Resumo
Por meio das composições teóricas estabelecidas por Foucault sobre poder, tecnologia de poder e discurso, Guattari, Deleuze e Rolnik formularam uma nova perspectiva de articulação teórica ao perceberem que, em meio às relações privadas existem micropolíticas que se corporificam como forças normalizadoras dos comportamentos e desejos humanos. Embasada nesses pressupostos, esta pesquisa articulou os temas de pobreza e homossexualidade, buscando pensar como as vidas homossexuais são negadas e inseridas nas condições precárias fomentadas pelos discursos que condicionam a homossexualidade. A metodologia nesta produção se diversifica entre uma revisão bibliográfica conceitual e uma análise de cenas de vidas homossexuais que encadeiam juntas uma produção onde se verifica as ações de assujeitamento sobre essas vidas e suas resistências/reações. Foram selecionados três depoimentos, encontrados em fragmentos de falas de uma entrevista concedida por Pablo Vittar ao canal Trip Tv, e mais duas encontradas em narrativas de uma outra produção feita pelo autor no ano de 2013. A ideia de Vidas Indestrutíveis busca mostrar como se engendram micropolíticas que conduzem os sujeitos homossexuais a condições de precarização, e como essa, enquanto campo minado de sujeição de seus corpos, produz resistências e linhas de fuga para que sobrevivam em meio as conduções normativas de suas vidas.
Palavras-chave:
micropolíticas; pobreza; homossexualidades; vidas indestrutíveis
Abstract
Through the theoretical compositions established by Foucault about power, technology of power and discourse, Guattari, Deleuze and Rolnik formulated a new perspective of theoretical articulation when they perceive that, in the midst of private relations, there are micropolicies that embodied as normalizing forces of human behaviors and desires. Based on these assumptions, this research articulated the themes of poverty and homosexuality, trying to think how homosexual lives are denied and inserted in the precarious conditions fomented by the discourses that condition homosexuality. The methodology in this production is diversified between a conceptual bibliographical review and an analysis of scenes from homosexual lives that chain together a production where the actions of subjection on these lives and their resistances / reactions are verified. It was selected three testimonies, found in excerpts from an interview granted by Pablo Vittar to the Trip Tv channel, and two more in narratives of another production made by the author in the year 2013.The idea of Indestructible Lives tries to show how micropolitics are generated that lead homosexual subjects to conditions of precariousness, and how, as a minefield of subjection their bodies, it produces resistances and lines of escape so that they survive through the normative conducts of their lives.
Keywords:
micropolitics; poverty; homosexuality; indestructible lives
Introdução
No ensino fundamental foi bem difícil, eu sofri muito, porque as pessoas não entendiam né? As pessoas não entendiam, na verdade, o rolê ainda do gay, da coisa de gênero; era uma coisa que não era discutida ainda na escola, não era falada. Uma vez eu tava na fila da merenda e um menino me jogou uma sopa quente, um prato de sopa quente, ele virou aquela sopa na minha cara, porque eu tava falando com a minha amiga, e ele virou pra mim e jogou aquele prato de sopa quente em mim [respiração tensa], porque na cabeça dele, eu tinha que ser homem, falar com voz de homem, ser homem. Ai, xô, sou feliz, sou drag, sou bonita, bebê […].(Pablo Vittar, em entrevista concedida ao canalTrip TVTRIP TV. Pablo Vittar é bonita, bebê. YouTube. 16 fev. 2017. 2min55s. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aUvF8UeiW8M . Acesso em: 16 de fev. 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=aUvF8Uei... ).
As poucas palavras deste depoimento pertencem a Pablo Vittar, o mais novo fenômeno da música pop brasileira, que traz sobre sua arte e corpo as reivindicações dos movimentos de gênero e sexuais. Pablo é maranhense, tem 23 anos, é homossexual assumido desde os 14 anos, o que afirma não ser uma novidade para sua família, composta por sua mãe e duas irmãs. É filho de pais separados e se autoidentifica1 1 Utilizei o termo autoidentificar por considerar que a identidade se faz sobre os processos de formação e constituições individuais e subjetivas dos indivíduos, assim como as subjetividades têm a ver com aquilo que se apresenta a estes indivíduos na constituição de suas experiências. Autoidentificar é um ato de nomear-se enquanto algo que se representa na sociedade. Assim como a maioria dos autores pós-estruturalistas que utilizo nesta pesquisa, também considero que a formatação da identidade acaba sendo pressuposto para perpetuação do jogo subjetivo de poderes que suas criações regimentam. Butler (2015a, 2015b, 2016) e Derrida (1973) concordam quando ambos percebem a identidade como uma construção linguística histórica, e que ao ser reiterada, é incorporada nos indivíduos moldados às suas normas constitutivas. Há, portanto, um impasse nas produções políticas identitárias, tendo em vista que suas normas são construídas sempre como tecnologias de manutenção dos poderes hegemônicos. Para Derrida, a saída seria por meio da desconstrução, estratégia analítica que contradiz o logocentrismo produtor da linguagem e seus sentidos no mundo ocidental (VASCONCELOS, 2007); e para Butler seria a subversão performativa, traçando novas linhas identitárias que façam mesclar cada vez mais os padrões normativos, resvalando em novas subjetividades possíveis. como homem gay afeminado, uma posição característica de sua luta em meio às composições machistas e sexistas da cultura brasileira. Mesmo estando hoje em uma situação privilegiada, por se tratar de uma posição de fama e prestígio pela sua arte, Pablo deixa bem claro nas suas entrevistas quanto à sua origem, da qual tem muito orgulho. Nasceu em meio pobre e sempre teve o sonho de cantar, tendo como espelho dessa profissão, artistas ícones do pop nacional e internacional, entre os quais estão as cantoras Beyoncé, Whitney Houston, entre outras. Pablo Vittar já alcançou recordes incríveis de visualizações de seus videoclipes no YouTube, como também de downloads de suas faixas musicais nos sites de comércio virtual musical. A drag queen é reconhecida hoje pela defesa e visibilidade que trouxe para as pessoas que não se identificam com nenhuma das categorias de normalização sexual, que produzem regras de comportamentos para os gêneros; assim, ela afirma transitar entre os gêneros, livre de qualquer padrão.
Como grande parte dos homossexuais - falo aqui de gayscis2 2 Cis e trans são termos em latim que significam o que está próximo e o que está para além, termos ressignificados para utilização nas identidades de gênero. Cisgêneros são aqueles homossexuais que seguem as normatividades de masculino e feminino de acordo com o seu sexo, transgêneros são os que transitam ou não se reconhecem nas normatividades do gênero determinado pelo seu sexo. e não de lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, intersexuais e as demais categorizações que possam existir - Pablo traz sobre sua história de vida momentos marcados pela injúria cometida pela falta de conhecimento sobre sua forma de atuação no mundo, e o papel social que deseja assumir.
