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Aplicações de um modelo semiempírico para o cálculo da fluência transiente em estruturas de concreto simples e armado submetidas a uma força de compressão centrada

Resumo

Este artigo descreve um modelo semiempírico para o cálculo da fluência transiente em concretos simples e armado submetidos a uma força de compressão durante o aquecimento, baseado no conceito de LITS (Load Induced Thermal Strain) ou deformação térmica induzida pelo carregamento. A partir do modelo, é possível a quantificação preliminar da deformação específica total do concreto submetido à alta temperatura sem a necessidade de utilização de complexas análises numéricas. O modelo leva em consideração o efeito de restrição da expansão térmica devido às condições de contorno (temperatura e força de compressão) e pode ser aplicado a diversos tipos de concreto, do convencional ao de alta resistência e ultra-alto desempenho. Dois exemplos práticos de aplicação são apresentados. No primeiro caso, é determinada a deformação específica total de corpos-de-prova em concreto simples previamente analisados por KHOURY (2006). No segundo exemplo é calculado o deslocamento total de um pilar em concreto armado investigado por SCHNEIDER ET AL (1994). A comparação dos resultados com os valores experimentais demonstraram a viabilidade do modelo para a determinação preliminar da deformação específica total de estruturas de concreto submetidas a uma força de compressão constante durante o incêndio.

Palavras-chave:
alta temperatura; fluência transiente; concreto; técnicas de projeto

Abstract

This paper describes a LITS (Load Induced Thermal Strain) semi empirical model and two practical applications in simple and reinforced concrete members. The model allows a preliminary and straightforward quantification of the total strain of concrete structures submitted to heating and a sustained compressive load, without the need to use complex numerical analyses. The model takes into account the effect of the thermal expansion restraint due to the boundary conditions (temperature and compressive load) and can be adopted for several types of concretes (conventional, high strength and ultra high performance). In the first example, the total deformations of simple concrete specimens from KHOURY (2006) are determined. In the second example, the total displacement of a reinforced concrete column from SCHNEIDER et al (1994) is calculated. A comparison between the results of the model and the experimental values demonstrated the reliability of the semi-empirical model to obtain a preliminary quantification of the total deformations of concrete.

Keywords:
high temperature; transient creep; concrete; design procedures

1. Introdução e Justificativa

O principal problema encontrado na análise da fluência à alta temperatura é que o comportamento viscoso não pode ser determinado diretamente por meio de ensaios em laboratório, uma vez que a fluência transiente é indissociável experimentalmente das deformações de origem térmica (expansão e contração) e mecânica (elástica e plástica). Dessa forma, ela é determinada indiretamente, por exemplo, através do conceito de LITS ou deformação térmica induzida pelo carregamento (KHOURY et al., 1984[6] KHOURY, G. A.; SULLIVAN, P. J. E. e GRAINGER, B. N.. Radial temperature distributions within solid concrete cylinders under transient thermal states. Magazine of Concrete Research, vol. 36, pp. 146-156, 1984.; KHOURY et al., 1985[7] KHOURY, G. A.; GRAINGER, B. N. e SULLIVAN, P. J. E.. Strain of concrete during first heating to 600°C under load. Magazine Concrete Research, nº 37, pp. 195-215, 1985. ; KHOURY, 2006[8] KHOURY, G. A.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 1: strain over two cycles, during first heating and at subsequent constant temperature. Magazine of Concrete Research , nº 6, pp. 367-385, 2006a.a; KHOURY, 2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.b). LITS é definida como a diferença entre a deformação específica de origem térmica (determinada em espécimes sem carregamento) e a deformação específica total (determinada em espécimes carregadas uniaxialmente à compressão antes do aquecimento), subtraindo-se a deformação elástica inicial a 20 ºC. Este conceito é utilizado neste artigo para a determinação de um novo modelo semiempírico de fluência transiente.

