Resumo
Alasdair MacIntyre é um filósofo contemporâneo de ética e política, mais conhecido por seu livro “Depois da virtude”, 1981. A originalidade e a relevância deste trabalho estão na apresentação de artigos escritos por ele nos anos 1970 sobre medicina e ética médica, inexplorados no campo da bioética. Nestes artigos, MacIntyre critica as mudanças na sociedade que transformam a relação médico-paciente: visões morais fragmentárias, individualismo, a incompreensão da cientificidade e falibilidade da prática, além das perdas do embasamento em valores comuns e da autoridade médica. Em perspectiva teleológica, MacIntyre define bens internos à medicina e virtudes que os médicos devem possuir: confiabilidade, justiça, coragem, humildade e até amizade.
Ética médica; Bioética; Prática profissional; Papel do médico; Relações médico-paciente
Abstract
Alasdair MacIntyre is a contemporary philosopher of Ethics and Politics best known for his book “After virtue”, 1981. The originality and relevance of this work lie in the presentation of his articles from the 1970’s about medicine and medical ethics, which are unexplored in Bioethics. In these articles, MacIntyre criticizes changes in society transforming the physician-patient relationship: fragmentary moral views, individualism, misunderstanding of scientism and fallibility of the practice, as well as the lost background of common values and medical authority. From a teleological perspective, MacIntyre describes internal goods of medicine and physician’s virtues: reliability, fairness, courage, humility and even, friendship.
Ethics, medical; Bioethics; Professional practice; Physician’s role; Physician-patient relations
Resumen
Alasdair MacIntyre es un filósofo contemporáneo de Ética y Política, mejor conocido por su libro “Tras la virtud”, de 1981. La originalidad y relevancia de este trabajo se encuentran en la presentación de sus artículos de la década de 1970 sobre medicina y ética médica, que no han sido explorados en Bioética. En estos artículos, MacIntyre critica los cambios en la sociedad que transforman la relación médico-paciente: visiones morales fragmentarias, individualismo, incomprensión del cientificismo y la falibilidad de la práctica, además de las pérdidas de la base en valores comunes y la autoridad médica. En una perspectiva teleológica, MacIntyre describe los bienes internos de la medicina y las virtudes de los médicos: fiabilidad, justicia, coraje, humildad e incluso amistad.
Ética médica; Bioética; Práctica profesional; Rol del médico; Relaciones médico-paciente
Alasdair Chalmers MacIntyre é um filósofo contemporâneo conhecido por seu livro “Depois da virtude”11. MacIntyre A. After virtue: a study in moral theory. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press; 1981. , de 1981. Ele é considerado um representante importante das escolas de pensamento do Comunitarismo e da Ética da Virtude, embora negue as duas ligações e se identifique como Tomista22. Lutz CS. Alasdair Chalmers MacIntyre (1929-). IEP [Internet]. [s.d] [acesso 7 jul 2016]. Disponível: https://bit.ly/31RBOnm
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. Acima de tudo, ele é um crítico da modernidade, do Iluminismo e do emotivismo. Ele defende as tradições narrativas dos sujeitos em uma visão teleológica da vida.
Na filosofia, ele é reconhecido por seus trabalhos em moral e política. Mas na Bioética, como ética aplicada à saúde, existem poucos trabalhos sobre suas teorias, que trazem referências quase exclusivamente a “Depois da virtude”. De fato, MacIntyre escreveu 30 livros e pelo menos 5 deles estão entre os mais estudados em filosofia moral. Ele também escreveu aproximadamente 200 artigos para periódicos e algumas resenhas de livros, que geralmente são menos exploradas na Bioética22. Lutz CS. Alasdair Chalmers MacIntyre (1929-). IEP [Internet]. [s.d] [acesso 7 jul 2016]. Disponível: https://bit.ly/31RBOnm
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. Alguns dos artigos escritos na década de 1970 analisam especificamente a ética médica, a medicina e seus métodos. É interessante ressaltar em sua biografia que seus pais eram ambos médicos.
Este estudo tem como objetivo apresentar e resumir as ideias principais desses artigos sobre medicina e ética médica, enfatizando o fato de que foram escritos concomitantemente com o início da bioética como disciplina formal e em média 5 anos antes de “Depois da virtude” . Em muitos deles, podemos encontrar as expressões, exemplos e estruturas que ele usa no livro para desenvolver sua perspectiva filosófica.
Esta revisão também pretende recuperar e atualizar as críticas de MacIntyre: 1) à prática médica contemporânea; 2) ao papel individualista e passivo desempenhado pelos pacientes bem como pela sociedade em geral; e 3) à autoridade médica que perdeu seu embasamento histórico de valores e crenças comuns.
Visões da medicina e da ética médica
Aristóteles33. Aristóteles. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural; 1996. diz que a medicina não é arte porque tem um fim diferente de si mesma – a medicina visa a saúde do paciente. Com base nesses conceitos teleológicos aristotélicos, a medicina para MacIntyre é uma prática humana que busca alguns bens ou fins internos, por meio do cultivo das virtudes44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. A ciência médica está comprometida com a melhora e bem-estar dos pacientes55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 .