Esses momentos, que configuram lembranças, emergem na subjetividade em que se constitui a formação de sua trajetória de vida. A escola, como instituição social e considerada o segundo espaço de formação cidadã e socialização dos indivíduos, não tem cumprido o seu papel na formação e segurança dos/das sujeitos homossexuais, e isso parece se reafirmar nas palavras de Pablo sobre o seu percurso no ensino fundamental.3 3 De acordo com Leandro de Oliveira (2013), a homossexualidade é um atributo discursivo moralmente diferente das demais concepções que incitam manifestações preconceituosas no ambiente escolar: “A manutenção do segredo e os dramas da revelação da orientação sexual (ou coming out) são assuntos que recebem significativa atenção nesta linhagem de pesquisa. O estigma associado à homossexualidade, que pode ser ocultado por mecanismos de controle da informação sobre si, não é compartilhado com o grupo familiar de origem, como certos estigmas associados à raça e a religião (PECHENY, 2004). Tal fato possibilita que a homossexualidade se torne um segredo fundante das identidades e relações pessoais, sedimentando laços entre aqueles que o compartilham e dando origem a formas específicas de interação e de conflito com outros grupos” (OLIVEIRA, 2013, p. 105-106). Assim, pode-se perceber que, em grande parte dos casos, a homossexualidade é relegada ao segredo, ao tempo em que esse segredo vai compondo a identidade do indivíduo, como também a própria subjetividade, autorregulando-se nas atuações de seus papéis sociais. O espaço escolar trata-se de uma instituição com normas e regras pautadas nas condições de um sistema que historicamente se perpetua em várias culturas, principalmente do ocidente, o sistema patriarcal,4 4 “Conforme destaca Scott (1991), o patriarcado não designa somente o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social. O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: a) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, b) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas. Também, legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia feminina. Além do mais, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas” (LEMOS, 2013, p. 202). por onde se manifestam as condições nos padrões formativos que seguem a masculinidade culturalmente e tradicionalmente dominante.
A vida dos(as) homossexuais tende a ser realmente difícil quando é negligenciada a formação de suas histórias, ou seja, daqueles(las) que, como eles(elas), marcaram o mundo com as reivindicações e lutas em todos os campos e instituições sobre as quais a sexualidade foi enxergada, assim também como muitas outras “minorias”.5 5 Não sou muito adepto dos estudos de minorias; acredito que o termo não dá conta daquilo que pretende significar, que é encaminhar aos grupos sociais de lutas a ideia de serem excluídos. O termo tende a enfatizar o quantitativo desses grupos, mas as mulheres consideradas um deles, são maioria no mundo. O termo também segrega, quando desarticula as identidades que não são reconhecidas no conceito, pois uma única mulher pode ser negra, lésbica, pobre e demais outras identidades que compõem lutas. Para mais detalhes dessa discussão, ler Miskolci (2009) e Preciado (2011). No entanto, voltemos nosso olhar na busca de analisar o que compõe as marcas que este ambiente lhes proporcionou, evidenciando as forças, ou pelo menos uma delas, que movem Pablo Vittar ao desejo de intervir na cultura machista e sexista por meio de sua arte.
No seu depoimento, Pablo evidencia um acontecimento que marca6 6 Eribon (2011), ao compreender o choque da injúria o caracteriza como uma marca na consciência daquele que é receptor de uma comunicação que informa seu lugar produzindo a própria personalidade do receptor. Nas suas palavras: “Aquele que lança a injúria me faz saber que tem domínio sobre mim, que estou em poder dele. E esse poder é principalmente o de me ferir. De marcar a minha consciência com essa ferida e o inscrever a vergonha de si mesma, torna-se um elemento constitutivo da minha personalidade” (p. 28-29). sua história de vida. Uma injúria cometida sobre um ato comunicacional, que expressa informações contundentes de normas e condutas de atuação estabelecidas pelas regras do jogo de gênero.7 7 “Para Barry Thorne, os conflitos nos jogos de gênero, mesmo imbuídos de seu caráter lúdico, provocam com intensidade o antagonismo entre os gêneros. Thorne utiliza a expressão ‘antagonismos de gênero’ para referir-se tanto a oposições entre os sexos (meninos versus meninas), quanto a antagonismos nos sentidos de gênero (masculinidades e feminilidades)” (THORNE apudCRUZ; CARVALHO, 2006, p. 137). Nessa relação e neste momento, a linguagem não é pronunciada por meio dos sons de uma comunicação formal, mas é expressa pelas ações que enunciam uma forma de agenciamento. O ato de jogar um prato de sopa quente informa e dirige ao receptor a precariedade da condição de sua identidade aproximada à feminilidade,8 8 Foi o que constatou também Lucimar Rosa Dias (2011), que ao pesquisar a ação de acadêmicas pedagogas na prática pedagógica, notou que a reprodução dos papéis de gênero é enfática nas interrupções feitas sobre o ato de brincar; ela percebe que não se podem passar os limites e fronteiras dos gêneros, principalmente para os meninos, idealizando assim que a masculinidade compulsória acessa as acadêmicas. para além da repulsa ao “estranho”, aquele que não obedece aos padrões normativos impostos pelas formações de gênero e o determinismo biológico do sexo, estando fora do que é previsto como “normal”.9 9 Segundo Butler (2016), aquele que não obedece a normas sociais, ou seja, o que está fora da normalidade, é excluído dos jogos das relações de poder; este é o “abjeto”, o estranho, o não convencional, o que perde a credibilidade e não merece nenhuma atenção. Nesse jogo, o ato enunciativo posiciona os corpos evidenciando o poder para o emissor, que ressalta reafirmando sua masculinidade e o poder que ela tem. Toda essa atuação não apenas informa, mas de alguma forma impõe correções em modos de atuação, favorece as condições de dominação e estabelece as regras no jogo dos poderes nos papéis de gênero.
Na vida de Pablo, essas manifestações, ou melhor, esses agenciamentos de enunciação,10 10 “Conforme Deleuze e Guattari ([1995] 2011, p. 20), ‘as palavras de ordem ou os agenciamentos de enunciações […] designam essa relação instantânea dos enunciados com as transformações incorpóreas ou atributos não corpóreos que eles expressam’. Vale ressaltar que esses agenciamentos de enunciação são coletivos não apenas por se tratarem de um caráter grupal, mas também por se caracterizarem pela entrada de diversas coleções de objetos técnicos, de fluxos materiais e incorpóreos, entidades incorporais, entre outros” Maia (2015, p. 238-239). aconteciam no espaço escolar, e é sobre essas experiências que marcam o subjetivo num pedido de reação que a drag queen lança a música Indestrutível, a qual embasa o título deste texto.
Em sua letra sensível, a música retrata as dores e angústias da vida humana, num desejo intenso de que as situações e/ou circunstâncias ruins possam passar, reafirmando que foi sobre as experiências desastrosas da vida que se estabeleceu uma forma de viver sobre ela. Essa faixa incrível mostrou-me uma articulação interessante quanto às vidas homossexuais e às micropolíticas da pobreza que têm efeitos em seus percursos, pois os sujeitos que serão apresentados mais adiante, de alguma forma, conseguem se mover reagindo aos espaços subalternos que lhes são designados. São vidas que respondem aos agenciamentos, e que de uma forma ou de outra (positiva ou negativa), criam linhas de fuga e estratégias para existir. São vidas indestrutíveis.11 11 Vidas Indestrutíveis é um conceito que quero amadurecer, pois a inspiração vem tanto da música de Pablo Vittar, como também daquilo que Judith Butler (2011) entendeu como Vidas Precárias; vidas essas que para a autora, sofrem com as produções discursivas que precarizam as condições de existir do outro lhes informando seus lugares. Contudo, quero pensar que respondemos a esse discurso e procuramos maneiras de resistir a ele.
