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Os dispositivos experimentais

Experimental devices

Resumos

Desde o episódio histórico de Hans, o cavalo que sabia contar, a psicologia reatualiza continuamente o problema da influência (do pesquisador) como viés para a pesquisa. Na primeira parte desse texto, buscar-se-á explorar duas séries de pesquisas realizadas nos anos 1960 nas respostas antagônicas que dão à questão da condescendência dos sujeitos pesquisados: as pesquisas de Martin Orne com a hipnose e as de Rosenthal com os "ratinhos de Berkeley". Tratar-se-á de analisar como a complacência dos sujeitos experimentais é efeito do dispositivo experimental ocupado em inibi-la e não característica essencial a ser controlada. Na segunda parte do texto, será analisado o experimento de Valins.

dispositivos experimentais; pesquisa; influência; emoção


From the historical episode of Hans, the horse that could count, psychology continually renews the problem of (the researcher's) influence as bias to the investigation. In the first part of this text, we will seek to explore two series of researches emerged at the sixties on the antagonistic responses they give to the issue of compliance of the studied subjects: the researches of Martin Orne with hypnosis and of Rosenthal with "the mice from Berkeley". We will examine then how the complacency of the experimental subjects is effect of the experimental device worried about its inhibition and not an essential characteristic to be controlled. In the second part, in turn, we will explore Valins' experiment.

experimental devices; research; influence; emotion


DOSSIÊ DESPRET

Os dispositivos experimentais* * Tradução de Carlos Marconi. Revisado por Ronald J.J. Arendt.

Experimental devices

Vinciane Despret

Doutora em Filosofia e Letras. Departamento de Filosofia. Universidade de Liège Place du XXAout 7 4000 Liège, Bélgica. E-mail: V.Despret@ulg.ac.be

RESUMO

Desde o episódio histórico de Hans, o cavalo que sabia contar, a psicologia reatualiza continuamente o problema da influência (do pesquisador) como viés para a pesquisa. Na primeira parte desse texto, buscar-se-á explorar duas séries de pesquisas realizadas nos anos 1960 nas respostas antagônicas que dão à questão da condescendência dos sujeitos pesquisados: as pesquisas de Martin Orne com a hipnose e as de Rosenthal com os "ratinhos de Berkeley". Tratar-se-á de analisar como a complacência dos sujeitos experimentais é efeito do dispositivo experimental ocupado em inibi-la e não característica essencial a ser controlada. Na segunda parte do texto, será analisado o experimento de Valins.

Palavras-chave: dispositivos experimentais; pesquisa; influência; emoção.

ABSTRACT

From the historical episode of Hans, the horse that could count, psychology continually renews the problem of (the researcher's) influence as bias to the investigation. In the first part of this text, we will seek to explore two series of researches emerged at the sixties on the antagonistic responses they give to the issue of compliance of the studied subjects: the researches of Martin Orne with hypnosis and of Rosenthal with "the mice from Berkeley". We will examine then how the complacency of the experimental subjects is effect of the experimental device worried about its inhibition and not an essential characteristic to be controlled. In the second part, in turn, we will explore Valins' experiment.

Keywords: experimental devices; research; influence; emotion.

1ª PARTE

OS DISPOSITIVOS EXPERIMENTAIS: ARTEFATOS E CARACTERÍSTICAS DA DEMANDA EXPERIMENTAL

Quase todo mundo em psicologia conhece a história de Hans, o famoso cavalo berlinense que, conforme se acreditava, podia resolver operações matemáticas complicadas. Tive a oportunidade de abordar essa história durante o último seminário sobre o segredo (parte "Efeito sem nome"); gostaria, no momento, de voltar a ela. Não vou me estender sobre ela, mas me interessariam, sobretudo, seus prolongamentos. Pois a Hans foi prometido um futuro glorioso, ainda que pouco convincente do ponto de vista dos matemáticos: ele ilustra o pesadelo dos psicólogos – influenciamos aqueles que interrogamos. O que resultará, alguns anos mais tarde, em uma palavra de ordem em todos os laboratórios que interrogam tanto os humanos quanto os animais: devemos nos prevenir contra esta influência. O fantasma de Hans frequentará as pesquisas: será necessário mais controle, sempre mais controle.

A psicologia trabalhando com humanos está se debatendo há muito tempo com este problema, e eu destacaria dois tipos de respostas completamente antagônicas. Duas séries de pesquisas vão emergir, exatamente no mesmo período, durante os anos 1960. Aparentemente, elas tratam do mesmo problema, suas respostas, contudo, vão diferir consideravelmente.

De um lado, destacarei as pesquisas do especialista de hipnose Martin Orne. Orne queria encontrar o dispositivo experimental que lhe permitiria descobrir um marcador de diferença entre os sujeitos hipnotizados e os que não estão. Segundo ele, a capacidade de tolerar uma tarefa aborrecida e conduzi-la bem, simplesmente porque qualquer um a solicitou, iria criar nitidamente este contraste. As pessoas hipnotizadas deveriam, a princípio, manifestar uma condescendência muito diferente daquela dos sujeitos do grupo de controle. Isso não aconteceu: o experimentador começou com o grupo de controle, fez com que ele fizesse uma tarefa completamente absurda, repetitiva e maçante. Tratava-se de resolver cerca de duas centenas de adições em uma folha de papel, e ao fim dela, retirar uma carta que invariavelmente dava como ordem rasgar uma folha completamente em 32 pedaços, depois, tomar uma outra folha de cálculos, resolvê-los e retirar uma carta que invariavelmente ....

Foi o experimentador, após mais de cinco horas de observação, o primeiro a desistir. E, quando perguntou aos sujeitos porque eles haviam completado todo o trabalho sem demonstrar mau humor e sem colocar questões, eles responderam que pensaram tratar-se de uma prova de resistência. Mas se Orne houvesse pedido à sua secretária para fazer a décima parte de um quarto daquela tarefa, ela teria se recusado. Se você pergunta, diz ele, a pessoas de seu círculo de amizades se elas concordam em lhe fazer um favor, e, diante de sua resposta afirmativa, você lhes pede para fazer cinco flexões musculares, elas lhe perguntarão: "Por quê?"; se você pede a um grupo de pessoas se elas querem participar de uma experiência e, depois da aceitação, lhes pede para fazer cinco flexões musculares, elas perguntarão: "Onde?"

