Resumo
Buscamos, neste artigo, interrogar a relação da mãe com sua criança a partir da equivalência filho=falo. Neste sentido, são as consequências clínicas da sexualidade feminina para todo sujeito que estão colocadas. É determinante para cada sujeito a relação da mulher que é sua mãe com a falta. Investigaremos, a partir do caso Hans, a relação da mãe com sua criança quando ela se situa no lugar do falo imaginário e quais consequências podemos vislumbrar. Hans fornece um paradigma da versão edipiana da mãe não apenas através da identificação da criança como falo imaginário que responde ao desejo da mãe, mas também a partir do encontro com a castração materna, na medida em que a posição de sua mãe na sexuação, ou seja, enquanto mulher em relação ao seu pai, não se evidencia. Torna-se fundamental recolher esses efeitos no caso para destacar o desafio estrutural a ser enfrentado pela criança.
Palavras-Chave:
maternidade; falo; castração; Hans
Abstract
In this article, we question the mother’s relationship with her child from the equivalence child = phallus. In this sense, it is the clinical consequences of female sexuality for every subject that are posed. For each subject, the relationship of woman / mother with castration is fundamental. From the Hans case, we will investigate the mother’s relationship with her child when the child is in the place of the imaginary phallus and what the consequences are. Hans provides a paradigm of the Oedipal version of the mother from the identification of the child as an imaginary phallus that responds to the mother’s desire and from the encounter with maternal castration, insofar as her mother’s position in sexuation, that is, as woman in relation to her father is not evident. It is essential to collect these effects in this case to highlight the structural challenge facing the child.
Keywords:
maternity; phallus; castration; Hans
Resumen
En este artículo, intentamos cuestionar la relación de la madre con su hijo basándonos en la equivalencia: niño = falo. En este sentido, son las consecuencias clínicas de la sexualidad femenina para cada sujeto que están planteadas. Es determinante para cada sujeto la relación de la mujer, que es su madre, con la carencia. A partir del caso Hans, investigaremos la relación de la madre con su hijo cuando ella está en el lugar del falo imaginario y cuáles consecuencias podemos atisbar. Hans proporciona un paradigma de la versión edípica de la madre, no sólo a través de la identificación del niño como un falo imaginario que responde al deseo de la madre, sino también desde el encuentro con la castración materna, en la medida en que la posición de su madre en la sexuación, es decir, como mujer en relación con su padre, no queda evidente. Resulta fundamental recoger estos efectos en el caso para poner de manifiesto el reto estructural al que se enfrenta el niño.
Palabras clave:
maternidad; falo; castración; Hans
Introdução
Em seus estudos sobre a feminilidade, Freud (1933/1989)FREUD, Sigmund. Feminilidade (1933). In: SALOMÃO, Jayme (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago , 1989. v. 22, p. 139-165. Edição Standard Brasileira. conclui que o desejo de um filho é um destino do Penisneid, o filho constituindo-se como um equivalente simbólico do falo. A tese freudiana acerca da maternidade sustenta-se nesta equivalência criança-falo e a maternidade seria, deste modo, uma solução para o feminino. Lacan (1969/2003)LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370. coloca a criança como um possível objeto a para a mulher e faz uma dissociação entre a mãe e a mulher. Abordar a questão materna convoca a teoria freudiana e lacaniana acerca da sexualidade feminina. Sabemos que Lacan (1972-1973/1975LACAN, Jacques. Le séminaire: Encore (1972-1973). Paris: Seuil , 1975. livre 20. , 1974-1975LACAN, Jacques. O seminário: R. S. I. (1974-1975). Tradução não publicada. Livro 22.) irá abordar a sexualidade feminina, a partir dos anos 70, através da noção de não-todo. Embora possamos entrever os antecedentes desta noção já em 1960 em Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina (LACAN, 1960/1998LACAN, Jacques. Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina (1960). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. p. 725-738.) quando ele interroga se o instinto materno, como uma manifestação pulsional, não seria inteiramente mediado pelo falo, nesta época Lacan ainda não tem os elementos necessários para abordar o feminino a partir da noção de gozo suplementar. Sendo assim, o problema da sexualidade feminina é ainda concebido, neste momento do seu ensino, a partir da falta fálica e a maternidade é um destino possível da relação da mulher com a falta.
