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Validação de inventário de problemas éticos para a saúde bucal

Resumo

Trata-se de pesquisa metodológica para validar o Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal por meio da técnica Delphi, buscando consenso entre 23 cirurgiões-dentistas. Solicitou-se análise comparativa entre os itens do inventário de referência e do inventário para saúde bucal, questionando sua compatibilidade e adequação, incluindo problemas éticos específicos da área pesquisada. Os especialistas propuseram reescrever e alterar diversos itens. Houve segunda rodada para buscar consenso nas questões não esgotadas na etapa anterior. A técnica Delphi mostrou-se essencial para obter enunciados mais compreensíveis e adequados, potencializando o emprego do inventário pelos trabalhadores e gestores da saúde bucal, a reflexão ético-política sobre os problemas vividos e a construção de processos coletivos de deliberação.

Palavras-chave:
Ética; Bioética; Atenção primária à saúde; Saúde bucal; Estudo de validação

Abstract

This is a methodological research to validate the Inventory of Ethical Problems in Primary Health Care for Oral Health using the Delphi technique, searching for a consensus among 23 dental surgeons. A comparative analysis between the reference instrument and the Inventory for Oral Health was requested, questioning their compatibility and adequacy, including ethical problems specific to the studied area. The professionals proposed rewriting and altering several items. A second round was conducted to seek consensus on issues not exhausted in the previous stage. The Delphi technique was essential to obtain more understandable and adequate items, enhancing the use of the inventory by oral health workers and public health managers, the ethical reflection on the problems experienced, and the construction of collective deliberation processes.

Keywords:
Ethics; Bioethics; Primary health care; Oral health; Validation study

Resumen

Se trata de una investigación metodológica para validar el Inventario de Problemas Éticos en Atención Primaria de Salud para la Salud Bucal mediante la técnica Delphi, buscando el consenso entre 23 odontólogos. Se solicitó un análisis comparativo entre los puntos del inventario de referencia y el inventario de salud bucal, cuestionando su compatibilidad y adecuación, incluidos los problemas éticos propios del área investigada. Los expertos propusieron reescribir y cambiar varios elementos. En la segunda ronda, se ha buscado un consenso en temas no agotados en la etapa anterior. La técnica Delphi resultó fundamental para obtener enunciados más comprensibles y adecuados, potenciando el uso del inventario por parte de los gestores y trabajadores de salud bucal, la reflexión ético-política sobre los problemas vividos y la construcción de procesos colectivos de deliberación.

Palabras clave:
Ética; Bioética; Atención primaria de salud; Salud bucal; Estudio de validación

De acordo com Rovere 11. Rovere M. La atención primaria en la encrucijada: desplegar su potencial transformador o quedar instrumentados en una nueva ofensiva privatizadora. Saúde Debate [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];42(n esp 1):315-27. DOI: 10.1590/0103-11042018s121
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, desde a Declaração de Alma-Ata a atenção primária à saúde (APS) tornou-se pilar da garantia da saúde como direito humano fundamental, pautada em valores como qualidade de vida, solidariedade, equidade, democracia, cidadania e participação. Seguindo esses princípios, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, no auge da redemocratização do país, buscou modificar o padrão biomédico hospitalocêntrico, almejando construir modelo de acesso universal e atenção integral.

Entretanto, diferentemente de outros sistemas universais do pós-guerra, o brasileiro é criado quando o welfare state já está em crise. As políticas neoliberais de austeridade dificultam sua consolidação, devido ao subfinanciamento e à fragmentação gerada por interesses privatistas-mercantilistas. Ao final dos anos 1990, o Programa Saúde da Família, transformado posteriormente em Estratégia Saúde da Família (ESF), volta-se ao fortalecimento da APS, reorganizando processos de trabalho, investindo em tecnologias não materiais, humanizando o cuidado para qualificar a atenção e propondo clínica ampliada, para além do tratamento curativo individualizado 22. Brito GEG, Mendes ACG, Santos Neto PM. O trabalho na Estratégia Saúde da Família e a persistência das práticas curativistas. Trab Educ Saúde [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];16(3):975-95. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00164
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,33. Fonsêca GS, Pires FS, Junqueira SR, Souza CR, Botazzo C. Redesenhando caminhos na direção da clínica ampliada de saúde bucal. Saúde Soc [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];27(4):1174-85. DOI: 10.1590/s0104-12902018180117
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.

A nascente bioética social converge com o movimento sanitário e da saúde coletiva para edificar seu referencial epistemológico e prático, registrando importantes avanços na construção de um conhecimento bioético brasileiro. No campo da bioética clínica, o desafio é consolidar os comitês clínicos de bioética 44. Gomes D, Aparisi JCS. Deliberação coletiva: uma contribuição contemporânea da bioética brasileira para as práticas do SUS. Trab Educ Saúde [Internet]. 2017 [acesso 12 mar 2020];15(2):347-71. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00052
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. Na APS, a tarefa é desvelar e resolver problemas éticos “naturalizados” por seu imbricamento com questões organizacionais e estruturais.

