Acessibilidade / Reportar erro

Bioética de proteção: fundamentos e perspectiva

Resumo

Este artigo busca promover uma reflexão sobre a perspectiva da bioética de proteção e explicitar suas ferramentas, por meio de levantamento bibliográfico ancorado nos marcos teóricos de seus principais idealizadores e da técnica de leitura informativa, que pretende identificar a temática e as principais ideias envolvidas. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, a proteção como princípio bioético mediante um aprofundamento na origem, na definição e na análise dos termos “vulnerabilidade”, “suscetibilidade” e “vulneração”. Na sequência, busca-se apresentar as abordagens bioéticas voltadas ao “princípio de proteção”. Por fim, argumenta-se que a bioética de proteção funciona como paradigma para apreensão, análise e resolução de conflitos morais em saúde pública, revelando-se uma abordagem fundamental nesse campo, haja vista seu desafio de lidar com a tensão entre os âmbitos individual e coletivo.

Temas bioéticos; Bioética; Vulnerabilidade social; Atenção à saúde

Abstract

This article seeks to reflect on the perspective of bioethics of protection and explain its tools, by using a bibliographic survey based on the theorical marks of its main idealizers and the informative reading technique, which seeks to identify the thematic and the main ideas involved. To that end, we first present protection as a bioethical principle by going deeper into the origin, to the definition and the analysis of the terms “vulnerability”, “susceptibility” and “injury”. Then, we seek to present the bioethical approaches regarding the “principle of protection”. Finally, we argue that bioethics of protection works as a paradigm for the apprehension, analysis, and resolution of moral conflicts in public health, revealing itself a fundamental approach in this field, considering its challenge is facing the tension between the individual and the collective spheres.

Bioethical issues; Bioethics; Social vulnerability; Health care

Resumen

Este artículo pretende fomentar la reflexión sobre la perspectiva de la bioética de protección y explicar sus herramientas a partir de una recopilación bibliográfica realizada en los marcos teóricos de sus principales creadores y la técnica de lectura informativa, con el objetivo de identificar la temática y las ideas principales involucradas. Para ello, primero se presenta la protección como un principio bioético a través de un estudio en profundidad del origen, definición y análisis de los términos “vulnerabilidad”, “susceptibilidad” y “vulneración”. Después, se exponen los enfoques bioéticos relativos al “principio de protección”. Y, por último, se argumenta que la bioética de protección funciona como paradigma para aprehender, analizar y resolver los conflictos morales en salud pública, demostrando ser un abordaje fundamental en este campo teniendo en cuenta su desafío de lidiar con la tensión entre lo individual y lo colectivo.

Discusiones bioéticas; Bioética; Vulnerabilidad social; Atención a la salud

Este trabalho respalda-se nos marcos teóricos dos principais idealizadores da bioética de proteção e na pesquisa de material de interesse obtido nas bases de dados do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), da SciELO, do Google Scholar e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Para seleção do material e coleta de informações, utilizou-se a técnica da leitura informativa, abrangendo suas quatro fases: 1) reconhecimento/pré-leitura; 2) seletiva; 3) crítica/reflexiva; e 4) interpretativa 11. Silva LG, Alves MS. O acolhimento como ferramenta de práticas inclusivas de saúde. Revista de APS [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];11(1):74-84. Disponível: https://bit.ly/3w0a3do
https://bit.ly/3w0a3do...
. Tal técnica baseia-se no levantamento bibliográfico de publicações – sobretudo monografias, livros e revistas científicas – referentes à bioética de proteção, utilizando as palavras-chave “bioética de proteção”, “vulnerabilidade” e “suscetibilidade”.

A partir de então, o material passou por um reconhecimento, visando triar as informações relevantes pari passu à construção de uma visão geral do assunto. Após essa primeira etapa, empreendeu-se uma seleção mais criteriosa das informações, sucedida por uma elaboração crítica e sintética do conteúdo, com o intuito de promover uma reflexão sobre o que os autores buscaram afirmar. Por fim, na etapa interpretativa, buscou-se, por meio de comparações e diferenciações entre os significados obtidos a partir das afirmações sustentadas pelos autores, estabelecer uma correlação entre os conteúdos obtidos.

Vulnerabilidade como conditio humana

Originalmente, a proteção como princípio bioético surgiu numa abordagem do conflito envolvido na vigência da biotecnociência e da biopolítica no campo da saúde pública 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , amparando-se na noção de vulnerabilidade como condição humana. Para os bioeticistas Kottow 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 e Schramm 44. Schramm FR. Liberdade obrigatória como phármakon do humano demasiado humano. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(3):527-48. DOI: 10.1590/S1413-81232005000300011 , tanto a vulnerabilidade quanto o florescimento humanos advêm do fato de a espécie humana ser pouco provida de instintos e de sua natureza ser incompleta, o que inspira o desenvolvimento e a aplicação de medidas protetivas. Segundo Kottow 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 , 55. Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361 , a vulnerabilidade dos cidadãos já era objeto de preocupação para Hobbes, visto que a função protetora aparece tanto na adoção do contrato social pelo Estado quanto na ascensão do bem comum, na figura do soberano. Posteriormente, e ainda de acordo com o bioeticista chileno 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 , 55. Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361 , a concepção hobbesiana foi refinada por Mill, e as funções estatais ficaram restritas à garantia dos direitos individuais, ao passo que a proteção se estabeleceu como ação estatal fundamental, de sorte que a soberania politicamente legítima e justificável deveria prover o mínimo de segurança aos cidadãos 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017

7. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...

8. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185
- 99. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
.

Com o desenvolvimento do Estado moderno nos séculos seguintes, a vulnerabilidade dos cidadãos tendeu a estender-se para além do medo da morte ou da agressão, à medida que as sociedades se tornaram mais complexas. Consequentemente, passaram a ser necessários mais dispositivos de suporte e assistência, visto que a consolidação da noção de proteção se tornou exigência ética 55. Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361 . Destarte, é essencial compreender como a noção de proteção passou a fundamentar um princípio ético nas sociedades ocidentais.