Este artigo integra a pesquisa “O que quer a mãe, hoje: um estudo sobre maternidade no século XXI a partir da psicanálise”, financiada pela FAPEMIG, por meio do Programa Pesquisador Mineiro. Interessa-nos interrogar a relação da mãe com sua criança a partir da equivalência filho=falo. A pergunta subjacente a esta é: qual o lugar da criança no inconsciente materno? É isto que nos lembra o Lacan (1962-1963/2005LACAN, Jacques. O seminário: a angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: J. Zahar , 2005. livro 10., p. 137) de O seminário livro 10: a angústia, ao comentar o caso freudiano da jovem homossexual:
O que isso é, diz Freud, no entanto, é que ela quereria um filho do pai. Mas, se vocês se contentam com isso, é por não serem exigentes, pois esse filho nada tem a ver com uma necessidade materna. Foi por isso que fiz questão de ao menos lhes situar a relação do filho com a mãe numa posição como que lateral em relação à corrente principal da elucidação do desejo inconsciente [...] Esse filho, é realmente como outra coisa que ela queria tê-lo, e essa coisa, aliás, graças a Deus não escapa a Freud. A moça queria esse filho como um falo [...].
Neste sentido, são as consequências clínicas da sexualidade feminina para todo sujeito que estão colocadas. É determinante para cada sujeito a relação da mulher que é sua mãe com a falta. O desejo de ter um filho adquire diferentes sentidos para diferentes mulheres. A criança não completa integralmente a mãe e há que se perguntar que lugar a criança ocupa para a mãe. Investigaremos, a partir do caso clínico, a relação da mãe com sua criança quando ela se situa no lugar do falo imaginário e quais consequências podemos vislumbrar. Sem dúvida, o caso Hans fornece um paradigma desta relação e, não apenas a relação da mãe com a criança no lugar do falo imaginário, mas também o encontro de Hans ao se deparar com a castração maternal. Trata-se de questionar este encontro com a castração maternal, já que a posição da mãe de Hans na sexuação, ou seja, enquanto mulher em relação ao seu pai não se evidencia. Torna-se fundamental recolher esses efeitos no caso para destacar o desafio estrutural a ser enfrentado pela criança. Como afirma Lacan (1958/1998LACAN, Jacques. A significação do falo (1958). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. p. 685-696., p. 693), em A significação do falo: “A significação da castração só adquire do fato (clinicamente manifesta) seu alcance eficiente na formação dos sintomas, a partir de sua descoberta como castração da mãe”. Assim, se deparar com a castração da mãe é se deparar com a relação dessa mãe, como mulher, com a falta? O caso Hans responderá essa questão levantada a partir desta citação feita de Lacan.
Interrogar a atualidade da clínica, implica pensar, diante do caso de Hans, que esse encontro com a castração maternal, desencadeia uma manifestação do real que não pôde ser simbolizado. A falta do pênis da mãe é da ordem do irrepresentável, sendo assim, é relevante que o véu se levante frente ao feminino da mãe e como consequência, é indispensável que a criança se coloque a trabalho em um processo de simbolização.