Considere uma cultura em que exista uma visão clara e estabelecida do bem para o homem e em que exista um consenso racional da hierarquia dos bens humanos. O bem da saúde é confiado à profissão médica com suas virtudes concomitantes77. MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 206. .
Assim, para ele, o florescimento da prática médica requer uma visão compartilhada dos bens internos a essa prática e crenças compartilhadas sobre as alocações de papéis e direitos dentro da prática para alcançar esses bens44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . MacIntyre44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. também descreve os bens externos da medicina, bens da prática bem-sucedida da medicina: poder, dinheiro e fama.
Inicialmente dentro desse conceito de prática socialmente estabelecida e sem referência a um empreendimento científico, MacIntyre define medicina em suas relações interpessoais, que inclui o cuidado pressuposto pela prática. Especificamente em relação ao cuidar, ele acredita que existem duas dimensões: cuidamos de algum indivíduo em particular que tem algum relacionamento conosco e cuidamos dele em relação a alguma necessidade. Podemos falhar neste cuidado se não abordarmos este indivíduo como ele é ou se não abordarmos o que ele realmente precisa88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. .
Para abordar necessidades individuais em casos particulares, os médicos devem ter alguma capacidade de julgar com prudência. Para MacIntyre44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , a capacidade de bons julgamentos é confiada a certos indivíduos em virtude do reconhecimento de que eles têm alguma experiência. E os julgamentos são especialmente importantes em situações dilemáticas da prática médica. Assim, não alheio a tudo isto, MacIntyre escreve sobre problemas médicos e problemas de ética médica do mundo contemporâneo, em quase todos os textos que abordamos aqui.
Partindo dos problemas clássicos da eutanásia e do aborto, ele considera todos os debates morais de nossa cultura como divergências em algumas questões particulares, que levam a afirmações de premissas incompatíveis. Assim como podemos ler no primeiro capítulo de “Depois da virtude”, em muitos de seus textos anteriores, ele explica a incomensurabilidade
44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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– um termo que ele reconhece ter pego emprestado da filosofia da ciência44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . Os argumentos se movem eficazmente das premissas para as conclusões, mas não há critério disponível ou procedimento racional para decidir entre conclusões rivais e incompatíveis44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. .
Ele exemplifica com o caso do aborto e é notável que, apesar de ser um filósofo católico, ele não reivindica mandamentos divinos. Ele reconhece argumentos contextualizados válidos a respeito dos direitos do feto à vida, bem como do direito das mulheres de decidir sem coerção, enquanto o feto é essencialmente uma parte do corpo da mãe. Ele conclui que não há um tribunal de apelação neutro, portanto, o resultado é invariavelmente um impasse44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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Mas não apenas os argumentos válidos são diferentes, mas também o contexto no qual os argumentos são usados é diferente daquele em que foram criados. Não há como compará-los ou medir sua força. MacIntyre repete que visões morais fragmentadas são realmente arrancadas de seus contextos44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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. É o caso da ética médica e da filosofia moral contemporânea55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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. E sua conclusão define o caráter geral dos problemas morais em nossa cultura como um estado de confusão que é dignificado com o nome de “pluralismo moral”44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. .
A crise na ética médica não é apenas o resultado dessas rápidas e sucessivas mudanças na sociedade ao longo do último século (XX), como descrito acima, mas também resulta de mudanças que ocorreram na própria medicina. E para MacIntyre, o verdadeiro problema é que essas mudanças não eram concomitantes à redefinição do papel do médico. A batalha dos médicos era primeiramente com as principais doenças infecciosas, como cientistas que oferecem produtos químicos para restaurar estados fisiológicos sem nenhuma preocupação com as origens sociais e emocionais55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. Os três objetivos da prática médica eram adiar a morte, prevenir a dor e a incapacidade, e promover o bem-estar geral dos pacientes.
Esses objetivos desmoronaram com a medicina e a tecnologia contemporâneas. As principais causas de mortalidade mudaram de doenças infecciosas para três condições crônicas: doenças cardíacas, acidente vascular cerebral e câncer55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Essa situação, diz ele, está em desacordo com o papel inerente que os médicos foram chamados a desempenhar. Agora, os médicos frequentemente prolongam o sofrimento ou prorrogam a incapacidade. Sua tarefa, agora, é fazer escolhas duras e frequentes – a medicina se tornou uma tarefa moral55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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Houve também algumas mudanças históricas em contextos institucionais complexos e MacIntyre1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. , 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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discute essa questão em algumas publicações como a burocratização da medicina. A mobilidade e a divisão do trabalho destruíram, em grande parte, a relação médico-paciente tradicional44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. De fato, na burocracia, o médico é substituível e os pacientes são apenas o que está em seus prontuários1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. , 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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A especialização da medicina moderna como ciência aplicada, apesar de todo o progresso do conhecimento teórico, também justifica a maneira como os pacientes não são vistos como pessoas, mas como partes de seus corpos. O entendimento pessoal do paciente é perdido pelos especialistas55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. Mas, para MacIntyre1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. , o pior problema da burocratização médica não é apenas o fato dela se tornar impessoal, mas o fato de levar os pacientes a buscar o individualismo.