Nesse contexto, buscou-se desenvolver o Inventário de Problemas Éticos na APS (IPE-APS), voltado a identificar conflitos cotidianos das práticas de saúde. Esse processo colaborou para o surgimento da bioética clínica amplificada 55. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: para uma clínica ampliada, uma bioética clínica amplificada. Mundo Saúde [Internet]. 2009 [acesso 12 mar 2020];33(2):195-204. Disponível: https://bit.ly/36Fs3xd
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, referencial que destaca o fato de que, diferentemente da atenção terciária, os problemas éticos na APS não estão ligados a situações emergenciais e tecnologias biomédicas, mas a situações invisibilizadas na práxis da saúde. A abordagem aponta, portanto, para a falta de percepção e de deliberação ética sobre esses problemas, embora a estrutura dos serviços seja importante fator causal 66. Junges JR, Zoboli ELCP, Schaefer R, Nora CRD, Basso M. Validação da compreensibilidade de um instrumento sobre problemas éticos na atenção primária. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];35(2):148-56. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.01.39811
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,77. Junges JR, Zoboli ELCP, Patussi MP, Schaefer R, Nora CRD. Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];22(2):309-17. DOI: 10.1590/1983-80422014222012
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.

No Brasil, a deliberação ética 88. Gracia D. Teoría y práctica de la deliberación moral. In: Grande LF, Gracia D, Sánchez MÁ, editores. Bioética: el estado de la cuestión. Madrid: Triacastela; 2011. p. 101-54.,99. Junges JR, Barbiani R, Zoboli ELCP. Vulneração programática como categoria explicativa dos problemas éticos na atenção primária à saúde. Trab Educ Saúde [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];16(3):935-53. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00149
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para a tomada de decisão diante de conflitos morais tem sido pouco empregada na assistência de alta complexidade devido ao baixo número de comitês de bioética. Já na APS, a deliberação costuma acontecer junto ao controle social, em espaços participativos como os conselhos de saúde, em forma de discussões atravessadas por componentes políticos e distanciadas da perspectiva ética.

O debate na cogestão de equipes que utilizam o método da roda e da problematização baseada na pedagogia freiriana depende do comprometimento dos trabalhadores e gestores. Mas a dimensão ética dos problemas da saúde está inserida nesse contexto participativo? Ela está presente nos espaços de discussão sobre a APS? O método deliberativo poderia ser incorporado aos métodos de gestão já utilizados? Seria necessário construir outros espaços de deliberação ética ou bastaria dar suporte adequado aos trabalhadores?

Diante dessas questões, um instrumento que considerasse diferentes contextos da APS seria ferramenta importante para delimitar problemas éticos e qualificar as práticas em saúde. A saúde bucal, por se limitar à boca – com todos os sentidos epistemológicos e práticos que essa delimitação pode suscitar –, pode ser campo singular para identificar tais problemas e por isso foi escolhida neste estudo. Por meio de levantamento de problemas éticos junto a profissionais da saúde bucal de região metropolitana do Sul do Brasil 1010. Gomes D, Zoboli ELC, Finkler M. Problemas éticos na saúde bucal no contexto da atenção primária à saúde. Physis [Internet]. 2019 [acesso 12 mar 2020];29(2):e290208. DOI: 10.1590/s0103-73312019290208
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, seguido de etapa de equivalência de itens, de semântica e de conteúdo desses problemas específicos com o IPE-APS por comitê de juízes, deu-se origem a um inventário voltado à saúde bucal (IPE-APS-SB) 1010. Gomes D, Zoboli ELC, Finkler M. Problemas éticos na saúde bucal no contexto da atenção primária à saúde. Physis [Internet]. 2019 [acesso 12 mar 2020];29(2):e290208. DOI: 10.1590/s0103-73312019290208
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,1111. Gomes D. Ética na atenção primária à saúde: construção de um inventário de problemas éticos na saúde bucal [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2019.. Este artigo apresenta a validação desse novo inventário, que visa promover a reflexão e a deliberação sobre problemas ético-políticos.

Método

A validação busca avaliar a fidedignidade das observações, interpretações e generalizações desenvolvidas ao longo da pesquisa, incluindo as etapas de validação de face, de conteúdo e psicométrica do constructo. A validação de face consiste em aplicar o instrumento adaptado a uma amostra de modo concomitante ao instrumento já existente e validado, considerado padrão-ouro. O processo, que pode ser realizado por comitê de especialistas, justifica-se quando há necessidade de nova escala, embora outras já existam. Já a validação interna ou de conteúdo refere-se ao julgamento sobre o instrumento por diferentes peritos, que analisam o teor e a relevância dos objetivos a se medir 1212. Góes PSA, Fernandes LMA, Lucena LBS. Validação de instrumentos de coleta de dados. In: Antunes JLF, Peres MA, organizadores. Epidemiologia da saúde bucal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 390-7.,1313. Raymundo VP. Construção e validação de instrumentos: um desafio para a psicolinguística. Letras Hoje [Internet]. 2009 [acesso 12 mar 2020];44(3):86-93. Disponível: https://bit.ly/32S3lbF
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.

