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O que as ciências da etologia e da primatologia nos ensinam sobre as práticas científicas?

What can be learned about scientific practices from the ethology and primatology sciences?

Resumos

O artigo problematiza conhecidos estudos conduzidos com animais, assim como a versão segundo a qual os resultados obtidos são enviesados pela subjetividade do investigador. A partir de reflexões acerca das práticas de pesquisa, considera-se que os animais são bons modelos para as investigações sobre seres humanos. Eles podem ensinar muito a respeito de nós mesmos, desde que não negligenciemos o modo como compreendem os nossos questionamentos e saibamos a que questão de pesquisa eles, de fato, respondem.

etologia; primatologia; práticas científicas


The article discusses known studies conducted with animals, as well as the version in which the results acquired are biased by researcher's subjectivity. Following the reflections on the research practices, we can consider the animals good models to the investigation about Human beings. They can teach a lot about ourselves, since we have not neglected the way to make them understand our questions and we should know which question, indeed, they answer.

ethology; primatology; scientific practices


DOSSIÊ DESPRET

O que as ciências da etologia e da primatologia nos ensinam sobre as práticas científicas?* * Tradução de Louise A.N. Bonitz Revisado por Marianne Strumpf

What can be learned about scientific practices from the ethology and primatology sciences?

Vinciane Despret

Doutora em Filosofia e Letras. Departamento de Filosofia. Universidade de Liège Place du XXAout 7 4000 Liège, Bélgica. E-mail: V.Despret@ulg.ac.be

RESUMO

O artigo problematiza conhecidos estudos conduzidos com animais, assim como a versão segundo a qual os resultados obtidos são enviesados pela subjetividade do investigador. A partir de reflexões acerca das práticas de pesquisa, considera-se que os animais são bons modelos para as investigações sobre seres humanos. Eles podem ensinar muito a respeito de nós mesmos, desde que não negligenciemos o modo como compreendem os nossos questionamentos e saibamos a que questão de pesquisa eles, de fato, respondem.

Palavras-chave: etologia; primatologia; práticas científicas.

ABSTRACT

The article discusses known studies conducted with animals, as well as the version in which the results acquired are biased by researcher's subjectivity. Following the reflections on the research practices, we can consider the animals good models to the investigation about Human beings. They can teach a lot about ourselves, since we have not neglected the way to make them understand our questions and we should know which question, indeed, they answer.

Keywords: ethology; primatology; scientific practices.

No zoológico de Edimburgo, entre 1915 e 1930, vivia um grupo de pinguins. Uma equipe de zoólogos o observou, ao longo de todos estes anos, com paciência e minúcia, e começou a nomear cada pinguim. Porém, antes de receber um nome, cada um assumiu seu lugar nas categorias sexuais: em função dos casais formados, alguns foram chamados Andrew, Charles, Eric,...; outros foram batizados Bertha, Ann, Caroline etc.

Mas, à medida que os anos passavam e que as observações se acumulavam, fatos cada vez mais perturbadores pareciam semear a desordem nesta bela história. Antes de tudo, foi preciso se render à evidência de que as categorizações haviam sido estabelecidas com base em um pressuposto relativamente simplista: certos pares eram formados não por um pingüim macho e um pingüim fêmea, mas por pinguins juntos. As permutações de identidade (por parte dos observadores humanos, não dos pássaros) os confinaram à complexidade shakespeariana: de fato, para dizer tudo, os pinguins participaram também desta complexidade trocando os casais. Após sete anos de observações pacíficas, chegou-se à conclusão de que todas as atribuições, à exceção de uma, estavam erradas. Operou-se, então, uma ampla troca de nomes: Andrew foi rebatizado Ann, Bertha se tornou Bertrand, Caroline passou a ser Charles, Eric se metamorfoseou em Erica, e Dora permaneceu Dora. Eric e Dora que passavam dias tranqüilos juntos passaram a ser chamados de Erica e Dora: Bertha e Caroline, por outro lado, que já haviam deixado clara há algum tempo sua homossexualidade, foram apelidadas para o futuro de Bertrand e Charles (BAGEMIHL, 1999, p. 95).

No entanto, e apesar disso, na natureza, a homossexualidade raramente fora observada. Considerou-se pois que as condições do zoológico possam ter constrangido estes pobres pinguins a ter comportamentos contra a natureza.

Mas como compreender então que uns 50 anos mais tarde, estes pinguins finalmente puderam figurar como um tipo de norma: os comportamentos homossexuais na natureza tornaram-se incontáveis, mais de 300 espécies foram catalogadas nos anos 1990, desde os lobos às gaivotas.

Sem dúvida torna-se necessário encarar os efeitos desastrosos, nos anos 1980, da revolução Queer e dos movimentos homossexuais americanos...

Parece que a revolução feminista, alguns anos antes, havia produzido desgastes também consideráveis. Tomemos o caso dos babuínos, e voltemos alguns instantes ao zoológico.