O conceito individualista liberal de nossa cultura se reflete na maneira como a relação médico-paciente acontece. Nas condições modernas, existe um contrato entre médico (ou mesmo hospital) e paciente em que os serviços técnicos são trocados por pagamento1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. A pergunta de MacIntyre é: o que há de errado em conceber a relação médico-paciente como primariamente contratual? Se os médicos falham com o paciente, não é a quebra do contrato que importa, mas essas ações causam danos graves a uma relação de cuidar.
MacIntyre ilustra com o caso do casamento – o casamento envolve um contrato, mas o que há de errado com o adultério não é principalmente o fato de ser uma quebra de contrato; é uma lesão grave em uma relação de cuidar (compromisso). E ele acrescenta que atualmente os médicos não são entendidos como empreendedores individuais, mas como tendo papéis na vida cooperativa das instituições médicas1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. E, portanto, os problemas de ética médica podem ser vistos como secundários aos problemas das organizações médicas55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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A competitividade econômica é um aspecto da arbitrariedade moral44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 . Outros aspectos são o individualismo (ele fala dos ácidos do individualismo ) e o pluralismo de nossa cultura. Didaticamente, em muitos dos textos, MacIntyre resume os problemas médicos contemporâneos e os problemas de ética médica como pertencendo a três grupos diferentes, cada um deles referente à relação da prática com algum bem interno da medicina.
O primeiro são os problemas que surgem do suporte tecnológico, que permite a preservação da vida, mesmo que a saúde não possa ser restaurada ou se a dor e o sofrimento aumentarem88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. . Para MacIntyre, preservar a vida não é baseado em princípios, como Albert Schweitzer defende em sua teoria da reverência pela vida. A Bíblia fala de respeito pelos seres vivos, mas nada de santidade da vida 1313. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. Op. cit. 1979. p. 440. . Portanto, ainda é necessário avaliar casos específicos, em vez de preservar a vida a todo custo.
O segundo ponto da estrutura está relacionado à perda de uma moralidade compartilhada e socialmente estabelecida, que permitia aos médicos assumir que as atitudes do paciente em relação à vida e à morte seriam aproximadamente as mesmas deles próprios e vice-versa – crenças sobre o sofrimento, morte e dignidade humana. Nesse cenário anterior, os pacientes poderiam ter uma garantia mínima de que suas crenças seriam respeitadas e, assim, podiam confiar no médico. Portanto, MacIntyre admite uma preocupação muito especial com a medicina moderna, porque toda a natureza da assistência médica é quase inimaginável sem um contexto de confiança mútua.
O terceiro ponto diz respeito à alocação de recursos na área da saúde. Houve mudanças na escala e no custo dos cuidados médicos, bem como mudanças políticas e econômicas na sociedade em geral, que transformaram a distribuição dos cuidados médicos em uma questão muito diferente. A medicina é agora uma prática social disputando recursos com outras práticas. O acesso aos cuidados médicos tornou-se desigual. As demandas por justiça social e as demandas do médico por autonomia estão agora em conflito radical.
Para MacIntyre99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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, todas essas situações determinam certos padrões de assistência médica. Ele afirma que não devemos começar perguntando quais recursos fornecemos agora para o atendimento de um grupo específico de pacientes e, em seguida, definirmos limites para o atendimento que prestamos. Em vez disso, precisamos começar com um padrão justificado de atendimento, para podermos perguntar como, à luz desse padrão, nossos recursos gerais devem ser alocados. Nosso processo de orçamentação deve ser baseado em nossos padrões e não vice-versa
1414. MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 82. .
MacIntyre concentra-se na contradição entre autonomia individualista e autoridade. O contexto é de: formas complexas de comunidade com centros de autoridade reconhecidos, como escolas, igrejas, instalações médicas, dissolvidos em coleções de indivíduos cujas relações são governadas apenas por restrições negativas (direitos) e contratos 1515. MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 202-3. .
No sentido aristotélico, um agente moral sem polis tem uma existência fantasmagórica, abstrata e amplamente desincorporada
1616. MacIntyre A. Op. cit. 1978. p. 41. . Em outras palavras, ele repete que ninguém pode ser desapegado de todas as associações sociais55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. Além dessas mudanças conceituais nas noções de autoridade, houve também mudanças na noção de tradições, particularmente de envelhecimento e morte. Ele explica que cada geração encontra o significado de sua atividade como parte de uma história que a transcende44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . Em nossa cultura contemporânea, o significado do presente está no presente; envelhecer e morrer são ameaças – ele denota esse processo como fetichismo por juventude .
A conclusão pessimista que MacIntyre99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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obtém de mudanças históricas e culturais que afetam a prática médica é que ela se tornou problemática exatamente no momento em que há recursos mínimos para a solução de problemas morais. Essa crítica pungente ao mundo contemporâneo e seu pluralismo moral, a crítica ao individualismo iluminista, e a perda de um padrão moral e de uma visão teleológica é algo que já atribuímos a MacIntyre, pois conhecemos seus trabalhos posteriores, especialmente “Depois da virtude”11. MacIntyre A. After virtue: a study in moral theory. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press; 1981. . Além disso, poderíamos inferir sua defesa da prática médica, provida de bens internos e de virtudes dos médicos.