Hans e sua mãe
Em sua última conferência sobre a sexualidade feminina, Freud (1933/1989)FREUD, Sigmund. Feminilidade (1933). In: SALOMÃO, Jayme (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago , 1989. v. 22, p. 139-165. Edição Standard Brasileira. assinala três saídas para o Édipo feminino: a inibição sexual, o complexo de masculinidade e a feminilidade normal. Na primeira, a menina, após comparar seu órgão com o pênis e descobrir a castração materna, renuncia à masturbação. Na segunda, há o desenvolvimento de um intenso complexo de masculinidade. A menina recusa-se a renunciar a sua atividade clitoridiana e refugia-se em uma identificação com a mãe fálica ou com o pai. Por fim, na terceira saída a menina volta-se para o pai com a esperança de que ele lhe dê o que a mãe não deu. Daí extraímos a clássica tese freudiana segundo a qual a feminilidade normal implica a substituição o desejo de possuir o pênis, desejo que fez a menina voltar-se originalmente para o pai, pelo desejo de um filho. Em suma, o filho assume o lugar do pênis através de uma equivalência simbólica e responde à falta fálica. Como ratifica Lacan (1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., p. 249) ao comentar que Hans é um apêndice à sua mãe: “Tudo na conduta da mãe com o pequeno Hans - a quem ela carrega consigo para todo canto, desde o banheiro até sua cama - indica que a criança é um apêndice indispensável”. Lacan acrescenta que Hans responde com totalidade o lugar de metonímia do desejo do falo por parte da mãe. O desejo da mãe de Hans tende a ser gozo, já que a falta se encontra preenchida pelo falo imaginário. É necessário o significante do Nome-do-Pai para que haja desejo materno. O desejo da mãe não pode ser separado do Nome-do-Pai, caso isso ocorra haverá destruição da metáfora paterna.
Todos os elementos do Édipo serão retomados em Lacan (1957-1958/1999LACAN, Jacques. O seminário: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1999. livro 5., p. 185) em O seminário livro 5: As formações do inconsciente: “Chegamos ao ponto em que afirmei que na estrutura que promovemos como sendo a da metáfora residiam todas as possibilidades de articular claramente o complexo de Édipo e seu móbil, isto é, o complexo de castração”. O que é a metáfora paterna? Trata-se da substituição do pai como significante no lugar da mãe. A mãe se instaura como o ser primordial que pode estar presente ou ausente. A criança deseja não simplesmente a presença, a atenção ou o cuidado da mãe, mas seu desejo. O desejo é o desejo do desejo da mãe. Abre-se assim a dimensão do que a própria mãe deseja na medida em que ela fala e vive em um mundo simbólico. Ou seja, há na mãe o desejo de Outra coisa. Esse desejo do Outro que é o desejo da mãe comporta um além que para ser alcançado necessita da mediação do pai, na ordem simbólica. A relação da criança com o falo se estabelece na medida em que o falo é o objeto do desejo da mãe.
O que é o pai no complexo de Édipo? O pai é um significante que substitui um outro significante. A função do pai no Édipo é ser um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, a mãe. É isto o que Lacan descreve na fórmula da metáfora paterna: o pai vem no lugar da mãe, e a mãe é o que vai e vem. Lacan (1957-1958/1999LACAN, Jacques. O seminário: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1999. livro 5., p. 180) se pergunta qual é o seu significado, o que ela quer, e responde: “Eu bem que gostaria que fosse a mim que ela quer, mas está muito claro que não é só a mim que ela quer. Há outra coisa que mexe com ela - é o X, o significado. E o significado das idas e vindas da mãe é o falo”. A mãe é um desejo e portanto um enigma: “O que ela quer?”. É na medida em que o pai substitui a mãe na metáfora como significante que se produz o resultado da metáfora. Entretanto, não é o pai de Hans que irá deslocá-lo do lugar de falo imaginário. É o real do sexo, tumescência e detumescência do pênis, juntamente com o nascimento de sua irmãzinha, Hanna, que abalam o mundo imaginário de Hans. O falo é o objeto imaginário no desejo da mãe de Hans, mas Hans é recusado pela mãe enquanto portador do pênis. Quando Hans quer fazê-la interessar-se por seu pênis, ela o responde que isso é uma porcaria. Aparece assim, um intervalo entre o falo imaginário e o real do sexo que faz barulho e que deve ser destacado. Hans encontra com a castração maternal, a partir do nascimento de Hanna e do real do sexo, presentificando um real a ser simbolizado. Entretanto, a falta de recursos simbólicos de Hans que deveria ter herdado do pai evidencia-se, levando-o a construir o sintoma fóbico para se sustentar no mundo simbólico. É importante ressaltar que a angústia de Hans sobrevém anteriormente ao sintoma fóbico, e ainda, a angústia retrocede diante do sintoma. O sintoma, medo do cavalo, já é uma forma de circunscrever e nomear a angústia desencadeada pelo deslocamento deste lugar imaginário ocupado por Hans. A angústia de Hans é um tempo de suspensão entre o medo em que ele não sabe onde está para um tempo que vai ser algo, mas que ainda não pôde encontrar. Quando Hans é deslocado deste lugar do falo da mãe surge o efeito de enigma em Hans diante do desejo do Outro: qual é o meu lugar no desejo do Outro? O real na angústia é substituído pelo significante fóbico. Como confirma Lacan (1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., p. 253), “A fobia é construída à frente do ponto de angústia... e o medo é, aparentemente, mais tranquilizador que a angústia”.