Vamos nos situar aproximadamente na mesma época do início da nossa primeira situação, já que estamos, de novo, no final dos anos 1920 e somente a algumas centenas de quilômetros de lá, uma vez que eu proponho irmos para o zoológico de Londres. Um observador está, igualmente, estudando o comportamento de animais: desta vez, são os babuínos hamadryas o objeto de interesse dos humanos. O espetáculo é, entretanto, muito menos engraçado, para não dizer trágico. Em 1925, uma colônia de babuínos foi criada no zoológico de Londres, com uma centena de machos. Por um trágico equívoco, algumas fêmeas clandestinas haviam conseguido escapar à vigilância sexista e prudente daqueles que haviam composto o grupo. Vemos as consequências: umas 20 fêmeas foram então acrescidas aos 56 sobreviventes. Os conflitos intensos que os haviam oposto uns aos outros dizimaram quase a metade. As coisas não se acalmaram com a introdução das fêmeas, bem ao contrário, os conflitos se tornaram mais intensos. Nosso observador, que se tornará um dos primatólogos mais conhecidos do mundo ocidental, Solly Zuckerman, conduziu seu estudo nestas condições – acreditando ter a ver com condições naturais – e estabeleceu uma teoria que marcou por muitos anos a imagem do babuíno: as fêmeas eram, de acordo com ele, continuamente receptivas,1 1 O que podia de fato ser o caso, inteiramente contextual, e explicável pela desajuste decorrente da passagem de um hemisfério ao outro. Mas Zuckerman, estava tão persuadido que a sexualidade deveria ser a relação social que ele não prestou atenção a essa possibilidade. e os machos não paravam de brigar por elas. A sociedade se caracterizava por uma hierarquia extremamente rígida, pelas agressões constantes, e por uma competição impiedosa. A única coesão possível parecia se constituir pelo sexo e pela dominância: os machos firmam sua dominância sobre as fêmeas, e consequentemente sobre os recursos sexuais, e uns sobre os outros. A hierarquia passa, em suma, a organizar as relações limitando as violências em torno da competição: o macho dominante, o pai de alguma forma, vigia zelosamente as fêmeas e, pelo seu status de dominante, se faz respeitar pelos machos mais jovens do grupo certamente com a inflexível intransigência da violência.

Se os comportamentos travessos dos pinguins puderam suscitar uma suspeita, ninguém aqui duvidou das observações colocando em questão as condições de cativeiro. O que valia para os pinguins invertidos não deveria valer para estes babuínos mal educados.

Temos poucos motivos para inquietação, já que os dados de campo iriam confirmar as teorias de Zuckerman: estes babuínos pouco sociáveis e, é preciso dizer, pouco sofisticados, irão se tornar o modelo de toda sociedade de primatas. É na savana que os sucessores de Zuckerman, e notadamente Sherwood Washburn e Irven DeVore, irão realizar seus estudos. E se há um pouco menos de violência, o modelo não deixa de ser menos similar. Nos anos 1960, o modelo da sociedade dos primatas se torna quase uma unanimidade. E este modelo passa a interessar cada vez mais os primatólogos e os antropólogos, pois traz uma quantidade de respostas à origem dos humanos: como os babuínos, os primeiros humanos desceram das árvores e tiveram que se confrontar com as dificuldades da vida na savana: escassez de recursos, escassez de sítios para habitar e se proteger dos predadores e concorrência forte pelas fêmeas. Os babuínos são extremamente agressivos e estão quase constantemente em conflito. E, como os primeiros humanos devem ter feito, os babuínos estabeleceram um sistema de regulação de conflitos: eles são extremamente hierarquizados de acordo com um modelo piramidal de dominância: o macho dominante, ou macho alfa, tem sempre um acesso prioritário às fêmeas e ao alimento. Logo abaixo dele, vem o macho beta, e assim por diante. E na base da pirâmide, as fêmeas, todas sob a dominação dos machos, se ocupam das crianças e se tornam objeto dos conflitos. Elas não têm muito para fazer nem dizer: os machos conduzem o grupo, o defendem contra os predadores e organizam todas as atividades sociais.

Entretanto, na mesma época em que Washburn e DeVore observam seus babuínos das savanas, na metade dos anos 1960, as mulheres chegam ao campo de pesquisa. Elas chegam em sua maioria à mesma constatação: nós não vemos o que nossos colegas homens descrevem! As descrições mudam. A hierarquia é um mito dirão sucessivamente as primatólogas Thelma Rowell e, mais tarde, nos anos 1970, Shirley Strum. A agressão não é o modo privilegiado de entrar em relação, bem ao contrário, os babuínos se mostram capazes de jogos sutis de trocas e de alianças. Nossos babuínos são pacíficos, e as fêmeas, se prestarmos atenção, estão realmente no centro de uma rede social extremamente atenta a elas. São elas que decidem os deslocamentos do grupo; melhor, mesmo um macho não poderá se integrar num grupo se não contar com a amizade das fêmeas. Estas mulheres primatólogas vão começar a questionar o que havia fundamentado as observações de seus colegas: será que o machismo não colore um pouco demais as teorias e, em especial, a ideia de que a força assegura a dominância? Mas, mais interessante ainda, tanto Thelma Rowell quanto Shirley Strum vão se perguntar se a hierarquia não é antes de tudo um problema que interessa prioritariamente aos machos, em particular os machos da universidade.2 2 Ver a este respeito as apaixonantes contribuições de Shirley Strum e Linda Fedigan (2000). Para as pesquisas de ambas, nos remetemos a Rowell (1972) e Strum (1990). Os papéis, nos babuínos, elas observam, são espantosamente similares ao que se espera de homens e mulheres na sociedade humana: "uma sociedade dominada pelos machos, [escreverá Shirley Strum (1990, p. 30)], caracterizada por uma divisão clara do trabalho; uma sociedade onde os machos detêm o poder e onde as fêmeas só podem ser promovidas quando se associam a um macho dominante". Certamente, na mesma medida em que esta diferenciação de papéis surge, no Ocidente, em especial desde o século XVIII, como pertencendo à própria natureza dos homens e das mulheres e não como uma forma singular de organização política,3 3 Ver a este respeito a bela análise do deslocamento da legitimação da dominação, do domínio religioso para o domínio da natureza, no artigo de Eleni Varika (2000). era desde então totalmente legítimo, até necessário, encontrá-la nos ancestrais "naturais". Mas, se afirmarmos isto, não deveríamos então inferir que a crítica do modelo e as novas observações que acompanham e fundamentam estas críticas não são estranhas à mudança das condições sociais, políticas e culturais que marcam o final dos anos 1960? Em termos mais claros, o avanço do feminismo não teria influenciado o comportamento das babuínas?