Portanto, o depoimento da cantora vem apenas desenhar os contextos micropolíticos que se manifestam pelas forças e perpassam as formas de subjetivação do homossexual que reage a ela de alguma forma. Aqui está o objetivo central deste trabalho, a saber: analisar, a partir das vidas homossexuais, as micropolíticas que lhes conduzem às situações de pobreza, além do modo como, nas suas diversas formas de atuação, eles(elas) (homossexuais) são produzidos por essas normas e como respondem a elas.
Micropolíticas da pobreza: uma breve revisão teórica e conceitual
A categoria teórica das micropolíticas ganha fôlego nos anos de 1980, nas teses dos filósofos e psicanalistas Deleuze, Guattari e Rolnik (2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely . Micropolíticas: cartografias do desejo. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.). Entretanto, essa expressão que nos relega hoje uma possibilidade analítica, de percepções sutis das relações sociais em interação na formação e produção de subjetividades e corpos, somente pode ser fecundada a partir de uma leitura atenta e articulada às produções de Michel Foucault, sob o embrião de suas teses sobre o poder.12 12 “Através dessas prescrições, vê-se que o deciframento das ‘tecnologias políticas do corpo’, da ‘microfísica dos poderes’ (S. P., p. 31) e da ‘polícia discursiva’ (O. D., p. 37), proposta por Michel Foucault, não consiste numa simples demarcação contemplativa, mas implica o que eu chamei umamicropolítica, uma análise molecular nos fazendo passar das formações de poder aos investimentos de desejo” (GUATTARI, 2007, grifo do autor, p. 37). Rompendo as barreiras do marxismo, no que se diga da percepção do poder capital, Foucault (1999)FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999., analisando as sociedades pré século 18 e pós século 19, percebe que o poder, enquanto base das relações, não se atribuía somente nos estados, ou melhor, nas instituições dominantes que regulamentavam a vida humana sobre a criação de políticas macro, mas que este, enquanto caráter imanente de nossas relações, está em toda parte, sendo a todo tempo comunicado, o que contribuiu para que pensasse que o poder seria um elemento molecular das instituições onde a comunicação se fazia presente.
Diante dessa premissa, Foucault (1999FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.) irá compreender que para perceber o poder nesse estado das coisas existirá, nessa fonte molecular, uma forma categórica de tecnologia, recurso por onde se exibirá o poder. As tecnologias do poder se caracterizam por uma espécie de ferramenta, sobre a qual se materializam em formas de obtenção do poder, sendo o discurso um arcabouço potencial, pois é por meio dele que se pode agenciar, controlar, dominar, promover o mando, conseguir o poder.
Nesse jogo em que as relações de poder se manifestam por todas as relações sociais, Félix Guattari e Suely Rolnik (2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely . Micropolíticas: cartografias do desejo. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.) enfatizam haver, então, micropolíticas nas quais as formas de atuação dos sujeitos são regradas a partir dos sentidos de uma comunicação primeira, expressa, às vezes, consciente ou inconscientemente. As micropolíticas se caracterizam, para Deleuze e Guattari, como “um mundo de microperceptos inconscientes, de afetos inconscientes, de segmentações finas, que não captam ou não sentem a mesma coisa, que se distribuem de outro modo, que operam de outro modo” (2012DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia . 3. ed. São Paulo: Editora 34 , 2012., p. 99).
Neste contexto, é necessário deixar claro que não estamos tratando de uma oposição binária que manifesta uma potência maior e outra menor do poder. O macro e o micro são forças, e essas se entrelaçam produzindo sujeitos e subjetividades nas suas relações privadas e públicas. O interesse na teoria principal dos autores não é por uma composição macropolítica - ela existe e é bem explorada, posto que, de acordo com Mejia (2012MEJÍA, Rafael Estrada. Micropolíticas, cartografias e heterotopias urbanas: derivas teórico-metodológicas sobre a aventura das (nas) cidades contemporâneas. Revista Espaço Acadêmico, Campinas, n. 215, 2012. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/16876/0
. Acesso em: 25 mar. 2017.
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/E...
, p. 103) o aspecto macropolítico é “esse que cobre aquelas esferas do visível, é essa linha que recorta os sujeitos caracterizados por oposições binárias: burguês-proletário, branco-preto, jovem-velho, homem-mulher etc.”- mas sim com o aspecto micropolítico, que seria:
Ao contrário, micro é a política do plano gerado pela linha dos afetos, primeiro movimento do desejo (ROLNIK, 2011: 31), linha das intensidades não subjetivadas, determinadas por agenciamentos (DELEUZE; GUATTARI, 1994: 513-515) que o corpo produz e, portanto, são inseparáveis de suas relações com o mundo (ROLNIK, 2011: 61) (MEJÍA, 2012MEJÍA, Rafael Estrada. Micropolíticas, cartografias e heterotopias urbanas: derivas teórico-metodológicas sobre a aventura das (nas) cidades contemporâneas. Revista Espaço Acadêmico, Campinas, n. 215, 2012. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/16876/0 . Acesso em: 25 mar. 2017.
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/E... , p. 4).
Com esta concepção, Guattari e Rolnik concebem que a subjetividade dos sujeitos não parte de um inconsciente estranho, característico da mente. Ao contrário, esse inconsciente e essa subjetividade que enfoca os desejos, as ações, as formas de pensar e sentir, são terminantemente produzidos sobre o solo de nossas relações que, em interação, comunicam-se em uma intersubjetividade. Tudo pode mover a subjetividade, ou melhor, produzi-la enquanto desejo, visto que tudo ao redor da vida social humana tende a informar algo: os espaços, as artes, a literatura, os sons, os cheiros, tudo perpassa uma informação que se constrói no espaço social. Maia (2015MAIA, Marcos. Discriminação da pobreza e segregação urbana no Rio de Janeiro. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 42, p. 237-252, 2015. , p. 238), embasado por outros autores, define a subjetividade como:
Uma espécie de indução à adoção de sistemas de referências e supostas verdades e formas de atuação, de ações, de vivências, de percepção e formas de pensar do indivíduo construindo também uma série de valores instituídos.
Portanto, se nossa interação nos comunica, nos introjeta e nos faz assumir as ações e comportamentos como nossas vontades e desejos, o sistema cultural, social, econômico, político etc., em que estamos inseridos, estará também e diretamente compondo nossos padrões de vida. É sobre esse contexto que Guattari estará considerando a perspectiva do que chama de cultura capitalística13 13 Cultura capitalística é um termo utilizado por Guattari e Rolnik (2010) para fazer menção às formas como o nosso desejo mais subjetivo se articula às regras e relações de troca e de uso propostas no seio desse sistema. Guattari (2010, p. 31) enfatiza: “No fundo, só há uma cultura: a capitalística. É uma cultura sempre etnocêntrica e intelectocêntrica (logocêntrica), pois separa os universos semióticos das produções subjetivas. […]. Assim como o capital é um modo de semiotização que permite ter um equivalente geral para as produções econômicas e sociais, a cultura é o equivalente geral para as produções de poder. As classes dominantes sempre buscam essa dupla mais-valia: a mais-valia econômica, por meio do dinheiro, e a mais-valia do poder, por meio da cultura-valor”. e subjetividade capitalística. “Trata-se de sistemas de conexões diretas entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social, e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo” (GUATTARI; ROLNIK, 2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely . Micropolíticas: cartografias do desejo. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010., p. 35).