O que se chama condescendência dos sujeitos tem feito os psicólogos derramarem muita tinta. É a obsessão por ela que explica porque o objeto ou a verdadeira questão da maior parte das pesquisas não seja conhecido pelos sujeitos: frequentemente, diz-se a eles coisas bem diferentes sobre o motivo de eles estarem lá. Lembro a vocês que já falei das pesquisas de Ian Hacking, que desenvolveu a este respeito a noção de "gênero interativo". O gênero, disse Hacking, é uma maneira de classificar. Ou, se comparamos as maneiras de classificar, não podemos deixar de constar que há gêneros indiferentes, quando, por exemplo, a classificação diz respeito a coisas que são de fato "indiferentes" à classificação, como as moléculas, que não se importam com o que se pensa delas e que continuam sua vida de molécula. Falaremos de gêneros interativos quando a classificação afeta, em contrapartida, aqueles que são classificados como tais. Como os gêneros interativos podem operar uma psicologia? Hacking queria apontar para o problema das expectativas: os sujeitos se tornam aquilo que é esperado deles e se conformam à teoria ou à hipótese que é produzida a seu respeito.

Martin Orne forneceu as mais elegantes confirmações experimentais a esse processo, mas antes de comentá-las, gostaria, no que me toca, de dar aos gêneros interativos de Hacking uma versão um pouco mais complicada. A condescendência dos sujeitos não é, em minha opinião, uma qualidade inerente aos sujeitos, é um puro produto do dispositivo. Pois o que a psicologia oculta, é que essa famosa benevolência se deve à própria organização da pesquisa, e que tudo nela lembra a necessidade: o protocolo rígido e coativo, o fato de o cientista distribuir as expertises de maneira muito assimétrica, uma situação próxima à do exame, a ignorância suposta se não induzida dos sujeitos etc. Mas a psicologia trata a complacência não como um efeito daquilo que ela impõe, mas como uma característica essencial que se deveria controlar. Vemos o paradoxo. Os psicólogos constroem os dispositivos que suscitam a complacência e devem fazer todo o possível para controlá-la. E como em toda situação de engodo eles são então obrigados a se perguntar sem cessar: "mas, meus sujeitos acreditaram em mim verdadeiramente? Não teriam eles, ainda assim, compreendido o que eu buscava e respondido a esta questão sem meu conhecimento?" Também fazem questionários pós-teste para verificar se os sujeitos se deixaram enganar. No entanto, os sujeitos, nesses casos, sabendo que o fato de haver compreendido a hipótese vai invalidar sua performance, preferem nada dizer e continuam a fingir que responderam com toda ingenuidade – o que chamamos o pacto da dupla ignorância, uma vez que nenhum dos dois, nem o experimentador, nem o sujeito, têm verdadeiramente vontade de dizer ou de saber, o que está em jogo, pois de ambas as partes isso mandaria a experiência para o espaço.

Ora, explica Martin Orne, a quem eu volto no momento, se você reunisse um grupo a quem perguntasse, no início da experiência explicando-lhe todo o procedimento sem que a ele deva ser submetido: "em sua opinião, esta experiência busca o quê, ela é a propósito de quê?", você veria os sujeitos formularem hipóteses bem precisas e muito pertinentes. Não poderíamos tornar mais visível o artefato de toda situação experimental que repousa sobre o engodo. As análises conduzidas por Ian Parker a respeito da famosa experiência de Milgram não indicam outra coisa: os sujeitos afirmaram que sabiam muito bem que não podia haver qualquer perigo. Podemos acusá-los de refazerem uma versão, retrospectivamente: eu não o tentaria. Lembremos por exemplo daquilo que o grande psiquiatra Pierre Janet relata, já em 1889, a este respeito: pediram-se as coisas mais inverossímeis a uma paciente profundamente hipnotizada. Diante de um grupo de renomados juristas e médicos, ela envenenou uma parte deles servindo-lhes seu chá (com o açúcar), atingiu uma outra com facas (de borracha) e tentou ainda, a pedido do médico, toda uma outra série de assassinatos contra eles. Essa demonstração foi impressionante. Em seguida aos célebres observadores, estudantes foram encarregados de acordar a senhora. Sem dúvida, para alegrar este sombrio final de jornada, estes desejaram terminá-la com um detalhe suave, muito suave. Eles, então, fizeram à dama, sempre sob hipnose, a sugestão de que ela tomaria um banho, que estaria sozinha e que devia se despir. A senhora prontamente acordou revoltada. Pedir a alguém para matar em uma experimentação não é a mesma coisa que pedir para se despir. Os experimentadores, muito frequentemente, não sabem a que questão os sujeitos respondem, sabem tanto menos que eles lhes mentem, portanto, colocando-os na situação de ter de proteger a ignorância do experimentador.

Martin Orne, então, tentou imaginar uma situação experimental que pudesse simultaneamente tornar legíveis os artefatos, mas, sobretudo, e é nisso que sua proposição me interessa, não se limitando à denúncia, mas, transformando, de maneira pragmática, esta prova de legibilidade. A solução não me parece a ideal, tenho mesmo algumas reservas, porém ela me interessa porque coloca em cena uma outra postura dos sujeitos. De qualquer modo se tratará de construir a situação experimental de modo que o "por que" do "por que você me pede isso?" (recordemos o bom senso das pessoas a quem nós pedimos o favor de fazer as cinco flexões musculares) se sentia não somente autorizado, mas bem vindo, celebrado como um acontecimento. Esse procedimento me interessa porque ele aposta confiantemente na inteligência de seus sujeitos e no fato de que colaboração não rima necessariamente com artefato. Orne sugere que antes de cada experiência um grupo de quase controle seja constituído. Explica-se ao grupo todo o procedimento da experiência, o material experimental é mostrado e lhes é dito o que seria esperado deles durante a experiência se ele tivesse dela participado. "Se eu tivesse pedido a você todas essas coisas, o que você teria levantado como hipótese a respeito desta experiência? O que você teria pensado que eu estava tentando provar, o que você teria dito de minha hipótese? Como você teria agido?" Quando os sujeitos são colocados na situação na qual devem imaginar o que fariam no lugar dos sujeitos, sua resposta indica frequentemente, e mesmo nas experiências que se pensa serem contra o senso comum, como as experiências de dissonância cognitiva, onde se pede ao sujeito para que tenha discursos contrários às suas opiniões, que eles fariam exatamente o que se observará durante a experiência. Se este procedimento pode parecer ainda imperfeito – uma vez que ele quer de fato fundar a validade ecológica, isto é, a possibilidade de esperar resultados fora do laboratório – ele me parece interessante na medida em que, de um lado, os sujeitos são convidados a colaborar, mas, sobretudo, por outro, são convidados a tomar posição quanto à pertinência das hipóteses e do dispositivo: planeja-se um lugar para o por quê, pois Orne se dirige à inteligência das pessoas, e não à sua docilidade presumida – o que ele reivindica aliás ao concluir um de seus artigos afirmando que está muito mais contente de trabalhar com quase-colaboradores que com objetos a manipular.