O que é inesperado é a abordagem da medicina não como uma profissão, mas da medicina entendida como uma ciência. Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 , no texto “Em direção a uma teoria da falibilidade médica”, rejeitam a visão de que os problemas morais da medicina surgem principalmente de seu caráter profissional. De fato, eles resultam de seu cientificismo. Com o objetivo de demonstrar porque o erro médico ocorre e distinguir entre erro culpável e inocente , eles exploram o caráter científico do método da medicina, que determina muitas incertezas.
Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 afirmam inicialmente que a ignorância do que ainda não é conhecido é o estado permanente de todas as ciências e uma fonte de erro mesmo quando todas as normas internas são totalmente respeitadas. Normas internas são aquelas que derivam do caráter essencial da atividade científica enquanto atividade cognitiva. Eles determinam padrões profissionais a serem seguidos e se preocupam com fatores como verificabilidade, verdade e razão. Por outro lado, normas externas são aquelas que regem os motivos para participar ou fazer uso dos resultados de uma atividade científica. Exemplos de normas externas são curiosidade, ambição e utilidade social.
Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 descrevem o método científico como a busca de padrões semelhantes a leis para algumas propriedades que levam a previsões, por generalização. É por isso que as previsões falham e a fonte de erro mais importante na ciência é a ignorância (uma fonte de erro não culpável). Outras das principais fontes de erro nas ciências puras e aplicadas, eles afirmam, são a vontade e a negligência, referindo-se a normas externas da empresa científica.
Mas as ciências aplicadas costumam diferir das ciências puras, bem como da tecnologia. Elas são definidas com referência essencial a objetivos práticos, o que as distingue da ciência pura. Tecnologia refere-se a uma série de dispositivos para atingir determinados fins. As ciências aplicadas são propensas a outra fonte de erro que Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 denominaram falibilidade necessária em relação a particulares . Refere-se à ignorância de contingências do contexto (particular), como fatores ambientais incontroláveis. As características individuais não serão tipicamente dedutíveis simplesmente pelo que é conhecido sobre o geral. As generalizações se aplicam tipicamente à maioria dos casos, enquanto a incerteza existe em casos particulares.
Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 consideram a medicina uma ciência aplicada e exemplificam que os efeitos terapêuticos em pacientes individuais são sempre, até certo ponto, incertos. Erros inevitavelmente serão cometidos devido às limitações inerentes aos poderes preditivos de um empreendimento preocupadp essencialmente com o florescimento de particulares 1717. Gorovitz S, MacIntyre A. Op cit. p. 64. . E eles consideram esse fenômeno como uma característica epistemológica fundamental de uma ciência de particulares.
Nesse ponto, Gorovitz e MacIntyre66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 rejeitam o pensamento tradicional da medicina e das ciências em geral como não moral ou moralmente neutro. Eles exemplificam com experimentos nazistas em campos de concentração: eles respeitavam as normas internas da ciência em busca da verdade e resolução de problemas, mas não se preocupavam com efeitos sociais ou individuais. Eles estavam quebrando não apenas normas externas, mas também normas internas, pois, para os autores, não é possível estudar particulares (ou indivíduos) sem entendê-los em seu próprio esforço em direção ao seu próprio bem.
Eles chegam a uma conclusão importante sobre a medicina como ciência: por envolver indivíduos, a medicina tem valores, bem como a busca pela verdade e pela solução de problemas, como bens internos. Em outras palavras: se a ciência se preocupa com os particulares, as declarações dos fatos não são livres de valor66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 .
Defendendo uma ética baseada em valores, MacIntyre1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 repudia a sugestão de que o valor de uma vida possa ser pesado em relação ao valor da vida do outro de uma maneira consequencialista. Tratar um agente (um paciente) com respeito moral é olhar para sua dignidade e não para sua felicidade99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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. O utilitarismo em todas as suas versões almeja fornecer um critério, uma maneira de julgar entre bens rivais e conflitantes para maximizar a utilidade. E ele repete que os bens e os direitos de nossos conflitos contemporâneos são incomensuráveis – não há critério superior nem conceito neutro de utilidade99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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.
Como aristotélico, ele acredita que as decisões não devem se basear nas consequências das ações, nem a prática das virtudes deve ser um meio para algum outro fim1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 . MacIntyre, então, também se opõe à deontologia, com ênfase na independência lógica do âmbito do valor do âmbito do fato99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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. A filosofia moral e a ética contemporâneas estão indevidamente preocupadas com regras, sua justificativa e status55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. MacIntyre explica a deontologia da seguinte maneira:
Se nossas inclinações naturais não são mais transformadas e redirecionadas por nossas disposições, procuramos um motivo para a ação correta que seja independente dessas inclinações, e às vezes o achamos em um sentido de dever, com relação ao que os preceitos morais exigem de nós, independentemente de qualquer concepção de nossa direção ao bem da humanidade1818. MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 85. .