Guattari (2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely . Micropolíticas: cartografias do desejo. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.) considera que as subjetividades são também uma produção dos sistemas culturais, nos quais o indivíduo está inserido, tendo nos seus desejos a incursão do poder que se estabelece nesse âmbito. As subjetividades capitalísticas caracterizam-se por uma articulação de instâncias extrapessoais (compostas pela mídia e outros aspectos), sobre as informações infrapsíquicas (compostas por formações subjetivas e privadas, como sentimentos, valores etc.).
De acordo com Maia (2015MAIA, Marcos. Discriminação da pobreza e segregação urbana no Rio de Janeiro. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 42, p. 237-252, 2015. ), estamos imersos numa produção que idealiza padrões e normas de felicidade e liberdade, limitando suas significações e sentidos a aquisições de bens de consumo e, em consequência, movendo o capitalismo. A falta dessa aquisição de bens intensifica a ideia de classes que, por si só, divide os sujeitos pelos fatores econômicos e status sociais que possuem. Essa intensificação produz desigualdades que, por sua vez, produz mais uma gama de micropolíticas que se instalam no âmbito de cada classe, normalizando suas vidas com base nas condições econômicas, sociais, culturais e políticas. Contudo, como pensar tudo isso nas condições de vida dos mais pobres? Como pensar que existam normas micropolíticas que produzem pobreza na vida homossexual?
Tendo em vista que a pobreza é um problema social, cujas fronteiras estão intrinsecamente ligadas a sujeitos inferiores na escala das classes sociais e está presente no cotidiano desses, parece ser preciso analisar a pobreza primeiro com uma concepção macropolítica, desde que esta trata-se de um pressuposto dual, visível de uma realidade que se concebe binária na formação das classes, compreendido sobre características de que a pobreza é um fenômeno estritamente produzido pelas desigualdades de direitos e divisão de bens promovida pelo estado capitalista. De acordo com Arroyo (2015aARROYO, Miguel G. Pobreza, Desigualdade e Educação. Fortaleza: SECADI, 2015a. Disponível em: http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/intro.pdf
. Acesso em: 12 out. 2017.
http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos...
, p. 14):
Interpretações reducionistas da pobreza e das desigualdades, como as citadas, terminam por ocultar o processo histórico de produção desses fenômenos e ignoram a questão social que os envolve. Aos(às) pobres são negados os direitos sociais mais básicos, como alimentação, teto, renda e trabalho, os quais são atributo do estado garantir.
Ao compreender a pobreza numa dimensão macropolítica, consigo perceber como as formas de formação cultural capitalísticas perpassam os sujeitos naturalizando e conformando suas vidas como pobres. Um exemplo contundente está presente na pesquisa da antropóloga Janice Perlman, sobre os estudos da pobreza nas favelas brasileiras.
Segundo Janice, boa parte da explicação para o fenômeno está no preconceito social que assola o morador da favela, constantemente associado à criminalidade; além disso, apesar do aumento substancial da escolaridade, a estrutura econômica continua reservando os empregos mais precários - quando não o desemprego - para boa parte dessas populações (ARROYO, 2015bARROYO, Miguel G. Pobreza e currículo: uma complexa articulação. Fortaleza: SECADI , 2015b. Disponível em: http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/modulo4.pdf . Acesso em: 15 ago. 2017.
http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos... , p. 16).
As micropolíticas, portanto, seriam uma composição de forças que inferem diretamente nas condições de vida dos sujeitos pobres, normalizando-os e conduzindo a um contexto inferior, como também trabalham como forças criadoras de subjetividades que, pelo desejo, atribuído por uma cultura capitalística, procuram meios para alcançar uma ascensão ou superação de seu estado/status. Forma reagente de atravessamento do problema social, mas muitas vezes, falidas pelas próprias normas de exclusão. Outro exemplo é como a sociedade, principalmente a brasileira, ainda repercute, na economia, os efeitos dos estigmas criados pelos discursos históricos e culturais de gênero, raça, sexo etc.
Tais grupos se tornam portadores de traços de exclusão duplos ou triplos, tornando-se vítimas de várias modalidades de marginalização. Essas razões são, com efeito, mais do que suficientes para se compreender a necessidade de se conhecer as singularidades que marcam esses grupos. Assim, as práticas democráticas que visam melhorar suas condições de vida necessitam, imperiosamente, levar em conta suas peculiaridades culturais, advindas de suas experiências vividas das dores da exclusão, por meio de políticas de reconhecimento (PIZANI; REGO, 2015REGO, Walquiria Leão; PIZANI, Alessandro. Pobreza e cidadania. Fortaleza: SECADI , 2015. Disponível em: http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/pdf/modulo1.pdf . Acesso em: 18 maio 2017.
http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos... , p. 31).
Somos, então, levados a pensar que as micropolíticas da pobreza estabelecem territórios, espaços subalternizados. Assim, mesmo que se cumpra com as regras do jogo, haverá então uma nova condição, uma nova força para exclusão desses sujeitos. É que não se podem generalizar todos os padrões de vida; porém, é visivelmente observado, nas condições de divisão de classes e suas especificidades nas relações de poder, como são as concepções de gênero, raça, orientação sexual etc. que, historicamente, são condicionadas a regras e normas que as subalternizam. A pobreza tem estrita relação com os estereótipos produzidos nas relações de classe (REZENDE, 2015REZENDE, Viviane de Melo. Violência simbólica: representação discursiva da extrema pobreza no Brasil - relações entre situação de rua e vizinhança. Discurso e Sociedade, v. 9, n. 1, p. 106-128, 2015. Disponível em: http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2/DS9(1-2)Resende.pdf
. Acesso em: 22 jun. 2017
http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2...
).
A homossexualidade, dentro de sua história, já se concebe sobre um discurso precarizado e subalterno. Michel Foucault, em História da Sexualidade I: a vontade do saber (1988FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. São Paulo: Graal, 1988. v. 1.), enfatiza sobre uma análise das significações e sentidos dados aos atos sexuais e sua dimensão representacional até o século 17 e pós-século 19, percebendo que as manifestações discursivas e as formas de agenciamentos dos corpos se caracterizam sobre dimensões diferenciadas. Para tanto, o que se concebia sobre o ato de fazer sexo com pessoas do mesmo sexo, até o século 17, era atribuído pela religião e pelo direito, como ato pecaminoso, passível de condenação, sendo a prática denominada de sodomia, pois rompia com os princípios cristãos bíblicos, princípios esses que embasavam o direito da época. Após o século 19, surge o termo homossexualidade, cunhado pelas ciências médicas. A percepção, agora científica, vinha enfatizar o discurso de patologização; seria ela uma conotação de desvio sexual, sendo entregue à psiquiatria como rato de seu laboratório.
