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Textualidade Sonoramente orientada: O caso Heráclito

Sound-Oriented Textuality: The Case of Heraclitus

Resumo:

Neste artigo apresenta-se a proposta de compreender os textos restantes do livro perdido de Heráclito como arranjos de palavras a partir de padrões audiofocais. Assim, tais textos não apenas conteriam referências a sons como também explorariam criativamente grandezas psicoacústicas. Basilar para a argumentação aqui desenvolvida é a identificação de um movimento oscilatório presente tanto na distribuição dos vocábulos e frases quanto nas referências textuais. Tal movimento oscilatório aproxima a escrita de Heráclito de eventos físicos acústicos.

Palavras-Chave:
Heráclito; Som; Filologia; Movimento Oscilatório

Abstract:

This paper presents the proposal to understand the remaining texts of Heraclitus' lost book as words arrangement based on audiofocal patterns. Thus, such texts would not only contain references to sounds but would also creatively explore psychoacoustic magnitudes. Basic to the argument developed here is the identification of an oscillatory movement present both in the distribution of words and sentences and in textual references. Such oscillatory movement approximates Heraclitus' writing to acoustic physical events.

Keywords:
Heraclitus; Sound; Philology; Oscillation Wave.

Preliminares1 1 Este artigo integra a pesquisa “INFINITUDE SONORA: Orquestração Multissensorial em Homero, Led Zeppelin, Richard Pryor, Wassily Kandinsky, Clarice Lispector e Heráclito/Bach. RAPSÓDIAS”, realizada entre 2020-2021 nos PPGs-Metafísica e Artes Cênicas da Universidade de Brasília, integrando materiais para tese de promoção à professor titular. Agradeço ao dedicado trabalho dos pareceristas.

A enciclopédia bizantina Suda assim resume e apresenta Heráclito:

Heráclito, filho de Blosson ou Bautoro, outros dizem de Heracino, de Éfeso, filósofo da natureza, chamado de ‘Obscuro’. Este não foi discípulo de nenhum entre os filósofos, tendo aprendido por sua natureza e empenho. Quando adquiriu hidropsia {edema}, não permitiu os médicos tratá-lo do modo que decidiram fazer, mas ele mesmo besuntou seu corpo com esterco de vaca e ficou a secar ao sol e assim deitado os cães o atacaram e o despedaçaram. Outros dizem que ele morreu coberto de areia. Uns dizem que estudou com Xenófanes e o pitagórico Hipasso {de Metaponto}. Viveu durante a 69a. Olimpíada {504-500 a.C.}, durante o governo de Dário {550-486 (a.C.}, filho de Histapes, e escreveu muitas coisas poeticamente.

̔Ηράκλειτος, Βλόσωνος ἢ Βαύτωρος, οἱ δὲ ̔Ηρακι̂νος: ̓Εφέσιος, φιλόσοφος φυσικός, ὃς ἐπεκλήθη Σκοτεινός. οὑ̂τος ἐμαθήτευσεν οὐδενὶ τω̂ν φιλοσόφων, φύσει δὲ καὶ ἐπιμελείᾳ ἠσκήθη. οὑ̂τος ὑδρωπιάσας οὐκ ἐνεδίδου τοι̂ς ἰατροι̂ς, ᾑ̂περ ἐβούλοντο θεραπεύειν αὐτόν: ἀλλ' αὐτὸς βολβίτῳ χρίσας ὅλον ἑαυτὸν εἴασε ξηρανθη̂ναι του̂το ὑπὸ τῳ̂ ἡλίῳ, καὶ κείμενον αὐτὸν κύνες προελθου̂σαι διέσπασαν: οἱ δὲ ἄμμῳ χωσθέντα φασὶν ἀποθανει̂ν. τινὲς δὲ αὐτὸν ἔφασαν διακου̂σαι Ξενοφάνους καὶ ̔Ιππάσου του̂ Πυθαγορείου. ἠ̂ν δὲ ἐπὶ τη̂ς ξθ ̓Ολυμπιάδος, ἐπὶ Δαρείου του̂ ̔Υστάσπου, καὶ ἔγραψε πολλὰ ποιητικω̂ς2 2 Para o texto, valho-me do Online Suda: entrada η,472 (Adler). .