Mas regras são menos fundamentais do que papéis e relacionamentos na visão de MacIntyre55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. São as virtudes que devem informar os julgamentos55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. . E não é possível tornar os seres virtuosos decretando e fazendo cumprir leis. Ele diz que as leis não são obedecidas devido ao seu poder coercitivo. Pelo contrário, porque quando o sistema jurídico está em ordem, as leis incentivam o exercício das virtudes para a conquista do bem para a humanidade88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. .
Papel dos médicos
Para MacIntyre99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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, a moralidade na medicina é autônoma de maneira especial. A profissão médica teve que salvaguardar e transmitir seus valores em uma variedade de contextos sociais. E, para ele, os valores com os quais se compromete são preservar a vida e a saúde, a responsabilidade de justificar a confiança dos pacientes, e as demandas por autonomia nos julgamentos e na alocação de recursos55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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. MacIntyre repete esses três bens internos da medicina, usando também essa estrutura conceitual para denotar as virtudes do médico necessárias à prática e à ética aplicada99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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, 1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 . Vemos outro retorno a Aristóteles nesta sugestão para os médicos agirem virtuosamente99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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Preservar a vida, no entanto, não é aderir a uma forma culturalmente poderosa de idolatria do corpo, especialmente de um corpo jovem. MacIntyre1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 critica o extraordinário investimento financeiro e moral de nossa cultura na tentativa de derrotar o envelhecimento e a morte, tentativas que expressam ressentimento pela condição de finitude. Ele também aborda os problemas do fim da vida no contexto em que os médicos devem ser sábios e prudentes para reconhecer que muitos pacientes são incuráveis55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. O mesmo se aplica ao tratamento de uma criança deficiente com um monte desnecessário de nervos e tecidos distorcidos e sofrimento
1919. MacIntyre A. Op. cit. 1975. p. 16. – um exemplo que ele usa.
Quando MacIntyre escreve sobre confiabilidade, ele enfatiza que médicos são especialmente proibidos de mentirem para alguém sobre a proximidade de sua morte, porque abordar a morte é abordar o julgamento de Deus. Cada um de nós deve lidar com a própria morte com atos de preparação consciente, e se os médicos negam essa possibilidade a alguém, eles infligem nele um grave erro1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 – os médicos insultam seu status de ser humano99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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Justiça e alocação de recursos são a terceira parte da estrutura de MacIntyre que tem implicações para a política e a economia da assistência médica. Mas quando ele aborda esse tópico da prática médica contemporânea, ele não nomeia diretamente virtudes, mas atitudes. Poderíamos pensar em coragem, responsabilidade e confiabilidade, sabedoria e prudência como outras maneiras de caracterizar essas virtudes médicas omitidas. De fato, quando MacIntyre99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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escreve sobre virtudes médicas tradicionais, ele reconhece a confiabilidade, a justiça e a coragem como garantidas. A justiça, diz ele, exige que tratemos os outros com respeito ao mérito de acordo com padrões uniformes e impessoais. Coragem é a capacidade de arriscar dano ou perigo para si mesmo – ela tem seu papel na vida humana devido à sua conexão com o cuidado e a preocupação99. MacIntyre A. How virtues become vices: medicine and society. Encounter [Internet]. 1975 [acesso 2 abr 2018];45(1):11-7. Disponível: https://bit.ly/2MRiEd2
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MacIntyre88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. classifica as virtudes como referente ao outro (justiça e generosidade) e referente a si mesmo (temperança). Mas, para ele, o eu não é uma coisa e suas relações sociais, outra. As virtudes são partes constitutivas do que somos, e o bem de cada indivíduo não é o bem daquele indivíduo isolado dos outros, mas o bem desse indivíduo nos relacionamentos com os outros. Engajar-se nesses tipos de conversa e nesses tipos de prática nos permite ser mutuamente instruídos sobre qual é o nosso bem comum. Ele diz:
É apenas na medida em que estamos dispostos a dar aos outros uma audiência justa, a sermos generosos em nossa interpretação do que eles dizem, a sermos moderados na expressão de nossos próprios pontos de vista, a correr o risco de expor esses pontos de vista a refutação e a ser imaginativamente empáticos em nossa apreciação de pontos de vista opostos que somos capazes de participar construtivamente de tais conversas e práticas 2020. MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 84. .
E essa afirmação se encaixa perfeitamente aos médicos em sua prática de ouvir e avaliar para chegar ao diagnóstico e escolher a melhor maneira de curar ou aliviar o sofrimento; especialmente com moderação e simpatia. Isso nos leva ao ponto em que os pacientes são objetos da benevolência do médico, receptores de suas doações. MacIntyre explica, porém, que todos somos vulneráveis a novas doenças e, devido a essa vulnerabilidade, muitas vezes somos, de fato e sempre potencialmente, dependentes de outros para cuidado.
Quando os médicos prestam assistência, eles devem fazer o melhor para os pacientes, permitindo que, tanto quanto possível e o mais rápido possível, se tornem novamente independentes – para poder definir novamente suas próprias necessidades. Essa discussão é mais próxima da realizada por MacIntyre no livro “Animais racionais dependentes” (Dependent rational animals)de 19992121. MacIntyre A. Dependent rational animals: why human beings need the virtues. Chicago: Open Court; 1999. . Ele destaca as redes de dar e receber, sustentadas pelo reconhecimento compartilhado das necessidades uns dos outros88. MacIntyre A. The need for a standard of care. In: Francis LP, Silver A, editores. Americans with disabilities: exploring implications of the law for individuals and institutions. Nova York: Routledge; 2000. p. 81-6. .
