Reliability-based Calibration of Design Code for concrete Structures (ACI 318), University of Nebraska, Lincoln, 132 p., 2007.]).

Na calibração da NBR 6118 têm sido adotados os valores requeridos para calibração do ACI 318, isto é, 3,8 para pilares, 3,3 para vigas e 2,5 para flexão de lajes. Para o caso de punção em lajes sem armadura seria desejável um valor maior que 2,5, se possível próximo de 3,0.

1.2 Método de Monte Carlo

De acordo com Stucchi e Moraes [7[7] STUCCHI, F. R.; MORAIS, F. L. Análise probabilística da Segurança de vigas de concreto armado submetida a flexão simples, com uso da teoria da confiabilidade e do método de Monte Carlo. In: VI Simpósio na EPUSP sobre estruturas de concreto, São Paulo, 2006.], o método de Monte Carlo consiste em uma simulação numérica aproximada para solução de uma equação de estado limite qualquer, no caso deste trabalho a equação de falha 𝐺:

(6)

Onde 𝑋i, 𝑌j,Cx e Cy são as variáveis aleatórias e funções determinísticas descritas no item 1.1 deste trabalho.

São geradas 𝑁 simulações (l=1,2,...,𝑁) da equação limite 𝐺, com o uso de geradores de números aleatórios 0≤ 𝑎i,l≤1 e 0≤ 𝑏j,l≤1, cujas densidades de probabilidade se mantêm constantes no intervalo. O resultado de 𝑎i,le 𝑏j,lé associado a probabilidade acumulada de cada variável aleatória 𝑋i,le 𝑌j,l, respectivamente:

Onde: 𝐹 ( ) −1 é a inversa da função de distribuição acumulada de cada variável aleatória envolvida no problema.

Cada simulação fornece resultados individuais das variáveis aleatórias 𝑋i,le 𝑌j,lque aplicadas na equação limite 𝐺 geram os valores 𝑔l:

(7)

Realizadas as simulações, são contabilizados os 𝑁 𝑓 eventos de falha associados a condição 𝑔 𝑥 <0, e a probabilidade de falha média Pf- pode ser estimada por:

(8)

Cabe salientar que quanto maior a quantidade de simulações 𝑁, mais Pf- converge para o valor da probabilidade de falha 𝑃𝑓.

A partir dos resultados 𝑔lobtidos, é possível gerar o gráfico da função de densidade de probabilidade acumulada 𝐹 𝑔 , conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 1
Representação da Probabilidade de falha e do índice 𝛽.

Figura 2
Índice de confiabilidade 𝛽. [8[8] CHEUNG, A. B.; Modelo estocástico de pressões de produtos armazenados para a estimativa da confiabilidade estrutural de silos esbeltos, São Carlos, Tese (doutorado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 277 p, 2007.]

Figura 3
Simulação do Método de Monte Carlo [8[8] CHEUNG, A. B.; Modelo estocástico de pressões de produtos armazenados para a estimativa da confiabilidade estrutural de silos esbeltos, São Carlos, Tese (doutorado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 277 p, 2007.]

Vale enfatizar a importância do índice de confiabilidade 𝛽 como parâmetro utilizado na avaliação da segurança existente nas formulações normativas. Desse modo, apesar da possibilidade da equação limite G ter distribuição de probabilidade desconhecida, é aceitável determinar o valor de 𝛽𝑒𝑞 equivalente a partir da equação (9):

(9)

Sendo 𝜙 −1 a inversa da função acumulativa da distribuição normal.

2. Metodologia e Formulação

2.1 Formulação

O modelo de cálculo proposto pela NBR6118:2014 para dimensionamento de pilares internos solicitados a punção corresponde a verificação de duas superfícies críticas, C e C', conforme ítem 19.5.1 da respectiva norma. A Figura 4 apresenta os perímetros críticos para diferentes geometrias de pilares internos.

Figura 4
Contornos C e C' para diferentes geometrias de pilares internos. [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Projeto de estruturas de concreto armado, NBR 6118, Rio de Janeiro, 2014.]

Validadas as condições prescritas, em princípio, não há necessidade da ligação ser reforçada com armadura de cisalhamento. Entretanto, de acordo com o ítem 19.5.3.5 da mesma norma, para casos onde a estabilidade global dependa da resistência da laje a punção, deve ser prevista armadura que resista a no mínimo 50% da solicitação, mesmo que as condições atendam aos requisitos exigidos.