Noção de proteção como princípio ético

Todo ser humano compartilha características descritivas comuns, como vulnerabilidade, integridade e dignidade. Ainda que essencialmente descritivas e não normativas em si, Kottow 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 afirma a suficiência dessas características em inspirar o desenvolvimento de um princípio bioético de proteção. Vale lembrar que tais características já haviam sido postuladas como princípios éticos no início dos anos 2000 pela ética europeia e, assim como os princípios éticos influenciados pelo Relatório Belmont , contribuíram para o estabelecimento do horizonte bioético no Ocidente. Todavia, o interesse deste artigo converge especificamente para a vulnerabilidade e sua relação com o princípio de proteção.

Embora figure como característica descritiva e universal do ser humano, a vulnerabilidade é, entre os princípios éticos europeus, o único capaz de sustentar adequadamente a prescrição ética de proteção como princípio 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 . Tal afirmação pode ser mais bem compreendida quando se estabelece a distinção entre seres humanos “íntegros” e aqueles que se encontram “rebaixados” por pobreza, doença, discriminação etc. ou sofrendo outras privações, isto é, aqueles que deixaram de estar vulneráveis para alcançar outro “nível existencial”. De fato, indivíduos feridos necessitam de mais do que uma proteção genérica e clamam por cuidados específicos e medidas reparadoras implementadas por uma bioética qua ética aplicada 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 , 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
.

Neste ponto, torna-se premente esclarecer o que se entende por vulnerabilidade como característica descritiva e universal do ser humano, a fim de obter maior clareza a respeito da natureza ética da perspectiva protetora que inspira e de sua capacidade diferenciada de sustentar a prescrição ética da proteção como princípio.

Vulnerabilidade

Característica descritivo-normativa da humanidade

Como visto até aqui, a vulnerabilidade, característica descritiva da humanidade, influenciou a consolidação da proteção como ação institucional fundamental e exigência ética durante o desenvolvimento do Estado moderno. Com efeito, a vulnerabilidade, assim como os demais princípios éticos europeus, tende a orientar atitudes éticas de respeito e proteção. Entretanto, essa afirmação somente se torna real quando tais princípios sofrem uma mudança categorial do âmbito descritivo para o normativo.

Em outras palavras, pode-se dizer que vulnerabilidade, integridade e dignidade são princípios éticos empregados em linguagem assertiva, que deslizam para o deôntico quando descrevem condições ou características particulares e visam representar exigências morais mais do que características antropológicas (o que realmente são). Nesses casos, seria prudente admitir que esses princípios contêm um elemento normativo e que, portanto, devem, obrigatoriamente, ser respeitados e protegidos. No entanto tal admissão não qualificada permitiria que qualquer um deles fosse considerado fundamental e protegido sem mais argumentos éticos, como no exemplo típico do risco de pressupostos racistas pretenderem ter peso moral.

Assim, mediante a possibilidade de manter indiscriminadamente os seres humanos como vulneráveis e de tal fato constituir princípio ético, incorre-se em uma falácia naturalista. Efetivamente, a vulnerabilidade é um modo de ser humano, e não uma dimensão ética em si, mas, obviamente, essa condição particular tem um clamor forte e legítimo por um princípio ético de proteção 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 .

Apesar de ser uma falácia naturalista, a mudança categorial da vulnerabilidade torna-se menos defensável quando seu sentido é expandido de um traço humano para os animais não humanos e outras vidas existentes, porque, assim, seria difícil compreender como a vulnerabilidade demandaria proteção indiscriminada de qualquer forma de vida. Com efeito, a vulnerabilidade difere entre seres humanos e outros seres vivos pelo fato de os primeiros serem vulneráveis em razão da possibilidade de falhar no processo complexo de vir a ser, ao passo que os últimos são vulneráveis no nível da dicotomia mais simples e radical entre ser e deixar de ser. Mediante essa diferença, a vulnerabilidade humana passa a requerer um tipo de proteção ativa contra as forças negativas, além da prevenção de danos, e a biosfera, por sua vez, deve ser protegida com base na escolha de ações menos drásticas ou em interferências moralmente sustentáveis 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 .

Ademais, vale lembrar que houve uma migração conceitual da vulnerabilidade antropológica para os contextos econômicos, psicossociais e para os domínios médicos e legais na cultura moderna. Isso significa que não se lida mais com aquela vulnerabilidade universal, mas, sim, com a dimensão contingencial das situações de privação, pobreza, doença e sofrimento, o que requer uma resposta diferenciada e mais específica. Tais circunstâncias envolvem seres humanos que estão necessariamente em uma situação existencial para além da vulnerabilidade original.

Em outros termos, é grande a diferença encontrada na compreensão da vulnerabilidade como condição humana de fragilidade quando esse conceito tende a um reducionismo que elimina toda e qualquer condição de vulnerabilidade preexistente. Portanto, se é correto afirmar que a vulnerabilidade envolve o sofrimento e as privações, caso se incluam também o fundamental e o acidental, o conceito perde seu caráter antropológico e deixa de lidar com uma forma estritamente humana de existência. De fato, a concepção antropológica da vulnerabilidade remete à característica universal dos seres humanos, embora reste, ainda, a necessidade de uma caracterização adicional do homem que seja capaz de descrever aqueles carentes e diminuídos em relação à normalidade, o que pode ser remediado pela ideia de suscetibilidade 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 .

Suscetibilidade

Como modo de ser ferido

Se a vulnerabilidade é uma característica descritiva universal do ser humano, ela dificilmente é uma descrição apropriada de anomalias acidentais que acometem a vida de muitos, sendo necessária, portanto, uma segunda definição – mais específica –, que abranja situações em que os indivíduos sofrem determinado dano e perdem uma suposta integridade original. Em um cenário em que se tornam vítimas de possíveis males e deficiências, tais indivíduos alcançam um estado de vulnerabilidade que pode ser chamado de suscetibilidade, indicando tanto um processo de privação quanto aumento de sua predisposição a danos adicionais. Ademais, o dano pode deslocar os indivíduos afetados da dimensão de vulnerabilidade para a dos seres propriamente vulnerados 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 44. Schramm FR. Liberdade obrigatória como phármakon do humano demasiado humano. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(3):527-48. DOI: 10.1590/S1413-81232005000300011 , 88. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185 .