A outra virtude que MacIntyre menciona é a humildade. Os médicos devem ter atitudes de humildade, tanto em relação ao estado de desenvolvimento do conhecimento médico quanto à riqueza e diversidade dos indivíduos. E, para ele, vai além das boas práticas clínicas, que já envolvem respeito à importância da distinção individual presente na história médica individual66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 .
Uma virtude importante para Aristóteles que MacIntyre ressalta como nunca mencionada nos livros modernos de filosofia moral é a amizade. A amizade no sentido aristotélico acontece quando as pessoas estão atadas às suas preocupações por bens iguais. A amizade não se baseia no prazer da companhia um do outro ou na utilidade mútua. MacIntyre55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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acrescenta que, quando há amizade, o médico exerce um julgamento sensível sobre seu paciente, em seu nome. Caso contrário, o relacionamento é puramente contratual.
Finalmente, MacIntyre aborda a necessidade que os médicos têm de exercer autoridade para fazer julgamentos clínicos de casos singulares de prática. O exercício da autoridade envolve o acúmulo de experiência e a transmissão de tradições. Autoridade e tradição fornecem condições necessárias para o exercício da racionalidade. Ele repete isso muitas vezes: a autoridade moral está incorporada nas práticas de regras sociais e nas comunidades – igreja, estado, família, escola44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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. Na medicina e na educação, o reconhecimento da autoridade e o conceito de profissão são inseparáveis. A premissa de responsabilidade não tem conexão necessária com a posse de habilidades técnicas, embora o florescimento das tradições e a aceitação da autoridade dos envolvidos em uma prática requer um alto grau de consenso moral – requer uma visão compartilhada dos bens internos a essa prática, crenças compartilhadas sobre os procedimentos necessários para alcançar esses bens e sobre a alocação de papéis
2222. MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 201. .
Infelizmente, MacIntyre também denota grande pessimismo sobre o resgate da autoridade médica tradicional no mundo contemporâneo. Os contextos sociais e intelectuais mudaram demais. Na verdade, somos estranhos um ao outro e a autopreservação de cada ser humano compete apenas a eles próprios44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. .
Pacientes
Em um dos textos, MacIntyre identifica-se no papel de paciente, o que lhe permite relatar os sentimentos e sensações dos pacientes enquanto eles enfrentam a medicina burocrática e as mudanças da sociedade pluralista1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Ele diz que a medicina moderna é inevitável e incontestavelmente burocrática em sua forma, e esse conceito se aplica a grandes organizações, bem como a pequenos hospitais ou consultórios particulares.
Alguns exemplos de burocracia que ele relata estão no acesso ao médico, quando os pacientes aguardam na fila para consultas médicas ou exames, e especialmente no fato de que é o papel que importa, não o indivíduo. O termo permutabilidade é usado por médicos que podem ser substituídos, devido à sua própria mobilidade e porque o que importa é quem está de plantão1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Para os pacientes, que também se deslocam, o cenário que ele descreve é aquele em que as pessoas são substituídas por prontuários. MacIntyre diz que, se os pacientes são tratados de forma burocrática, não são tratados como pessoas, o que reforça a passividade peculiar ao papel do doente1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
Desapontamento é o sentimento que resume as experiências de um divórcio entre expectativas e realidade – quando um paciente só quer se reconhecer saudável e os médicos querem tratar um conjunto de doenças identificáveis1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Então, a impessoalidade resultante da burocracia força os pacientes a atitudes de dependência – não apenas porque chegam à assistência médica em necessidade, mas porque é a burocracia que dirá aos clientes o que eles precisam1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
MacIntyre também descreve a impessoalidade quando médicos especializados tratam apenas partes do corpo dos pacientes. O paciente não é uma pessoa inteira, mas uma coleção de partes do corpo ou subsistemas. E ele diz que a impessoalidade devida à especialização priva o paciente das dimensões morais e sociais1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Ele conclui que, se a impessoalidade coexiste com uma maneira bastante individualista de pensar sobre a realidade médico-paciente, também é um resultado negativo da ideologia individualista da modernidade1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
MacIntyre rejeita esse papel individualista que os pacientes assumem, em vez de aceitar a autoridade dos médicos. Tradicionalmente, o paciente se coloca nas mãos do médico e permite que ele tenha a responsabilidade. Não é necessário que o médico revele seu próprio processo de pensar, tornando o paciente vítima de todas as informações, mas ele diz ao paciente assertivamente exatamente o que é necessário, sinaliza um relacionamento que é mais do que contratual44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. . Mais uma vez, ele exemplifica as diferenças entre as relações contratuais e de cuidado, comparando o relacionamento do paciente com o médico e o relacionamento do cliente com o dono do restaurante44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . O cliente é livre para escolher em qual restaurante comer e o que comer, e o dono do restaurante age sob certas restrições (como manutenção de padrões de higiene), mas ambos são autônomos.
