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A bioética depara hoje com enormes desafios

Quando foi impulsionada no século XX, sobretudo pela feliz iniciativa de Van Rensselaer Potter 11. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 1971. de construir uma ponte para um futuro melhor, a bioética buscava a universalidade. Daí fala-se desde o início em uma bioética global 22. Potter VR. Global bioethics: building on the Leopold Legacy. East Lansing: Michigan State University Press; 1988., por se pensar, então como agora, que esta nova ideologia só teria êxito se fosse implementada em todas as sociedades e em todas as culturas da humanidade.

Tal ideologia, como consequência natural do desenvolvimento da civilização democrática contemporânea, deve integrar a linguagem dos direitos humanos, da igualdade e da não discriminação. Porém, apesar do crescimento exponencial verificado nas últimas décadas, a bioética confronta-se hoje com a resistência de diferentes movimentos culturais que rejeitam uma visão livre e emancipatória da pessoa humana. Mais evidente em sociedades de cariz totalitário, essa perspetiva, simultaneamente, é força de bloqueio ao livre desenvolvimento da bioética e contribui para o desânimo de muitas minorias que só o são porque a igualdade não é ainda considerada um valor estruturante das relações humanas.

Nessa busca pela universalidade, a bioética também deve assumir o desafio estratégico de interagir com outras áreas científicas, como a one health (“uma só saúde”). Isto é, precisa aceitar que tem também o dever de promover a saúde global e que essa é uma responsabilidade histórica das gerações atuais para com as vindouras.

Nesta fase pós-pandémica importa que existam esforços concertados no plano internacional para que problemas de saúde que ultrapassam um país, ou um continente, sejam eficazmente combatidos por uma ética global para uma saúde global. Ou seja, ética global e saúde global são parte de um todo indivisível 33. Carneiro LA, Pettan-Brewer C. One health: conceito, história e questões relacionadas: revisão e reflexão. In: Miranda AMM, organizador. Pesquisa em saúde & ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região [Internet]. Guarujá: Editora Científica; 2021 [acesso 10 dez 2022]. p. 219-40. DOI: 10.37885/210504857.

Por outro lado, para ser eficaz, a bioética deve ser acompanhada por um quadro legal e regulamentar apropriado que antecipe em tempo real a rápida evolução da ciência e da tecnologia, seja no domínio da genética, como a edição do genoma humano e o aprimoramento genético, seja na biologia sintética e na síntese biomecânica, ou mesmo na interface com a inteligência artificial.

Desse modo, a bioética e o biodireito devem ter a capacidade de prever a evolução da medicina, da ciência e da tecnologia, apresentando respostas eticamente adequadas, de modo que os cidadãos se sintam tranquilos e confiantes com o avanço da ciência e a integridade dos pesquisadores. Daí a enorme relevância dos comités de ética em garantir os valores éticos nucleares da medicina e os princípios e boas práticas de conduta na investigação.

Em síntese, essa encruzilhada em que se encontra a bioética pode ser uma enorme janela de oportunidade de reinventar um novo caminho e se projetar definitivamente em escala mundial. Assim, a bioética deve adaptar-se à realidade conjuntural de cada sociedade, promovendo sempre os valores e princípios éticos universais, nomeadamente os que constam na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas em 1948 44. Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos: adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948 [Internet]. 1948 [acesso 10 dez 2022]. Disponível: https://uni.cf/2TsPK7X
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, e na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em 2005 55. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2005 [acesso 10 dez 2022]. Disponível: https://bit.ly/37ZsXn6
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. Ou seja, essa geometria variável é necessária para sua sobrevivência e globalização.

A Revista Bioética, editada pelo Conselho Federal de Medicina, ao publicar investigação de alta qualidade científica no domínio da bioética e do direito associado, ajuda a comunidade científica a fazer face a esses desafios. Dessa forma antecipa grandes problemas bioéticos da humanidade, não esquecendo a realidade concreta das sociedades em que tem maior implantação.

O ano de 2023 será, então, de enorme ambição para esta revista, que é hoje uma referência internacional da bioética.

Referências

  • 1
    Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 1971.
  • 2
    Potter VR. Global bioethics: building on the Leopold Legacy. East Lansing: Michigan State University Press; 1988.
  • 3
    Carneiro LA, Pettan-Brewer C. One health: conceito, história e questões relacionadas: revisão e reflexão. In: Miranda AMM, organizador. Pesquisa em saúde & ambiente na Amazônia: perspectivas para sustentabilidade humana e ambiental na região [Internet]. Guarujá: Editora Científica; 2021 [acesso 10 dez 2022]. p. 219-40. DOI: 10.37885/210504857
  • 4
    Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos: adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948 [Internet]. 1948 [acesso 10 dez 2022]. Disponível: https://uni.cf/2TsPK7X
    » https://uni.cf/2TsPK7X
  • 5
    Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2005 [acesso 10 dez 2022]. Disponível: https://bit.ly/37ZsXn6
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022
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