Neste ponto, Kottow 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 procura desfazer as possíveis confusões semânticas entre os termos “vulnerável” e “vulnerado” e opta por substituir o último por “suscetível”. Segundo o bioeticista, o indivíduo suscetível sofre de dupla injustiça, ou melhor, é afetado por uma condição de duplo risco, qual seja, apresenta elevado risco de desenvolver problemas de saúde bem como de sofrer maiores danos caso haja comprometimento de sua saúde. Assim, o estado de integridade ferida é obviamente distinto da concepção de vulnerabilidade, motivo pelo qual se introduz o conceito de “suscetibilidade”. Com isso, pretende-se afirmar que a vulnerabilidade é um atributo essencial da espécie humana, ao passo que a suscetibilidade constitui condição acidental e específica a ser diagnosticada e tratada, visto que os indivíduos suscetíveis já sofrem de determinado dano, isto é, eles foram deslocados do estado de integridade individual para o da individualidade ferida.

Essa distinção lexical é importante principalmente porque decisões no âmbito da vulnerabilidade devem recorrer ao respaldo ético do princípio da justiça, ao passo que os indivíduos feridos demandam cuidado, restabelecimento e tratamento reparador, garantidos, a priori , pelo princípio de proteção. Logo, a ligação entre as prescrições éticas de proteção derivadas da vulnerabilidade difere em natureza tanto do diagnóstico de uma condição de suscetibilidade quanto da consequente exigência ética de eliminar primeiro a privação e o dano resultante dessa suscetibilidade 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 , 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
.

Por fim, o importante é compreender que vulnerabilidade e suscetibilidade são condições diferentes e que, portanto, demandam abordagens também diversas, visto que a primeira tende a ser diminuída por meio de ações equânimes de proteção para todos os membros de dada sociedade segundo o princípio de justiça. A suscetibilidade, por sua vez, pressupõe determinado estado de privação que pode ser reduzido ou neutralizado apenas por meio de medidas compensatórias orientadas pelo princípio de proteção, as quais devem buscar combater especificamente dada privação de maneira ativamente aplicada 55. Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361

6. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017

7. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
- 88. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185 .

Limites e alternativa em cenários de indigência

Inegavelmente, a distinção entre vulnerabilidade e suscetibilidade trouxe grande avanço ao discurso bioético, com possíveis impactos na descrição, análise e elaboração de soluções para os conflitos éticos contemporâneos, principalmente nos países em desenvolvimento. Todavia, a assimetria entre os cidadãos desses países pode, ainda, revelar cenários de carência de recursos tais que as reais condições de vida escapariam à ferramenta conceitual da suscetibilidade, de modo que esses casos tenderiam a ser categorizados como “apenas” suscetíveis.

Essa carência de recursos que caracteriza a pobreza aponta para a privação dos itens minimamente necessários a uma existência digna, tais como liberdade, bem-estar, educação, saúde, entre outros, de modo que as necessidades não são adequadamente atendidas nesses contextos e os indivíduos frequentemente se encontram desprotegidos por gerações, o que caracteriza privação em nível existencial. À pobreza soma-se a desigualdade, ou seja, a distância social entre os mais ricos e os mais pobres, além da exclusão. Esta última tem caráter prospectivo, visto que se liga a características como acúmulo de desvantagens, afrouxamento dos vínculos sociais e perda do status quo . Da sinergia entre pobreza, desigualdade e exclusão emergem cenários de iniquidade social comumente encontrados no Brasil e nos demais países onde grassa uma distribuição injusta dos recursos e grupos sociais mais pobres tendem a ter menor expectativa de vida, permanecer mais tempo doentes e sofrer mais limitações 1111. Siqueira-Batista R, Schramm FR. A saúde entre a iniquidade e a justiça: contribuições da igualdade complexa de Amartya Sen. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(1):129-42. DOI: 10.1590/S1413-81232005000100020 .

Diante de um contexto em que os efeitos da pobreza, da desigualdade e da exclusão marcam o cotidiano de privação das populações, há necessidade de uma ferramenta conceitual mais sensível que a suscetibilidade e capaz de detectar a complexidade dos fenômenos de iniquidade e indigência. Com efeito, as realidades extremas de suscetibilidade exigem ferramentas bioéticas mais específicas que possibilitem uma aproximação prático-conceitual mais patente e acurada das condições em que há indigência 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
. É nesse âmbito que emerge a noção de “vulneração” 1212. Schramm FR. A terceira margem da saúde: uma ética “natural”. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos [Internet]. 1995 [acesso 22 mar 2022];1(2):54-68. DOI: 10.1590/S0104-59701995000100005 .

Vulneração

Condição existencial de restrição de potencialidades

A vulneração compreende situações em que o indivíduo ou a coletividade não são capazes de se defender por si mesmos, por razões que independem de sua vontade, tais como condições de vida desfavoráveis ou negligência e/ou abandono por parte das instituições. Essas situações reivindicam o desenvolvimento e a aplicação de ações protetivas que promovam o resgate da vulnerabilidade perdida 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
. Em outros termos, a vulneração é a condição existencial de quem se encontra submetido a danos e carências efetivos a priori , como aquelas situações frequentemente encontradas no cotidiano de privação das populações e indivíduos marcados por iniquidade ou indigência 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
.

Com efeito, a constatação de outro nível existencial de privação é uma das mais importantes contribuições da abordagem brasileira da bioética, na medida em que o estabelecimento de uma diferença conceitual e pragmática entre vulnerabilidade e vulneração necessariamente impacta o discurso bioético. Nessa perspectiva, Schramm 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
sustenta a subdivisão da noção de vulnerabilidade em duas categorias, a saber: uma concepção que se aproxima da noção desenvolvida por Kottow 33. Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6 , 55. Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361 , isto é, uma “vulnerabilidade primária”, ou “vulnerabilidade em geral”, referente à condição ontológica que caracteriza todo organismo vivo, o que a torna uma concepção para além do âmbito da vida humana e, dadas sua extensão e sua complexidade, fora da possibilidade das ações protetivas efetivas; e uma “vulnerabilidade secundária”, ou suscetibilidade, que também guarda proximidade semântica com aquela desenvolvida pelo bioeticista chileno.