2.1.1 Contorno 𝑪

No contorno crítico C , determinado pelo perímetro do pilar, verifica-se indiretamente a resistência a compressão diagonal do concreto através da tensão aparente de ciasalhamento 𝜏 𝑅𝑑2 :

(10)

(11)

Onde:

u: perímetro crítico;

d=(h-d1):altura útil da laje;

d': distância média entre a face superior da laje e o centro de gravidade das armaduras superiores de flexão nas direções ortogonais;

h: espessura da laje;

𝐹𝑠𝑑: força ou reação concentrada de cálculo;

𝑀𝑠𝑑=𝑒 𝐹𝑠𝑑: momento de cálculo resultante do desequilíbrio de tensão existente no contorno, representado pela excentricidade 𝑒 do perímetro crítico em relação ao centro de gravidade do pilar multiplicada por 𝐹𝑠𝑑;

𝑊p: módulo de resistência plástica do perímetro crítico;

𝑘: coeficiente que fornece a parcela de 𝑀𝑠𝑑transmitida ao pilar na punção.

:coeficiente de efetividade do concreto;

𝑓cd= 𝑓𝑐𝑘/ 𝛾 𝑐 : resitência de cálculo do concreto a compressão;

Pode-se reescrever a equação (12) da seguinte forma:

(12)

A constante 0,27 existente na equação da tensão resistente 𝜏 𝑅𝑑2 provém, conforme demonstrado em Fusco [9[9] FUSCO, P. B.; Técnicas de armar estruturas de concreto. São Paulo: Pini, p.395, 2013.], da tensão aparente de cisalhamento, com inclinação de 𝑎𝑟𝑐𝑡𝑔(2/3)≅33,7°. Este valor considera o coeficiente 𝑘 𝑚𝑜𝑑 =0,85, correspondente ao denominado efeito Rüsch. Como essa equação se aplica a carregamentos permanentes e variáveis, o 𝑘 𝑚𝑜𝑑 =0,85 não deve ser retirado, pertence ao critério de projeto.

Desta maneira retirando-se a segurança embutida na formulação, a função probabilística de falha 𝐺 se torna:

(13)

(14)

Para pilares circulares, a equação 𝐺 pode ser simplificada para:

(15)

2.1.2 Contorno 𝑪′

No contorno crítico C', a resistência a punção de lajes lisas sem armadura de cisalhamento é garantida através da equação [16[16] FABER, M. H.; Engineering Risk and Reliability Assessment to Enhance Societal Decision Making. 11th International Conference on Applications of Statistics and Probability in Civil Engineering, ETH Zurich, Switzerland, 2011.]:

(16)

Onde:

: taxa geométrica de armadura de flexão aderente;

Vale ressaltar que este trabalho não considera a parcela relacionada à tensão de compressão devido a protensão 𝜎 𝑐𝑝 .

Para se obter a equação limite 𝐺 é necessário retirar a segurança da equação (16). No entanto a formução proposta pela NBR6118 não expõe o coeficiente de ponderação embutino no modelo de cálculo, este (equação 17) se encontra explicito no Eurocode 2: 2004, norma que considera o mesmo modelo teórico para verificação da punção no contorno C'.

(17)

Desta maneira, aplicando-se o mesmo procedimento proposto para o contorno C , se obtém as equações (18) e (19) para verificação da resistência a punção do contorno C' em pilares retangulares e circulares, respectivamente:

(18)

(19)

(20)

2.2 Metodologia

A rotina de cálculo para obtenção da probabilidade de falha 𝑃𝑓 e seu correspondente índice de confiabilidade 𝛽 é apresentada na Figura 5, e vale para ambas as verificações dos perímetros críticos C e C'.

Figura 5
Fluxograma da rotina de cálculo

- Inicialmente, são inseridos os dados de entrada que consistem nos valores médios, característicos e coeficientes de variação para as variáveis aleatórias envolvidas no problema, além da porcentagem dos carregamentos permanente (𝑔) e acidental (𝑞). Os valores considerados são apresentados nas Tabelas 2, 3 e 4.