Valeria dizer, então, que a etologia poderia sempre ser suspeita de poder validar não importa que modelo de sociedade à condição de escolher a boa espécie, ou de selecionar cuidadosamente as questões a serem formuladas, e consequentemente as observações recolhidas. Esta suspeita não é nova. Quando acompanhamos a história da questão de saber se a natureza é solidária ou competitiva, questão recorrente na história dos animais, verificamos que, de acordo com as épocas e de acordo com o contexto político, uma ou outra versão tende a se impor. O que, aliás, faz com que alguns pesquisadores maliciosos digam: nos governos de direita, os animais são geralmente competitivos, nos governos de esquerda, os animais são frequentemente muito cooperativos.

Muita tinta foi gasta no fantástico contraste entre os animais competitivos descritos por Darwin e aproximadamente na mesma época, no final do século XIX, aqueles que o naturalista anarquista russo Pierre Alexandre Kropotkine descrevia como solidários. Marx, que sempre teve a pulga atrás da orelha no que se refere a Darwin e que inclusive escreveu, a este respeito, numa carta endereçada a Engels em 1862, que "É espantoso ver como Darwin reconhece nos animais e nas plantas sua própria sociedade inglesa, com sua divisão do trabalho, sua concorrência, suas aberturas de novos mercados, suas 'invenções' e sua malthusiana 'luta pela vida'".4 4 Engels retomará e completará essa crítica: a economia empresta seus modelos à natureza, a natureza os "naturaliza" e a história natural, por sua vez, os propõe à economia: "depois que o passe de mágica foi realizado [isto é a transposição da sociedade para a natureza], as mesmas explicações são transferidas de volta da natureza à sociedade e afirma-se que se provou sua validade como leis eternas da sociedade humana".

Quanto ao segundo, Kropotkine, não precisamos de Marx para perceber imediatamente a relação entre sua natureza e sua utopia política. No seu livro de 1902, L'Entr'aide, um facteur de l'évolution,5 5 A versão francesa revisada data de 1906, reeditada em 1979 pelas Editions de L'Entr'aide (Paris). o autor conta que procurando com entusiasmo, no seu próprio campo, as provas da evolução e da seleção, ele se espantou com a diferença entre suas observações e aquelas que fundamentam a teoria da seleção.

Quando explorava a região do Vitim, na companhia do competente zoólogo meu amigo Poliakoff [...], procuramos em vão as provas da áspera concorrência entre animais da mesma espécie que a leitura da obra de Darwin nos havia preparado para encontrar [...]. Mas mesmo nas regiões de Amour e Oussouri, onde a vida animal pulula, eu só pude muito raramente, apesar de toda a atenção que dedicava, notar fatos de real concorrência, de verdadeira luta, entre animais superiores da mesma espécie. A mesma impressão sobressai na maioria das obras de zoólogos russos (KROPOTKINE, 1979(1906[1902]), p. 10).

Longe de ver esta luta pela sobrevida de animais de bicos e garras afiados, ele continua, eu só vi provas de apoio mútuo, de amizade e de solidariedade: alimentar o estranho, adotar o órfão, ajudar o outro que está em dificuldade colocando em perigo, às vezes, sua própria vida, eis como se comportam os animais. Em nenhum lugar, conclui Kropotkine, pude ver esta luta de uns contra outros, esta competição feroz em torno dos recursos. Não somente os animais evitam a luta, ao contrário do que dizem os darwinistas, mas se ajudam mutuamente. Ou, para explicar estas divergências, os comentaristas lembram que Kropotkine era um anarquista que procurava na natureza os fundamentos da solidariedade. A concepção darwinista da luta pela existência, argumentam estes críticos, estava em contradição flagrante com a forma de governo que Kropotkine queria implantar. Kropotkine teria então observado o que desejava ver na natureza.

"A mesma impressão que eu tive no meu campo de trabalho aparece na maior parte das obras dos naturalistas russos", escrevia Kropotkine (1979(1906[1902], p. 56). Talvez não seja desde então somente uma questão de orientação política, mas igualmente de nacionalidade. E de fato, mais uma vez, os pesquisadores concordam. De acordo com os países, não se colocam as mesmas questões aos animais, e não se observa a mesma coisa.