Freud descreve no Édipo que quando o filho se identifica com a mãe, ele teme a perda do órgão viril. O pai é aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo, o falo. Ele a priva de algo que ela não tem ou, dito de outro modo, de algo que só tem existência situado no plano simbólico enquanto símbolo. Essa privação, a criança aceita ou recusa. Lacan situa esse ponto como nodal no Édipo. Na medida em que a criança não ultrapassa esse ponto nodal, não aceita a privação do falo efetuada na mãe pelo pai, ela mantém uma certa identificação com o objeto da mãe. Trata-se de ser ou não ser o falo. Lacan (1957-1958/1999LACAN, Jacques. O seminário: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1999. livro 5., p. 192) aponta as declinações desta pergunta a ser colocada em cada caso particular:
[…] qual é a configuração especial da relação com a mãe, com o pai e com o falo que faz com que a criança não aceite que a mãe seja privada, pelo pai, do objeto de seu desejo? Em que medida, num dado caso, é preciso aponta que, em correlação com essa relação, a criança mantém sua identificação com o falo?”
Lacan (1956-1957/1995)LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., em O seminário livro 4: A relação de objeto, fala em dialética intersubjetiva do engodo. Para satisfazer o que não pode ser satisfeito, o desejo da mãe, a criança faz a se própria de objeto enganador. Já que não se pode satisfazê-lo, a criança vai enganá-lo, o desejo. A mãe é aqui o desejo da mãe e a criança é a resposta ao desejo da mãe. Nesse seminário, Lacan aponta uma voracidade materna que nos impossibilita de ver a mãe lacaniana como uma mulher inteiramente saciada pelo filho através da equivalência fálica. Enquanto Freud enfatiza o desejo edipiano do sujeito, neste caso de Hans, Lacan (1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., p. 199) ressalta a importância da demanda materna:
O que a própria criança encontrou outrora para anular sua insaciedade simbólica, vai reencontrar possivelmente diante de si como uma boca escancarada. […] O furo aberto da cabeça da Medusa é uma figura devorada que a criança encontra como saída possível em sua busca da satisfação da mãe. Aí está o grande perigo que nos é revelado por suas fantasias, ser devorado (grifo do autor).
É o que se descreve no caso do pequeno Hans. Barros e Vieira (2015BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015.) afirmam que podemos definir esse desejo insaciável como aquele desejo no qual a falta da mediação do Nome do pai leva a uma demanda do Outro que se situa a nível do ser e não do ter. O único objeto capaz de saciar esse desejo insaciável da mãe é a destruição da criança. Há uma incidência do desejo não sobre o ter ou não ter falo, mas sobre o ser ou não ser o falo. Lacan (1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., p. 233) esclarece que essa é uma das roupagens da fobia de Hans, já que a criança tem medo de que qualquer cavalo a morda. Ou seja, o tema da devoração é sempre encontrável na estrutura da fobia de Hans, denunciando que se trata de uma mãe voraz. A mãe apresenta-se aqui enquanto mãe real, ou seja, ela é real em relação ao simbólico e ao imaginário, o real é o registro onde não há falta, há excesso da presença da mãe. Essa posição da mae deixa pouco espaço para a invenção do desejo de Hans. Através da metáfora paterna, a criança pode responder metaforicamente e não com seu próprio ser. É neste sentido, que a neurose, no Seminário 4, pode ser descrita em termos de uma negociação com o Outro, através do Nome do Pai, daquilo que seria o insaciável do desejo materno.