Tabela 2
Parâmetros estatísticos e distribuições de probabilidade das variáveis aleatórias.

Tabela 3
Dados considerados nos modelos para pilar circular

Tabela 4
Dados considerados nos modelos para pilar retangular

- Determina-se o valor da tensão resistente de cálculo 𝜏 𝑅𝑑 prescrita em norma e com base nos valores característicos das variáveis aleatórias, devidamente ponderados pelos respectivos coeficientes. Neste trabalho foram considerados os respectivos coeficientes ponderadores: 𝛾 𝑐 =1,40; 𝛾 𝑠 =1,15; 𝛾 𝑓𝑔 = 𝛾 𝑓𝑞 =1,40;

- A partir da condição limítrofe de dimensionamento 𝜏 𝑆𝑑 = 𝜏 𝑅𝑑 é determinada a tensão solicitante de cálculo 𝜏 𝑆𝑑 ;

- 𝐹𝑠𝑑é estabelecida a partir de 𝜏 𝑆𝑑 e da excentricidade 𝑒;

- A relação 𝐹 𝑠𝑘 =𝛿 𝐹 𝑠𝑔𝑘 + 1−𝛿 𝐹 𝑠𝑞𝑘 conduz as parcelas permanente (𝑔) e acidental (𝑞) da solicitação, onde 𝛿 é o coeficiente de proporção das ações;

- Para cada simulação foram geradas 𝑁=1000000 (1 milhão) de equações de falha 𝑔l, determinando-se os números aleatórios 𝑎i,le 𝑏j,le consequentemente 𝑋i,le 𝑌j,l, a partir das seguintes relações:

- Em cada l-ésima iteração, o conjunto de valores das variáveis aleatórias conduz a valores das tensões solicitante 𝜏 𝑆,l=𝜏( 𝑋i,l) e resistente 𝜏 𝑅,l= 𝜏(𝑌j,l) e a um resultado 𝑔lpara a função de falha 𝐺, através da seguinte expressão:

- Após a finalização das iterações, são contabilizadas as 𝑁 𝑓 ocorrências de falha, ou seja, resultados em que o valor da solicitação superou a resistência ( 𝑔l<0);

- Por fim, determinam-se a probabilidade de falha 𝑃𝑓e consequentemente o índice 𝛽𝑒𝑞 .

A Tabela 2 apresenta as variáveis aleatórias consideradas na formulação dos contornos C e C', seus respectivos parâmetros estatísticos e distribuições de probabilidade:

Vale ressaltar que na equação (16) a parcela fck13 está relacionada a resistência a tração do concreto, desta forma o coeficiente de variação indicado na Tabela 2 é aplicado ao resultado da raiz cúbica de 𝑓 𝑐𝑚 para aplicação no método de Monte Carlo.

2.3 Aplicação

Foram desenvolvidos diferentes modelos para a realização das análises probabilísticas de uma laje lisa sem armadura de cisalhamento submetida a punção, apoiada em pilar circular ou retangular, ambos internos, com transmissão de carga e momento. Em cada modelo foram simulados 1 milhão de casos da equação 𝐺 para verificação dos contornos críticos C e C', variando-se de um modelo para o outro a resistência característica do concreto à compressão 𝑓𝑐𝑘, a espessura da laje h e a excentricidade da força normal 𝑒.

Os dados das variáveis envolvidas no problema estão indicados nas Tabelas 3 e 4.

Para determinação da influência da variação do 𝑓𝑐𝑘na probabilidade de falha 𝑃𝑓dos contornos C e C', as demais variáveis permaneceram constantes e iguais aos valores apresentados nas Tabelas 4 e 5. O mesmo ocorreu com a variação da espessura da laje h e da excentricidade do carregamento 𝑒.

A Tabela 5 apresenta as combinações de ações utilizadas na determinação da probabilidade de falha.

Tabela 5
Combinações de ações consideradas

3. Resultados e discussões

Considerados os modelos de confiabilidade descritos, os resultados dos índices de confiabilidade 𝛽𝑒𝑞 obtidos são exibidos nas Figuras 6 a 8 para pilar circular e nas Figuras 9 a 12 para pilar retangular.

Figura 6
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽𝑒𝑞 para pilar circular considerando variação da espessura da laje.