O etólogo Gilles Le Pape fez uma pesquisa muito bonita ao longo da qual comparou os projetos de pesquisas referentes ao desenvolvimento de animais jovens, todas as espécies misturadas, e mais particularmente à emergência de certos comportamentos. Reparou, por exemplo, que as pesquisas realizadas nos países anglo-saxões onde a violência é um problema, focam o nascimento dos comportamentos agressivos nos animais jovens, enquanto nos países em desenvolvimento, interroga-se a forma como se conduz o desmame. Paralelamente, não podemos deixar de reparar que os macacos observados no Brasil não contam a mesma história que os macacos observados no antigo continente. Eles não respondem a questões antropológicas (as questões das origens da humanidade e de como devem ter se comportado os primeiros humanos), mas a preocupações referentes à relação entre os recursos e a sobrevivência; e ainda mais que estes macacos começaram a ser interrogados pela primatologia brasileira nascente no início da crise da biodiversidade. Mas, segundo os primatologistas brasileiros, é preciso compreender a orientação das pesquisas articulando-a à história do país: os macacos observados por estes primatólogos são igualmente herdeiros de uma relação com a natureza que os homens que os estudam cultivam, relação com a natureza ela mesma herdeira da colonização portuguesa: a natureza se define sobretudo em termos de recursos a explorar – e é exatamente o que fizeram os colonizadores, e de quem os brasileiros declaram ter herdado a atitude. Os macacos, portanto, testemunham geralmente as preocupações a propósito da coabitação cada vez mais difícil em torno destes recursos (YAMAMOTO; ALENCAR, 2000).

Quanto aos macacos observados pelos japoneses, reparamos este fato singular: os primatólogos japoneses irão, desde os anos 1950, aplicar o termo "cultura" a seus animais: ela não seria específica do homem. Entre nós, as mais acirradas disputas a este respeito estiveram no auge até há apenas alguns anos. E nos espantaremos mais ainda se relatarmos como este termo chegou e se impôs ao pensamento dos pesquisadores: é a pequena fêmea observada na ilha de Koshima, que suscitou essa adoção quando ela inventou um novo comportamento: o fato de lavar as batatas na água do mar. Pode-se observar como este comportamento se expandiu, de vizinho para vizinho, por imitação, e se instalou na comunidade, entre os jovens e as fêmeas inicialmente, e depois entre os machos mais velhos. Mas o que é espantoso é saber como estas batatas chegaram à praia da ilha: eram os pesquisadores que as distribuíam ao grupo, o que era impensável para os primatólogos ocidentais (devo precisar que alguns o faziam, mas de modo escondido, e que este comportamento sempre suscitou desaprovação). A diferença está em princípio na questão da autenticidade e da selvageria: para um primatólogo ocidental, um macaco selvagem é uma boa testemunha, ele é autêntico, ele pode então testemunhar a natureza, subentendendo-se a natureza como não contaminada pelos humanos. Para um primatólogo japonês, um macaco selvagem é um macaco que se esconde, portanto um macaco inobservável. Consequentemente os pesquisadores achavam natural distribuir alimento aos animais que o Ocidente queria preservar como selvagens. E eles podiam pensar também que, para eles, a origem dos comportamentos humanos não é a questão central nas pesquisas – eles têm menos preocupação de conservar animais como testemunhas autênticas – como não é central a concepção da natureza como um lugar selvagem não contaminado pelos homens: para o japonês a natureza não se define, como temos tendência a fazer, como um lugar a ser protegido de toda influência, mas como um lugar no qual trabalho humano e trabalho da natureza vão se articular: o bonsai é uma ilustração. A partir daí, nada impedia os pesquisadores de adotar, para poder se aproximar dos macacos, técnicas de aprisionamento– sob a forma de aprovisionamento.

Animais homossexuais sob a revolução gay, babuínos aproveitando os avanços das ideias feministas, animais capitalistas ou anarquistas, macacos brasileiros que se comportam como colonizadores portugueses, macacos japoneses muito cultos, em resumo tudo isto deveria nos conduzir a dar razão a uma sátira que encontramos nos escritos do filósofo Bertrand Russell (1961). Este último, nos anos 1930, se espantava de fato que os animais:

[...] aparentemente se conduzem sempre de forma a provar a exatidão da filosofia do homem que os observa. [Em testemunho ele traz o fato que no século XVIII], os animais eram ferozes, mas sob a influência de Rousseau, eles começaram a exemplificar o culto do Nobre Selvagem [...]. Durante todo o reinado da Rainha Vitória, continua o filósofo, os macacos foram virtuosos monógamos, mas durante os anos 20, seus costumes se deterioraram de uma forma desastrosa [...] (RUSSELL, 1961, p. 160-161).

A influência de Freud sobre os babuínos deveria poder ser considerada, e eu tenho indícios que permitem pensar assim. Pensemos nos babuínos do zoológico de Londres, sedentos de sexo, sabendo que Zuckerman havia lido Totem e Tabu de Freud e veremos que ele não se engana.

Feroz, o filósofo não para por aí, ele continua, mais engraçado ainda:

Quanto às teorias de aprendizagem que se fundamentam na observação dos animais, [ele continua, não podemos deixar de nos espantar que] os animais observados pelos americanos se precipitam freneticamente até encontrar, por acaso, a solução, geralmente por obra do acaso. Os animais observados pelos Alemães ficam tranquilamente sentados coçando a cabeça até que eles tenham elaborado uma solução no seu foro interior (RUSSELL, 1961, p. 160-161).

Se retomarmos as pesquisas de Gilles Le Pape sobre a emergência dos comportamentos na ontogênese, e vemos que na América os animais jovens se batem e que nos países pobres eles se debatem com o problema do desmame, podemos pensar que Russell não estava inteiramente errado.