Barros e Vieira (2015BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015.) ainda vão destacar uma diferença em relação à função do pai real a partir de O seminário livro 4: A relação de objeto (LACAN, 1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4.). Nele, o pai real está no lugar do desencadeamento da fobia de Hans. O significante funciona na medida em que ele é encarnado pelo pai de Hans, Max Graf. Entretanto, precisamos lembrar que o pai real poderia ser outra coisa. “O que é essencial aqui é que a função simbólica não seja imaterial, pois a função de sair ela exige a atuação de alguém que diz não. E que também diz sim, de preferência não ao mesmo tempo” (BARROS; VIEIRA, 2015BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015., p. 36). Em seu comentário, Barros e Vieira (2015)BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015. destacam que, em O seminário livro 5: As formações do inconsciente, a dialética entre mãe e filho não teria solução se não houvesse a mediação do significante do Nome do Pai. Mas é importante reconhecer que o significante aqui é o furo no discurso da mãe.
Hans responde fazendo-se objeto enganador e não com sua destruição. Ele se identifica ao falo imaginário para responder ao desejo materno. Ele não é o falo, mas a criança faz como se fosse e assim pode negociar com o Outro, respondendo e ao mesmo tempo recusando o desejo materno.
Em outro texto, “Nota sobre a criança”, Lacan (1969/2003LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370., p. 369) destaca como a criança pode vir a ocupar o lugar de objeto da mãe. Ele afirma que a função de resíduo exercida pela família conjugal na evolução das sociedades destaca a irredutibilidade de uma transmissão de algo que é de outra ordem que não a da vida segundo as satisfações das necessidades, mas da constituição de uma subjetividade implicando a relação com um desejo que não seja anônimo que se conjugam as funções da mãe e do pai. É neste contexto que ele vai dizer que o sintoma da criança pode ser a verdade do casal familiar. Quando o sintoma que prevalece é decorrente da subjetividade da mãe, a criança é implicada diretamente como correlata de uma fantasia.
A distância entre a identificação com o ideal do eu e o papel assumido pelo desejo da mãe, quando não tem mediação (aquela que é normalmente assegurada pela função do pai), deixa a criança exposta a todas as capturas fantasísticas. Ela se torna o “objeto” da mãe e não mais tem outra função senão a de revelar a verdade desse objeto (LACAN, 1969/2003LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370., p. 369).
Ou seja, na relação dual com a mãe, a criança lhe dá, imediatamente acessível, o próprio objeto de sua existência, aparecendo no real. Na relação mãe-filho entra em jogo o que Lacan nomeia como uma “relação de objeto no real” (LACAN, 1960/1966LACAN, Jacques. Remarque sur le rapport de Daniel Lagache (1960). In: ______. Écrits. Paris: Seuil, 1966. p. 674-684., p. 654). A criança é um objeto real nas mãos da mãe que, para além dos cuidados que exige, pode ser usada como uma possessão, presa ao serviço sexual da mãe (LACAN, 1964/1966LACAN, Jacques. Du “Trieb” de Freud et du désir du psychanalyste (1964). In: ______. Écrits. Paris: Seuil, 1966. p. 851-878., p. 852). No seminário R. S. I., Lacan (1974-1975LACAN, Jacques. O seminário: R. S. I. (1974-1975). Tradução não publicada. Livro 22., n. p.) afirma que: “Freud nos revela que é graças ao Nome do Pai que o homem não permanece amarrado ao serviço sexual da mãe”. A criança é um objeto real nas mãos da mãe que, para além dos cuidados, pode usá-lo como uma possessão. Teríamos assim a criança na posição de fetiche.