Chegamos agora à outra linha de pesquisas que eu anunciei, e que vai, nos anos 1960, igualmente lidar com o problema das expectativas e da indesejável colaboração dos sujeitos. O psicólogo Robert Rosenthal é o campeão nisso. Para recordar, Rosenthal concebeu um dispositivo que marcou profundamente as pesquisas ulteriores, destinado a mostrar a que ponto as expectativas do experimentador podem influenciar o comportamento daqueles que ele interroga. Rosenthal que, nos anos 1960, ensinava psicologia, em uma universidade americana, pediu a seus alunos para testar, em uma prova de labirinto, ratos cujos ancestrais haviam sido selecionados de acordo com sua inteligência, alguns anos antes, por um pesquisador, ilustre psicólogo da universidade de Berkeley. Alguns estudantes receberam também um rato descendente de ratos selecionados como muito competentes para aprendizagem, outros receberam um animal pertencente a uma linhagem com resultados medíocres. Pediu-se a cada estudante para verificar se seu rato estava de acordo com o que poderia ser previsto em função da linhagem a que pertencia.1 1 Para uma análise mais completa, Ver Despret (1996, p. 22 et seq.) A predição verificou-se correta: os ratos descendentes de ratos inteligentes também o eram, os outros apresentaram todas as dificuldades de aprendizagem que deles poderiam se esperar.

Era exatamente esse o problema. Esses ratos faziam tudo o que deles se podia esperar, isto é na verdade o que Rosenthal esperava que os estudantes esperassem deles. Pois tais ratos inteligentes ou idiotas não eram, nem uns nem outros, descendentes de linhagem cuidadosamente selecionadas por sua competência; eles não possuíam ancestrais prestigiosos em Berkeley. Eram, segundo os termos de Rosenthal, ratos "naïfs", comprados para a pesquisa na loja de animais mais próxima. O que, então, mostra a experiência de Rosenthal, uma vez que cada um dos ratos fez o que se poderia dele esperar? Toda esta experiência foi finalmente montada somente para um único propósito: mostrar que a relação com o humano, as expectativas e influências do pesquisador podem ter um efeito parasita nas experiências.

No âmago desta história, está o problema da afetividade que se vê encenada. A conclusão de Rosenthal é clara: após investigação, ele nos ensinou que os estudantes cujos ratos conseguiram os melhores resultados nas provas admitiram que mantiveram relações mais afetivas com seu animal: eles o mimaram, se entusiasmaram com suas performances, passaram mais tempo com ele.

Em resumo, se adotamos a perspectiva de Rosenthal, eles se comportaram como amadores, pois, diria ele, um verdadeiro experimentador profissional não se deixaria cair na armadilha, teria cuidadosamente deixado suas expectativas no vestiário, ao vestir seu jaleco branco, teria feito calar sua afetividade, tratando todos os ratos com a mesma imparcialidade fria e neutra. Ele também irá demonstrar isso. Para comparar o que os ratos teriam podido revelar de suas performances reais com o que foi obtido pelos estudantes, Rosenthal pediu à sua assistente para medir objetivamente as performances de um grupo de ratos idênticos. A assistente encontrou performances médias. Ela teria então submetido os ratos a um teste enfim objetivo. Mas ela respondeu menos às expectativas? Certamente que não. Ela fez a mesma coisa que os estudantes: dirigiu-se aos ratos, mas, dessa vez, como se eles fossem ratos medianos.

O que significa então a objetividade nesse quadro? Uma postura particular de expectativas definidas simultaneamente como um regime de relação e um regime de existência. A objetividade fez os ratos existirem de um modo particular. Portanto, a objetividade, se a definimos como Rosenthal fez, não é o inverso da subjetividade, ela é uma das variantes possíveis! Pois a objetividade pode-se definir nos mesmos termos que a postura completamente subjetiva dos estudantes; ela é a postura do tratamento em termos de "como se": os estudantes com ratos brilhantes agiram com seu rato como se ele fosse inteligente, a assistente agiu com seus ratos como se eles fossem todos substituíveis, idênticos. A postura objetiva não é então somente, nesse quadro, uma postura na qual qualquer um, no lugar do experimentador, poderia obter o mesmo resultado, ela a pressupõe igualmente para os objetos. O "como se" é um produtor de identidades, ele performa mal-entendidos, no sentido de Daniel Stern.

O que Stern (1989) chama mal entendido designa o acontecimento que advém quando os pais pensam que seu filho adquiriu uma nova competência antes que ela esteja plenamente atualizada, e quando o fato de se dirigir a ele como se a tivesse participa da atualização dessa competência. Por exemplo, quando um pai atribui a seu filho intencionalidade ou autonomia, ou lhe concede o acesso a algumas emoções, ele o faz habitar o local relacional "como se" o filho apresentasse verdadeiramente essa emoção, esta intenção ou essa autonomia. Porque o lugar relacional autoriza a criança a adquirir aquilo que lhe foi atribuído, a criança pode atualizar o que lhe foi emprestado. Trata-se de atualização e não de identificação por pura projeção, na medida em que o que é atribuído à criança "por mal entendido" tem lugar numa zona de desenvolvimento proximal, em um momento em que a criança apresenta todos os índices do que está em vias de atualização.

Retornando a nosso ratos, com o "como se performativo" de afetividade e do interesse, compreendemos um pouco melhor o que aconteceu a essa dupla de estudantes que testemunharam este transcorrer incrível de suas experiências e que mostra, de maneira exemplar, como expectativas e afetividade foram estranhamente agenciados. "Nosso rato era, escreve um dos dois durante a entrevista, em minha opinião, extremamente estúpido. Isso se verificou particularmente evidente nas provas de discriminação". Entretanto, observa Rosenthal, na análise dos dados, esse rato se demonstrou o mais brilhante da categoria dos estúpidos, particularmente nos testes de discriminação e seus resultados eram muito similares aos dos ratos competentes. Então, trata-se simplesmente de expectativas? Compreendemos melhor o que se passou quanto se lê a continuidade da entrevista: "Talvez pudesse ter sido desencorajante trabalhar com um rato tão estúpido, mas não o foi. De fato nosso rato tinha a honra de ser o mais estúpido da seção. Penso que isso pôde manter nossa mente alerta por causa do interesse que tivemos por nosso rato".