As pesquisas hoje muito conhecidas de Harlow, que separou centenas e milhares de jovens macacos rhesus para mostrar que o apego é essencial para o crescimento dos filhotes, receberam este tipo de críticas. De forma bem interessante, estas críticas se mostram contraditórias. Para algumas feministas, insistir sobre o papel e a presença da mãe no crescimento dos pequenos – e mostrar os desastres de sua ausência – , era ainda uma forma de confinar as mulheres no seu papel tradicional. Outras viram outra coisa nas pesquisas de Harlow: Harlow, de fato, mostra que se a mãe não está disponível, o crescimento afetivo do macaquinho irá a bom termo se lhe for dado um parceiro substituto. Ora, constataram outras feministas, está ali a mensagem de Harlow. Mas estas pesquisas chegam num momento, os anos 1950, quando a demanda de mão de obra é crescente e problemática, tentando encorajar as mulheres a tomar o caminho da fábrica. Estas pesquisas teriam chegado no momento certo para encorajar as mulheres a deixar para os outros o cuidado de sua prole.

Podemos encontrar uma versão bastante similar a esta história se observarmos o que se passou em outras práticas de psicologia experimental. Poderíamos por exemplo perguntar a estes verdadeiros heróis do laboratório que foram os ratos albinos o que lhes aconteceu quando as questões que lhes eram postas passaram a receber a influência da tomada de consciência feminista. Veremos de início que durante muito tempo os cientistas pediram aos ratos para testemunhar a diferença "natural" entre os machos e as fêmeas. Uma primeira diferença se referia à sexualidade das fêmeas: elas são muito mais passivas. Esta passividade poderia facilmente ser observada nas experiências ao longo das quais se encontravam um macho e uma fêmea. Quando o experimentador soltava a fêmea na gaiola onde o macho a esperava, esta geralmente se refugiava num canto. O macho se aproximava, estimulando a fêmea, e desenvolvia um bom número de atividades às quais a fêmea somente "reagia". Esta reação passiva diante dos estímulos propostos pelo macho se resumia a um simples reflexo, aquilo que chamamos de reflexo de "lordose" pelo qual o dorso da fêmea assume uma posição arqueada, a cauda levantada. No fim dos anos 1980, Martha McClintock, uma etóloga, além de feminista, irá propor, ao final de suas experiências sobre os ratos, uma outra versão: a atividade sexual seria uma atividade dual e negociada. As fêmeas absolutamente não são passivas, ao contrario, elas solicitam ativamente o macho. E a pesquisadora descreve que os machos frequentemente, nas suas próprias experiências, hesitam quanto à intensidade de sua motivação, e tentam às vezes resistir às investidas da fêmea. Esta última, nas descrições de McClintock, de sexualmente passiva, tornou-se "sexualmente interessada".

Então, disto tudo, deveríamos inferir que os animais não seriam nada mais do que ventríloquos e que todas as pesquisas são enviesadas? Eu gostaria de propor outra explicação, muito menos radical, retomando cada um de nossos casos para analisá-los de outra forma.

Sejamos metódicos e comecemos, se quiserem, pela ordem de aparição: os pinguins homossexuais, as babuínas emancipadas, os animais competitivos de Darwin e solidários de Kropotkine, as boas e más mamães rhesus e, enfim, as ratas sem vergonha.

Os pinguins primeiro. Por que não se viu homossexualidade na natureza? De fato, podemos imaginar que os pesquisadores não a viam porque eles não esperavam vê-la. A homossexualidade é o comportamento que foi, por excelência, considerado como contra a natureza. Isto queria dizer que os pesquisadores eram cegos ou não queriam ver? As coisas são um pouco mais complicadas. Em primeiro lugar, alguns pesquisadores observaram estes comportamentos, mas eles dizem hoje que era um pouco difícil falar deles, poderia se criar a suspeita de que eles tivessem manias ou interesses um pouco bizarros. Eles, então, dizem que estes eram exceções. Depois, do ponto de vista teórico, os comportamentos homossexuais apareceram como um paradoxo da evolução, uma vez que estes animais homossexuais não transmitiam seu patrimônio genético. Isso testemunha realmente uma concepção muito estreita da homossexualidade – os animais seriam exclusivamente orientados para parceiros do mesmo sexo e testemunhariam uma rigidez ortodoxa e este respeito – , e uma concepção muito estreita da vida afetiva e sexual dos animais: eles só se acasalariam visando à reprodução. O Deus mais rígido teria conseguido obter dos animais uma virtude que não pôde obter de nenhum de seus fiéis humanos! Ora, esta concepção durante muito tempo marcou as pesquisas: os animais fazem as coisas apenas porque elas são úteis à sua sobrevivência e à sua reprodução. Esta concepção está sendo hoje amplamente recolocada em questão, e começamos a considerar que os animais às vezes fazem coisas por fazer, às vezes por ser simplesmente agradável, às vezes por serem estas as relações importantes. E eu formulo a hipótese que estas novas concepções têm levado os pesquisadores a fazer outras perguntas e a imaginar outras formas de observar seus animais.