Além disso, em estruturas de concreto submetidas à alta temperatura, sob a ação de um carregamento constante, o princípio da superposição dos efeitos não é sempre válido, visto que a soma das deformações térmicas e mecânicas, obtidas por meio de análise térmica independente da análise mecânica, pode levar a resultados completamente diferentes da deformação específica total obtida por meio de ensaios experimentais. Nos anos 1970, ANDENBERG e THELANDERSSON (1976[2] ANDENBERG, Y. e THELANDERSSON, J.. Stress and deformation characteristics of concrete at high temperatures. Technical report, Lund Institute of Technology, 1976. ) conduziram uma extensa pesquisa experimental, demonstrando que um concreto carregado previamente à compressão, antes do aquecimento, apresenta uma deformação específica total final diferente da obtida por um concreto carregado após a estabilização da temperatura. A diferença principal diz respeito ao efeito das condições de contorno que, no caso de concretos pré-carregados, leva à restrição da expansão do material.

Para levar em consideração corretamente os efeitos da temperatura e do carregamento no dimensionamento estrutural do concreto à alta temperatura, uma análise numérica deve ser adotada aplicando corretamente as condições de contorno e as propriedades termomecânicas do concreto em nível mesoscópico (BUTTIGNOL, 2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.). Alternativamente, pode-se empregar modelos empíricos que consideram de forma implícita o efeito das condições de contorno. Na literatura, existem diversos modelos de fluência transiente (TERRO, 1998; SCHNEIDER, 1986; TAO et al, 2013[16] TAO, J.; LIU, X.; YUAN, Y. e TAERWE, L.. Transient strain of self-compacting concrete loaded in compression heated to 700°C. Materials and Structures , nº 46, pp. 191-201, 2013.; ANDENBERG e THELANDERSSON, 1976[2] ANDENBERG, Y. e THELANDERSSON, J.. Stress and deformation characteristics of concrete at high temperatures. Technical report, Lund Institute of Technology, 1976. ). No entanto, eles são calibrados a partir de poucos ensaios experimentais que não abrangem todos os tipos de concreto, limitando, dessa forma, a sua utilização. Em relação às normas de projeto, no EUROCODE 2 (2004), a fluência transiente é definida implicitamente no modelo de cálculo, que é baseado em resultados experimentais.

A grande vantagem do modelo semiempírico, originalmente descrito em BUTTIGNOL (2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.), é que ele pode ser utilizado para diversos tipos de concreto (convencional, alta resistência e ultra alto desempenho), podendo ser adotado para uma análise preliminar da deformação específica total do concreto em estruturas submetidas ao fogo, auxiliando o engenheiro projetista a obter um dimensionamento mais preciso.

2. Definição de fluência transiente

A fluência em temperatura ambiente ocorre devido à aplicação de um carregamento constante ao longo do tempo que induz a um comportamento viscoso (deformação lenta) do concreto em função do efeito de relaxação do material no nível microscópico. A contínua quebra e restauração das moléculas de cálcio-silicato-hidratado (CSH), devido ao fenômeno de transporte de água no interior dos vazios do concreto em função da evaporação, provoca uma relaxação das microtensões e, consequentemente, um aumento da deformação. É importante mencionar que, até 80 ºC, não há uma mudança dos fundamentos da fluência. No entanto, com o aumento da temperatura, ocorre uma aceleração da fluência, que, a 80 ºC, é aproximadamente duas vezes maior do que a 20 ºC. A partir de 100 ºC, os mecanismos da fluência se alteram e a temperatura passa a ter um papel fundamental. Nesta temperatura, toda a água livre do concreto é perdida por evaporação e o principal mecanismo da fluência é devido à desidratação do concreto, ou seja, a perda de água física e quimicamente associada às moléculas de CSH.

Durante a fase de aquecimento do concreto, a deformação de origem viscosa é definida como fluência transiente. O seu principal mecanismo de ativação é devido à desidratação do concreto. Acima de 400 ºC, a progressiva degradação dos agregados leva a uma aceleração da fluência transiente (aumento da deformação).

A fluência transiente é quase instantânea, visto que a quebra das ligações químicas das moléculas de CSH ocorre devido à ação induzida pelas elevadas temperaturas na matriz de cimento. Imediatamente após o aquecimento, após a estabilização da temperatura, a fluência transiente continua a se manifestar devido ao gradiente de temperatura existente no interior da massa de concreto.