Nesse enredo historiográfico, Michel Pollak (1990POLLAK, Michael. Os homossexuais e a AIDS: sociologia de uma epidemia. São Paulo: Estação Liberdade, 1990.) vem nos conceber que, do século 19 aos anos de 1980 e 1990, a homossexualidade passa no âmbito ainda das ciências médicas por idas e vindas na ressignificação de seus discursos, onde médicos diziam não provar a sua condição patológica. Porém, com o advento do vírus HIV/AIDS, de acordo com Pollak (1990)POLLAK, Michael. Os homossexuais e a AIDS: sociologia de uma epidemia. São Paulo: Estação Liberdade, 1990. e Bonfim (2011)BONFIM, Silvano Andrade do. Homossexualidade, direito e religião: da pena de morte à união estável. A criminalização da homofobia e seus reflexos na liberdade religiosa. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 18, p. 71-103, jul./dez, 2011., por volta dos anos 80 e 90, um novo discurso é estabelecido, associando a doença à prática sexual de pessoas do mesmo sexo. A doença virou sinônimo da homossexualidade: a “peste gay”, e para os religiosos conservadores, a ira de Deus sobre os gays (MOTT, 2012MOTT, Luiz Roberto de B. Memória Gay no Brasil: o amor que não permite dizer o nome. Disponível em: https://luizmottblog.wordpress.com/artigos/memoria-gay-no-brasil-o-amor-que-nao-se-permitia-dizer-o-nome
/. Acesso em: 5 ago. 2012.
https://luizmottblog.wordpress.com/artig...
). Ainda no fim dos anos 1990, a própria medicina desmistifica as associações feitas, descobrindo que a doença também estava presente entre idosos e crianças, e grande parte em casais heterossexuais.
Percebe-se, neste breve resumo, que a homossexualidade passa por uma história de sentidos fomentados por instituições sociais que controlam e detêm o poder, exportando-a para espaços subalternos e produzindo uma cultura que nega, para assim, regular os comportamentos dos padrões dominantes. Toda uma história de produções enunciativas negativas é posta para a homossexualidade, e por isso Foucault a considerava um alvo dos dispositivos de poder.
Apesar de estar lidando com uma teoria subsequente e também apropriada das percepções teóricas de Foucault, as micropolíticas, enquanto forças invisíveis que perpassam relações sociais, instituições sociais e subjetividades individuais e coletivas, acabam por se formarem também nas relações homossexuais; e me atrevo a afirmar que talvez, de uma forma bem mais lesante, quando consideramos a sua história e vários aspectos por outros nomes pós-Foucault. Apesar disso, não estou diretamente atento a essas produções, haja vista ter um interesse específico nesta pesquisa, que é pensar a pobreza na vida homossexual. Sobre isso me pergunto: pobreza e homossexualidade têm uma ligação relevante? Se sim, que micropolíticas agenciam a vida homossexual na direção da pobreza?
Para responder a estas perguntas, estarei me apropriando de algumas histórias de vida,14 14 “Segundo Lazega e Ferraroti (1990), a história de vida é uma forma de expressão da experiência humana, do vivido cotidiano, o que vai nos permitir uma visão mais aprofundada das influências recíprocas entre os processos psíquicos individuais e as condições sociais, geradoras do primeiro” (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2005, p. 137). “Abrindo mão da pretensão de produzir ‘explicações’ para os fenômenos sociais, as histórias de vida podem proporcionar uma melhor ‘compreensão’ sobre a dimensão experiencial destes fenômenos, descortinando para o pesquisador todo um leque de perspectivas e problemas” (OLIVEIRA, 2013, p.111-112). na tentativa de mostrar como os agenciamentos de enunciação que fabricam micropolíticas, produzem para/nos sujeitos homossexuais territórios de marginalização no seio do capitalismo, lhes relegando a condições de vida precárias. E nessa interface, mostrar que as vidas precárias dos sujeitos homossexuais, são, em certa medida, “vidas indestrutíveis”, pelas formas como buscam reagir às normatividades que negam suas identidades e desejos.
Vidas Indestrutíveis: micropolíticas da pobreza na vida homossexual
No início deste texto, comecei ressaltando sobre uma vida indestrutível, a do artista drag queen e homossexual Pablo Vittar, no episódio ocorrido em sua juventude no espaço escolar, manifestando micropolíticas que normalizavam sua atuação, marcando sua subjetividade com uma força, fazendo-o reagir com outra que,com sua arte, tornou-se ícone de manifestações de resistência ao que lhes havia sido imposto. Agora, quero apresentar mais duas vidas, nas quais as micropolíticas atuaram com outras intensidades de força, produzindo sujeitos em um nível de regulação da pobreza.
As duas histórias de vida, por mim coletadas em 201315 15 Trabalho apresentado no Encontro Nacional de Ensino em Sociologia na Educação Básica (ENESEB), que tinha como objetivo expor como se dava a evasão e exclusão de homossexuais masculinos do âmbito escolar. ainda quando fazia graduação, são histórias bem enfáticas porquanto as relações micropolíticas produzem pobreza na vida homossexual. Buscarei outro olhar para estes depoimentos, percebendo as forças que relegam à pobreza de Alison e Felipe.16 16 Os nomes aqui citados são fictícios, usados dessa forma para preservar a identidade dos interlocutores.
Alison tinha 19 anos no tempo em que o conheci, por intermédio de um amigo de infância. Lembro-me que naquele ano ele passava por momentos de mudança e recordava sua vida como se tudo fosse uma nova conquista. Era filho de pais separados, e sua mãe vivia da renda obtida pelos programas do governo federal para populações de baixa renda e de lavagem de roupas. Após o ocorrido, que logo será narrado, Alison deixou a escola e conseguiu um emprego em um mercadinho. À época da entrevista, afirmou não ganhar um salário completo e não estudava à noite, porque chegava muito tarde e cansado em casa; e mesmo que quisesse, não daria tempo. Deduzi que trabalhava além da quantidade de horas permitidas por lei. Segue trechos do depoimento publicados em Calou (2013CALOU, Antonio Leonardo Figueiredo. Nem vem tirar meu riso frouxo com algum conselho que hoje eu passei batom vermelho: relatos de homossexuais no âmbito escolar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO EM SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2013, Fortaleza. Anais... Fortaleza: UFC, 2013. ):
“ Eu sempre estudei em escolas públicas desde criança, na creche, sabe? Eu sempre sofri na escola, todo mundo me chamava de veadinho, de bichinha essas coisas. Eu nunca liguei. Eu tinha medo de apanhar, sabe né? A maioria eram aqueles meninos tipo macho demais [...], pois é, eu desisti de estudar só no primeiro ano (ensino médio). Tinha um menino lá na minha sala, que assim, tipo, a gente não se dava bem, ele não me esquecia, vivia me perturbando. Aí pedi à minha mãe pra ir lá, mas não fizeram nada. A diretora disse que eu mudasse meu jeito. Daí o menino soube, se juntou com os amigos maconheiros dele e quiseram me bater lá na praça; depois desse dia, eu nunca mais fui para a escola. Arrumei um ‘trampo’ mesmo. Eu nunca contei para minha mãe, porque ela dizia que se eu apanhasse na rua eu ia apanhar de novo em casa” (ALISON, desistente para ser atendente de mercadinho, 19 anos, grifo nosso).