Em seguida, para aqueles que observavam os comportamentos orientados para um parceiro do mesmo sexo, uma explicação funcionalista poderia perfeitamente justificá-los, tirando o comportamento da esfera da sexualidade: quando eu era estudante, nos ensinavam que, quando um macaco monta outro (diziase o mesmo das vacas no campo), isto não tem nada de sexual, é apenas uma forma de afirmar sua dominância. A honra e a virtude estavam salvas, como o estavam as regras da seleção que guiam a reprodução: tudo isso podia ser compreendido como questões de dominância e de submissão. Enfim, uma última razão, os pesquisadores de fato não observavam os comportamentos homossexuais na natureza por uma boa razão: estes são vistos muito raramente. Assim como se observa muito raramente comportamentos heterossexuais, porque os animais, muito vulneráveis neste momento, o fazem geralmente retirados, evitando serem vistos, e que, ademais, o homem se coloca na posição de predador potencial. Mas como nasciam filhotes a cada ano, ninguém jamais duvidou que os animais tivessem uma sexualidade, mesmo se não fosse visível. Em compensação, como não se imaginava facilmente comportamentos homossexuais, havia poucos motivos para supô-los. E é neste ponto, com efeito, que a revolução gay pode marcar o campo de pesquisas: começou-se a imaginar que as condutas não estritamente heterossexuais podiam existir e, então, a prestar atenção a este fato e a procurar observá-las. A revolução queer criou então uma oportunidade para ver coisas que dificilmente haviam sido vistas antes.

Quanto à emancipação social das babuínas, podemos compreender que as fêmeas dos babuínos (e de numerosas espécies) aproveitaram-se da revolução feminista como uma oportunidade. Será que as mulheres que introduziram a ideia de outorgar às fêmeas uma vida social mais importante tinham um viés de suas ideias políticas? Podemos dizer isto de outra forma. As mulheres criaram uma outra oportunidade: aquelas que chegaram ao campo, nos anos 1960, modificaram efetivamente duas coisas. De início, elas se interessaram pelas fêmeas, ressaltando que ninguém as observava realmente já que todos estavam persuadidos que seu papel era negligenciável. E elas então viram coisas que não haviam sido vistas, aquelas que seus colegas masculinos que vieram posteriormente viram também. Em seguida, as mulheres ficaram muito mais tempo que os homens no campo. E elas descobriram o que se ignorava a propósito dos babuínos: ficando um tempo mais longo, elas puderam observar que os babuínos machos não ficavam muito tempo no mesmo grupo, eles passam de um grupo a outro, e ficam, como visitantes, algumas semanas. Eles então, logicamente, não podem ser os organizadores do social já que não permanecem no grupo. Então, por que as mulheres ficavam mais tempo? De novo, uma diferença sutil deve ser encontrada: as primatólogas explicam isto muito bem. Porque nos anos 1960, poucos postos acadêmicos de alto nível lhes eram acessíveis. Elas permaneciam então na pesquisa, fazendo trabalho de campo, e ficavam um longo período no mesmo campo, pois não existiam muitas outras oportunidades de trabalho. Com certeza, as ideias feministas influenciaram as pesquisas, mas indiretamente: as ideias feministas encorajaram as primatólogas a colocar em discussão o modelo tradicional do macho dominante e da fêmea submissa, o que lhes permitiu observar as fêmeas, elaborando a hipótese de que elas tinham provavelmente um papel no social.

Quanto a Darwin e Kropotkine, as pesquisas recentes nos mostraram que ambos tinham razão: os animais observados por Darwin não se comportavam como os observados pelo anarquista Kropotkine. Eu insisti um pouco sobre o fato de que Kropotkine (1979(1906[1902], p. 61) escrevia que "a mesma impressão, de solidariedade e de cooperação, de ausência de competição, se verifica na maioria dos zoólogos russos". Provisoriamente elaborei uma questão de nacionalidade. Mas, para ser rigorosa, é a nacionalidade dos animais e não a dos pesquisadores que eu deveria evocar de fato!

Pois este tipo de comentário que remete tudo à subjetividade do pesquisador, às suas ideias políticas ou à sua nacionalidade, negligenciou de maneira flagrante o fato de que são os animais que foram efetivamente observados por cada um dos naturalistas. Os animais arrolados nas teorias de Kropotkine não se comportavam como os que Darwin observou, porque eles viviam, de um lado e do outro, em contextos ecológicos diametralmente opostos.6 6 Ver para uma análise desta proposição Stephen Jay Gould (1993).

As condições de vida destas terras bastante ignoradas pelos naturalistas ocidentais que são a Sibéria oriental e a Manchúria setentrional são muito diferentes daquelas que Darwin observava nas ilhas: a seleção naquelas pode se produzir sem que a concorrência tenha um papel importante. O sentido de "luta pela existência" passa a ser, melhor do que em qualquer outro lugar, o de "luta dos animais contra as condições adversas" e não, como frequentemente foi o caso, e como a teoria de Malthus nos convida a pensar, o da "luta dos animais uns contra os outros". Nas regiões frias, passa-se da tempestade de neve ao regelo, e o gelo vem às vezes surpreender, no início do verão, tudo que germinava e destruir a segunda ninhada dos pássaros. Nas regiões mais temperadas, as coisas não são mais propícias, já que as chuvas torrenciais e as inundações se sucedem e criam, com uma regularidade maníaca, a hecatombe. A teoria de Malthus num contexto tão difícil, não se aplica: o crescimento demográfico, no seio de uma mesma espécie, atinge muito raramente o limiar crítico que leva os animais à concorrência. Por outro lado, as condições de sobrevivência são tão difíceis que somente a solidariedade permite aos animais sobreviver. Sem ela, explica Kropotkine, os ruminantes ou os cavalos não poderiam se defender dos lobos, os castores realizar empreendimentos de grande envergadura, os predadores caçar presas difíceis, os passarinhos se proteger dos predadores unindo-se para fazê-los fugir, ... Nas ilhas onde Darwin trabalhou, em contrapartida, o problema da superpopulação se coloca, e se coloca com uma acuidade particular, já que as soluções não são muitas. Os animais observados por Darwin podem então dar razão à teoria em parte fundamentada na competição. Os de Kropotkine poderiam testemunhar a importância da solidariedade.