Neste trabalho, as análises da equivalência de face e de conteúdo foram desenvolvidas por meio do método Delphi modificado 1414. Marchon SG, Mendes WV Jr. Tradução e adaptação de um questionário elaborado para avaliar a segurança do paciente na atenção primária em saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [acesso 12 mar 2020];31(7):1395-412. DOI: 10.1590/0102-311X00157214
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, que examina e discute a avaliação de especialistas sobre tópico específico para obter consenso e chegar à versão final. Espelhada no mítico oráculo de Delfos, a técnica é estruturada para coletar sistematicamente juízos sobre determinados problemas, processar informações e construir um acordo geral. Seus princípios básicos são: 1) interatividade, por meio de rodadas sucessivas de consultas para que os participantes revisem suas opiniões; 2) retroalimentação, em que especialistas recebem valorações de todos os participantes antes das rodadas para contrastá-las com seus próprios critérios e oferecer novamente seu juízo; 3) anonimato das respostas individuais; e 4) construção de consenso – acordo geral do grupo a partir do processamento estatístico das diferenças e coincidências entre as apreciações individuais e suas modificações 1515. Valdés MG, Marín MS. El método Delphi para la consulta a expertos en la investigación científica. Rev Cubana Salud Pública [Internet]. 2013 [acesso 12 mar 2020];39(2):253-67. Disponível: https://bit.ly/3kB0r0Y
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.

Para a seleção dos participantes, recomenda-se trabalhar com 10 a 15 especialistas, pois número maior traz poucos benefícios em comparação com o aumento de complexidade 1515. Valdés MG, Marín MS. El método Delphi para la consulta a expertos en la investigación científica. Rev Cubana Salud Pública [Internet]. 2013 [acesso 12 mar 2020];39(2):253-67. Disponível: https://bit.ly/3kB0r0Y
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. No entanto, a amostra por conveniência deste trabalho contou com 23 especialistas, selecionados nos municípios incluídos na pesquisa (Florianópolis, Palhoça, São José e Biguaçu, todos do estado de Santa Catarina). Como a qualidade da validação depende principalmente dos especialistas escolhidos, buscou-se incluir cirurgiões-dentistas com experiência de trabalho na APS e pós-graduação em áreas afins – residência em saúde da família (4); especialização seguida ou não de residência (8); mestrado (4); doutorado (6); ou apenas graduação, mas vasta experiência na APS (1). Considerou-se que esses profissionais detinham saberes e experiências relevantes, além de motivação para participar 1414. Marchon SG, Mendes WV Jr. Tradução e adaptação de um questionário elaborado para avaliar a segurança do paciente na atenção primária em saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [acesso 12 mar 2020];31(7):1395-412. DOI: 10.1590/0102-311X00157214
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Como a etapa de construção do inventário atingiu a quantidade expressiva de 36 itens, na validação foi preciso subdividi-los em dois grupos, com seus respectivos questionários estruturados, a fim de não sobrecarregar os especialistas. O Grupo 1, composto por 12 especialistas, ficou responsável por comparar os 21 itens do IPE-APS de referência com os itens equivalentes do IPE-APS-SB, testando se o item do novo inventário foi elaborado de acordo com o instrumento original, se era compatível com a realidade dos problemas éticos da saúde bucal e se tinha linguagem clara e terminologia correta. O Grupo 2, com 11 especialistas, avaliou 15 problemas éticos específicos da saúde bucal, sem equivalentes no IPE-APS de referência, testando se o item era compatível com a realidade dos problemas éticos da saúde bucal, com linguagem clara e terminologia correta. Em caso de discordância, foi solicitado que reescrevessem o problema a fim de melhorar sua compreensão, tecendo comentários ou explicações.

Os especialistas foram convidados por telefone ou pessoalmente a participar da pesquisa e, depois do aceite, foram distribuídos aleatoriamente nos dois grupos e receberam o questionário entre julho de 2018 e abril de 2019, de modo eletrônico e individual. Na primeira rodada, o instrumento foi acompanhado de nota explicativa que incluiu os objetivos da técnica e do estudo, orientações para as respostas e termo de consentimento livre esclarecido. Na sequência, as respostas foram recebidas e analisadas. Com base nas modificações propostas, vários itens foram reelaborados. As respostas que não atingiram consenso mínimo de 51% 66. Junges JR, Zoboli ELCP, Schaefer R, Nora CRD, Basso M. Validação da compreensibilidade de um instrumento sobre problemas éticos na atenção primária. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];35(2):148-56. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.01.39811
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,77. Junges JR, Zoboli ELCP, Patussi MP, Schaefer R, Nora CRD. Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];22(2):309-17. DOI: 10.1590/1983-80422014222012
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,1515. Valdés MG, Marín MS. El método Delphi para la consulta a expertos en la investigación científica. Rev Cubana Salud Pública [Internet]. 2013 [acesso 12 mar 2020];39(2):253-67. Disponível: https://bit.ly/3kB0r0Y
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foram levadas para a segunda rodada.

Resultados

A aplicação do método Delphi resultou em duas rodadas de validação, nas quais a redação dos itens foi modificada seguindo as sugestões dos especialistas. Os itens que apresentaram menos de 51% de desacordo 77. Junges JR, Zoboli ELCP, Patussi MP, Schaefer R, Nora CRD. Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];22(2):309-17. DOI: 10.1590/1983-80422014222012
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foram desconsiderados para a segunda rodada e, como nenhum deles superou 51% de discordância na segunda rodada, não foi necessária uma terceira.