Afetividade, interesse: eis então termos bem problemáticos para um psicólogo que quer fazer ciência. O fato de que faça referência aos amadores não é inocente, pois é bem disso de que fala Rosenthal ao colocar sua assistente em competição com seus estudantes na produção daquilo que poderíamos chamar de mediocridade. Assim fazendo, Rosenthal é herdeiro de uma história complicada, uma história que mistura concepções e desqualificação da afetividade e receio em relação à influência.

Certamente poderíamos pensar que o mérito de Rosenthal é abrir a porta à ideia de que os animais colaboram com as pesquisas, e que eles não são indiferentes à maneira com que se dirige a eles. Mas o objetivo do psicólogo não é abrir a porta, mas, ao contrário, fechá-la – e se possível jogar fora a chave.

Há, no procedimento de Rosenthal, de fato duas proposições metodológicas: a primeira, a respeito da qual eu mencionarei brevemente e da qual já falei, que é aquela que a psicologia adota classicamente, e que é legível na forma da experiência, é o logro. Ele vai esconder desses estudantes o objetivo real da experiência. Por que isso é necessário? Justamente porque o problema de Rosenthal é exatamente tornar os sujeitos indiferentes à experiência, isto é, aparentemente indiferentes ao próprio pedido. O que Orne nos ensina, eles teriam, contudo, podido, juntos, colocar à prova: "e se eu dissesse a vocês que este rato é inteligente, e que estou convencido de que o fato de dizer isso a vocês vai afetar indiretamente suas performances, vocês vão querer experimentar?". Podemos apostar que os resultados teriam sido os mesmos, talvez um pouco mais constantes e isso porque, segundo minha opinião, é mais que provável que os estudantes, de qualquer modo, sabiam do que se tratava. Mas isso teria exigido de Rosenthal pensar sua pesquisa como uma pesquisa que faz emergir a inteligência e o interesse antes que uma investigação de denúncia. Os ratos podiam testemunhar essa opinião preconcebida, como viés da pesquisa, o que torna os ratos inteligentes. O problema de Rosenthal, de fato, é o da generalização em psicologia, e da variação dos resultados. É necessário então buscar erradicar todo fenômeno da influência que contamina os resultados. Hans é convocado inúmeras vezes por Rosenthal. Mas, me parece, equivocadamente. Pois a história não é exatamente a mesma. Os ratos tornaram-se verdadeiramente muito competentes no labirinto, atendendo às expectativas dos estudantes amigáveis. Hans jamais soube contar, por mais entusiastas que fossem seus questionadores. Os ratos, em outras palavras, não estão no artefato da mesma forma que Hans: eles verdadeiramente responderam à questão sobre aquilo de que são capazes no labirinto (mesmo que esta resposta não responda à questão do condicionamento); Hans, em contrapartida, está no artefato: ele responde sim a uma questão que todos imaginam seja "Você pode contar?" embora esta questão, a questão a que ele responde, seja do tipo: "Você pode jogar o jogo?" – o que quer dizer: Em qual questão você está interessado, ou particularmente, competente para responder?

O outro problema metodológico enfatizado por Rosenthal está muito próximo desse, é a questão da complacência dos sujeitos. Ora, Rosenthal vai deixar de fazer este questionamento orientando suas hipóteses em outra direção: ele vai colocar a questão do poder. Poderíamos considerar, ele admite, que o que se passa nessa experiência é o simples resultado de uma relação de poder e por exemplo perguntar-se sobre o que aconteceria, em termos de carreira, a um estudante que obtivesse resultados contrários àqueles que o experimentador espera dele.

Rosenthal está bem consciente que esta questão poderia, por si só, invalidar o que ele fez. Do mesmo modo, portanto, ele procurou neutralizá-la. Não há na minha experiência, afirma, qualquer efeito de poder. Ele tomou uma serie de precauções a fim de que os estudantes fossem particularmente conscientes de que o resultado do trabalho não afetaria suas notas, nem sua futura carreira; a experiência não será valorizada em função de seus resultados, será considerado apenas o fato de conduzi-la. Mas colocando a questão do ponto de vista do poder, Rosenthal me parece deixar de fazer uma distinção importante, aquela entre poder e autoridade. Certamente, não há poder nesse caso, ou pelo menos de maneira parasita, mas isso não invalida o efeito da autoridade, e mais precisamente da autoridade do cientista: como os pesquisadores fizeram tudo o que estava em seu poder, e de maneira não consciente, para tornar o discurso de Rosenthal "verdadeiro", porque era importante para eles que o fosse. É a definição batesoniana de autoridade. E ela se aplica particularmente bem às relações hierárquicas entre um estudante e seu professor, como entre um sujeito supostamente ignorante e um pesquisador aureolado pela autoridade da ciência: Rosenthal representa os dois.

Martin Orne, demonstrou, na mesma época, aliás, a que ponto a autoridade dos cientistas impregna as pesquisas.

O que Orne mostra se aplica à quantidade de experiências, e especialmente, àquela que é o protótipo das pesquisas sobre obediência, a pesquisa bem conhecida de Stanley Milgram. Ora, o jornalista Ian Parker, reinterrogando 40 anos depois os sujeitos dessa experiência,9 9 Remeto ao prefácio que dediquei ao trabalho da etnopsicóloga Catherine Lutz em (2004) Dépression et entre-traduction des univers émotionnels. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond. descobre com eles que os resultados são parcialmente o produto daquilo que chama "pacto de dupla ignorância". Os sujeitos haviam compreendido perfeitamente o que se tentou esconder deles – que a pessoa a quem eles supostamente aplicavam descargas elétricas durante uma pseudo-experiência de aprendizagem era de fato um cúmplice do experimentador que fingia sentir dor. Mas pelo bem da ciência, eles fingiram ignorar esse fato e jogaram o jogo. Eles simplesmente fizeram o que deles se esperava, sem decepcionar seu experimentador. Alguns invocaram excelentes motivos para justificar sua desconfiança: não se matam pessoas desse modo nas universidades americanas; o experimentador tinha o ar muito sereno para uma situação tão inquietante, suspeitamos de alguma coisa... O naïf, em toda essa história, não era finalmente aquele que se acreditava. O "eles compreenderam perfeitamente" me parece um pouco forte. Creio que a questão da autoridade está ainda no centro: eles perceberam qualquer coisa, e notadamente que o cientista não pode esperar das pessoas que elas matem outras em um laboratório, isso provocaria desordem. Eles então confiavam naquele que os interrogava e de fato naquilo que era esperado deles. Creio que a mesma coisa aconteceu com os estudantes de Rosenthal.