É claro, eu não tenho a ingenuidade de crer que os projetos políticos de Kropotkine não tiveram qualquer influência sobre o que o interessava nas suas observações; nem, como foi proposto por Marx, que o contexto histórico e social no qual Darwin viveu não tenha tido qualquer papel nas suas escolhas teóricas. A maneira como os humanos se organizam afeta sem sombra de dúvida a forma como eles pensam que os animais se organizam. Mas isto não explica tudo. Os animais também tinham um papel a desempenhar e inventaram suas próprias soluções face aos problemas encontrados.

O que dizer agora das fêmeas que vieram testemunhar o que deveria ser o bom comportamento maternal e como justificar dados tão contraditórios, da mesma forma que o são as críticas? De novo, tudo aqui está relacionado ao animal observado e às condições em que são realizadas as observações. Sabemos agora: por menos que se escolha a boa espécie e o bom dispositivo, podemos provar uma coisa e seu contrário exato. Observações em cativeiro mostraram que as mães rhesus vivem em fusão constante com seus filhotes. Quando mantemos uma fêmea rhesus numa gaiola estreita, seu comportamento, normalmente muito protetor com relação ao seu filhote, se torna extremado e ela o impede de ter contatos com os outros. O dispositivo irá então modificar profundamente o comportamento. Certamente, estas observações foram rapidamente utilizadas para provar que era "natural" para as mulheres ficar em contato contínuo com as crianças, o que alimentou o interesse por estas pesquisas e pelo fato de que sejam levadas a cabo. Mas, por um lado, estas pesquisas não nos ensinariam especialmente como é o comportamento maternal de um macaco na prisão? Por outro lado, vamos supor que os dados sobre o comportamento maternal dos primatas disponíveis nos anos 1950 tenham sido aqueles referentes a macacas bonnet ou langures, espécies nas quais as mães partilham seus filhotes e os deixam com outros membros da comunidade logo após o nascimento: não teria mais sido possível procurar qualquer naturalidade do "bom comportamento maternal" (Thelma Rowell, 2000, p. 66). E, pior ainda, se por azar tivesse sido escolhido, para este tipo de experiência, interrogar os pequenos macacos titi da América do Sul, o modelo, dessa vez, poderia colocar seriamente em questão a repartição das tarefas entre os pais, pois, entre os titis, é o pai que se encarrega do bebê, a mãe só tendo contato na hora de amamentar. Em outras palavras, o modelo só deve sua aparente confiabilidade na forma como a pesquisa está construída: vocês podem demonstrar a naturalidade de vários comportamentos, contanto que escolham a espécie correta.

Enfim, podemos nos interessar por aquelas que eu tinha, por gozação, chamado ratas sem vergonha, observadas por Martha McClintock. Isso é somente um produto das ideias feministas? Eu não diria isto tão rapidamente quando analiso o que motivou a pesquisadora e como ela chegou a estes resultados surpreendentes. Eu diria que McClintock se comportou como uma boa pesquisadora: por um lado, ela se preocupou com o rigor, isto é, inquietou-se com o fato de que às vezes os resultados obtidos são antes de tudo e tão só devidos ao dispositivo: aquilo que chamamos um artefato – como se disséssemos em piada bem conhecida, que uma pulga adestrada a pular, torna-se surda quando lhe cortam as patas porque ela não pula mais. McClintock então modificou o dispositivo em que as pesquisas são normalmente conduzidas. Eu formularia, por outro lado, igualmente uma outra hipótese, desta vez em termos claros de influência externa: creio que a preocupação com o bem-estar dos animais que caracteriza as pesquisas de uns anos para cá deve ter desempenhado algum papel: os pesquisadores estão cada vez mais preocupados em oferecer boas condições de cativeiro e experimentação aos seus animais, o que modifica bastante as pesquisas e até mesmo os resultados de forma espetacular. Pois é bem o que a nossa pesquisadora fez, e que produziu resultados tão inesperados: uma rata sexualmente interessada, com comportamento muito motivado e muito mais elaborado do ponto de vista da sexualidade e de suas premissas. McClintock de fato modificou o dispositivo, e isto bastou. Ela modificou duas coisas: o tamanho da gaiola, agora muito maior, e a situação de "quem visita quem". O rato está desta vez num terreno desconhecido, ele não está mais em casa, a rata ao contrário, se encontra entre suas paredes, o que, para os animais, sabemos agora, muda muito as coisas; e a gaiola não é mais um espaço de quatro cantos. É assim que a pesquisadora descobriu uma forma diferente de comportamento de seu sujeito fêmea: ela se tornou, como já mencionei, quando de seu encontro com o macho, ativa e até "muito" ativa. De fato, neste momento, é "ela" que parece controlar o acasalamento, pelos comportamentos sofisticados de aproximação, de rejeição e até de solicitação se o macho parecer pouco cooperativo. E pode-se ouvir, graças aos registros de ultrassons, as ratas começarem a cantar. Nos demos conta, então, que as condições do dispositivo não haviam "revelado" a diferença sexual, mas que elas a tinham simplesmente "fabricado". Estes comportamentos haviam sido selecionados tendo como base uma versão muito codificada da diferença entre os papéis de machos e de fêmeas: os primeiros são ativos, as segundas, passivas. Inútil dizer que, desde então, as fêmeas de numerosas espécies seguirão o movimento no caminho da plenitude. Os próprios dispositivos deverão ser modificados: estudar o comportamento de solicitação da fêmea numa pequena gaiola, conclui McClintock, é como querer estudar o comportamento de um nadador numa banheira – isto é impossível (GLICKMAN, 2000).