Na primeira rodada do método Delphi, o Grupo 1 de especialistas comparou os itens do IPE-APS de referência com os itens equivalentes do IPE-APS-SB proposto. No quesito “o item está compatível com a realidade dos problemas éticos em saúde bucal, sim ou não?”, apenas três itens (8, 27 e 38) não obtiveram consenso, sendo enviados para segunda rodada. O Grupo 2 analisou os outros itens do IPE-APS-SB proposto. No mesmo quesito, em apenas cinco itens (7, 10, 12, 23 e 27) não se chegou a consenso, sendo estes enviados para segunda rodada. Os Quadros 1 e 2 apresentam a validação feita pelos Grupos 1 e 2, respectivamente. A versão finalizada do IPE-APS-SB pode ser conferida no Anexo Anexo Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para Saúde Bucal (IPE-APS-SB) 1. Dificuldade em convencer ou motivar o usuário a dar continuidade ao tratamento, especialmente sem o trabalho clínico-educativo do TSB. 2. Excesso de famílias adscritas para cada ESB. 3. Falta de condições ou capacidade instalada para as ESB atenderem a todas as urgências. 4. Falta de condições para a realização de visitas domiciliares pelos profissionais da ESB. 5. As EqSF e ESB não colaboram umas com as outras, resultando em poucas ações interprofissionais. 6. Desrespeito aos usuários ou familiares por parte dos profissionais da ESB ou trabalhadores da UBS, com base em preconceitos e estigmas. 7. Prescrição de tratamento ou indicação de procedimento que o usuário não poderá pagar. 8. Falta de compromisso e envolvimento de alguns profissionais que atuam na ESB no desempenho de suas atribuições. 9. Inadequada formação dos profissionais da saúde bucal para o desempenho de suas atribuições na APS. 10. Inadequadas indicações clínicas de tratamentos ou procedimentos pelos profissionais da saúde bucal. 11. Omissão dos profissionais da saúde bucal diante de procedimento clínico ou prescrição inadequados. 12. Demérito da qualidade assistencial do cirurgião-dentista do serviço público por outros profissionais, em especial da iniciativa privada. 13. Dificuldade no sistema de referência para realização de exames complementares, especialmente os radiográficos. 14. Falta de respeito entre os membros da ESB, em especial na valorização do serviço auxiliar e do trabalho em equipe. 15. Questionamento sobre a conduta clínica dos(as) cirurgiões(ãs)-dentistas por outros profissionais da saúde bucal, inclusive pelos profissionais auxiliares. 16. Falta de apoio institucional com ações intersetoriais para discutir e resolver problemas éticos. 17. Dificuldade de estabelecer os limites da relação profissional-usuário. 18. O usuário solicita ao cirurgião-dentista os procedimentos que deseja, seguindo um padrão coercitivo de consumo ou tradicional de cura invasiva. 19. Dificuldade para preservar a privacidade do usuário por problemas na estrutura física e rotina da ESB e da UBS. 20. Falta de transparência da coordenação da UBS na resolução de problemas que envolvem os profissionais. 21. Usuários que não seguem as orientações profissionais no cuidado com sua própria saúde. 22. Desacordo entre o acolhimento aos usuários na saúde bucal e o preconizado pela ESF. 23. Ausência ou insuficiência de ASB para auxiliar no trabalho clínico e coletivo. 24. Dificuldades na realização das ações educativo-preventivas devido a problemas nas relações intersetoriais saúde-educação. 25. Violência vivenciada no trabalho envolvendo diversos atores. 26. Discriminação entre usuários do sistema de saúde, relacionada a estigmas sociais. 27. Alguns usuários da saúde bucal apresentam problemas cognitivos relacionados a condições socioeconômicas geradoras de vulneração social. 28. Dificuldade para desenvolver o trabalho clínico em equipe e ocorrência de doenças no trabalho devido a problemas na estrutura física do consultório odontológico. 29. Diminuição ou ausência de atendimento odontológico de urgência nas UPA. 30. Precarização das condições de trabalho na saúde bucal. 31. Inadequada ou insuficiente alocação de profissionais no CEO. 32. Falta de transparência na fila de espera pelos serviços de média complexidade em saúde bucal. 33. Subestimação e desvio de função de TSB para ASB. 34. Falta de engajamento dos profissionais, relacionada a formação insuficiente para atuar na APS/ESF. 35. Falta de união da ESB para maior valorização do trabalho na APS. 36. Incompreensão sobre a atuação do cirurgião-dentista como parte da ESF e para além da ação curativa. APS: atenção primária à saúde; ASB: auxiliar de saúde bucal; CEO: centro de especialidades odontológicas; EqSF: equipe de saúde da família; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; TSB: técnico de saúde bucal; UBS: unidade básica de saúde; UPA: unidade de pronto atendimento .

Quadro 1
Itens do Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal validados pelo método Delphi
Quadro 2
Itens específicos do Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal validados pelo método Delphi

Discussão

Como os especialistas não tiveram acesso a todos os problemas éticos elencados devido à necessidade de subdividi-los em grupos, houve sugestões de “novos” problemas éticos na realidade já contemplados. Na primeira rodada, mesmo os especialistas que concordaram com as formulações propostas teceram considerações ou propuseram melhorias na redação. Muitas vezes, os participantes não compreenderam o problema ético proposto, apontando não ter vivenciado tal conflito e modificando-o substancialmente. Diante das discordâncias ou negações dos problemas enunciados, perceberam-se diferenças nas experiências de cada profissional, dadas as diversas realidades de trabalho de cada município. Entretanto, todos os apontamentos foram considerados.