O fato exposto traz consigo produções contundentes das micropolíticas que regulam a vida homossexual. Para além dos agenciamentos na forma de apelidos e xingamentos, Alison ouvia de pessoas em posições de poder na hierarquia das instituições de sua vida - como é o caso da diretora da sua escola e sua própria mãe -, enunciações que reforçavam a necessidade de se manter dentro das políticas de masculinidade e da heterossexualidade para então poder manter-se no espaço escolar e familiar. Porém, há um fator implícito que se passa invisível à situação, a desistência se concebe pela produção do medo.
Marcado pelas ameaças dos inimigos da escola, ele produz em si a insegurança de manter-se no mesmo espaço daqueles que ameaçam atentar contra sua vida. O medo que paralisa, no contexto educacional, é justificado pela oportunidade de emprego a ele concedida. É sobre este fator que mora a precariedade das micropolíticas de normalização que agenciam a sua vida homossexual. Quando o impede de estudar e formar-se, retira-lhe a oportunidade futura de concorrência no sistema de competição, oferecendo-lhe um emprego que, em um primeiro momento poderia significar uma ascensão, porém, em um segundo momento poderia ser percebido como forma de exploração de seus serviços, tendo em vista que é negligenciado, ou mesmo são tirados seus direitos como empregado.
Felipe, também filho de pais separados, morava com sua mãe e dois irmãos bem mais novos que ele. Tinha 21 anos à época da entrevista. Conheci-o pela internet, por intermédio de um antigo namorado. Conversamos via chat em uma rede social, e por incrível que parecesse, ele trabalhava, ou melhor, ainda trabalha em um cyber café, onde eu raramente fazia impressões de trabalhos.17 17 Raramente, porque as xerox do cyber custavam mais caro que o normal, então somente ia até lá em casos de urgência. Depois desse encontro para a entrevista, ele tornou-se um conhecido, com o qual mantive uma relação cordial de amizade. Nunca saímos juntos, mas vez ou outra costumava vê-lo sempre que passava na rua do cyber café. Lembro que Felipe era uma pessoa tímida, introspectiva, e gravá-lo não era uma opção. Tomava notas de suas falas. Quase cinco anos depois, ao passar em frente ao cyber café, ainda me deparo com Felipe na recepção do espaço. Segue trecho de seu depoimento:
“Eu desisti por uma coisa só. Assim, eu fazia o 1oano (ensino médio), aí lá tinha um professor que ele ficava só com coisa de piadinhas com os outros meninos lá da sala, sendo que era comigo. Aí uma vez ele pegou e ficou se jogando pra cima de mim, me chamando pra sair com ele, mas isso foi fora da escola, eu tava no jogo de handball, aí ele ia passando no carro e disse as coisas lá, aí eu contei para uma amiga minha, ela espalhou, sabe né? Pronto, pois depois daí em diante ele fez um inferno da minha sala comigo, me deu nota baixa e eu peguei e desistir de ano, no outro ano eu me matriculei de novo mas nem fui” (FELIPE, desistente para ser recepcionista de cyber café, 21 anos, grifo nosso).
As condições de Felipe, no tocante à sua vida financeira e ao trabalho, eram muito semelhantes às de Alison. Sua mãe também vivia do dinheiro disponibilizado pelos programas sociais do governo, e recebia sobre os três filhos que tinha. Ao desistir da escola e chegando à idade adulta, Felipe já não fazia mais parte das cotas dos programas sociais; o trabalho no cyber café era conveniente, principalmente para ajudar a família. Nas horas vagas, ele fazia bicos como DJ em festas LGBTs.
Felipe tem uma vida de direitos retirados. Afirmo isso imaginando que, se ele tinha 21 anos à época da entrevista e desistiu no primeiro ano do ensino médio, é possível deduzir que tenha se afastado aos 16 ou 17 anos; ou até mesmo antes, perfazendo seis anos de sua saída, ainda em 2013. Na entrevista, não me recordo se ele informou quando começou a trabalhar no cyber café; por isso, não tenho certeza do que estou afirmando sobre quanto tempo tem de prestação de serviços nesse local. Mas, se contarmos desde sua saída até os dias atuais, são 12 anos aproximadamente. Doze anos de trabalho informal, tempo em que o entrevistado nunca recebeu um salário fixo e completo, uma situação que percebo, no mínimo, complicada para um jovem que vive em um país que passa por grandes crises políticas de previdência. Ao revê-lo, poucos meses antes de escrever este texto, perguntei informalmente sobre sua vida e ele respondeu afirmando estar fazendo supletivo no Centro Educacional de Jovens e Adultos (CEJA).
Percebe-se que as forças que agenciam a vida de Felipe se relacionam a um personagem que se torna protagonista das marcas de sua vida. O professor, sujeito que julgamos ser formador de cidadãos e promotor do conhecimento, leva para a sala de aula os conceitos pré-concebidos pelas construções sociais que fazem referência à degradação das orientações sexuais e as identidades de gênero, perseguindo Felipe nos momentos de aula. Entretanto, ao convidá-lo para sair junto, o professor faz enunciações que conotam algumas posições entre os dois sujeitos do diálogo. Para Felipe, um incômodo desmedidamente inconveniente, trazendo-lhe a sensação de vergonha e insegurança e, subsequentemente, vivenciando a impunidade que lhe fez afastar e desistir da educação escolar. Já o professor, pretensiosamente, posiciona-se nessa relação de poder e consegue prevalecer nela; todavia, a posição deste cabe bem na concepção do que Daniel Borillo (2010BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2010., p. 82) considerou como homofobia:
Hostilidade geral, psicológica e social por aqueles e aquelas de quem se supõe que desejam a indivíduos de seu próprio sexo ou que têm práticas sexuais com ele. Forma específica do sexismo, a homofobia também rejeita a todos os que não se conformam com o papel pré-determinado por seu sexo biológico. Construção ideológica consistente na promoção de uma forma de sexualidade (hétero) em detrimento da outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela consequências políticas.
Por fim, busco aqui considerar que os discursos que agenciam corpos, enunciando suas posições e normas na vida homossexual sobre os padrões dominantes da heterossexualidade e da masculinidade compulsória, precarizam as vidas desses sujeitos, que ao introjetarem e compreenderem essas políticas e seus lugares nas relações de poder, subjetivamente incorporadas, buscam reagir de alguma forma a essas forças, traçando estratégias que enfocam a sua própria sobrevivência no sistema que lhes segrega.
Para além disso, a subjetividade capitalística, incutida sobre todos e todas que experienciam o sistema capitalista, conduz à ideia de que o trabalho, da forma que vier, mesmo que sem a seguridade de direitos empregatícios, significa algum tipo de ascensão e independência, uma concepção falida pela lógica com que trabalham alguns desses sujeitos, assim como foi visto na vida de Alison e Felipe.