Desde então, a questão que volta sem cessar quando evocamos os estudos sobre os animais poderia receber uma resposta um pouco menos rápida do que aquela que habitualmente nos é concedida, quando se quer saber se o animal pode ser um modelo para os humanos, uma resposta que não se opõe nem ratifica o monismo naturalista que condiciona nossos relacionamentos com este tipo de questão: seriam os animais um bom modelo para o ser humano? A resposta, nesta perspectiva, seria sim, sob certas condições: estes pinguins tão espontâneos, estes babuínos no caminho da liberação, estes animais bem enraizados nas tradições de seus países, russos, brasileiros, japoneses, estes macacos aprendendo o que quer dizer mãe prisioneira, e estas ratas que fazem serenata para machos nos ensinam, em resumo, uma grande quantidade de coisas sobre nós mesmos. Desde que não negligenciemos o que eles poderiam pensar de nossos questionamentos; e, é claro, desde que saibamos a que questão, de fato, eles nos respondem.

NOTAS

Recebido em:setembro de 2010

Aceito em: dezembro de 2010

  • BAGEMIHL, B. Biological exuberance: animal homosexuality and natural diversity. Londres: Profile Books, 1999.
  • FREUD, S. Totem et Tabou: interprétation par la psychanalyse de la vie sociale des peuples primitives (1912). Traduit par Samuel Jankélévitch. Paris: Payot, 1923.
  • GLICKMAN, S. E. Culture, disciplinary tradition, and the study of behavior: sex, rats, and spotted hyenas. In: STRUM, S.; FEDIGAN, L. (Ed.). Primate encounters: models of science, gender and society. Chicago, IL: University of Chicago, 2000. p. 275-295.
  • GOULD, S. J. Kropotkine n'était pás um cinoque. In: ______. La foire aux dinosauresTrad. M. Blanc. Paris: Seuil, 1993.
  • KROPOTKINE, P. A. L'Entr'aide, um facteur de l'évolution (1906[1902]). Paris: Editions de L'Entr'aide, 1979.
  • MARX, K. H. Lettre de juin (1862). In: ______. Lettres sur les sciences de la nature Paris: Éditions Sociales, 1973.
  • ROWELL, T. Social behaviour of monkeys: Harmondsworth: Penguin Books, 1972.
  • ROWELL, T. A few peculiar primates. In: STRUM, S.; FEDIGAN, L. (Ed.). Primate encounters: models of science, gender and society Chicago, IL: University of Chicago, 2000. p. 57-70.
  • RUSSELL, B. Histoire de mes idées philosophiques Trad. Auclair. Paris: Gallimard, 1961.
  • STRUM, S. Presque humain Tradução de F. Simon Duneau. Paris: Eschel, 1990.
  • STRUM, S.; FEDIGAN, L. (Ed.). Primate encounters: models of science, gender and society. Chicago: University of Chicago, 2000.
  • VARIKA, E. Naturalisation de la domination e pouvoir legitime dans la théorie politique classique. In: GARDEY, D.; LOWŸ I. (Ed.). L'invention du naturel Paris: Editions dês Archives contemporaines, 2000. p. 89-108.
  • YAMAMOTO, M. E.; ALENCAR, A. I. Some characteristics of scientific litterature in brazilian primatology. In: STRUM, S.; FEDIGAN, L. (Ed.). Primate encounters: models of science, gender and society. Chicago: University of Chicago, 2000. p. 184-193.
  • 1
    O que podia de fato ser o caso, inteiramente contextual, e explicável pela desajuste decorrente da passagem de um hemisfério ao outro. Mas Zuckerman, estava tão persuadido que a sexualidade deveria ser a relação social que ele não prestou atenção a essa possibilidade.
  • 2
    Ver a este respeito as apaixonantes contribuições de Shirley Strum e Linda Fedigan (2000). Para as pesquisas de ambas, nos remetemos a Rowell (1972) e Strum (1990).
  • 3
    Ver a este respeito a bela análise do deslocamento da legitimação da dominação, do domínio religioso para o domínio da natureza, no artigo de Eleni Varika (2000).
  • 4
    Engels retomará e completará essa crítica: a economia empresta seus modelos à natureza, a natureza os "naturaliza" e a história natural, por sua vez, os propõe à economia: "depois que o passe de mágica foi realizado [isto é a transposição da sociedade para a natureza], as mesmas explicações são transferidas de volta da natureza à sociedade e afirma-se que se provou sua validade como leis eternas da sociedade humana".
  • 5
    A versão francesa revisada data de 1906, reeditada em 1979 pelas Editions de L'Entr'aide (Paris).
  • 6
    Ver para uma análise desta proposição Stephen Jay Gould (1993).
  • *
    Tradução de Louise A.N. Bonitz Revisado por Marianne Strumpf
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      Set 2010
    • Aceito
      Dez 2010
    Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia Campus do Gragoatá, bl O, sala 334, 24210-201 - Niterói - RJ - Brasil, Tel.: +55 21 2629-2845 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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