Tendo em vista que o IPE-APS-SB está sendo proposto para aplicação em diferentes realidades, com distintos modelos de organização e processos de trabalho, procurou-se restringir o problema ético ao seu núcleo de sentido, sem qualificações relacionadas à estrutura da APS, detalhamentos ou justificativas. Assim, seguindo o IPE-APS de referência, buscou-se descrever o problema de forma sucinta.

O principal desafio foi a identificação dos problemas éticos na APS pelos profissionais, tendo em vista a concepção hegemônica de ética, restrita ao âmbito deontológico 1616. Finkler M, Ramos FRS. La dimensión ética de la educación superior en odontología: un estudio en Brasil. Bordón [Internet]. 2017 [acesso 12 mar 2020];69(4):35-49. DOI: 10.13042/Bordon.2017.690403
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. Trata-se de percepção restrita, que dificulta o entendimento de dimensões ético-políticas que abrangem realidade contextual mais complexa. Tal complexidade parece exigir, em associação com o método de deliberação ética, uma hermenêutica crítica, capaz de pensar o contexto e a configuração dos problemas éticos.

Como a clínica ampliada 55. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: para uma clínica ampliada, uma bioética clínica amplificada. Mundo Saúde [Internet]. 2009 [acesso 12 mar 2020];33(2):195-204. Disponível: https://bit.ly/36Fs3xd
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questiona as relações de poder, tanto entre profissionais e usuários quanto na dimensão social das políticas públicas, os problemas éticos ultrapassam as paredes dos centros de saúde e chegam à vida das pessoas e das famílias, a suas casas e ao território, à comunidade e ao trabalho. Eles envolvem a organização e o funcionamento do sistema de saúde, além de processos macroestruturais socioeconômicos e culturais, transversais à assistência. A teia complexa de relações e ações que permeiam os processos de trabalho em saúde, associada à busca por soluções para os problemas cotidianos, torna a dimensão ética indissociável da política. Essa complexidade dificulta a identificação de conflitos éticos como tais e, por conseguinte, a subsequente reflexão e deliberação.

A clínica ampliada, ao deslocar a centralidade do ato clínico para as necessidades/interesses sociais, agrega uma realidade política que remete a valores específicos, de dimensão pública, coletiva e participativa, que consideram os profissionais e usuários da saúde como sujeitos e as relações como singulares, em tipo de compromisso ético-político que busca a integralidade 33. Fonsêca GS, Pires FS, Junqueira SR, Souza CR, Botazzo C. Redesenhando caminhos na direção da clínica ampliada de saúde bucal. Saúde Soc [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];27(4):1174-85. DOI: 10.1590/s0104-12902018180117
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,55. Zoboli ELCP. Bioética e atenção básica: para uma clínica ampliada, uma bioética clínica amplificada. Mundo Saúde [Internet]. 2009 [acesso 12 mar 2020];33(2):195-204. Disponível: https://bit.ly/36Fs3xd
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. Nesse contexto, a ética voltada aos deveres formalmente prescritos pelos códigos profissionais limita o debate da moralidade às relações contratuais entre profissional e paciente, na esteira do modelo biomédico, normativo e liberal. Essa ética deontológica incorpora princípios da ética paternalista, na qual boas intenções e exemplos parecem suficientes para assegurar a eticidade de ações e comportamentos. Essa visão, carregada de preceitos legais e corporativistas, perde a capacidade de gerar e fortalecer redes de busca pela excelência profissional na conduta social, bem como de concretizar valores morais solidaristas 88. Gracia D. Teoría y práctica de la deliberación moral. In: Grande LF, Gracia D, Sánchez MÁ, editores. Bioética: el estado de la cuestión. Madrid: Triacastela; 2011. p. 101-54..