Uma característica da sociedade moderna é a tendência a superestimar a autonomia – agora falamos de consumismo na medicina. MacIntyre, em outras palavras, diria o mesmo: se um paciente escolhe livremente um médico em particular, existe um contrato entre médico e paciente no qual os serviços técnicos são trocados por pagamento1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. Portanto, ele acrescenta, é um erro grave supor que, para respeitar um paciente como pessoa, é necessário respeitar suas escolhas autônomas relativas a problemas de saúde1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
De fato, para MacIntyre, um paciente só acredita que ele é o único a fazer suas próprias escolhas em relação ao tratamento, porque ele e o médico não têm uma base comum de valores e crenças. Ninguém realmente pode confiar nos julgamentos de outras pessoas em seu nome até que saiba o que a outra pessoa acredita. Ele fala de uma forma de autonomia moral como condição social44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. .
Autonomia, dessa maneira, não é como Kant considerava, uma propriedade de todo agente racional. MacIntyre acredita na autonomia como conquista, uma conquista social: É em e através de nossa rede de relacionamentos que alcançamos o controle racional de nossas vidas 2323. MacIntyre A. Op. cit. 1985. p. 95. . E está claramente relacionado aos pacientes que não devem se ver como indivíduos com um conjunto de necessidades e vontades desordenadas, distante das relações sociais e sem papéis definidos que constituem o telos de suas vidas1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
MacIntyre1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. faz algumas críticas à definição contemporânea de pessoa, no Oxford English Dictionary: “portador de direitos legais” ( bearer of legal rights ). Pois ele explica que em hebraico, aramaico ou grego não há palavras que possam ser traduzidas corretamente por essa expressão: um direito1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. Nem mesmo a Bíblia tem espaço para esse conceito. Da mesma forma que na definição de “pessoa”, MacIntyre1212. MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. J Med Philos [Internet]. 1979 [acesso 7 jul 2016];4(4):435-43. DOI: 10.1093/jmp/4.4.435 define “paciente” em sua concepção etimológica – como receptores passivos – para criticar o papel passivo que os pacientes costumam assumir. Eles assumem papéis passivos diante da burocracia, enfrentam o modelo contratual ao qual apelam para e quando atribuem aos médicos alguns papéis mágicos, ignorando o caráter científico da prática médica1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. , 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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MacIntyre nos conscientiza do paradoxo da situação dos pacientes. Eles permanecem passivamente na posição de vítimas, mas querem tomar todas as decisões sobre a vida e a morte, e reivindicar autonomia. E são eles que assumem tais posições antagônicas. Os pacientes são pessoas em nossa sociedade liberal – eles negam tradições, autoridade médica e querem assumir seu individualismo. Portanto, uma das conclusões mais importantes de MacIntyre é essa mudança de paradigma.
Falhamos em resolver os problemas da ética médica porque pressupomos uma resposta errada para “de quem são os problemas?” A resposta dada como certa é: médicos, enfermeiros ou administradores de hospitais. Mas são problemas dos pacientes . É por isso que MacIntyre destaca os papéis dos pacientes como agentes morais, em oposição aos indivíduos autônomos. Os pacientes devem ser ativos44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . Em seguida, ele fornece muitos exemplos de como os pacientes podem desempenhar um papel ativo na vida hospitalar, aprendendo fatos sobre a falibilidade médica e o método clínico, em vez de projetar no médico o papel de mágico ou de alguém que pode derrotar a morte.
A própria burocracia, explica MacIntyre, age para cegar os pacientes dos fatos sobre o erro médico. Os pacientes precisam aprender não apenas que os médicos em geral cometem erros, mas também que cometer erros faz parte do método científico, e que o julgamento clínico melhora com a experiência66. Gorovitz S, MacIntyre A. Toward a theory of medical fallibility. J Med Philos [Internet]. 1976 [acesso 2 abr 2018];1(1):51-71. DOI: 10.1093/jmp/1.1.51 , 1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. , 1111. MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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. Ao inés disto, o que os pacientes fazem é acreditar na ciência como mágica, um empreendimento poderoso e infalível. Mas a ciência reivindica o conhecimento e a mágica o poder
2424. MacIntyre A. Op. cit. 1985. p. 92. .
As pessoas em nossa cultura, ele acrescenta, acreditam em magia ao invés de religião, porque a magia controla o poder enquanto a religião nos coloca nas mãos de um poder que não podemos controlar. Uma segunda diferença é que a salvação na religião não oferece garantia de preservação com relação ao sofrimento, e a magia promete nos tornar invulneráveis. O que há de errado para MacIntyre é que as pessoas buscam a medicina não apenas pelo alívio da dor, mas por algo que as impeça de envelhecer. Eles também querem tudo curado, mesmo que seja necessário procurar e acreditar em drogas milagrosas: Querem se tornar invulneráveis e imortais 2424. MacIntyre A. Op. cit. 1985. p. 92. .