A seguir são apresentadas algumas conclusões de diferentes pesquisadores sobre a fluência transiente.

De acordo com SABEUR et al. (2008[13] SABEUR, H.; MEFTAH, F.; COLINA, H. e PLATRET, G.. Correlation between transient creep of concrete and its dehydration. Magazine of Concrete Research , n° 3, pp. 157-163, 2008.), a desidratação do concreto é o principal mecanismo de ativação da fluência transiente até 400 ºC.

TAO et al. (2013[16] TAO, J.; LIU, X.; YUAN, Y. e TAERWE, L.. Transient strain of self-compacting concrete loaded in compression heated to 700°C. Materials and Structures , nº 46, pp. 191-201, 2013.) afirmam que os dois mecanismos mais importantes para a ativação da fluência transiente são a desidratação do CSH e a decomposição da portlandita.

SABEUR e MEFTAH (2008[13] SABEUR, H.; MEFTAH, F.; COLINA, H. e PLATRET, G.. Correlation between transient creep of concrete and its dehydration. Magazine of Concrete Research , n° 3, pp. 157-163, 2008.) dividem a fluência transiente em fluência por secagem (devido à evaporação de água livre presente nos vazios do concreto) e fluência por desidratação (devido à perda de água física e quimicamente associada às moléculas de CSH).

MINDEGUIA et al. (2006[10] MINDEGUIA, J-C., PIMIENTA, P.; HAGER, I.; LA BORDERIE, B. e CARRE, H.. Experimental study of transient thermal strain and creep of an ordinary concrete at high temperatures. Fourth International Workshop - Structures in Fire, Aveiro, Portugal, 2006.) monitorou os deslocamentos radiais de corpos-de-prova submetidos ao fogo, concluindo que a fluência praticamente não é ativada nesta direção.

GILLEN (1981[4] GILLEN, M.. Short-term Creep of Concrete at Elevated Temperatures. Fire and Materials, vol. 5, nº 4, pp. 142-148, 1981. ) afirma que a fluência transiente é fortemente influenciada pela relação água-cimento em temperaturas ao redor de 110 ºC.

Segundo KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.b), a LITS é ausente em estruturas de concreto durante o segundo ciclo de aquecimento até a máxima temperatura atingida anteriormente.

De acordo com MINDEGUIA et al. (2013[11] MINDEGUIA, J.-C.; HAGER, I.; PIMIENTA, P.; CARRÉ, H. e LA BORDERIE, C.. Parametrical study of transient thermal strain of ordinary and high performance concrete. Cement and Concrete Research, nº 48, pp. 40-52, 2013.), a fluência transiente surge somente em concretos com temperaturas maiores do que a máxima atingida durante a fase de pré-aquecimento.

KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.a) afirma que a LITS se desenvolve na pasta de cimento e, portanto, é insensível ao tipo de agregado até 450 ºC. Além disso, a estabilidade térmica do concreto depende especificamente do tipo de agregado, uma vez que a sua resistência à ruptura, devido à ação da temperatura, varia de acordo com o tipo de agregado. Em conformidade com isso, MINDEGUIA et al. (2013[11] MINDEGUIA, J.-C.; HAGER, I.; PIMIENTA, P.; CARRÉ, H. e LA BORDERIE, C.. Parametrical study of transient thermal strain of ordinary and high performance concrete. Cement and Concrete Research, nº 48, pp. 40-52, 2013.) afirmam que a fluência transiente é influenciada pela natureza dos agregados em temperaturas acima de 300 ºC.

A partir de resultados experimentais, KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.b) não observou nenhum sinal significativo de fluência transiente ou retração do concreto durante a fase de resfriamento. A ação da força de compressão restringiu o desenvolvimento da fissuração e outras deformações de origem expansiva.