Para as questões discutidas e debatidas neste artigo, vou me concentrar no início e no fim deste verbete. Primeiro, Heráclito é chamado de ‘Obscuro’. Ambivalentemente, essa qualificação visual pode ser traduzida em opostos e contrários valores3 3 Sluiter (2016). . Segundo, concluindo o verbete, é inserida a informação que o obscuro Heráclito escreveu abundantemente de um modo bem específico - chamando atenção para sua própria escrita. Aqui, obscuridade é um efeito do modo como o texto de Heráclito é elaborado. Tal efeito, pois, conjuga o esforço interpretativo e a textualidade exibida pelas produções de Heráclito. Sendo assim, a obscuridade de Heráclito, impulsionando renovados investimentos interpretativos por parte de gerações e gerações de leitores das mais diversas formações (e interesses), ratifica um favorável status para a deliberada opção escritural de Heráclito em propor para si e para os outros provocações hermenêuticas que não ficaram restritas ao tempo de sua ocorrência. Na expressão sintética de Cícero, temos: “Heráclito, que é chamado de Obscuro, porque ele escreve muito obscuramente sobre a natureza4 4 De Finibus bonorum et Malorum, 2.5.15. “ut Heraclitus, 'cognomento qui skoteinñw perhibetur, quia de natura nimis obscure memoravit' ”.

Na biografia elaborada por Diógenes Laércio (sec. III a.D.) essa opção escritural é assim indicada5 5 Diógenes, Vitae...9.6-7. :

Esse livro ele depositou no templo de Ártemis e, segundo alguns, ele deliberada e atentamente escreveu de um modo o mais não claro possível para que somente os que fossem capacitados se aproximassem dele e que não fosse desprezado ao ser algo popular.{...} algumas {seções/partes?} deixou inacabadas e outras (re)escreveu de diversas outras maneiras.{...} Algumas vezes brilhante e claro enunciado ele lança em seu tratado, que até o mais estúpido facilmente compreende e eleva sua alma. A brevidade e a gravidade de seu estilo são incomparáveis

ἀνέθηκε δ᾽ αὐτὸ εἰς τὸ τῆς Ἀρτέμιδος ἱερόν, ὡς μέν τινες, ἐπιτηδεύσας ἀσαφέστερον γράψαι, ὅπως οἱ δυνάμενοι <μόνοι> προσίοιεν αὐτῷ καὶ μὴ ἐκ τοῦ δημώδους εὐκαταφρόνητον ᾖ. {...} τὰ μὲν ἡμιτελῆ, τὰ δ᾽ ἄλλοτ᾽ ἄλλως ἔχοντα γράψαι. {...} λαμπρῶς τ᾽ ἐνίοτε ἐν τῷ συγγράμματι καὶ σαφῶς ἐκβάλλει, ὥστε καὶ τὸν νωθέστατον ῥᾳδίως γνῶναι καὶ δίαρμα ψυχῆς λαβεῖν: ἥ τε βραχύτης καὶ τὸ βάρος τῆς ἑρμηνείας ἀσύγκριτον.

Como um efeito da escritura, a obscuridade é utilizada em gradações, em distinções que projetam modos de se envolver com o texto. Temos o mais não claro possível ἀσαφέστερον, em um extremo, e, do outro, brilhante e claro, λαμπρῶς, σαφῶς. Os que são capacitados, os que são capazes de enfrentar a não clareza se opõem aos mais estúpidos, que mais facilmente compreendem algo que é evidente.

Contraditoriamente, porém, como se lê nesse trecho, a mesma obra escrita por Heráclito apresenta tanto obscuridade, quanto clareza. Esse fluxo entre fases de um espectro de mais luz ou menos luz está na obra. Temos, pois, uma escrita que se articula em diversos níveis simultâneos de inteligibilidade. Do mais fácil ao mais difícil de se compreender, estabelece-se um jogo que demanda de seu intérprete variadas estratégias de análise que vão desde o reconhecimento dos referentes indicados no texto até sua configuração ou forma e, ainda, a relação com outros textos. A mediação ou o lugar de acontecimentos de todos esses diversos níveis de inteligibilidade se dá no próprio texto de Heráclito.

Nesse sentido, é relevante para nossas investigações determinar o que é essa ‘poeticidade’ atestada no Suda e reenfatizada em estudos de recepção de Heráclito nos últimos 50 anos6 6 Especialmente em Deichgräber (1963); Kahn (1979); Mouraviev (2002). .

Primeiro, temos as referências a autores dentro do corpus de sentenças que chegaram até nós:

Quadro 1:
Nominata

Nesta lista temos pelo menos dois grupos, demonstrando a dimensão liminar da prática escritural de Heráclito: há um grupo de autores relacionados à expressão em versos, com suas possibilidades de combinação de palavras dentro de ritmos específicos (especialmente o dátilo hexâmetro de matriz épico-homérica); e outro que emerge com uma ‘prosa’ científica, com registro de estudos em cosmologia, geografia, matemática, política, entre outros temas8 8 Kahn (2003). .