Em quase todos os textos, há alguma menção à morte e como as pessoas querem afastá-la. Mas todos nós vamos morrer, e MacIntyre diz que os pacientes devem perceber isto e, em vez de tentar derrotar a morte, apenas estar preparados para ela. A sociedade deve reconhecer que todos somos incuráveis no final, e as pessoas devem confiar em uma visão finalista da vida55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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.
De fato, pacientes ativos realmente devem definir seus próprios bens, mas bens diferentes. E eles também devem redefinir seus papéis. Para MacIntyre, os pacientes devem ser absolvidos da responsabilidade e convidar o médico a cuidar deles. Ele acrescenta que é a incapacidade que qualifica os pacientes – é a vulnerabilidade que os coloca naquele lugar, não a autonomia44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. . MacIntyre conclui que ninguém é um agente moral abstrato, mas existem papéis interdefinidos para médicos, pacientes, enfermeiros e assim por diante. Os pacientes devem se tornar agentes morais ativos em vez de passivos44. MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212. , 55. MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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, 1010. MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96. .
Considerações finais
Apesar de admitir uma crise na medicina relacionada à ética médica, cujos sintomas incluem a maneira como os filósofos são convidados para as escolas de medicina e hospitais, MacIntyre considera que as soluções não estão na teorização filosófica. De fato, ele acredita que não há respostas a serem dadas, pois não há recursos morais em nossa cultura que conduzam a soluções reais.
MacIntyre defende uma conclusão pessimista de que os problemas de ética médica são insolúveis em nossa cultura devido à falta de um background compartilhado de crenças, o que poderia permitir o raciocínio moral ao fornecer uma visão do verdadeiro fim do homem, da natureza humana e da sociedade. Uma maneira simplista de lidar com o pessimismo de MacIntyre poderia ser recorrer a outros autores que admitem o pensamento liberal da contemporaneidade. Caso contrário, destacar os escritos de MacIntyre da década de 1970 pode ser uma maneira de negar que tradições, narrativas, valores e o reconhecimento da interdependência da pessoa são sempre produtos internos da prática médica.
A conclusão deste trabalho direcionado aos médicos é um verdadeiro convite para agir virtuosamente. Em relação aos pacientes e a sociedade em geral, é um chamado a um papel mais ativo. Os pacientes são aqueles que devem entender a medicina em seus métodos, que devem aceitar a própria vulnerabilidade e morte, e que devem desempenhar papéis menos individualistas. Pacientes ativos realmente devem definir seus próprios bens, e bens em um significado teleológico.
A teleologia representa os médicos também. MacIntyre diz: não há como responder à pergunta que regras morais devo respeitar nessa situação? até que eu responda à pergunta: quem sou eu? 2525. MacIntyre A. Op. cit. 1978. p. 46.
As escolhas morais do médico não devem se basear em ações alternativas em situações particulares, mas em formas de vida completas, em formas totalmente alternativas de organização de papéis e relacionamentos em contextos de prática médica e nos bens a serem alcançados dessa maneira. Portanto, depois de MacIntyre, há um novo caminho prescritivo e interpretativo para a prática médica e a ética médica, respectivamente. Nós, que vivemos temporariamente “Depois da virtude”, podemos nos beneficiar do esquema conceitual de MacIntyre sobre ética, ética médica, prática médica e vida...
Referências
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4MacIntyre A. Patients as agents. In: Spicker SF, Engelhardt HT Jr, editores. Philosophical medical ethics: its nature and significance. Dordrecht: D. Reidel; 1977. p. 197-212.
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5MacIntyre A. What has ethics to learn from medical ethics? Philos Exch [Internet]. 1978 [acesso 7 jul 2016];9(1):37-47. Disponível: https://bit.ly/31RDOfm
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7MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 206.
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10MacIntyre A. Medicine aimed at the care of persons rather than what? In: Cassell EJ, Siegler M, Editores. Changing values in medicine. Frederick: University Publications of America; 1985. p. 83-96.
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11MacIntyre A. Ethical issues in attending physician-resident relations: a philosopher’s view. Bull N Y Acad Med [Internet]. 1979 [acesso 4 abr 2018];55(1):57-61. Disponível: https://bit.ly/36emaWI
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13MacIntyre A. Theology, ethics, and the ethics of medicine and health care: comments on papers by Novak, Mouw, Roach, Cahill, and Hartt. Op. cit. 1979. p. 440.
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14MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 82.
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15MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 202-3.
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16MacIntyre A. Op. cit. 1978. p. 41.
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17Gorovitz S, MacIntyre A. Op cit. p. 64.
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18MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 85.
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19MacIntyre A. Op. cit. 1975. p. 16.
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20MacIntyre A. Op. cit. 2000. p. 84.
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21MacIntyre A. Dependent rational animals: why human beings need the virtues. Chicago: Open Court; 1999.
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22MacIntyre A. Op. cit. 1977. p. 201.
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23MacIntyre A. Op. cit. 1985. p. 95.
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24MacIntyre A. Op. cit. 1985. p. 92.
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25MacIntyre A. Op. cit. 1978. p. 46.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Jan 2020 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2019
Histórico
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Recebido
1 Jun 2018 -
Revisado
26 Jun 2019 -
Aceito
9 Jul 2019