SABEUR e COLINA (2014[14] SABEUR, H. e COLINA, H.. Effect of heating-cooling cycles on transient creep strain of high performance, high strength and ordinary concrete under service and accidental conditions. Materials and Structures , 2014.) observaram a separação da pasta de cimento dos agregados durante a fase de resfriamento do concreto devido ao desenvolvimento de microfissuras. O resultado foi atribuído à ausência de fluência transiente durante o resfriamento.

De acordo com SABEUR e COLINA (2014[14] SABEUR, H. e COLINA, H.. Effect of heating-cooling cycles on transient creep strain of high performance, high strength and ordinary concrete under service and accidental conditions. Materials and Structures , 2014.), a fluência transiente é inversamente proporcional à relação água-cimento, que é diretamente relacionada com a permeabilidade do concreto.

Resultados de ensaios experimentais até 220 ºC realizados por SABEUR e COLINA (2014[14] SABEUR, H. e COLINA, H.. Effect of heating-cooling cycles on transient creep strain of high performance, high strength and ordinary concrete under service and accidental conditions. Materials and Structures , 2014.) demonstraram que o concreto comum apresentou os menores valores de fluência, seguidos pelo concreto de alta-resistência e de alto-desempenho, o qual apresentou os maiores valores.

A adição de fibras de polipropileno (WU et al, 2010[17] WU, B., et. al.. Creep Behavior of High-Strength Concrete with Polypropylene Fibers at Elevated Temperatures. ACI Materials Journal, March-April, pp. 176-184, 2010.; HUISMANN et al., 2012[5] HUISMANN, S; WEISE, F.; MENG, B. e SCHNEIDER, U.. Transient strain of high strength concrete at elevated temperatures and the impact of polypropylene fibers. Materials and Structures, nº 45, pp. 793-801, 2012.; e TAO et al., 2013[16] TAO, J.; LIU, X.; YUAN, Y. e TAERWE, L.. Transient strain of self-compacting concrete loaded in compression heated to 700°C. Materials and Structures , nº 46, pp. 191-201, 2013.) aumenta a fluência transiente devido ao efeito de microfissuração (aumento da porosidade do concreto devido ao derretimento das fibras).

3. Descrição do modelo semiempírico de fluência transiente (BUTTIGNOL, 2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.)

O modelo semi-empírico reconhece o concreto como um material heterogêneo bifásico (agregados + matriz de cimento) e define a deformação térmica induzida pelo carregamento (LITS) como a soma de deformações termomecânicas e termoquímicas. A primeira é desenvolvida na massa de concreto (agregados e pasta de cimento) e é resultado da microfissuração, degradação dos agregados e restrição à expansão térmica devido à força de compressão aplicada. A microfissuração ocorre devido à incompatibilidade térmica entre a expansão dos agregados e a contração da matriz de cimento acima de 150 ºC. Os agregados são responsáveis pela aceleração da fluência em temperaturas acima de 400 ºC devido a transformações químicas (especialmente a mudança de fase α-β a 573 ºC), fratura e decomposição do material.

As deformações de origem termoquímica se originam na matriz de cimento e são, portanto, insensíveis ao tipo de agregado. Os seus principais mecanismos de ativação são a evaporação de água livre nos vazios do concreto (fluência por secagem) que ocorrem a 100 ºC e a perda de água física e quimicamente associada às moléculas de CSH (fluência por desidratação) acima 150 ºC.

A fluência por secagem é fortemente afetada pelas condições higrométricas existentes antes do aquecimento. Um concreto submetido a uma cura em autoclave (pré-secagem) não exibe fluência por secagem. Já a desidratação é o mecanismo principal da fluência transiente até aproximadamente 400 ºC, quando o comportamento dos agregados começa a se tornar crescentemente importante, eventualmente superando a desidratação como o mecanismo principal de fluência.

O modelo semiempírico é definido em termos de LITS por unidade de tensão (1/MPa) ou JLITS((), como descrito na equação 1, em que: qtm(() é a função termomecânica para agregados do tipo basalto, calcário e sílica, em 103/MPa (equação 2); qtc(() é a função termoquímica em 10-3/MPa (equação 3); βtm é a variável dependente da quantidade dos agregados ("c.agg.") e dos aglomerantes (equação 4); βtc é a variável dependente do aglomerante ("binder") (equação 5). A temperatura é dada em ºC e as quantidades de agregados e aglomerantes ("binder") são dadas em kg.