Entretanto, é em outra categoria que se inserem aqueles que estão diretamente afetados e feridos em sentido amplo, vivendo em condição existencial de privação das potencialidades ou capacidades necessárias para garantir uma vida minimamente digna. Isso significa que deve haver distinção entre os suscetíveis e os efetivamente vulnerados, ou seja, aqueles rebaixados a priori e que já se encontram afetados ou feridos por causa de situações adversas. Some-se a isso o fato de os primeiros poderem também se tornar vulnerados a qualquer tempo 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
.

Assim, a função de proteção não deve focar os indivíduos e coletividades que têm capacidade de lidar com condições existenciais desfavoráveis a partir dos próprios meios ou do auxílio das instituições, mas, sim, voltar-se àqueles que não dispõem de recursos suficientes, próprios ou institucionais para sair da vulneração. Logo, a proteção é a condição sine qua non para que os vulnerados consigam desenvolver a posteriori competências necessárias ao exercício de uma vida minimamente decente 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
.

Portanto, é necessário que o debate bioético contemple problemas de saúde que a bioética tradicional não alcança, sobretudo nos países ditos em desenvolvimento, onde as carências e a injustiça social expõem a população a condições iníquas que extrapolam a vulnerabilidade universal e que, por isso, devem ser clarificadas por uma bioética voltada à responsabilidade social e à função protetora que está no cerne do Estado moderno: uma bioética de proteção (BP) 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
.

Bioética de proteção

Inicialmente concebida como uma “ética de proteção”, a BP é uma proposta formulada como tentativa de aplicação do escopo teórico e prático da bioética tradicional aos conflitos morais em saúde pública, como nos casos de exclusão social. Em termos específicos, ela se preocupa com a questão da vulneração humana e, portanto, é um projeto bioético e biopolítico 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
.

Baseada na recuperação do conceito de ética no sentido de “abrigo”, “guarida” e “proteção”, a BP traz um enfoque crítico ao reducionismo do discurso bioético promovido pela interpretação ainda predominante do modelo principialista e busca iluminar problemas de ordem sanitária que até então não eram considerados pela bioética tradicional 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 44. Schramm FR. Liberdade obrigatória como phármakon do humano demasiado humano. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(3):527-48. DOI: 10.1590/S1413-81232005000300011 , 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...

8. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185

9. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
- 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 , 1414. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [acesso 28 abr 2022]. Bioética: histórico e conceitos; p. 13-38. Disponível: https://bit.ly/3kP5Zrv
https://bit.ly/3kP5Zrv...
. Com efeito, apesar de o vínculo entre Estado e proteção existir desde os primórdios da modernidade, a bioética ainda não havia incorporado a proteção como princípio no horizonte de seu discurso. Foi partindo da noção de responsabilidade do Estado e no resgate de seu papel protetor que os pesquisadores Schramm e Kottow 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 se referiram a autores reconhecidos por dedicarem-se à questão da responsabilidade em sua articulação com a ética, tais como Hans Jonas e Emmanuel Lévinas 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017

7. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...

8. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185
- 99. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
, 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 .

Então, o que diferencia o princípio da responsabilidade em Jonas e Lévinas do princípio de proteção idealizado por Schramm e Kottow? Resumidamente, o princípio de responsabilidade ôntica de Jonas implica a existência de um “ser” que não pode ser reduzido a um “ente”, ou seja, compreende-se que o primeiro permaneça sui generis sem que seja objetivado em algo determinado e específico, o que parece tornar vazio o destinatário da responsabilidade jonasiana, fazendo que sua aplicação no contexto institucional tenda ao paternalismo.

Além disso, a atribuição desse tipo de responsabilidade é pouco operacional, uma vez que o agente moral é de difícil identificação. Quanto a Lévinas, o princípio de responsabilidade diacônica aplicado ao contexto das instituições e coletividades faz que a solidariedade incondicional para com outrem subordine de tal modo o “eu” ao outro que o agente moral acaba por desaparecer, esvaziando-se e confundindo-se com o destinatário da responsabilidade. Portanto, o princípio de responsabilidade leviniana também não é adequado para o âmbito das políticas públicas, pelo fato de deixar o agente moral em uma relação assimétrica de subordinação e de não reciprocidade com o paciente moral 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 , 1515. Schramm FR. Violence and practical ethics. Salud Colect [Internet]. 2009 [acesso 22 mar 2022];5(1):13-25. Disponível: https://bit.ly/3vw8hSh
https://bit.ly/3vw8hSh...
.

Foi principalmente diante dessas dificuldades operacionais e pretendendo evitá-las que o princípio de proteção foi pensado por Schramm e Kottow 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 . Para tanto, esse princípio foi construído tendo como base três características principais:

  1. Gratuidade ou oferta livre das ações protetivas pelo Estado ou outra instância, cabendo ao paciente moral aceitá-las ou não, o que resgataria a responsabilidade diacônica e, prima facie , o respeito à autonomia, além de evitar o paternalismo;

  2. Vinculação , que torna as ações protetivas compromisso irrecusável para a instância protetora, uma vez aceitas livremente pelos destinatários, o que também é previsto pela responsabilidade diacônica;

  3. Cobertura efetiva das necessidades dos afetados em situação legitima de suscetibilidade ou vulneração 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 .

A partir dessas características, Schramm e Kottow 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 compreendem que a proteção implica garantir o provimento das necessidades moralmente legítimas, o que limita a responsabilidade diacônica em sua característica incondicional, de modo que todo indivíduo possa adquirir bens ou satisfazer outros interesses de seu projeto de vida que não apenas aqueles contidos em suas necessidades básicas, mas que dependem destas para sua consecução, como saúde, educação, segurança e moradia, entre outras consideradas indispensáveis e que devem ser garantidas pelas instâncias protetoras 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 .