Considerações finais
Talvez meu leitor esteja tentando associar todos os pontos que ressaltei ao longo desta pesquisa que considero desafiadora. Mas é nesse ínterim que pretendo trazer melhores esclarecimentos finais (pelo menos no momento) do meu pensamento acerca dos temas aqui vinculados.
A pobreza, enquanto arcabouço macropolítico, tende a cercar um campo de indivíduos submersos a condições precárias, sendo atingidos pelos favoritismos de classe que os posicionam nas formações subalternas da hierarquia social, que por ser desigual, mantém o sistema capitalista. Essas pessoas conduzem características históricas, que movem sua segregação nesse campo. Tais perspectivas se afirmam na desigualdade que se produz sobre mulheres, negros e homossexuais, entre outros segmentos de lutas sociais, que respondem reivindicando visibilidade, igualdade e direitos. Mas em todas elas, as macropolíticas causam e criam micropolíticas que se infiltram nas relações privadas dos sujeitos, fazendo-os atuarem entre relações de forças que agenciam seus corpos.
Na vida homossexual, esses agenciamentos são contundentes e são, por sinal, produtos de discursos históricos, nos quais suas atribuições são quase sempre repressivas, apesar de sempre ter sido chamada à discussão. Isso faz da homossexualidade um potencial arcabouço que será cercado pela exploração, pela desigualdade e pela pobreza.
O espaço escolar tende a ser um ambiente catalisador de agenciamentos de enunciações da vida homossexual, haja vista ser esse um local de socialização de sujeitos com várias formações culturais, que a todo momento expõe essas formações em suas interações. Poderia dizer que tais formulações carregam as forças micropolíticas que subjetivamente se manifestam nas relações comunicacionais ou informativas do cotidiano.
A homossexualidade, neste ambiente, acaba por ser alvo fácil diante da sua história em face de discursos normalizadores de corpos. As expressões fora das normas vigentes de gênero e de sexo acabam por sofrer com forças micropolíticas que batem de frente com os desejos e condições de suas vidas. Muitos homossexuais sofrem neste espaço a violência e a injúria de uma cultura falocêntrica e compulsoriamente pautada pela masculinidade e heterossexualidade, que nas relações privadas, reproduzem políticas para suas atuações. Ao não se colocarem nas condições humilhantes das relações de poder, muitos homossexuais tendem a deixar o ambiente escolar procurando outra forma, uma estratégia reativa para sobreviver diante da pobreza e da subalternidade que lhes são impostas.
Utilizando de uma subjetividade capitalística, nós, homossexuais, acreditamos buscar ascensão com nossas estratégias. Muitos reagem ainda na escola, outros não reagem, deixando a escola que lhe é tirada pela sua orientação sexual. Assim como em outros segmentos de luta social, nós também somos formados pelas micropolíticas da pobreza que nos atravessa e que tem estrita relação com a forma como desejamos atuar no mundo. Mas como todos esses segmentos, traçamos estratégias de sobrevivência, dentro das possibilidades daquilo que foi construído em nós. Assim, nós resistimos e continuaremos a resistir feito vidas indestrutíveis.
Referências
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» https://doi.org/10.7213/rfa.v15i17.3421
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Utilizei o termo autoidentificar por considerar que a identidade se faz sobre os processos de formação e constituições individuais e subjetivas dos indivíduos, assim como as subjetividades têm a ver com aquilo que se apresenta a estes indivíduos na constituição de suas experiências. Autoidentificar é um ato de nomear-se enquanto algo que se representa na sociedade. Assim como a maioria dos autores pós-estruturalistas que utilizo nesta pesquisa, também considero que a formatação da identidade acaba sendo pressuposto para perpetuação do jogo subjetivo de poderes que suas criações regimentam. Butler (2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a. , 2015bBUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica , 2015b., 2016BUTLER, Judith. Corpos que pensam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2016. p. 151-172.) e Derrida (1973)DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução de Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectivas, 1973. concordam quando ambos percebem a identidade como uma construção linguística histórica, e que ao ser reiterada, é incorporada nos indivíduos moldados às suas normas constitutivas. Há, portanto, um impasse nas produções políticas identitárias, tendo em vista que suas normas são construídas sempre como tecnologias de manutenção dos poderes hegemônicos. Para Derrida, a saída seria por meio da desconstrução, estratégia analítica que contradiz o logocentrismo produtor da linguagem e seus sentidos no mundo ocidental (VASCONCELOS, 2007VASCONCELOS, José Antonio. O que é a desconstrução? Revista de Filosofia, Curitiba, v. 15, n. 17, jul./dez. 2003. http://dx.doi.org/10.7213/rfa.v15i17.3421.
https://doi.org/10.7213/rfa.v15i17.3421... ); e para Butler seria a subversão performativa, traçando novas linhas identitárias que façam mesclar cada vez mais os padrões normativos, resvalando em novas subjetividades possíveis. -
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Cis e trans são termos em latim que significam o que está próximo e o que está para além, termos ressignificados para utilização nas identidades de gênero. Cisgêneros são aqueles homossexuais que seguem as normatividades de masculino e feminino de acordo com o seu sexo, transgêneros são os que transitam ou não se reconhecem nas normatividades do gênero determinado pelo seu sexo.
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De acordo com Leandro de Oliveira (2013), a homossexualidade é um atributo discursivo moralmente diferente das demais concepções que incitam manifestações preconceituosas no ambiente escolar: “A manutenção do segredo e os dramas da revelação da orientação sexual (ou coming out) são assuntos que recebem significativa atenção nesta linhagem de pesquisa. O estigma associado à homossexualidade, que pode ser ocultado por mecanismos de controle da informação sobre si, não é compartilhado com o grupo familiar de origem, como certos estigmas associados à raça e a religião (PECHENY, 2004). Tal fato possibilita que a homossexualidade se torne um segredo fundante das identidades e relações pessoais, sedimentando laços entre aqueles que o compartilham e dando origem a formas específicas de interação e de conflito com outros grupos” (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Leandro de. O uso de histórias de vida na pesquisa sobre a família e orientação sexual. In: CORDEIRO, Domingos Sávio. (Org.). Temas Contemporâneos em Sociologia. Fortaleza: Iris, 2013. v. 4, p. 103-131., p. 105-106). Assim, pode-se perceber que, em grande parte dos casos, a homossexualidade é relegada ao segredo, ao tempo em que esse segredo vai compondo a identidade do indivíduo, como também a própria subjetividade, autorregulando-se nas atuações de seus papéis sociais.