Os problemas éticos devem ser percebidos como desafios que exigem deliberação coletiva, ultrapassando soluções particulares para buscar respostas contextualizadas e criativas, de longo alcance, a partir do comprometimento dos profissionais 44. Gomes D, Aparisi JCS. Deliberação coletiva: uma contribuição contemporânea da bioética brasileira para as práticas do SUS. Trab Educ Saúde [Internet]. 2017 [acesso 12 mar 2020];15(2):347-71. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00052
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,66. Junges JR, Zoboli ELCP, Schaefer R, Nora CRD, Basso M. Validação da compreensibilidade de um instrumento sobre problemas éticos na atenção primária. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2014 [acesso 12 mar 2020];35(2):148-56. DOI: 10.1590/1983-1447.2014.01.39811
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. Além disso, é preciso enfrentar uma subcidadania 1717. Souza J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Lisboa: Leya; 2017. socialmente introjetada nos usuários do SUS, que lhes nega direitos e qualidade de atenção por seu (não) poder de compra. Essa subcidadania dificulta a reflexão sobre processos que englobam determinantes socioeconômicos e culturais, conduzindo ao sofrimento moral e à vulneração programática dos profissionais 99. Junges JR, Barbiani R, Zoboli ELCP. Vulneração programática como categoria explicativa dos problemas éticos na atenção primária à saúde. Trab Educ Saúde [Internet]. 2018 [acesso 12 mar 2020];16(3):935-53. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00149
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A ética relacionada ao planejamento, à implementação e à avaliação de políticas sanitárias tem dimensão pública e de proteção. Ela ganha forma no corpo profissional que constrói e coloca em prática as políticas públicas, considerando resultados, consequências e amplitude social, isto é, capacidade de englobar indivíduos ou grupos vulneráveis. Nesse sentido, o constructo validado neste trabalho, além de servir de fonte de informação, pode abrir debates que amplifiquem a reflexão ética e a deliberação coletiva 44. Gomes D, Aparisi JCS. Deliberação coletiva: uma contribuição contemporânea da bioética brasileira para as práticas do SUS. Trab Educ Saúde [Internet]. 2017 [acesso 12 mar 2020];15(2):347-71. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00052
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É necessário unir as experiências de deliberação dos comitês de bioética com a deliberação política dos espaços de participação democrática em saúde. No mesmo sentido, deve-se incorporar métodos de gestão coparticipativa para a problematização coletiva. Fazendo frente à crítica sobre a democracia deliberativa como concepção formal, excludente e impraticável em contextos de desigualdade, incorporar a deliberação ética às práticas participativas já existentes no SUS permitiria ultrapassar o discurso despolitizado sobre os conflitos morais, reforçando a participação em processos de desenvolvimento moral e humanização. Como para deliberar é preciso compreender e interpretar, o método dialético deve dar vazão a uma interdisciplinaridade convertida em intercâmbio de ideias, capaz de entender o problema em seu contexto 1818. Gracia D. La deliberación como método de la bioética. In: Porto D, Schlemper B Jr, Martins JZ, Cunha T, Hellmann F, organizadores. Bioética: saúde, pesquisa, educação. Brasília: CFM; 2014. v. 2. p. 223-59..

O caminho para a deliberação coletiva e uma nova educação para cidadania é emperrado pela ideologia neoliberal, por estruturas precarizadas e gestões ultrapassadas, que não fazem avançar a democracia participativa. No mesmo sentido, os sistemas educacionais não formam os alunos para que eles problematizem a realidade; ao contrário, educam para a competitividade, de forma autoritária e baseada em suposta meritocracia, não dando voz nem desenvolvendo a capacidade de ouvir o outro. Trata-se de educação que anula o sujeito e impede o desenvolvimento de competências comunicativas. Essa postura centralizadora, hierárquica e corporativa trata cidadãos como subcidadãos e profissionais como subprofissionais. Segundo Gracia 1818. Gracia D. La deliberación como método de la bioética. In: Porto D, Schlemper B Jr, Martins JZ, Cunha T, Hellmann F, organizadores. Bioética: saúde, pesquisa, educação. Brasília: CFM; 2014. v. 2. p. 223-59., o controle do próprio inconsciente e do narcisismo, acompanhado de capacidade reflexiva, precisa ser cultivado, em prol da capacidade de reflexão necessária à deliberação ética. Por isso é fundamental exercitar a autocrítica dos próprios valores e crenças, enfrentando as próprias debilidades argumentativas.

Além disso, no contexto do SUS e de uma bioética de resistência 1919. Schramm FR. A bioética como forma de resistência à biopolítica e ao biopoder. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 12 mar 2020];18(3):519-35. Disponível: https://bit.ly/3kKlD4Z
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, amplia-se a necessidade de engajamento ético-político dos profissionais da saúde nas diversas instâncias de poder. Nessa perspectiva, o IPE-APS-SB pode auxiliar a cultivar valores como solidariedade crítica, participação política e empreendedorismo social 44. Gomes D, Aparisi JCS. Deliberação coletiva: uma contribuição contemporânea da bioética brasileira para as práticas do SUS. Trab Educ Saúde [Internet]. 2017 [acesso 12 mar 2020];15(2):347-71. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00052
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. A construção de um ethos pautado no fazer moral cotidiano cumpre papel educador de nova civilidade. Ademais, a práxis coletiva potencializa a cooperação, demonstrando a capacidade humana de transcender e superar interesses particulares.

Buscar soluções para os problemas pautando-se na vontade comum, em uma práxis que se responsabiliza pelas consequências das decisões, reposiciona o profissional como agente de mudança e contradiz a tese de que a motivação moral se reduz ao cálculo estreito de vantagens e benefícios pessoais 2020. Vásquez AS. Ética y política. México: FCE; 2007.. O ideal de participação coletiva baseia-se em: 1) uma ética perpassada pelo político (sociedade civil, comunidades, qualidade de vida e determinantes sociais do processo saúde-doença); e 2) compromisso intelectual assumido como responsabilidade coletiva, com confiança no poder das ideias e nos valores que elas carregam 2121. Cortina A. El quehacer público de la ética aplicada. In: Cortina A, García-Marzá D, organizadores. Razón pública y éticas aplicadas. Madrid: Tecnos; 2003. p. 13-44.. Trata-se, portanto, de uma ética que se transforma em participação política pautada na justiça social, nos direitos humanos, na proteção aos vulnerados e nas necessidades/interesses do paciente.