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A LITS total (em mm/m) é calculada de acordo com a equação 6 e o coeficiente de fluência ( 𝜑 𝐿𝐼𝑇𝑆 ) é determinado conforme a equação 7, em que: 𝜎 é a pressão (𝐹/𝐴) de compressão aplicada em MPa; 𝐸 𝑐𝑖 é o módulo de elasticidade tangente inicial.

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É importante mencionar que os agregados reciclados se decompõem a uma temperatura aproximada de 400 ºC, enquanto os agregados a base de sílica e calcário se mantém estáveis a temperaturas de até 1200 ºC. De modo a levar em consideração o comportamento de diferentes tipos de agregados (reciclado, sílica, calcário, basalto), duas funções termomecânicas distintas foram obtidas. Para agregados reciclados, a função termomecânica é descrita na equação 8, enquanto que para os outros tipos de agregados citados, é definida de acordo com a equação 2.

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4. Exemplos de cálculo

Dois casos particulares são analisados. No primeiro exemplo, os resultados experimentais de KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.) em corpos-de-prova de concreto simples, submetidos a uma taxa de aquecimento de 1 ºC/min e a uma temperatura máxima de 600 ºC, são comparados com o modelo semiempírico proposto em BUTTIGNOL (2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.). Nesse caso, devido à baixa taxa de aquecimento, há um pequeno diferencial térmico e, consequentemente, a deformação específica total pode ser definida como o resultado da soma simples das deformações de origem térmica, elástica e da LITS.

No segundo exemplo, é calculado o deslocamento total de um pilar de concreto armado sob a ação do fogo. Nesse caso, não é possível aplicar o modelo semiempírico diretamente devido ao gradiente térmico do concreto (tensões autoequilibradas) e as diferenças de deformações entre o concreto e o aço durante o aquecimento. Dessa forma, deve-se utilizar o modelo semiempírico incorporado a um modelo numérico para a solução do problema, como descrito abaixo.

4.1 Modelo numérico

A deformação específica total do concreto sob a ação do fogo pode ser definida a partir do conceito de LITS, como mostram as equações 9 e 10, em que: 𝜀 𝑡 é a deformação específica total; 𝜀 𝑡ℎ é a deformação térmica específica; 𝜀 𝑒𝑙 ( ??=20 º ) é a deformação elástica à temperatura ambiente.

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A deformação plástica (permanente) não é considerada nesse trabalho, apesar de se reconhecer a sua importância e os seus efeitos sobre a deformação específica total do concreto. Ela pode ser incluída em análises numéricas a partir da correta definição das propriedades termomecânicas dos materiais e de um modelo de dano no qual sejam consideradas as transformações físico-químicas originadas no concreto sob a ação de altas temperaturas. Esse caso foge do objetivo desse artigo.

Cabe citar que no primeiro caso analisado, os espécimes são submetidos a uma baixa taxa de aquecimento (1 ºC/min), que geram tensões autoequilibradas de pequena magnitude. Além disso, é aplicado um carregamento máximo de 0,20.fc e uma temperatura máxima de 600 ºC, que mantém o concreto majoritariamente no regime visco-elástico. Já no segundo exemplo, o pilar é submetido à ação do fogo (curva de incêndio de acordo com a Equação 11), induzindo tensões autoequilibradas relativamente altas. Ademais, as seções próximas às bordas são expostas a elevadas temperaturas ((>1000 ºC) que ocasionam grandes deformações de origem plástica. Dessa forma, uma análise posterior mais criteriosa deve ser realizada para um cálculo mais aproximado das deformações totais do concreto.

No caso do pilar de concreto armado, é necessário realizar a compatibilização entre as deformações do concreto e do aço, como descrito na Figura 1.

Figura 1
Compatibilidade de deformações entre concreto e aço no pilar.