Neste ponto, é importante considerar o fato de, sendo uma teoria latino-americana, a BP voltar-se ao contexto socioeconômico, no qual as populações estão marcadas por relações sociais e econômicas muito assimétricas, o que torna fundamental considerar a iniquidade no processo de tomada de decisão em saúde pública. Logo, esse processo deve partir do pressuposto de que o termo “proteção” se refere à principal função do ethos , isto é, resguardar os indivíduos ou populações vulneradas de iniquidade e indigência. Com efeito, a proteção dos vulnerados deve orientar as ações na forma de uma norma moral, e isso significa que a assimetria das relações deve centralizar a análise bioética em última instância 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017

7. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...

8. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185

9. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
- 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1414. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [acesso 28 abr 2022]. Bioética: histórico e conceitos; p. 13-38. Disponível: https://bit.ly/3kP5Zrv
https://bit.ly/3kP5Zrv...
.

Quanto à terminologia “bioética de proteção”, compreende-se que os termos que a compõem se aproximam por um lado e se afastam por outro. De fato, as palavras “bioética” e “proteção” avizinham-se no compromisso bioético da elaboração de soluções normativas e pragmáticas minimamente razoáveis e justas para problemas globais, visando proteger determinado indivíduo ou coletividade, haja vista que ambos os termos reúnem, originalmente, as funções de abrigar e estabelecer normas de convivência. Por outro lado, os termos “bioética” e “proteção” devem, necessariamente, ser afastados e diferenciados, para que não sejam confundidos mormente pela divergência entre seus campos semânticos, visto que nem toda bioética é bioética de proteção e nem todo meio de proteção é meio de proteção da bioética 1616. Schramm FR. 2008. Op. cit. p. 13. .

Ainda com relação à expressão “bioética de proteção”, pode-se depreendê-la como expressão-problema que indica as questões a serem enfrentadas, ao mesmo tempo que aponta as tensões inerentes à própria terminologia. Nesse sentido, é importante ressaltar que a BP não deve tornar-se uma espécie de solução mágica para todos os problemas morais, ou melhor, é necessária a delimitação de seu campo de aplicação para que as respostas construídas não se revelem frustrantes como ferramentas de inteligibilidade e de resolução de conflitos morais no campo das práticas que envolvam seres vivos nem possam ser confundidas como um tipo de paternalismo. Com efeito, essa abordagem bioética busca não ser demasiado genérica a ponto de se remeter a uma “ética da vida”, mas sim bastante precisa sem ser reducionista, visto que permite colocar em foco a irreversibilidade potencial das ações humanas sobre os organismos, o que implica considerar que a vida, prima facie , deve ser protegida 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 .

Ademais, a utilização da expressão BP não é objeto de consenso entre seus próprios idealizadores, apesar de ambos concordarem que seu foco de atenção esteja na justiça sanitária, em situações de escassez de recursos e na moralidade no domínio da saúde pública. Segundo Schramm 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, o autor chileno Kottow considera essa nomenclatura insatisfatória, dada sua incapacidade de reconhecer a bioética como uma ética aplicada persistentemente imergida em assimetrias entre agentes e afetados 1717. Schramm FR. 2011. Op. cit. p. 718-9. , o que seria dirimido por uma utilização mais oportuna do termo “proteção bioética”, visto este último fazer referência à necessidade de proteger a bioética para que esta possa refletir mais livremente sobre a práxis humana.

Essa posição não é apoiada por Schramm, que parte do pressuposto de que os problemas levantados por Kottow já estão considerados na expressão BP. De fato, para o bioeticista brasileiro, a BP é, sobretudo, uma proposta de práxis que abrange de antemão a ação diante das desigualdades no horizonte de sua proposta original, na qual já se encontra subentendido o contexto de indigência e incluída a condição de vulneração e suscetibilidade de sujeitos e populações. Assim, a ideia de uma assimetria real e apriorística em termos de empoderamento entre agente e paciente moral é inerente aos pressupostos da BP, e isso justificaria e legitimaria a oferta de uma proteção necessária sem incorrer, como visto anteriormente, em uma forma de paternalismo 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
.

Vale ressaltar, ainda, que existem duas maneiras de se pensar a BP: um modo stricto sensu , e outro, lato sensu . A BP stricto sensu busca o amparo a indivíduos e coletividades considerados sem competência ou capacidade suficiente para a realização dos próprios projetos de vida de modo razoável e justo. Nesse sentido circunscrito, ela pode ser compreendida como manifestação da cultura dos direitos humanos. Já a BP lato sensu ocupa-se da sobrevivência da espécie humana e parte da premissa da existência de interesses coletivos e ecológicos que não podem ser subsumidos pelos interesses individuais ou de grupos particulares e que visam garantir as condições necessárias à antropogênese 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017

7. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
- 88. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185 , 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1212. Schramm FR. A terceira margem da saúde: uma ética “natural”. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos [Internet]. 1995 [acesso 22 mar 2022];1(2):54-68. DOI: 10.1590/S0104-59701995000100005 .

Em ambas as formas, a BP tem um denominador comum, que é o princípio da qualidade de vida, o qual permite entender a saúde pública como o conjunto de disciplinas e práticas cujo objetivo principal é o estudo e a proteção da saúde das populações humanas em seus contextos naturais, sociais e culturais 1818. Schramm FR. 2011. Op. cit. p. 1536. . Nesse sentido, a promoção da saúde (com enfoque nos estilos de vida) e a prevenção do adoecimento (com a gestão dos riscos à saúde) passam a constituir dois aspectos inseparáveis da proteção que contemplam as duas faces da prática protetiva, sendo a primeira considerada positiva e a última, negativa. Portanto, há uma “proteção negativa”, compreendida como o conjunto de práticas preventivas contra o adoecimento e as ameaças à qualidade de vida de dado indivíduo ou coletivo humano, e uma “proteção positiva”, que abrange diversas práticas voltadas ao autodesenvolvimento humano e à autonomia 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 .