Em Diógenes Laércio, no trecho supracitado, o livro de Heráclito é nomeado como τῷ συγγράμματι, de σύγγραμμα, escrito em prosa, em oposição à ποιήματα, em versos, seguindo aquilo que Platão em Leis (810b) comenta:

a respeito às lições sobre os escritos dos poetas que não são acompanhadas pela lira, alguns dos quais são metrificados, outros sem divisões ritmizadas- escritos que seguem apenas a fala, e são desprovidos de ritmo e harmonia,

πρὸς δὲ δὴ μαθήματα ἄλυρα ποιητῶν κείμενα ἐν γράμμασι, τοῖς μὲν μετὰ μέτρων, τοῖς δ᾽ ἄνευ ῥυθμῶν τμημάτων, ἃ δὴ συγγράμματα κατὰ λόγον εἰρημένα μόνον, τητώμενα ῥυθμοῦ τε καὶ ἁρμονίας.

Ou seja, Heráclito não escreve como Homero, Hesíodo ou Arquíloco, mas se aproximaria de Xenófanes, Hecateu e mesmo dos produtos de Pitágoras. Sendo assim, como ficaria então a informação do Suda que ele escreveu poeticamente?

Um exame mais atento das referências nos coloca diante de um cenário um pouco mais complicado. Tanto o grupo dos autores em versos quanto o de autores de tratados em prosa são alvos de objeção da parte de Heráclito: ele reprova as afirmações e as proposições dos ‘cientistas’ e dos artistas. Com isso, Heráclito se posiciona entre os poemas metrificados e a emergente prosa investigativa: embora “o livro de Heráclito” tenha se tornado “o primeiro clássico de prosa grega, o mais antigo livro em prosa que valeu a pena preservar tanto por seu estilo quanto por seu conteúdo9 9 Kahn (1983, p.114). Original: “Heraclitus’s book became the first Greek prose classic, the oldest book in prose worth preserving both for its style and for its content.” ”, ele se distingue justamente por se valer do que nega, e encontrar nessa fronteira entre tradições compositivas a sua singularidade. Assim, tanto é um escrito que não é organizado em versos, quanto apresenta características de obras metrificadas. Como ser algo que ao mesmo tempo é sua negação?

Entre as possibilidades de nos aproximar desta contraditória questão está o retornar para o próprio texto de Heráclito. Diferentemente das obras de grandes dimensões como a Ilíada, Odisseia, Heráclito trabalha com textos em âmbito quase microscópico. E essa escolha por um escopo menor acaba por fazer valer uma abordagem que acompanhe essa arte das minudências10 10 Como se observa na nanofilologia defendida em Ette (2008). .

E, dentro desse minimum minorum, começo pelos fragmentos que fazem menção a animais. Por inusitado que possa parecer, Heráclito refere-se a diversas criaturas não humanas, dentro das diversas séries de figuras que elenca a partir de Éfeso,

a cidade rica, opulenta, concruz de caminhos, que fascina e cativa médicos, sacerdotes, oficiantes de mistérios, ferreiros, músicos, arqueiros, pintores, rapsodos, escravos, matemáticos, geômetras, homens livres, soldados, governantes, juízes, boieiros, porqueiros, criadores de asnos, mineradores, garimpeiros, magos, esotéricos, sábios, andarilhos, bêbados, pastores, estrangeiros, artesãos, criminosos, cães, porcos, asnos, galinhas, piolhos, peixes, aranhas, macacos, bois e vacas, pais e filhos, mulheres, homens e crianças dormindo e acordando, dia e noite, andando pelas ruas, jogando seus jogos, percorrendo casas, templos, altares, procissões, de onde se pode ver o sol em seus ocasos e epifanias, as estrelas nos céus, as estações do ano, o odor, o som e a visão de um mundo em movimento (Mota, 2018MOTA, M. (2018). Metafisica, Escrita e Música: Ensaios Sobre os Fragmentos de Heráclito. Lisboa, Movimento Internacional Lusófono., p. 109-110).

Análises dos textos

Entre os zootextos, temos o B61:

θάλασσα ὕδωρ καθα ρώτατον καὶ μιαρώτατον, ἰχθύσι μὲν πότιμον καὶ σωτήριον, ἀνθρώποις δὲ ἄποτον καὶ ὀλέθριον.

Mar, a água mais pura e a mais impura: para os peixes é potável e vivificante, para os homens é não potável e mortal.

A correlação entre perspectivas diversas a partir de um mesmo referente é articulada pela forma com a qual as palavras são distribuídas no fragmento.