É o que Lacan (1956-1957/1995LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4., p. 85) afirma também em O seminário livro 4: A relação de objeto, acerca do fetichismo, no qual o sujeito encontra seu objeto, seu objeto exclusivo. Neste seminário, Lacan aproxima a mãe do Outro da demanda e a define como uma encarnação do Outro da demanda (MILLER, 2015MILLER, Jacques-Alain. Mãe-Mulher. Opção Lacaniana: Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, n. 71, p. 13-21, 2015.), uma potência que pode satisfazer a demanda. Aquela de quem o bebê se torna dependente, de quem aguarda a resposta.
Lacan (1969/2003)LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370. permite articular o fracasso das utopias comunitárias com o efeito de anonimato que elas acabam por produzir na medida que o Ideal visado desconsidera o particular de cada sujeito. A família conjugal permanece como um resíduo porque nela se presentifica a irredutibilidade de uma transmissão de uma constituição subjetiva, de algo diferente da vida segundo as satisfações da necessidade. Essa constituição subjetiva designa a implicação em relação a um desejo que não seja anônimo. O não-anônimo está articulado à particularização em jogo nas funções da mãe e do pai. “É por tal necessidade que se julgam as funções da mãe e do pai. Da mãe, na medida em que seus cuidados trazem a marca de um interesse particularizado, nem que seja por intermédio de suas próprias faltas. Do pai, na medida em que seu nome é o vetor de uma encarnação da Lei no desejo” (LACAN, 1969/2003LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370., p. 369).
Temos aqui uma circunscrição da função materna. A mãe deve trazer, com seus cuidados, a marca de um interesse particularizado. É essencial que esse interesse se manifeste de modo particularizado, podemos dizer que isso seria uma mãe lacaniana. Quando Vieira e Barros (2015BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015.) comentam esta passagem, ele precisa que a mãe se interessa por alguma coisa naquela criança. Se interessa em favorecer, em criar alguma coisa que aquela criança tem. Uma coisa é uma mãe que se interessa por seus filhos, uma mãe que adora seus filhos, outra é uma mãe que adora o filho porque ele tem jeitinho assim ou assado. Ela conseguiu particularizar o interesse dela. Há uma diferença entre “Eu amo todas essas crianças” e “Eu amo essa criança por isso ou por aquilo”. Lacan (1969/2003LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370., p. 369) conclui: “nem que seja por intermédio de suas próprias faltas”.
Na cena familiar de Hans, falta a divisão materna: mãe e mulher. O pai de Hans não faz a mulher não-toda existir. Desta forma, é uma mãe que não transmite suas faltas. A mulher deve se presentificar, sendo necessário que atrás de um pai e de uma mãe esteja um homem e uma mulher que escape à criança. A mãe é mulher para o homem e mãe para a criança, divisão necessária para que os significantes copulem na estrutura do inconsciente. Hans passa a ser um sintoma frente à mãe falicizada, hommelle. Neologismo (homme+elle) criado por Lacan (1968/2006LACAN, Jacques. Le séminaire: D’un Autre à l’autre (1968). Paris: Seuil , 2006. livre 16., p. 293) para mostrar uma maneira de responder à falta estrutural do Outro, produzindo um Outro completo. Segundo Nominé (1997NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997.), Hans necessita de seu tigre de papel frente à mãe toda fálica (hommelle) para impedir que seja um sintoma da mãe toda. Nominé (1997NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997., p. 64) acrescenta se referindo a Hans: “A criança fóbica encontra o recurso de um significante que dá medo e assim impede que a criança aproxime-se demasiadamente do perigo. Afinal de contas, o significante fóbico recobre o objeto que cause o desejo e assim dá a ele um valor de causa do medo”.