Na APS, destaca-se a indissociabilidade entre assistência e gestão, pois a deliberação clínica exige condições e meios para ser concretizada, que passam pela integração entre atividades de atendimento e planejamento estratégico. Tendo em vista as condições coletivas sanitárias e intersetoriais e o acesso aos diversos pontos da rede de atenção à saúde, o planejamento pode potencializar a participação por meio da ação comunicativa. Assim, a deliberação depende de ações estratégicas. O mais importante não é o produto, mas o caminho de produção, que deve considerar os participantes como sujeitos, estabelecer contratos e compromissos e definir prioridades 2222. Junges JR, Barbiani R, Zoboli ELCP. Planejamento estratégico como exigência ética para a equipe e a gestão local da atenção básica em saúde. Interface Comun Saúde Educ [Internet]. 2015 [acesso 12 mar 2020];19(53):265-74. DOI: 10.1590/1807-57622014.0331
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Considerações finais

Após validação de face e de conteúdo pelo método Delphi, a versão final do IPE-APS-SB abrangeu 36 problemas ético-políticos (Anexo Anexo Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para Saúde Bucal (IPE-APS-SB) 1. Dificuldade em convencer ou motivar o usuário a dar continuidade ao tratamento, especialmente sem o trabalho clínico-educativo do TSB. 2. Excesso de famílias adscritas para cada ESB. 3. Falta de condições ou capacidade instalada para as ESB atenderem a todas as urgências. 4. Falta de condições para a realização de visitas domiciliares pelos profissionais da ESB. 5. As EqSF e ESB não colaboram umas com as outras, resultando em poucas ações interprofissionais. 6. Desrespeito aos usuários ou familiares por parte dos profissionais da ESB ou trabalhadores da UBS, com base em preconceitos e estigmas. 7. Prescrição de tratamento ou indicação de procedimento que o usuário não poderá pagar. 8. Falta de compromisso e envolvimento de alguns profissionais que atuam na ESB no desempenho de suas atribuições. 9. Inadequada formação dos profissionais da saúde bucal para o desempenho de suas atribuições na APS. 10. Inadequadas indicações clínicas de tratamentos ou procedimentos pelos profissionais da saúde bucal. 11. Omissão dos profissionais da saúde bucal diante de procedimento clínico ou prescrição inadequados. 12. Demérito da qualidade assistencial do cirurgião-dentista do serviço público por outros profissionais, em especial da iniciativa privada. 13. Dificuldade no sistema de referência para realização de exames complementares, especialmente os radiográficos. 14. Falta de respeito entre os membros da ESB, em especial na valorização do serviço auxiliar e do trabalho em equipe. 15. Questionamento sobre a conduta clínica dos(as) cirurgiões(ãs)-dentistas por outros profissionais da saúde bucal, inclusive pelos profissionais auxiliares. 16. Falta de apoio institucional com ações intersetoriais para discutir e resolver problemas éticos. 17. Dificuldade de estabelecer os limites da relação profissional-usuário. 18. O usuário solicita ao cirurgião-dentista os procedimentos que deseja, seguindo um padrão coercitivo de consumo ou tradicional de cura invasiva. 19. Dificuldade para preservar a privacidade do usuário por problemas na estrutura física e rotina da ESB e da UBS. 20. Falta de transparência da coordenação da UBS na resolução de problemas que envolvem os profissionais. 21. Usuários que não seguem as orientações profissionais no cuidado com sua própria saúde. 22. Desacordo entre o acolhimento aos usuários na saúde bucal e o preconizado pela ESF. 23. Ausência ou insuficiência de ASB para auxiliar no trabalho clínico e coletivo. 24. Dificuldades na realização das ações educativo-preventivas devido a problemas nas relações intersetoriais saúde-educação. 25. Violência vivenciada no trabalho envolvendo diversos atores. 26. Discriminação entre usuários do sistema de saúde, relacionada a estigmas sociais. 27. Alguns usuários da saúde bucal apresentam problemas cognitivos relacionados a condições socioeconômicas geradoras de vulneração social. 28. Dificuldade para desenvolver o trabalho clínico em equipe e ocorrência de doenças no trabalho devido a problemas na estrutura física do consultório odontológico. 29. Diminuição ou ausência de atendimento odontológico de urgência nas UPA. 30. Precarização das condições de trabalho na saúde bucal. 31. Inadequada ou insuficiente alocação de profissionais no CEO. 32. Falta de transparência na fila de espera pelos serviços de média complexidade em saúde bucal. 33. Subestimação e desvio de função de TSB para ASB. 34. Falta de engajamento dos profissionais, relacionada a formação insuficiente para atuar na APS/ESF. 35. Falta de união da ESB para maior valorização do trabalho na APS. 36. Incompreensão sobre a atuação do cirurgião-dentista como parte da ESF e para além da ação curativa. APS: atenção primária à saúde; ASB: auxiliar de saúde bucal; CEO: centro de especialidades odontológicas; EqSF: equipe de saúde da família; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; TSB: técnico de saúde bucal; UBS: unidade básica de saúde; UPA: unidade de pronto atendimento ). O processo permitiu facilitar a compreensão dos enunciados, qualificando substancialmente o instrumento.

