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Manejo da deformidade auricular de Stahl: um relato de caso

RESUMO

Descrita no século XIX, a deformidade auricular de Stahl consiste em uma má formação auricular rara, caracterizada por hipoplasia da raiz da anti-hélice com o alargamento de sua base e uma terceira raiz da anti-hélice conectando-a à parte posterior da hélice, deformando a porção posterossuperior do pavilhão auditivo. A correção cirúrgica é o tratamento definitivo, porém, pela diversidade de apresentações clínicas, não há uma técnica padrão para todos os casos. O método descrito neste relato é mais uma opção de tratamento e consiste na ressecção da terceira cruz e confecção da raiz superior da anti-hélice.

Descritores:
Deformidades adquiridas da orelha; Orelha; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos

ABSTRACT

Stahl’s ear deformity was first described in the 19th century and it consists of a rare auricular deformity characterized by hypoplasia of the antihelix crus with enlargement of its base and a third crus of the antihelix connected to posterior portion of helix crus, which deforms the posterolateral wall of the external auditory canal. Reconstructive surgery is the definitive treatment, however, because of the diversity of clinical presentations, no standard technique exist for all cases. The method described in this report is another treatment option and entails the resection of the third crus and reconstruction of superior crus of the antihelix.

Keywords:
Ear deformities acquired; Ear; Reconstructive surgical procedures

INTRODUÇÃO

Durante o século XIX, Stahl descreveu e classificou diferentes malformações auriculares em três tipos: “hélix transversus spleniformis”, “crus antihelics trifurcata” e “crus superium turgidum”. Atualmente, o termo deformidade congênita de Stahl refere-se ao segundo tipo, uma hipoplasia da raiz da anti-hélice com o alargamento da base (cartilagem anormal) e uma terceira raiz da anti-hélice conectando a anti-hélice à parte posterior da hélice, deformando a porção posterossuperior do pavilhão auditivo.

A anomalia tem consequências estéticas e sociais, mas não afeta a audição. É mais comum nos orientais e rara entre as raças brancas, porém sua real incidência não foi estabelecida11 Fischl RA. The third crus of the anthelix and another minor anomaly of the external ear. Plast Reconstr Surg. 1976;58(2):192-5. PMID: 940872 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197608000-00009
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. Mais comumente unilateral, pode ser bilateral em 20% dos casos. Frequentemente, outras anomalias estão presentes: estreitamento da hélice, hipoplasia ou ausência da anti-hélice superior e alargamento da fossa escafoide22 Ferraro GA, Perrotta A, Rossano F, D’Andrea F. Stahl syndrome in clinical practice. Aesthetic Plast Surg. 2006;30(3):348-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s00266-005-0139-4
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.

A deformidade congênita de Stahl seria a consequência da disgenesia do músculo auricular intrínseco durante o terceiro mês durante a embriogênese33 Yotsuyanagi T, Nihei Y, Shinmyo Y, Sawada Y. Stahl’s ear caused by an abnormal intrinsic auricular muscle. Plast Reconstr Surg. 1999;103(1):171-4. PMID: 9915179 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199901000-00027
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. A disgenesia embriológica muscular leva à hipoplasia da raiz superior da anti-hélice, e ao desenvolvimento de uma terceira raiz da anti-hélice. A terceira raiz que liga a anti-hélice à região posterossuperior da hélice é responsável por causar o defeito de contorno do pavilhão auditivo44 Gleizal A, Bachelet JT. Aetiology, pathogenesis, and specific management of Stahl’s ear: role of the transverse muscle insertion. Br J Oral Maxillofac Surg. 2013;51(8):e230-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjoms.2013.01.018
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. A solução para a deformidade é o procedimento cirúrgico, porém ainda não há uniformidade na técnica a ser utilizada.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, branco, 18 anos, apresentando deformidade auricular de Stahl bilateral (Figura 1). Submetido à correção cirúrgica sob anestesia geral, realizando a infiltração das incisões com ropivacaína 0,75% e adrenalina, numa proporção 1:100.000. Realizado acesso retroauricular na transição concha-anti-hélice com descolamento para região anterior, possibilitando o desenluvamento da orelha e exposição da terceira cruz (Figura 2).