Torna-se fundamental que o pai opere logicamente, ou seja, é necessário que o pai faça da mãe uma mulher que oriente seu desejo. O pai é o resultado de uma orientação, de uma versão. Entretanto o pai de Hans é falho, pois ele não coloca a mãe na posição de mulher. Como afirma Nominé (1997NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997., p. 57): “O pai de Hans é antes um charlatão, um bom falante, mas no que diz respeito à cama torna-se um pouco fraco”. Por isso que a fobia de Hans é um apelo ao pai, a um substituto do pai, uma metáfora paterna. Já que a metáfora paterna não funcionou, Hans coloca o cavalo no lugar que o pai não ocupava: o da castração. O sintoma de Hans é uma resposta do par parental, diz da verdade do que estava acontecendo com os pais. Hans deseja sua mãe, daí em função do medo do cavalo, quer ficar com a sua mãe em casa, mas ao mesmo tempo, desloca a função do pai em direção ao animal, que pode mordê-lo, como seu pai pode castrá-lo. O casal se separou pouco tempo após o tratamento de Hans (MILLER, 1997MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar , 1997.), ratificando assim que não existia um homem e uma mulher no casal parental. O pai de Hans não era um operador lógico, um agente da castração, que possibilitou Hans a se deslocar do falo imaginário ao falo simbólico.
Hans pede ao pai uma ferida, um golpe, pede sangue. Em outros termos, pede a entrada da castração. Mas o pai é muito gentil, discute com ele, vai brincar com ele; é um pai moderno, tão bom, que se torna deficiente quanto à função bíblica do pai (MILLER, 1997MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar , 1997., p. 569).
Hans pede ao pai para fazer da mãe uma mulher, segundo Miller (1997MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar , 1997., p. 472):
Hans dá a entender ao pai que ele deveria se ocupar um pouco mais da mãe, para que ela o deixasse, a ele, Hans, um pouco só. Há muitas ocasiões em que ele quase mostra a mãe ao pai, como a dizer-lhe, ocupa-te um pouco mais do desejo dela, para que eu possa respirar.
Desta forma, na tríade, mãe-falo-Hans, o pai precisa entrar como homem para apaziguar a todos, inclusive, a mãe insaciável. Essa tríade parece estender-se na medida em que a lei do pai declina. Deve-se correlacionar a mãe à mulher, ou seja, a uma falta, em que falta o objeto privilegiado, o falo. Miller (1997MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar , 1997.) ressalta que é preciso relacionar no tratamento infantil o sujeito criança (Hans) com o sujeito feminino (mãe de Hans) com sua falta fálica e como a criança se inscreve nesta relação. O encontro com a castração maternal não foi suficiente para Hans, já que ele não se depara com a posição de mulher da mãe em relação ao seu pai. Ao contrário, Hans diante da castração da mãe se paralisa, não se movimenta e não quer saber, embora já o saiba, que a mãe é não toda. Como diz Nominé (1997NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997., p. 63) ao afirmar que o pai não parece ser parceiro da falta na mulher, aparecendo assim, em sua versão imaginária: “Seja porque não tenha enfrentado a falta na mulher, seja porque a criança fóbica não quisesse imaginar o pai como sendo o parceiro da parte feminina da mãe”. Ele prossegue: “O neurótico não quer considerar a versão simbólica da castração, quer dizer, não quer admitir que a mãe não seja toda, que seja dividida” (NOMINÉ, 1997NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997., p. 65).
Considerações finais
Assim, diante do caso Hans, retomamos algumas indagações: Será que a mãe de Hans tentou recobrir o feminino com a maternidade? Já que para Lacan a maternidade não recobre o feminino, o feminino de sua mãe era o que não deixava Hans respirar? Será que a maternidade dela era uma forma de suplência ao gozo não todo da mulher? A saída de Hans ao tentar recompor o Nome-do-Pai demonstra que a mãe só é adequada na sua condição de permanecer uma mulher, sendo assim, necessário preservar o não todo para a constituição de uma criança.
A mãe de Hans não se faz de sintoma de seu marido, esse último não orientando seu desejo. Desta forma a mãe se apresenta como toda para o filho. Segundo Miller (2010MILLER, Jacques-Alain. Mulheres e semblantes II. Opção Lacaniana [online], ano 1, n. 1, p. 1-25, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_II.pdf . Acesso em: 18 ago. 2018.
http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/num...