Como limitação metodológica, destaca-se a participação somente de cirurgiões-dentistas, uma vez que o grupo de especialistas poderia contar também com auxiliares e técnicos que integram as equipes de saúde bucal. Ainda assim, foi possível ver os problemas analisados a partir de diversos ângulos de análise, em especial as relações entre equipe e usuário/comunidade. Como forma de ultrapassar essa limitação, já que o constructo tem por objetivo ser utilizado por toda a equipe, buscou-se descrever os problemas de forma sucinta, restringindo-os a seu núcleo de sentido.

O IPE-APS-SB está disponível para ser empregado por trabalhadores, equipes e gestores. Seu objetivo é qualificar os serviços e estimular a reflexão ética, abrindo novos espaços de deliberação coletiva, sintonizados com o planejamento estratégico situacional. Sugere-se apenas mais uma validação do constructo, a partir de estudo de abordagem psicométrica.

  • Aprovação CEP-UFSC CAAE 60739716.1.0000.0121

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Anexo

Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para Saúde Bucal (IPE-APS-SB) 1. Dificuldade em convencer ou motivar o usuário a dar continuidade ao tratamento, especialmente sem o trabalho clínico-educativo do TSB. 2. Excesso de famílias adscritas para cada ESB. 3. Falta de condições ou capacidade instalada para as ESB atenderem a todas as urgências. 4. Falta de condições para a realização de visitas domiciliares pelos profissionais da ESB. 5. As EqSF e ESB não colaboram umas com as outras, resultando em poucas ações interprofissionais. 6. Desrespeito aos usuários ou familiares por parte dos profissionais da ESB ou trabalhadores da UBS, com base em preconceitos e estigmas. 7. Prescrição de tratamento ou indicação de procedimento que o usuário não poderá pagar. 8. Falta de compromisso e envolvimento de alguns profissionais que atuam na ESB no desempenho de suas atribuições. 9. Inadequada formação dos profissionais da saúde bucal para o desempenho de suas atribuições na APS. 10. Inadequadas indicações clínicas de tratamentos ou procedimentos pelos profissionais da saúde bucal. 11. Omissão dos profissionais da saúde bucal diante de procedimento clínico ou prescrição inadequados. 12. Demérito da qualidade assistencial do cirurgião-dentista do serviço público por outros profissionais, em especial da iniciativa privada. 13. Dificuldade no sistema de referência para realização de exames complementares, especialmente os radiográficos. 14. Falta de respeito entre os membros da ESB, em especial na valorização do serviço auxiliar e do trabalho em equipe. 15. Questionamento sobre a conduta clínica dos(as) cirurgiões(ãs)-dentistas por outros profissionais da saúde bucal, inclusive pelos profissionais auxiliares. 16. Falta de apoio institucional com ações intersetoriais para discutir e resolver problemas éticos. 17. Dificuldade de estabelecer os limites da relação profissional-usuário. 18. O usuário solicita ao cirurgião-dentista os procedimentos que deseja, seguindo um padrão coercitivo de consumo ou tradicional de cura invasiva. 19. Dificuldade para preservar a privacidade do usuário por problemas na estrutura física e rotina da ESB e da UBS. 20. Falta de transparência da coordenação da UBS na resolução de problemas que envolvem os profissionais. 21. Usuários que não seguem as orientações profissionais no cuidado com sua própria saúde. 22. Desacordo entre o acolhimento aos usuários na saúde bucal e o preconizado pela ESF. 23. Ausência ou insuficiência de ASB para auxiliar no trabalho clínico e coletivo. 24. Dificuldades na realização das ações educativo-preventivas devido a problemas nas relações intersetoriais saúde-educação. 25. Violência vivenciada no trabalho envolvendo diversos atores. 26. Discriminação entre usuários do sistema de saúde, relacionada a estigmas sociais. 27. Alguns usuários da saúde bucal apresentam problemas cognitivos relacionados a condições socioeconômicas geradoras de vulneração social. 28. Dificuldade para desenvolver o trabalho clínico em equipe e ocorrência de doenças no trabalho devido a problemas na estrutura física do consultório odontológico. 29. Diminuição ou ausência de atendimento odontológico de urgência nas UPA. 30. Precarização das condições de trabalho na saúde bucal. 31. Inadequada ou insuficiente alocação de profissionais no CEO. 32. Falta de transparência na fila de espera pelos serviços de média complexidade em saúde bucal. 33. Subestimação e desvio de função de TSB para ASB. 34. Falta de engajamento dos profissionais, relacionada a formação insuficiente para atuar na APS/ESF. 35. Falta de união da ESB para maior valorização do trabalho na APS. 36. Incompreensão sobre a atuação do cirurgião-dentista como parte da ESF e para além da ação curativa. APS: atenção primária à saúde; ASB: auxiliar de saúde bucal; CEO: centro de especialidades odontológicas; EqSF: equipe de saúde da família; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; TSB: técnico de saúde bucal; UBS: unidade básica de saúde; UPA: unidade de pronto atendimento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2019
  • Revisado
    25 Maio 2020
  • Aceito
    26 Jun 2020
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