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“Conforme destaca Scott (1991), o patriarcado não designa somente o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social. O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: a) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, b) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas. Também, legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia feminina. Além do mais, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas” (LEMOS, 2013LEMOS, Carolina Teles. Religião e Patriarcado: elementos estruturantes das concepções e das relações de gênero. Caminhos, Goiânia, v. 11, n. 2, p. 201-217, jul./dez., 2013. http://dx.doi.org/10.18224/cam.v11i2.2795
https://doi.org/10.18224/cam.v11i2.2795... , p. 202). -
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Não sou muito adepto dos estudos de minorias; acredito que o termo não dá conta daquilo que pretende significar, que é encaminhar aos grupos sociais de lutas a ideia de serem excluídos. O termo tende a enfatizar o quantitativo desses grupos, mas as mulheres consideradas um deles, são maioria no mundo. O termo também segrega, quando desarticula as identidades que não são reconhecidas no conceito, pois uma única mulher pode ser negra, lésbica, pobre e demais outras identidades que compõem lutas. Para mais detalhes dessa discussão, ler Miskolci (2009)MISKOLCI, Richard. A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, Porto Alegre, n. 21, p. 150-182, jan./jun. 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-45222009000100008
https://doi.org/10.1590/S1517-4522200900... e Preciado (2011)PRECIADO, Beatriz. Multidões Queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, jan./abr. 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201100... . -
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Eribon (2011)ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2011. , ao compreender o choque da injúria o caracteriza como uma marca na consciência daquele que é receptor de uma comunicação que informa seu lugar produzindo a própria personalidade do receptor. Nas suas palavras: “Aquele que lança a injúria me faz saber que tem domínio sobre mim, que estou em poder dele. E esse poder é principalmente o de me ferir. De marcar a minha consciência com essa ferida e o inscrever a vergonha de si mesma, torna-se um elemento constitutivo da minha personalidade” (p. 28-29).
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“Para Barry Thorne, os conflitos nos jogos de gênero, mesmo imbuídos de seu caráter lúdico, provocam com intensidade o antagonismo entre os gêneros. Thorne utiliza a expressão ‘antagonismos de gênero’ para referir-se tanto a oposições entre os sexos (meninos versus meninas), quanto a antagonismos nos sentidos de gênero (masculinidades e feminilidades)” (THORNE apudCRUZ; CARVALHO, 2006CRUZ, Tânia Mara; CARVALHO, Marília Pinto de. Jogos de gênero: o recreio numa escola de ensino fundamental. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 113-143, jun. 2006. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100006.
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200600... , p. 137). -
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Foi o que constatou também Lucimar Rosa Dias (2011)DIAS, Lucimar Rosa. Formação docente e gênero: relato de uma prática pedagógica. In: PASSAMANI, Guilherme R. (Org.). Contra Pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual. Campo Grande: UFMS, 2011. p. 15-25., que ao pesquisar a ação de acadêmicas pedagogas na prática pedagógica, notou que a reprodução dos papéis de gênero é enfática nas interrupções feitas sobre o ato de brincar; ela percebe que não se podem passar os limites e fronteiras dos gêneros, principalmente para os meninos, idealizando assim que a masculinidade compulsória acessa as acadêmicas.
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Segundo Butler (2016)BUTLER, Judith. Corpos que pensam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2016. p. 151-172., aquele que não obedece a normas sociais, ou seja, o que está fora da normalidade, é excluído dos jogos das relações de poder; este é o “abjeto”, o estranho, o não convencional, o que perde a credibilidade e não merece nenhuma atenção.
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“Conforme Deleuze e Guattari ([1995] 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011., p. 20), ‘as palavras de ordem ou os agenciamentos de enunciações […] designam essa relação instantânea dos enunciados com as transformações incorpóreas ou atributos não corpóreos que eles expressam’. Vale ressaltar que esses agenciamentos de enunciação são coletivos não apenas por se tratarem de um caráter grupal, mas também por se caracterizarem pela entrada de diversas coleções de objetos técnicos, de fluxos materiais e incorpóreos, entidades incorporais, entre outros” Maia (2015MAIA, Marcos. Discriminação da pobreza e segregação urbana no Rio de Janeiro. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 42, p. 237-252, 2015. , p. 238-239).
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Vidas Indestrutíveis é um conceito que quero amadurecer, pois a inspiração vem tanto da música de Pablo Vittar, como também daquilo que Judith Butler (2011) entendeu como Vidas Precárias; vidas essas que para a autora, sofrem com as produções discursivas que precarizam as condições de existir do outro lhes informando seus lugares. Contudo, quero pensar que respondemos a esse discurso e procuramos maneiras de resistir a ele.
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“Através dessas prescrições, vê-se que o deciframento das ‘tecnologias políticas do corpo’, da ‘microfísica dos poderes’ (S. P., p. 31) e da ‘polícia discursiva’ (O. D., p. 37), proposta por Michel Foucault, não consiste numa simples demarcação contemplativa, mas implica o que eu chamei umamicropolítica, uma análise molecular nos fazendo passar das formações de poder aos investimentos de desejo” (GUATTARI, 2007GUATTARI, Félix. 1985: Microfísica dos Poderes e Micropolíticas dos Desejos. In: QUEIROZ, André; CRUZ, Nina V. (Org.). Foucault Hoje? Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. p. 33-41., grifo do autor, p. 37).
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Cultura capitalística é um termo utilizado por Guattari e Rolnik (2010) para fazer menção às formas como o nosso desejo mais subjetivo se articula às regras e relações de troca e de uso propostas no seio desse sistema. Guattari (2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely . Micropolíticas: cartografias do desejo. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010., p. 31) enfatiza: “No fundo, só há uma cultura: a capitalística. É uma cultura sempre etnocêntrica e intelectocêntrica (logocêntrica), pois separa os universos semióticos das produções subjetivas. […]. Assim como o capital é um modo de semiotização que permite ter um equivalente geral para as produções econômicas e sociais, a cultura é o equivalente geral para as produções de poder. As classes dominantes sempre buscam essa dupla mais-valia: a mais-valia econômica, por meio do dinheiro, e a mais-valia do poder, por meio da cultura-valor”.
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“Segundo Lazega e Ferraroti (1990), a história de vida é uma forma de expressão da experiência humana, do vivido cotidiano, o que vai nos permitir uma visão mais aprofundada das influências recíprocas entre os processos psíquicos individuais e as condições sociais, geradoras do primeiro” (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2005ARAÚJO, Anísio José da Silva; OLIVEIRA, Gislene Farias de. Ciência e Subjetividade: histórias de vida como metodologia. Tendências Caderno de Ciências Sociais: Ciência e Experiência - artigos e ensaios sobre espiritualidade, Crato, Ceará, n. 3, p. 17-38, set., 2005., p. 137). “Abrindo mão da pretensão de produzir ‘explicações’ para os fenômenos sociais, as histórias de vida podem proporcionar uma melhor ‘compreensão’ sobre a dimensão experiencial destes fenômenos, descortinando para o pesquisador todo um leque de perspectivas e problemas” (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Leandro de. O uso de histórias de vida na pesquisa sobre a família e orientação sexual. In: CORDEIRO, Domingos Sávio. (Org.). Temas Contemporâneos em Sociologia. Fortaleza: Iris, 2013. v. 4, p. 103-131., p.111-112).
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Trabalho apresentado no Encontro Nacional de Ensino em Sociologia na Educação Básica (ENESEB), que tinha como objetivo expor como se dava a evasão e exclusão de homossexuais masculinos do âmbito escolar.
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Os nomes aqui citados são fictícios, usados dessa forma para preservar a identidade dos interlocutores.
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Raramente, porque as xerox do cyber custavam mais caro que o normal, então somente ia até lá em casos de urgência.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Dez 2019 -
Data do Fascículo
Dez 2019
Histórico
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Recebido
22 Set 2018 -
Revisado
13 Abr 2019 -
Revisado
20 Maio 2019 -
Aceito
02 Jun 2019