Com relação a seu método, a BP pode ser compreendida como uma caixa de ferramentas capaz de lidar com a moralidade das práticas sanitárias a partir de uma abordagem transdisciplinar, na medida em que promove a interação de saberes distintos, mas não separados, tal qual o caso da saúde pública 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 . Para tanto, as ferramentas utilizadas propõem-se a resolver problemas oriundos dos conflitos morais hodiernos entre sujeitos, além de exercer função tripla, a saber:

  1. Descritiva , ao retratar os conflitos de modo racional e em princípio imparcial, o que implica dizer que também têm caráter crítico;

  2. Normativa , na medida em que buscam resolver os conflitos morais, classificando e prescrevendo os comportamentos corretos, ao passo que proscrevem os incorretos;

  3. Protetora , haja vista que a articulação entre as funções anteriores incide sobre contextos concretos, visando fornecer meios suficientes para amparar os envolvidos e garantir cada projeto de vida compatível com os demais 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 , 1919. Siqueira-Batista R, Schramm FR. A bioética de proteção e a compaixão laica: o debate moral sobre a eutanásia. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2009 [acesso 22 mar 2022];14(4):1241-50. DOI: 10.1590/S1413-81232009000400030 .

Outro ponto importante a se considerar é o fato de a teoria desenvolvida por Schramm 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
estabelecer uma prioridade léxica para os vulnerados, o que torna imprescindível a aplicação apriorística do valor da equidade como meio de alcançar a igualdade e, assim, respeitar concretamente o princípio de justiça. Nesse sentido, a BP busca entender, descrever e resolver conflitos de interesse entre quem é destituído de competência e necessita de proteção e aqueles que, ao contrário, estão capacitados para realizar seu projeto de vida 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
.

Outrossim, nunca é bastante enfatizar o perigo de as abordagens bioéticas baseadas num princípio de proteção deslizarem para um discurso e uma prática paternalistas. Com efeito, o fato de não existir proteção sem que haja em contrapartida uma instância protetora não implica necessariamente que a ação protetiva seja de cunho “autonomicida”, isto é, que incorra em paternalismo. Em outros termos, proteger não significa ampliar as desigualdades, como fazem as ações tipicamente paternalistas ao impedirem que os indivíduos decidam por si mesmos, mas sim disponibilizar meios suficientes para que os destinatários tomem ciência de suas realidades contingenciais e se tornem capazes de decidir segundo seus interesses legítimos e com a maior liberdade possível, exercendo seu direito à autonomia 22. Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029 , 99. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
, 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1414. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [acesso 28 abr 2022]. Bioética: histórico e conceitos; p. 13-38. Disponível: https://bit.ly/3kP5Zrv
https://bit.ly/3kP5Zrv...
, 2020. Schramm FR. A autonomia difícil. Rev Bras Bioét [Internet]. 1998 [acesso 22 mar 2022];6(1):35-48. Disponível: https://bit.ly/3kxqQ2o
https://bit.ly/3kxqQ2o...
.

Neste ponto, cabe introduzir uma das críticas fundamentais à BP, qual seja, a pergunta sobre os limites entre a possibilidade de proteger alguém e a competência individual de proteger a si mesmo, ou melhor, o problema da liberdade do exercício da autonomia em face da existência de normas de convivência em dada sociedade. Isso se deve à tendência atual a aumentar a responsabilidade individual no domínio da saúde pública, isto é, subsumir o agente moral no paciente moral, o que torna indistintos o ator e o destinatário de determinado comportamento 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 2121. Schramm FR. Saúde pública: biotecnociência, biopolítica e bioética. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 22 mar 2022];43(e7):152-64. DOI: 10.1590/0103-11042019S712 , 2222. Gaudenzi P, Schramm FR. A transição paradigmática da saúde como um dever do cidadão: um olhar da bioética em Saúde Pública. Interface [Internet]. 2010 [acesso 22 mar 2022];14(33):243-55. DOI: 10.1590/S1414-32832010000200002 .

Pode-se entender que essa questão é de ordem teórica e prática. Teórica porque remete à relação lógica entre proteção e autonomia e à ponderação que deveria existir nos casos em que esses dois princípios entram em conflito. Prática porque envolve seu campo de aplicação e diz respeito à utilização da BP apenas para os vulnerados ou, em uma acepção mais ampla, os vulneráveis em seu limite. Entretanto, qualquer que seja a amplitude de ação da BP, cabe salientar sua necessidade de se desvencilhar tanto do paternalismo quanto da culpabilização dos pacientes morais, por meio dos seguintes argumentos:

  1. A aplicação de suas ferramentas ocorre tão somente em populações de indivíduos suscetíveis e vulnerados que são incapazes de tomar decisões sozinhos, e não aos meramente vulneráveis;

  2. A proteção não deve ser impositiva, mas, necessariamente, oferecida ao destinatário;

  3. O princípio de proteção implica, necessariamente, o dever da eficácia nas intervenções sanitárias, mesmo que isso signifique restringir a autonomia individual ante a qualidade de vida de determinado coletivo 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
    https://bit.ly/3MLud1K...
    .

Logo, é possível depreender que o termo “proteção” implica a responsabilidade dos agentes morais e a eficácia pragmática de suas respectivas ações, verificadas a partir de seus efeitos. Nesse contexto, a BP revela-se importante ferramenta analítica e pragmática da ética aplicada, capaz de analisar e diminuir os conflitos, bem como resolvê-los, visando à qualidade de vida e ao bem-estar dos destinatários das políticas públicas 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 88. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185 , 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 . No entanto, há exceções à aplicação da BP de maneira geral, como é o caso da proteção do corpo social contra as ameaças internas e externas, exemplificado na utilização de medidas coercitivas impostas aos indivíduos ou grupos de dada população quando em vigência de epidemias que ameaçam afetar sensivelmente a saúde populacional, como poderia bem ser ilustrada pelas diretrizes adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos países acometidos pela pandemia de covid-19. Em outros termos, a proteção em saúde pública pressupõe a legitimação de determinadas formas de restrição das autonomias individuais ao se basear na prioridade dos direitos sociais sobre os individuais 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 2222. Gaudenzi P, Schramm FR. A transição paradigmática da saúde como um dever do cidadão: um olhar da bioética em Saúde Pública. Interface [Internet]. 2010 [acesso 22 mar 2022];14(33):243-55. DOI: 10.1590/S1414-32832010000200002 .