Podemos pensar que os estudantes de Rosenthal, sensíveis à sua autoridade, intuitivamente compreenderam – e talvez mesmo sem tomar consciência disso – quais eram as reais expectativas de Rosenthal: que eles se enganassem, que eles estivessem inteiramente errados. Definitivamente, a questão que se deve colocar para Rosenthal é a de saber a respeito de qual predição autorrealizadora a experiência aborda: a do estudante a propósito do rato ou a sua a propósito do estudante? Parece que a experiência sustenta-se mais sobre a influência da predição dos estudantes quanto à inteligência ou à idiotice dos ratos que sobre a influência da predição de Rosenthal a respeito das performances dos estudantes (meus estudantes são idiotas, ou ingênuos, ou, ainda, serão enganados por mim, Rosenthal). O lugar da experiência não é mais no laboratório, entre um rato idiota (ou inteligente) e um estudante, mas se situa, a partir de agora, no reflexo dessa experiência, entre um estudante definido como aquele "que não sabe" e Rosenthal que o define dessa maneira. Às expectativas dos estudantes em relação aos ratos correspondem as expectativas de Rosenthal em relação aos estudantes quando este espera aqueles se enganem. Então, onde está o viés? Não se sabe. Creio que é melhor escapar a essa questão, abandonando o problema do viés. Como esta experiência é antes de tudo produtora de existência, os ratos são verdadeiramente inteligentes ou idiotas, e os estudantes tornam-se pesquisadores capazes de transformar os animais.

Essa ideia de transformação poderia, portanto, voltar-se para as terapias. Em todo caso, ela nos permitiria defini-las de maneira não crítica, sem, apesar disso, esquecer sua presunção de revelar a verdade dos sujeitos, em todo caso, uma verdade que pré-existiria ao dispositivo. Em minha opinião, o que as psicoterapias poderiam reivindicar como objeto de sua especificidade, e o que as faz interessantes, são as práticas de transformação que elas propõem. Poderíamos, por conseguinte, assimilá-las, embora indicando sua especificidade, às práticas experimentais. Essas práticas experimentais encontram seus limites como o fazem todas as práticas que interrogam os vivos dotados de intenção, vivos animados pela questão "o que ele quer de mim?", vivos que não cessam de interpretar as proposições que lhes são feitas: os saberes dela derivados, as alterações propostas tomam o seu significado e valor no interior de um dispositivo, elas estão ligadas às condições de sua emergência, o que torna mais complicado o processo de generalização e reduz o seu alcance. Nesse sentido, elas pertencem às ciências da contemporaneidade: nelas, os seres jamais são indiferentes às questões que lhes são colocadas, às teorias que guiam essas questões e às produções de existência que essas teorias suscitam. As condições de conhecimento são inextricavelmente condições de existência. A indiferença, que alimenta o sonho de muitos experimentadores querendo "fazer ciência", torna o processo impossível, pelo menos, desinteressante.

Poderíamos, contudo, nos perguntar se uma outra abordagem não esclareceria esse processo de uma nova maneira, e eu proponho a vocês um tema de reflexão que eu ainda não trabalhei: o da pesquisa participativa. A pesquisa participativa, com efeito, engloba esse tipo de práticas onde é o sujeito, "objeto" da experiência, que convoca o outro, o pesquisador, para seu problema. Quando analisamos as pesquisas participativas, observamos que elas realçam frequentemente uma inquietude e se formulam a maior parte do tempo sob a forma dessa pergunta: "você quer me acompanhar no evento de transformação cuja experiência estou tentando fazer?" Porque frequentemente, e imagino que o paralelismo pode ser conservado com a demanda em terapia também, o acontecimento da transformação começara antes de ter sido formulada a demanda: o terapeuta seria então requisitado a acompanhar e a prolongar a transformação, tornando-a possível, pensável. Podemos levar o paralelismo mais longe? Em caso positivo, qual seria sua fecundidade? Deixo vocês, por hora, com essas questões.

2ª PARTE

A EXPERIÊNCIA VALINS: PSICOLOGIA EXPERIMENTAL DAS EMOÇÕES

Uma experiência2 2 A fim de lembrar, a experiência de Milgram consistia em fazer os sujeitos acreditarem que eles deviam eletrocutar outras pessoas em uma experiência de aprendizagem. Ver Milgram (1975), e ler a apaixonante pesquisa conduzida junto aos sujeitos da experiência, 40 anos depois, por Ian Parker (2000). que conduzimos, minha colega filósofa das ciências Isabelle Stengers e eu mesma, propunha colocar à prova, de maneira concreta, as críticas que ambas havíamos dirigido à psicologia experimental.3 3 Essa experiência foi o objeto de um curto documentário retomando os diversos momentos do procedimento, inclusive as entrevistas. The Valins experiment: 1966-1999. Realização D. Demorcy, V. Despret e I. Stengers no conjunto da exposição "Laboratorium" realizada em Anvers em junho de 1999. É isso que desejaria apresentar como introdução a esse seminário. Decidimos reproduzir o mais fielmente possível uma experiência da psicologia das emoções, conduzida nos anos sessenta, na Universidade de Duke, por um pesquisador chamado Stuart Valins (1966).

Na experiência original de Valins, estudantes voluntários (todos de sexo masculino) são convidados a participar de uma pesquisa que, segundo lhes dizem, destina-se a avaliar as reações fisiológicas – neste caso, batimentos cardíacos – a estímulos de conotação sexual. As reações serão registradas, explicam-lhes, durante a projeção de 10 slides representando mulheres seminuas, extraídos das páginas da revista Playboy. Quando o sujeito entra no laboratório, Valins lhe dá uma explicação bastante extensa. "Normalmente – diz – as pesquisas acontecem em um outro prédio, o centro de pesquisa médica, melhor equipado para este tipo de experiências. Na medida em que nenhum outro laboratório deste prédio está disponível neste momento, nos vemos obrigados a utilizar os equipamentos da universidade. Deveremos então – continua – registrar os batimentos cardíacos com a ajuda de um modelo de eletrocardiograma relativamente velho, embora confiável, que apresenta o inconveniente de reproduzir e amplificar os sons do coração no momento do registro." Ele pede, contudo, a cada um dos sujeitos para não prestar atenção ao barulho e se concentrar na tarefa a ser cumprida. Além disso, enfatiza bastante insistentemente o fato de que o sujeito escutará seu coração bater, mas, como a tarefa não requer atenção constante, isso não deverá incomodá-lo. Que não se preste atenção nisso. O experimentador equipa o estudante com eletrodos e deixa a sala. Os slides se sucedem em intervalos regulares. Os batimentos do coração são devidamente medidos acompanhando a sucessão de imagens: às vezes calmos, às vezes não muito.