Figura 7
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽𝑒𝑞 para pilar circular considerando variação da excentricidade

Figura 8
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽𝑒𝑞 para pilar circular considerando variação do fck.

Figura 9
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽 para pilar retangular considerando variação da espessura da laje.

Figura 10
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽 para pilar retangular considerando a variação da excentricidade ex.

Figura 11
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽 para pilar retangular considerando a variação da excentricidade ey.

Figura 12
Resultados do índice de confiabilidade 𝛽 para pilar retangular considerando variação do fck.

Analisando-se os resultados obtidos para 𝛽𝑒𝑞 , tanto nos pilares circulares quanto nos pilares retangulares, nota-se que, a formulação do contorno C possui menor probabilidade de falha 𝑃𝑓que a formulação do contorno C'. O menor resultado 𝛽𝑒𝑞≅3,4 para o contorno C está de acordo com a Tabela 1 (considerado elevado custo de medida de segurança e grande consequência da ocorrência da falha) e se assemelha ao índice previsto para a calibração de vigas de concreto, conforme proposto por (Nowak [13[13] NOWAK, A. S.; RAKOCZY, A. M. M.; Reliability-based Calibration of Design Code for concrete Structures (ACI 318), University of Nebraska, Lincoln, 132 p., 2007.]) para calibração do ACI.

Os casos submetidos a menores proporções de ações permanentes resultaram em índices de 𝛽𝑒𝑞 inferiores, conforme esperado, devido a maior variabilidade das solicitações provenientes de ações acidentais.

O índice 𝛽𝑒𝑞 do contorno C' permaneceu constante quando submetido a modificação das variáveis excentricidade da carga 𝑒, resistência do concreto 𝑓 ??𝑘 e espessura da laje h. Esse comportamento ressalta a adequada calibração desta equação. O contorno C mostrou-se mais sensível à variação destes parâmetros.

É importante ressaltar que o resultado 𝛽𝑒𝑞 =2,5, evidente em todos os casos simulados para a formulação do contorno C', indica uma probabilidade de falha mais alta que a desejada. Comparando-o com a Tabela 1, este valor permanece abaixo do esperado 𝛽=3,0 e com a mesma magnitude do previsto para flexão de lajes (proposto por Nowak [13[13] NOWAK, A. S.; RAKOCZY, A. M. M.; Reliability-based Calibration of Design Code for concrete Structures (ACI 318), University of Nebraska, Lincoln, 132 p., 2007.]). Contudo, vale lembrar que o fenômeno da punção está associado a ruptura frágil da estrutura e o ideal seria obtermos probabilidades de falha menores nas formulações de punção quando comparadas com as probabilidades provenientes de casos de flexão.

Portanto, é interessante destacar a necessidade de armadura obrigatória de punção nos casos onde a estabilidade global da estrutura dependa da resistência a punção da laje (prescrita no item 19.5.3.5 da NBR6118:2014), situação que promove, em princípio, a redução da probabilidade de falha.

4. Conclusões

Este artigo apresentou um estudo comparativo da segurança de lajes lisas sem armadura de cisalhamento e submetidas a punção, segundo formulação da norma brasileira para projeto estrutural.

Os resultados indicam que a confiabilidade da formulação proposta para o contorno C obtém segurança razoável nas situações avaliadas, contendo o índice 𝛽𝑒𝑞 sensível a variação da espessura da laje, da resistência do concreto e da excentricidade da carga, cujo valor mínimo se encontra em torno de 3,4 e aceitável nos padrões da norma brasileira.

Por outro lado, o contorno C' apresentou índice de confiabilidade 𝛽𝑒𝑞 mais baixo em todos os casos simulados, e consequentemente, probabilidade de falha significativa. Esta situação pode sugerir a necessidade de revisar a norma, seja com a adoção de armadura mínima para resistência a punção, seja com a redução da tensão resistente 𝜏 𝑅𝑑1 , no Estado Limite Último.

Consideramos que tais resultados são ainda prematuros e indicam a necessidade de estudos mais aprofundados no tema. Sugerimos para próximos trabalhos ampliar os casos de verificação da confiabilidade existente na formulação do contorno C' e incluir lajes lisas contendo armadura de punção, pois a presença da armadura pode (em princípio) reduzir a probabilidade de falha a níveis aceitáveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2015
  • Aceito
    26 Ago 2016
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