, p. 11),
Devemos distinguir a mulher fálica, que chamei de mulher de postiço que se constitui do lado do ter, como a mulher que tem, da mulher que se constitui do lado do ser o falo. Uma mulher que se constitui do lado do ser o falo assume a falta a ter. É a partir do reconhecimento de sua falta a ter que consegue ser o falo, o que falta aos homens.
Neste mesmo texto, Miller (2010MILLER, Jacques-Alain. Mulheres e semblantes II. Opção Lacaniana [online], ano 1, n. 1, p. 1-25, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_II.pdf . Acesso em: 18 ago. 2018.
http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/num...
) prossegue dizendo que uma mulher verdadeira” é aquela que é mulher além de ser mãe e, em sua relação com o homem se manifesta desejante. O pai dá sentido para várias brincadeiras de Hans, interpretando-as a seu modo, entretanto ele não faz da mãe de Hans uma mulher, motivo pelo qual Lacan não dava como certo que Hans havia construído seu complexo de castração.
A castração maternal traz uma dificuldade à criança, mas é necessário que a criança se encontre com a castração e, sobretudo, com o feminino da mãe, já que esses encontros são estruturais e estruturantes. Sendo assim, o caso Hans ilustra e esclarece a citação de Lacan (citação feita no penúltimo parágrafo da introdução) que se deparar com a castração materna implica necessariamente se deparar com o feminino e juntamente a isso, aceitar da versão simbólica da castração. Hans se depara diante da castração materna, mas encontra recursos imaginários para velar o feminino, retrocedendo diante da ideia do desejo do pai pela sua mãe.
Referências
- BARROS, Romildo do Rêgo; VIEIRA, Marcus Andre. Mães. Rio de Janeiro: Subversos, 2015.
- FREUD, Sigmund. As transformações da pulsão exemplificadas no erotismo anal (1917). In: SALOMÃO, Jayme (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1989. v. 17, p. 157-165. Edição Standard Brasileira.
- FREUD, Sigmund. Feminilidade (1933). In: SALOMÃO, Jayme (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago , 1989. v. 22, p. 139-165. Edição Standard Brasileira.
- LACAN, Jacques. A significação do falo (1958). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. p. 685-696.
- LACAN, Jacques. Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina (1960). In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. p. 725-738.
- LACAN, Jacques. Remarque sur le rapport de Daniel Lagache (1960). In: ______. Écrits. Paris: Seuil, 1966. p. 674-684.
- LACAN, Jacques. Du “Trieb” de Freud et du désir du psychanalyste (1964). In: ______. Écrits. Paris: Seuil, 1966. p. 851-878.
- LACAN, Jacques. Nota sobre a criança (1969). In: ______. Outro escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 369-370.
- LACAN, Jacques. O seminário: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1995. livro 4.
- LACAN, Jacques. O seminário: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: J. Zahar , 1999. livro 5.
- LACAN, Jacques. O seminário: a angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: J. Zahar , 2005. livro 10.
- LACAN, Jacques. Le séminaire: D’un Autre à l’autre (1968). Paris: Seuil , 2006. livre 16.
- LACAN, Jacques. Le séminaire: Encore (1972-1973). Paris: Seuil , 1975. livre 20.
- LACAN, Jacques. O seminário: R. S. I. (1974-1975). Tradução não publicada. Livro 22.
- MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar , 1997.
- MILLER, Jacques-Alain. Mulheres e semblantes II. Opção Lacaniana [online], ano 1, n. 1, p. 1-25, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_II.pdf Acesso em: 18 ago. 2018.
» http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_1/Mulheres_e_semblantes_II.pdf - MILLER, Jacques-Alain. Mãe-Mulher. Opção Lacaniana: Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, n. 71, p. 13-21, 2015.
- NOMINÉ, Bernard. O Sintoma e a família: conferências belohorizontinas. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, 1997.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
10 Out 2019 -
Revisado
21 Jul 2021 -
Revisado
13 Abr 2022 -
Aceito
13 Abr 2022