Ao término da experiência, o experimentador conversa com o sujeito e pede que lhe indique, entre os slides, aqueles que lhe parecem mais atraentes. De acordo com as estatísticas, os slides que são vistos acompanhados pelo aumento do ritmo cardíaco receberam nítidas preferências. Logo, alguma coisa conseguira emocionar cada um dos sujeitos.

Encontramos um material idêntico àquele que descrevia o protocolo da experiência. A fim de replicar o experimento, em relação à situação inicial, mudamos alguns elementos: não são mais os slides de mulheres nuas que serão apresentados aos sujeitos – mudaram os tempos, a relação com essas imagens, também; além do que não estávamos obrigadas à discriminação sexual operada por Valins – mas fotos da imprensa que selecionamos em função de sua capacidade de nos emocionar. Paralelamente, ao instalar o dispositivo, não insistimos, como o fez Valins, no fato de que os sujeitos iriam escutar seu coração. Simplesmente assinalamos que registraríamos os parâmetros fisiológicos instalando neles eletrodos nos pulsos e no peito. Última variação: convidamos nossos sujeitos a voltar dez dias após a experiência a fim de discutir conosco a maneira como eles poderiam se posicionar em relação ao que lhes havia sido pedido. Além disso, foi com esta questão que começamos a segunda entrevista: "em sua opinião, o que é que nós pesquisávamos?" A resposta à nossa questão deu oportunidade para uma enorme surpresa. Tivemos resultados muito similares aos de Valins: os sujeitos haviam escolhido diapositivos bem correlacionados com o aumento do ritmo. Mas nenhum deles (exceto uma única pessoa) acreditou, até o fim da experiência, que se tratasse de seu coração! E eles estavam corretos, pois tanto para Valins quanto para nós, tratava-se de um coração pré-registrado que devia variar regularmente.

Se nossa experiência não tinha outro objetivo além do de compreender e explorar como funciona um dispositivo de psicologia experimental, não foi o mesmo para Valins. É interessante notar, para compreender as questões de nosso autor, que ele faz parte de uma vasta operação de retomada pela psicologia social e cognitiva de um objeto que durante muito tempo ficou confinado nas mãos dos biólogos: a emoção. Se Valins é capaz de mostrar que um falso corpo pode substituir um verdadeiro, não é mais o corpo, portanto, que se torna o produtor confiável da experiência emocional, mas a ideia que o sujeito faz dele. Da ideia à cognição, não há mais que um passo: este corpo um pouco idiota dos biólogos deverá, então, dar lugar a um corpo no cérebro.

Vasta operação de retomada da emoção, então, nos anos 1960, da qual participarão muitos psicólogos, e que modificou muito profundamente o cenário de pesquisas. Assim, a mais célebre, e a mais citada entre elas, a de Schachter e Singer, tem exatamente a mesma ambição que a de Valins: excluir o corpo de cena. A fim de não desorganizar o curso de nossa análise, não retomaremos aqui essa experiência.4 4 Especialmente por Stengers (1993); por mim mesma, Despret (1999); e mais recentemente, Despret (2004).

Retornando a Valins, como compreender nossos resultados aparentemente tão confiáveis e este fenômeno paradoxal: os sujeitos sabiam, em um ou outro momento da experiência, que não se tratava de seu coração? É aí que as coisas se tornam interessantes. Cada um de nossos sujeitos convidados a nos ajudar a explorar nosso problema tinha uma história apaixonante para nos contar. E elas eram todas diferentes! Cada um havia conseguido articular sua versão de emoção ao dispositivo que lhe foi proposto. Um nos contou que havia prestado atenção às fotos quando o ritmo mudava, e buscou o que, na foto, podia justificar esta mudança de ritmo. Ao se interessar pela foto, ele a havia achado interessante. Um outro nos relatou que havia se deixado tocar, embalado mesmo pelo ritmo e que este ritmo havia "embalado" a foto. Um outro ainda nos confessou que havia compreendido que era isto o que se esperava dele, ele simplesmente se entregou ao jogo, e, diz ele, "e não pensei mais". Um outro havia aceitado o jogo como uma experimentação interessante sobre ele mesmo e sobre as possibilidades de se deixar guiar por um dispositivo. Um outro nos afirmou ter resistido... e ficou bem surpreso por descobrir que ele havia, apesar de tudo, escolhido as fotos préselecionadas. Tivemos, com esses testemunhos, múltiplas versões do que pode querer dizer ter a experiência de "ser tocado", das quais nenhuma, se nós nos tivéssemos atado ao procedimento clássico, teria tido a chance de vir a enriquecer a versão proposta pelo dispositivo.

Valins pode certamente presumir que a emoção não é diretamente ou simplesmente tributária do corpo, mas as razões pelas quais ele pode afirmar isso – e as maneiras pelas quais seus sujeitos contribuíram ativamente para produzir esta versão – estão definitivamente fora do campo da experimentação. Oficialmente, eles não fizeram mais que "reagir". Eles se comportaram como bons sujeitos: aceitaram ser reféns de um problema a respeito do qual ninguém pode saber como tal problema poderia lhes interessar, e como eles mesmos poderiam construí-lo.

A questão de saber se seus sujeitos, como os nossos, produziram o que se chama um "pacto de dupla ignorância" (lembrando, os sujeitos supostos de ignorar escondem do experimentador que eles "sabem") pode seguramente ser colocada. Aprendemos, como se aprendeu ao reinterrogar os sujeitos de Milgram,5 5 NT: a experiência é descrita em Despret (1999, p. 249-255). que é bem provável que eles simplesmente tenham feito aquilo que se esperava que fizessem, sem decepcionar seu experimentador. Mas, se esta pretensa ignorância com a qual contam os psicólogos é condenável, não é em nome de uma boa velha moral que interditaria a mentira – ou então, eu me veria relegando ao esquecimento todas as pesquisas de duplo cego sobre os medicamentos nas experiências contraplacebo, pesquisas fundamentadas no pacto de uma ignorância "cúmplice", já que se trata de "jogar o jogo" explicitando aos sujeitos as questões envolvidas neste dispositivo. Essa pretensa ignorância à revelia que organiza as experiências de psicologia me parece inútil e desinteressante porque ela obriga o cientista a renunciar à exploração de todas as versões que poderiam lhe propor o sujeito que ele interroga. Único depositário da expertise das questões que podem ser colocadas e da boa definição de seu objeto, ao apostar na ignorância de seu sujeito, o experimentador o transforma em "máquina de reagir" que não tem finalmente muita coisa a ensinar ao cientista sobre as múltiplas maneiras de se emocionar, de ser afetado, tocado. O sujeito não testemunha tão bem sobre o problema do cientista senão porque este último conseguiu fazê-lo calar.