Além disso, para o cálculo da LITS atuante no pilar, deve-se atentar para o fato de que o aço, apesar da ocorrência de fluência térmica, não apresenta fluência transiente. Esta é definida como a deformação específica quase instantânea que ocorre no concreto sob a ação de um carregamento constante. O aumento da temperatura provoca a evaporação da água livre a 100 ºC (fluência por secagem devido ao efeito de difusão) e, posteriormente, acima de 150 ºC, à perda da água física e quimicamente aderida às moléculas de CSH, levando ao efeito de relaxação das microtensões na matriz de cimento e aumento da deformação específica total.

No caso em tela, foi utilizado o programa de elementos finitos Abaqus 2D para a determinação do deslocamento total do pilar. Para tanto, foi adotado um modelo numérico elástico-linear fictício a partir do modelo semiempírico, conforme descrito na Figura 2. Nesse caso, foi utilizado o módulo de elasticidade secante, variável em função da temperatura e calculado a partir da soma das contribuições da deformação elástica inicial a 20ºC ( 𝜀 𝑐𝑖 𝑒𝑙 = 𝜎 𝐸 𝑐𝑖 ) e da fluência transiente, obtida a partir do modelo semiempírico (LITS).

Figura 2
Modelo elástico-linear fictício (módulo de elasticidade secante) adotado no programa de elementos finitos Abaqus 2D.

O mesmo modelo foi utilizado para o cálculo das deformações totais dos corpos-de-prova de concreto simples. Os resultados numéricos foram comparados com os valores experimentais de KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.) e com os resultados obtidos diretamente a partir do modelo semiempírico (Equação 10).

4.2 Deformação específica total de espécimes em concreto simples

A deformação específica total de corpos-de-prova cilíndricos com dimensões de 75 mm x100 mm, submetidos a uma taxa de aquecimento de 1 ºC/min até uma temperatura máxima de 600 ºC, é calculada e comparada com os resultados experimentais obtidos por KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.). O traço do concreto, com resistência característica à compressão de 61 MPa e módulo de elasticidade de 47 GPa, é mostrado na Tabela 1.

Tabela 1
Traço de concreto (kg/m3) (Khoury, 2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.).

A deformação térmica específica foi calculada a partir do programa de elementos finitos Abaqus 2D, assumindo um coeficiente de expansão térmica para o concreto de 1,0∙10 −5 1 º𝐶 . Na Figura 3 é mostrada a comparação entre o resultado numérico e experimental.

Figura 3
Comparação entre o valor numérico e experimental da deformação térmica específica.

A deformação específica total foi calculada diretamente por meio da Equação 10 (modelo semiempírico) e através de análise numérica, como descrito no item 4.1. Os resultados obtidos, para um carregamento constante igual a 0,10.fc e 0,20.fc, foram comparados com os valores experimentais de KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.), como mostrado na Figura 4.

Figura 4
Deformação específica total para um carregamento igual a: a) 0,10.fc; b). 0,20.fc.

Os resultados demonstram uma boa aproximação entre os valores experimentais e os obtidos a partir do modelo semiempírico. É importante mencionar que a variação da LITS em função do carregamento não é perfeitamente linear, como assumido no modelo. Além disso, a variação entre os valores obtidos através da Equação 10 e os da análise numérica se deve principalmente ao fato de que a análise numérica leva em consideração a variação da temperatura no interior do corpo-de-prova, o que é desprezado pelo método direto (Equação 10). Neste caso em particular, devido à baixa taxa de aquecimento, essa diferença pode ser negligenciada.

4.3 Deslocamento total de um pilar de concreto armado

O deslocamento de um pilar de concreto armado submetido a uma força de compressão centrada e exposto à ação do fogo (SCHNEIDER, 1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.) é determinado a partir da utilização do modelo semiempírico proposto por BUTTIGNOL (2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.), de acordo o procedimento numérico descrito no item 4.1.