É preciso, também, saber quem são os indivíduos ou populações vulneradas. Efetivamente, na aplicação de ações protetivas há sempre o risco de estigmatização, paternalismo ou autoritarismo, porquanto existe a possibilidade de indevidamente se desconsiderarem o multiculturalismo, a pluralidade moral e as diferenças nas sociedades contemporâneas 77. Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
https://bit.ly/3MLud1K...
, 2020. Schramm FR. A autonomia difícil. Rev Bras Bioét [Internet]. 1998 [acesso 22 mar 2022];6(1):35-48. Disponível: https://bit.ly/3kxqQ2o
https://bit.ly/3kxqQ2o...
. Logo, ao contrário dos princípios de Jonas e Lévinas, de responsabilidade ôntica e diacônica, respectivamente, o princípio de proteção é operacional porque demanda a especificação do que deve ser protegido, quem deve proteger o que e a quem a proteção se destina 88. Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185 , 1313. Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026 . Por conseguinte, uma das principais funções da BP consiste em combater a tendência à massificação e à uniformização das condutas operadas pelas políticas de saúde, resistindo àquelas que promovem a restrição da autonomia e da singularidade dos indivíduos, desconsiderando seus modos particulares de caminhar na vida 99. Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
https://bit.ly/3KI4pSM...
.

Assim, ao considerar a saúde e o exercício das liberdades individuais, condições fundamentais para a qualidade de vida, pode-se depreender que a BP se ocupa da proteção em dois níveis, ou em duplo sentido, já que pretende garantir o acesso a um padrão de assistência em saúde que seja razoável e disponível para todos e que também seja congruente com a possibilidade de desenvolvimento individual de capacidades humanas que não prejudiquem terceiros. Desse modo, a proteção da saúde de todos não exclui a necessidade de garantir a proteção das liberdades fundamentais de cada um. Cabe à BP, portanto, compreender e analisar criticamente conflitos nessas circunstâncias, a fim de fornecer argumentos pertinentes que subsidiem a legitimidade da prescrição ou da proscrição das ações individuais, estabelecendo pontos de convergência entre a justiça social e as liberdades individuais 2222. Gaudenzi P, Schramm FR. A transição paradigmática da saúde como um dever do cidadão: um olhar da bioética em Saúde Pública. Interface [Internet]. 2010 [acesso 22 mar 2022];14(33):243-55. DOI: 10.1590/S1414-32832010000200002 .

Em resumo, a BP pode ser interpretada como paradigma para a compreensão e a resolução justificada dos conflitos morais em saúde pública, utilizando-se, para isso, de descrição e análise desses conflitos da maneira mais racional e imparcial possível e buscando resolvê-los de forma normativa, lançando mão de ferramentas capazes de ordenar comportamentos adequados e proibir aqueles considerados incorretos. Assim, por meio da conjugação de apreensão, análise e resolução de conflitos a partir da aplicação de ferramentas adequadas e consistentes, a BP pretende garantir a consecução de cada projeto de vida juntamente com a proteção do conjunto dos envolvidos. Nesse ponto, ela se revela uma abordagem fundamental para o campo da saúde pública em seu desafio de lidar com a tensão entre os âmbitos individuais e o coletivo 66. Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017 , 1010. Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
https://bit.ly/3s2Yd1a...
, 1414. Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [acesso 28 abr 2022]. Bioética: histórico e conceitos; p. 13-38. Disponível: https://bit.ly/3kP5Zrv
https://bit.ly/3kP5Zrv...
.

Considerações finais

A bioética pode ser compreendida como saída produzida mediante os desafios que emergem nos contextos da vida contemporânea, principalmente aqueles relativos aos avanços biotecnológicos no domínio da saúde, às conquistas sociais, ao desenvolvimento econômico, ao fenômeno da globalização, ao uso de recursos finitos e à própria compreensão da vida. Em resumo, ela pretende ser uma resposta coerente com os impactos da existência humana sobre a vida no planeta e sobre si mesma.

Por ter caráter racional e pragmático, a bioética também constitui ferramenta cujo desenvolvimento se pauta na construção de subsídios suficientemente cogentes para a tomada de decisão em contextos diversos. Para tanto, algumas correntes bioéticas baseiam a justificação desses recursos em princípios considerados fundamentais para a vida humana, a exemplo da vulnerabilidade. Estritamente, a vulnerabilidade – como visto anteriormente – é uma característica descritiva da humanidade na qual se vinculam noções como incompletude, devir e finitude, entre outras. Nesse sentido, ela tem relação com a proteção como necessidade consolidada tal qual uma exigência ética, isto é, a vulnerabilidade implica a instauração da proteção como ação fundamental do Estado moderno. Portanto, a ideia de um princípio de proteção como orientador de tomada de decisão remete à estruturação das sociedades modernas ao redor da noção de vulnerabilidade, daí sua relação com o valor da vida humana na contemporaneidade, o que demonstra sua relevância para a bioética.

Contudo, por constituir atributo da espécie humana, a vulnerabilidade incorre na tendência generalizante de aplicação indiscriminada do princípio de proteção e na consequente perda de eficácia das ações protetivas. Isso se deve, principalmente, ao fato de haver indivíduos e grupos populacionais previamente “feridos” (de acordo com a raiz latina “ vulnus ” do termo “vulnerabilidade”) e que estão expostos a condições acidentais e específicas que demandam outro meio de proteção. Assim, em um primeiro momento, é razoável dizer que a proteção pressupõe ações que buscam reduzir as ameaças à vulnerabilidade humana quando os destinatários morais estão em um mesmo “nível existencial”. Entretanto, tal posição ignora a diversidade de contingências a afetarem os sujeitos como seres mortais, e é por essa via de interpretação que a BP surge, reafirmando a proteção como princípio ético de conservação da vida, ao mesmo tempo que lança luz sobre a degradação das condições de vida nos cenários de iniquidade e indigência.