Deixemos esse assunto por um instante, voltaremos a ele mais tarde, para nos centrarmos na questão do corpo colocado em jogo e em experiência. Pois, se analisamos a maneira como o corpo se define nesta experiência, aparece um fenômeno interessante: ele é totalmente herdeiro de uma antropologia contra a qual esta experimentação (e muitas outras desta época) é exatamente construída. Pois esta experiência pode se traduzir como uma tentativa de tirar as emoções do dualismo dentro do qual elas estavam, geralmente, encerradas: aquele, entre o corpo e a razão. Do lado do corpo, estão confinados as reações, a passividade, as emoções, o incontrolável, o não pensado; do lado da razão estão cuidadosamente guardados o pensamento, a vontade, a consciência, a atividade e os processos racionais. Ora, querer devolver a emoção ao pensamento equivale a desfazer o dualismo. A análise, ao contrário, não pode senão se render à evidência: porque ela permanece tributária de uma definição do corpo que reforça esse dualismo, a experiência, por sua vez, faz somente afiançá-lo. Para parafrasear William James, esta nova versão do dualismo consistiu apenas em deslocar um de seus móveis.6 6 Ver Milgram S. (1975), e ler a apaixonante pesquisa conduzida junto aos sujeitos da experiência, 40 anos depois, por Ian Parker (2000).

A princípio, as exigências, poderíamos dizer os reflexos, dos cientistas os pressionam a não pensar os eventos senão na ordem da reação. Ora, o que nossos sujeitos nos ensinam sobre o que lhes acontece nos conta uma história completamente diferente, uma história ao longo da qual eles constroem ativamente uma experiência de "disponibilidade". Imaginar o sujeito emocionado como pura reação a estímulos cuidadosamente controlados é inscrevê-lo em um sistema de causas que não podem dar conta do que sujeito faz, ativamente, para se emocionar – ou para resistir à emoção. Não é tanto à noção de causa que é necessário atentar, mas à maneira como ela é – um pouco rapidamente – entendida. A filósofa Amélie Rorty (1980), retomando a distinção entre objeto e causa da emoção para especificá-la, observa que a causa da emoção não implica a passividade do sujeito, muito pelo contrário. Na concepção de causa, ela sugere, é necessário entender também a de "disposição": a disposição da irascibilidade não significa apenas uma tolerância fraca à frustração, uma reação ou reatividade, mas implica também o fato de buscar, no meio ambiente, as situações frustrantes, de percebê-las como frustrantes. Quem não a conhece? Em um estado de mau humor que beira o desejo de cometer um crime, pego o ônibus. Ele está lotado, as pessoas que nele estão também estão de mau humor, que apenas se junta ao meu. Venho a desejar ser empurrada, e talvez me coloque mesmo em uma situação onde possa ser empurrada – o que me permitirá descarregar sobre um inocente passageiro, redefinido como um grosseiro descarado, toda a cólera de meu dia. As emoções não são simples reações, elas são, como nos ensinou James, disposições que cultivamos.

Em seguida, mas isto já é legível no que precedeu, o próprio dispositivo reconduz, sem interrogar, o dualismo corpo-consciência, e vai mesmo amplificálo de certa maneira. Este dualismo se prolonga em um outro, aquele que separa a experiência vivida entre um interior e um exterior, nitidamente separados. Ora, se esta dupla separação parece em aparência caracterizar a versão dominante de antropologia ocidental, aquela que aparentemente leva em conta o discurso científico, parece que outras versões, mais próximas da experiência cotidiana, e das quais podemos encontrar traços na psicologia do senso comum, não param de se traduzir em outros lugares que os da ciência.7 7 NT: isto é, muda-se a posição de um dos móveis de um ambiente, mantendo-se os demais em sua posição original. As múltiplas versões contraditórias do corpo e das emoções que circulam na nossa cultura não cessam de testemunhá-lo.8 8 Faremos referência a William James (1912, p. 143) para outra definição do corpo, mais próxima da experiência e particularmente em ruptura com antropologia dualista: nosso corpo apresenta, escreve ele, "a instância suprema da ambiguidade. Algumas vezes, trato meu corpo como uma simples parte da natureza exterior. Por vezes, ao contrário, eu penso nele como "meu", eu o classifico com o "eu", e algumas mudanças ou determinações locais nele passam por eventos espirituais". Encontraremos, na análise que se segue, a influência marcante do pensamento de James. Antes de retomar uma crítica "desconstrucionista" desta versão dominante da antropologia, tentemos abordar o problema ao contrário e reencontrar as condições que permitem pensar este corpo em uma perspectiva menos tributária das escolhas cominatórias do dualismo. Podemos fazê-lo, por exemplo, atribuindo ao termo crença, tão central nos arcanos da experiência de Valins, uma outra significação.

Façamos a experiência de substituir o termo crença por um outro, que descreva tão bem a situação, mas do ponto de vista do sujeito, e não mais do ponto de vista das coações do dispositivo e de sua argumentação. Substituamos "crença" por "percepção". Certamente, os sujeitos "creem" que o ritmo é deles, mas isto tem alguma importância? Os sujeitos percebem um ritmo cardíaco, e o percebem como o ritmo que os conecta ao mundo. Este ritmo tornou-se aquele que os habita, não mais como um corpo fechado ao mundo (e que autorizaria dizer "este coração não me incomoda e não me incomoda porque não é o meu"), mas como um corpo que se desdobra sob o regime de indeterminação. O ritmo cardíaco é um ritmo percebido, e é ele que habita cada um destes corpos-mundo, cada um destes corpos ambíguos com limites flexíveis, destes corpos articulados e articulantes, destes corpos disponíveis a se ajustarem aos ritmos e à vitalidade daquilo que não é mais, ou ainda não é nem completamente "si", nem completamente "o mundo". O que a experiência mostra, finalmente, é que na experiência emocional, os enunciados, "isto é meu corpo", "lá está o mundo" tornam-se muito mais indeterminados.