Figura 1
Terceira raiz da anti-hélice encontrada na deformidade de Stahl. A: Orelha direita; B: Orelha Esquerda.

Figura 2
Exposição transoperatória da terceira cruz. A: Marcação pré-operatória da terceira cruz; B: Terceira cruz ressecada em transoperatório.

Realizada ressecção da terceira cruz com aproximação primária do defeito. Para confecção da raiz superior da anti-hélice, foi realizado enfraquecimento anterior da cartilagem com raspa metálica e pontos de Mustardè com mononáilon 4.0. Para redefinir um contorno uniforme da hélix foi realizado enfraquecimento posterior da cartilagem com lamina de bisturi 15 e pontos em X para eversão, com mononáilon 4.0.

Realizado fechamento da incisão posterior em barra grega com mononáilon 4.0. Curativo com gaze e neomicina nas incisões e capacete com ataduras estéreis e apósito mantido por 48 horas. Mesmo procedimento realizado em ambas orelhas. O resultado cirúrgico é demonstrado em pós-operatório tardio (Figura 3), no qual percebe-se pouca alteração de tamanho da orelha associada à ausência da terceira cruz, e hélice e raiz superior de anti-hélice presentes.

Figura 3
Pós-operatório tardio. A: Orelha direita; B: Orelha esquerda.

DISCUSSÃO

Alterações congênitas auriculares são definidas como malformações (microtia, criptotia) ou deformidades. Deformidades são caracterizadas por apresentar um componente condrocutâneo normal, porém com arquitetura anormal, categorizadas como constritas, proeminentes e deformidade de Stahl, como descrito neste artigo55 Porter CJ, Tan ST. Congenital auricular anomalies: topographic anatomy, embryology, classification, and treatment strategies. Plast Reconstr Surg. 2005;115(6):1701-12. PMID: 15861078 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.PRS.0000161454.08384.0A
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Diversas técnicas para a correção cirúrgica desta afecção foram descritas, variando desde zetaplastia para realinhamento da terceira raiz, ressecção em cunha da cartilagem e enxertia local após sua reversão66 Nakajima T, Yoshimura Y, Kami T. Surgical and conservative repair of Stahl’s ear. Aesthetic Plast Surg. 1984;8(2):101-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/BF01575252
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,77 Kaplan HM, Hudson DA. A novel surgical method of repair for Stahl’s ear: a case report and review of current treatment modalities. Plast Reconstr Surg. 1999;103(2):566-9. PMID: 9950546 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199902000-00031
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a procedimentos mais complexos, como realização de retalho periosteal do osso temporal para sustentação auricular, descrito por Nakayama et al88 Nakayama Y, Soeda S. Surgical treatment of Stahl’s ear using the periosteal string. Plast Reconstr Surg. 1986;77(2):222-6. PMID: 3945685 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198602000-00008
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.

Existem relatos de tratamento não operatório com talas utilizadas para moldar o pavilhão auricular, com resultados satisfatórios se realizados no período neonatal99 Lindford AJ, Hettiaratchy S, Schonauer F. Postpartum splinting of ear deformities. BMJ. 2007;334(7589):366-8. PMID: 17303887 DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.39063.501377.BE
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. Variedades se justificam, pois existem graus diferentes de apresentação clínica da deformidade, portanto, seria difícil conseguir resultados consistentes com uma técnica cirúrgica padrão.

Atualmente, modificações da técnica de Chongchet são as mais utilizadas para tratar esta anomalia1010 Chongchet V. A method of antihelix reconstruction. Br J Plast Surg. 1963;16:268-72. PMID: 14042756 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0007-1226(63)80120-4
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. Há uma tendência de utilizar nas deformidades leves suturas de Mustardè associadas a manobras de enfraquecimento da cartilagem, enquanto nas formas graves é necessário associar a técnica anterior com excisão da pele e da cartilagem.

CONCLUSÃO

A deformidade auricular de Stahl é uma malformação rara, que pode trazer estigmatização ao paciente quando inserido no meio social. O método descrito demonstra mais uma alternativa para tratamento desta afecção, principalmente nos casos nos quais a deformidade é mais significante, trazendo resultados estéticos satisfatórios.

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1016/S0007-1226(63)80120-4

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2016
  • Aceito
    21 Fev 2017
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