Ao fim e ao cabo, a BP promove o deslocamento do foco em ações generalistas e niveladoras amparadas no princípio de justiça e dirigidas à vulnerabilidade dos grupos humanos para a preocupação com o desenvolvimento de ações orientadas pelo princípio de proteção e especificamente direcionadas aos indivíduos ou grupos previamente suscetíveis e vulnerados. Estes últimos, em especial, são desprovidos de determinadas capacidades e, portanto, estão impossibilitados de enfrentar as situações adversas em que foram lançados. Assim, por estarem de antemão submetidos a danos ou carências concretas que não conseguem enfrentar, a BP preconiza a necessidade do desenvolvimento e implementação de ações protetivas voltadas especificamente aos vulnerados, o que pode ser entendido como seu fim último e sua missão.

Referências

  • 1
    Silva LG, Alves MS. O acolhimento como ferramenta de práticas inclusivas de saúde. Revista de APS [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];11(1):74-84. Disponível: https://bit.ly/3w0a3do
    » https://bit.ly/3w0a3do
  • 2
    Schramm FR, Kottow M. Princípios bioéticos en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2001 [acesso 22 mar 2022];17(4):949-56. DOI: 10.1590/S0102-311X2001000400029
  • 3
    Kottow MH. Vulnerability: what kind of principle is it? Med Health Care Philos [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];7(3):281-7. DOI: 10.1007/s11019-004-6857-6
  • 4
    Schramm FR. Liberdade obrigatória como phármakon do humano demasiado humano. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(3):527-48. DOI: 10.1590/S1413-81232005000300011
  • 5
    Kottow MH. The vulnerable and the susceptible. Bioethics [Internet]. 2003 [acesso 3 maio 2022];17(5-6):460-71. DOI:10.1111/1467-8519.00361
  • 6
    Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];22(5):1531-8. DOI: 10.1590/1413-81232017225.04532017
  • 7
    Schramm FR. Bioética de proteção: ferramenta válida para enfrentar problemas morais na era da globalização. Rev. Bioética [Internet]. 2008 [acesso 22 mar 2022];16(1):11-23. Disponível: https://bit.ly/3MLud1K
    » https://bit.ly/3MLud1K
  • 8
    Silva JM, Santos MOS, Mendes JM, Augusto LGS, Schramm FR. Implicações bioéticas para o licenciamento de grandes empreendimentos no Brasil. Saúde Soc [Internet]. 2017 [acesso 22 mar 2022];26(3):811-21. DOI: 10.1590/S0104-12902017170185
  • 9
    Oliveira ILVAC. Estratégia saúde da família na perspectiva de Foucault e Deleuze: sobre controles, capturas biopolíticas e a bioética como antídoto [tese] [Internet]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2017 [acesso 22 mar 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KI4pSM
    » https://bit.ly/3KI4pSM
  • 10
    Schramm FR. A bioética de proteção é pertinente e legítima? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 22 mar 2022];19(3):713-24. Disponível: https://bit.ly/3s2Yd1a
    » https://bit.ly/3s2Yd1a
  • 11
    Siqueira-Batista R, Schramm FR. A saúde entre a iniquidade e a justiça: contribuições da igualdade complexa de Amartya Sen. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 22 mar 2022];10(1):129-42. DOI: 10.1590/S1413-81232005000100020
  • 12
    Schramm FR. A terceira margem da saúde: uma ética “natural”. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos [Internet]. 1995 [acesso 22 mar 2022];1(2):54-68. DOI: 10.1590/S0104-59701995000100005
  • 13
    Pontes CAA, Schramm FR. Bioética de proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad Saúde Púb [Internet]. 2004 [acesso 22 mar 2022];20(5):1319-27. DOI: 10.1590/S0102-311X2004000500026
  • 14
    Rego S, Palácios M, Siqueira-Batista R. Bioética para profissionais de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [acesso 28 abr 2022]. Bioética: histórico e conceitos; p. 13-38. Disponível: https://bit.ly/3kP5Zrv
    » https://bit.ly/3kP5Zrv
  • 15
    Schramm FR. Violence and practical ethics. Salud Colect [Internet]. 2009 [acesso 22 mar 2022];5(1):13-25. Disponível: https://bit.ly/3vw8hSh
    » https://bit.ly/3vw8hSh
  • 16
    Schramm FR. 2008. Op. cit. p. 13.
  • 17
    Schramm FR. 2011. Op. cit. p. 718-9.
  • 18
    Schramm FR. 2011. Op. cit. p. 1536.
  • 19
    Siqueira-Batista R, Schramm FR. A bioética de proteção e a compaixão laica: o debate moral sobre a eutanásia. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2009 [acesso 22 mar 2022];14(4):1241-50. DOI: 10.1590/S1413-81232009000400030
  • 20
    Schramm FR. A autonomia difícil. Rev Bras Bioét [Internet]. 1998 [acesso 22 mar 2022];6(1):35-48. Disponível: https://bit.ly/3kxqQ2o
    » https://bit.ly/3kxqQ2o
  • 21
    Schramm FR. Saúde pública: biotecnociência, biopolítica e bioética. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 22 mar 2022];43(e7):152-64. DOI: 10.1590/0103-11042019S712
  • 22
    Gaudenzi P, Schramm FR. A transição paradigmática da saúde como um dever do cidadão: um olhar da bioética em Saúde Pública. Interface [Internet]. 2010 [acesso 22 mar 2022];14(33):243-55. DOI: 10.1590/S1414-32832010000200002
  • Este trabalho contempla parte da pesquisa de doutoramento do primeiro autor e é produto de um levantamento bibliográfico sobre bioética de proteção.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2020
  • Revisado
    22 Mar 2022
  • Aceito
    13 Abr 2022
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br