Ter um corpo é aprender a ser afetado. Diria que estes sujeitos de fato produziram um corpo, aprenderam a ser afetados, harmonizando os diversos componentes do ritmo do mundo, de um mundo indeterminando, um mundo do qual fazia parte o ritmo do coração. Eles articularam o mundo ao ritmo de um coração que os habita, o tempo da experiência. E este acordo produziu um novo possível daquilo que lhe foi mostrado, e daquilo que lhes foi pedido. Os batimentos do coração são de certa forma uma espécie de uma "disponibilidade" ofertada ao sujeito, eles dispõem outra maneira de produzir o acordo do coração com o saber do mundo. O corpo habitado é colocado em disponibilidade em relação ao diapositivo. O diapositivo dispõe deste corpo habitado por um coração de um outro.

Solicitando à emoção para escolher seu campo, os autores submeteram seus sujeitos aos imperativos desta escolha, e não puderam ler a maneira como cada um deles articulou de um modo singular a relação com a emoção, relação marcada pela indeterminação, relação pela qual o sujeito produz a emoção e, ao mesmo tempo, se deixa produzir por ela. A emoção não é somente aquilo que é sentido, é aquilo que faz sentir. A emoção, eu diria, não é somente aquilo que nos faz acolher o mundo, é também a maneira como solicitamos ao mundo nos acolher, pedindo-lhe mesmo, às vezes, de nos dar um coração.

Uma boa parte das experiências conduzidas nos anos 1960 a respeito da emoção apresenta uma característica comum: elas querem se desembaraçar do corpo para definir a emoção.

Mas o corpo assim colocado em cena não é qualquer corpo: ele é definido por ser excluído da cena experimental, e, então, do mundo das sensações (uma vez que é necessário mostrar que ele nada tem a ver com isso); mas, ao mesmo tempo, porque é isso que a psicologia herda, o prolongamento do corpo dos biólogos, ele deve dar lugar à experimentação. O corpo emocionado encenado dessa forma nos mostra sobretudo as questões culturais e científicas a respeito da emoção e como elas se cruzam e se atualizam mutuamente

Eu proponho rever uma das experiências mais características dessa história: a experiência "Valins" Um documentário em vídeo será apresentado e servirá de base para a reflexão. Ele documenta a reprodução desta experiência, e a maneira como os sujeitos que foram a ela submetidos a vivenciaram. Ela abre o caminho para uma exploração dupla: a maneira como a psicologia científica inventa seus objetos e seus sujeitos, e mais particularmente o corpo em sua relação com as emoções, e como os próprios sujeitos podem descrever a experiência que lhes é proposta: ser afetado por uma experiência.

NOTAS

Recebido em: setembro de 2010

Aceito em: dezembro de 2010

  • DESPRET, V. Naissance d'une théorie éthologique: la danse du cratérope écaillé Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond,
  • DESPRET, V. Ces émotions qui nous fabriquent: ethnopsychologie de l'authenticité Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond, 1999.
  • DESPRET, V. Hans, le cheval qui savait compter Paris: Le Seuil/ Les Empêcheurs de Penser en Rond, 2004.
  • DESPRET, V. Dépression et entre-traduction des univers émotionnels (préface). In: LUTZ, C. La depression est-elle universelle? Paris : Les Empêcheurs de penser en rond, 2004. p. xx-xx.
  • JAMES, W. Essays in Radical Empiricism New York: Longman Green, 1912.
  • MILGRAM, S. Obedience to Authority New York: Harper and Row, 1975.
  • PARKER, I. Obedience. Granta: Shrinks, London, n. 71, p. 101-125, oct. 2000.
  • RORTY, A. Explaining emotions. In: RORTY, A. (Ed.) Explaining emotions Berkeley: University of California, 1980. p. 103-127.
  • STENGERS, I. L'Invention des Sciences Modernes Paris: La découverte, 1993.
  • STERN, D. Le monde interpersonnel du nourrisson Trad. A. Lazartigues et D. Pérard. Paris: PUF, 1989. (coll. Le fil rouge).
  • THE VALINS experiment: 1966-1999. Produção: D. Demorcy, V. Despret e I. Stengers. Anvers: Laboratorium, 1999. DVD.
  • VALINS, S. Cognitive Effects of False Heart-rate Feedback. Journal of Personality and Social Psychology, [S.l.], v. 4, n. 4, p. 400-408, 1966.
  • 1
    Para uma análise mais completa, Ver Despret (1996, p. 22 et seq.)
  • 2
    A fim de lembrar, a experiência de Milgram consistia em fazer os sujeitos acreditarem que eles deviam eletrocutar outras pessoas em uma experiência de aprendizagem. Ver Milgram (1975), e ler a apaixonante pesquisa conduzida junto aos sujeitos da experiência, 40 anos depois, por Ian Parker (2000).
  • 3
    Essa experiência foi o objeto de um curto documentário retomando os diversos momentos do procedimento, inclusive as entrevistas.
    The Valins experiment: 1966-1999. Realização D. Demorcy, V. Despret e I. Stengers no conjunto da exposição "Laboratorium" realizada em Anvers em junho de 1999. É isso que desejaria apresentar como introdução a esse seminário.
  • 4
    Especialmente por Stengers (1993); por mim mesma, Despret (1999); e mais recentemente, Despret (2004).
  • 5
    NT: a experiência é descrita em Despret (1999, p. 249-255).
  • 6
    Ver Milgram S. (1975), e ler a apaixonante pesquisa conduzida junto aos sujeitos da experiência, 40 anos depois, por Ian Parker (2000).
  • 7
    NT: isto é, muda-se a posição de um dos móveis de um ambiente, mantendo-se os demais em sua posição original.
  • 8
    Faremos referência a William James (1912, p. 143) para outra definição do corpo, mais próxima da experiência e particularmente em ruptura com antropologia dualista: nosso corpo apresenta, escreve ele, "a instância suprema da ambiguidade. Algumas vezes, trato meu corpo como uma simples parte da natureza exterior. Por vezes, ao contrário, eu penso nele como "meu", eu o classifico com o "eu", e algumas mudanças ou determinações locais nele passam por eventos espirituais". Encontraremos, na análise que se segue, a influência marcante do pensamento de James.
  • 9
    Remeto ao prefácio que dediquei ao trabalho da etnopsicóloga Catherine Lutz em (2004)
    Dépression et entre-traduction des univers émotionnels. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond.
  • *
    Tradução de Carlos Marconi. Revisado por Ronald J.J. Arendt.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      Set 2010
    • Aceito
      Dez 2010
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