O pilar é reforçado com quatro barras de aço de 16 mm com cobrimento de 40 mm e estribos de 6 mm. A seção transversal é de 300 mm x 300 mm, com altura efetiva de 1200 mm (altura da seção exposta ao fogo). As propriedades mecânicas dos materiais (Tabela 2), o traço do concreto (Tabela 3) e as características do pilar (geometria e armadura de reforço) foram obtidos em SCHNEIDER et al (1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.).

Tabela 2
Especificações dos materiais (Schneider, 1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.).

Tabela 3
Traço do concreto (kg/m3) (Schneider, 1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.).

A curva de incêndio adotada por SCHNEIDER et al (1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.), para uma duração total de 180 minutos, é mostrada na Equação 11, em que: 𝜃 é a temperatura em ºC; 𝑡 é o tempo em minutos.

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A deformação específica de origem térmica ( 𝜀 𝑡ℎ ) foi obtida a partir de análise numérica no programa de elementos finitos Abaqus 2D, no qual foi assumido o mesmo coeficiente de expansão térmica (𝛼 =1,0∙10 −5 1 º𝐶 ) para o concreto e o aço. A comparação do resultado numérico com o valor experimental (Schneider - A1) é mostrada na Figura 5.

Figura 5
Comparação entre o valor numérico e experimental da variação térmica de pilar submetido à ação do fogo.

O deslocamento total, sob ação de uma força constante durante o aquecimento, foi determinado para dois níveis distintos de carregamento: 015.fc e 0,30.fc. Os resultados numéricos foram comparados com os valores experimentais obtidos por SCHNEIDER et al (1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.) em termos de deslocamento total x tempo, como apresentado na Figura 6. Dois ensaios nominalmente idênticos para cada nível de carregamento foram realizados: "B1" e "B2" para uma força de compressão constante igual a 015.fc; "B3" e "B4" para uma força de compressão constante igual a 030.fc.

Figura 6
Deslocamento total do pilar para um carregamento igual de: a) 0,15.fc; b). 0,30.fc.

A partir dos resultados, pode-se notar uma aproximação razoável entre os valores calculados a partir do modelo semiempírico (análise numérica) e os resultados experimentais. Cabe destacar que o modelo numérico adotado negligencia as deformações de origem plástica que se desenvolvem durante o aquecimento e que se concentram principalmente na região externa do pilar devido ao elevado nível de temperatura atingido ((>1000 ºC) nessa região.

5. Conclusões

Um novo modelo semiempírico de fluência transiente, definido a partir do conceito de deformação térmica induzida pelo carregamento ou LITS (Load Induced Thermal Strain), foi apresentado. A sua principal vantagem é que ele pode ser adotado para uma análise preliminar da deformação específica total do concreto em estruturas submetidas ao fogo, sem necessidade de utilização de complexos modelos numéricos baseados nas propriedades termomecânicas do material e condições de contorno, e que devem considerar a interação entre as deformações de origem mecânica, térmica e viscosa em nível mesoscópico (BUTTIGNOL, 2016[3] BUTTIGNOL, T. E. T. On the Load Induced Thermal Strain for Plain and Steel Fiber Reinforced Concrete Subjected to Uniaxial Loading. PhD thesis, Politecnico di Milano, 2016.).

O modelo foi aplicado para o cálculo das deformações de corpos-de-prova em concreto simples e deslocamentos de pilares de concreto armado. A comparação entre os resultados obtidos com os valores experimentais de KHOURY (2006[9] KHOURY, G.. Strain of heated concrete during two thermal cycles. Part 3: isolation of strain components and strain model development. Magazine of Concrete Research , nº 7, pp. 421-435, 2006b.) e SCHNEIDER et al (1994[15] SCHNEIDER, U; MORITA, T.; FRANSSEN, J-C. A Concrete Model Considering the Load History Applied to Centrally Loaded Columns Under Fire Attack. Fire Safety Science - Proceedings of the 4th International Symposium, pp. 1101-1112, 1994.) demostraram a viabilidade do modelo proposto.

6. Agradecimentos

O autor agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa Tecnológicas) pelo apoio financeiro para a execução da pesquisa por meio de uma bolsa de doutorado pleno no exterior [202401/2012-0].

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2016
  • Aceito
    25 Out 2016
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