Temos, inicialmente o vocábulo ‘mar (θάλασσα)’ em posição de destaque, isolado do conjunto de três sentenças a ele vinculados. É a partir do vocábulo ‘mar’, como um tema ou sujeito musical, que vemos as extensões frasais. Assim, a tensão entre o vocábulo e a frase se estabelece, sendo possível entender tanto as frases como ampliações do vocábulo, quanto o vocábulo como condensação das frases.

Nas frases, temos diversos procedimentos envolvidos. Como em um paradigma, há um eixo vertical que apresenta repetições nas mesmas posições:

Quadro 2:
B61 em forma de tabela

Como podemos ver em Homero, as formas paratáticas cumulativas do catálogo projetam o eixo horizontal sobre o eixo vertical11 11 Retomo aqui ideias do ensaio “Linguística e Poética”, de Roman Jakobson (Jakobson, 1999). O primeiro capítulo da minha tese supracitada explora este tema. : uma sucessão de itens empilhados a partir de um modo iterativo base de sua apresentação ratifica a produção do efeito de uma infinitude de elementos reunidos para a recepção.

Tal reiteração da forma catálogo em sua verticalidade é acompanhada por retorno de sons, como se observa parcialmente nas colunas 2 e 4 e totalmente na coluna 3. Na coluna 3, temos o mesmo vocábulo como conectivo entre as colunas 3 e 4, mais internamente a cada frase, funcionando como um fluxo sonoro de coesão. Nas colunas que o circundam, 3 e 4, os finais de palavras produzem um efeito de eco.

Dessa maneira, a comparação e oposição entre o que o mesmo elemento líquido em suas diversas realizações provoca em peixes e humanos é sintetizado em uma lista-tabela que explora a integração entre variações opostas e tornada complementares no arranjo do texto. É o texto que traz para em si, sua composição, um horizonte englobante que inclui as distinções e polarizações. No detalhe da letra, as duas últimas frases, que concluem o fragmento retomam tal movimento totalizante do texto:

No primeiro caso, temos o recurso de correlação entre sentenças diversas por meios das partículas μὲν... δὲ, que projetam para o ouvinte/leitor uma expectativa de vínculo contrastivo. Ainda, entre as duas frases temos uma diferenciação pontual: a mesma base lexical está presente e distinguida apenas pela adição (ou ausência) do prefixo alfa de negação. Os sons da sentença anterior reverberam na seguinte, e ἄποτον inclui, contém πότιμον.

Este movimento da palavra dentro da palavra, enfim, retoma o próprio fragmento: tudo flui e aflui de θάλασσα. A água que dá vida e a água que dá morte aos seres vivos é configurada na estruturação do texto. Do nível perceptível básico, o reconhecimento dos vocábulos, partimos para outros níveis de organização e composição: a distribuição das palavras no texto, a divisão do texto em frases, as recorrências verticais, o ritmo ondulatório global. Diante dessa pluralidade de níveis, divisa-se o arco entre a claridade mais inteligível para intérpretes medianos e a opacidade/obscuridade para os intérpretes mais capacitados, segundo a notícia de Diógenes Laércio.

Este texto integrante do tratado de Heráclito pode ainda assim ser decomposto:

Figura 1
Decomposição de B61 em níveis

A partir daí, vemos um contínuo processo de inclusão de subdivisões e paralelismos, como os círculos concêntricos do Escudo de Aquiles:

Figura 2
B61 redistribuído em anéis

A sucessão acumulativa de subdivisões/duplicações paralelas aponta para o movimento além da linha, com seus perfis de reenvios, retomadas e atualizações de um padrão que se amplia e se ratifica a partir de sua configuração circular.

Mais que um perspectivismo relativista de aspectos diferentes da mesma realização, o texto do fragmento B61 tematiza uma isomorfia entre a dinâmica variacional e ondulatória do elemento líquido e seus efeitos em universos contrapostos por meio de uma forma de seleção e distribuição das palavras que explora e registra tal dinâmica. A sobreposição entre os padrões cósmico (Thálassa), natural (peixes), humano (homens) se faz por meio de um arranjo verbal que chama atenção para sua construtividade, para uma tentativa de impor ao fatos da língua uma ordenação que ostenta seus atos composicionais. E tais atos composicionais buscam apreender um movimento, um padrão oscilatório que se traduz em vocábulos e sentenças em aposição, em uma lista. A recorrência das aposições enfatiza não os elementos contrapostos e sim o movimento que os integra.

Há diversos outros minitextos de Heráclito que exploram tal procedimento de isolar um tema que depois será alvo de posteriores ampliações e seccionamentos em paralelismos:

1- B53

Guerra de todos é pai, de todos soberano e revelou que uns são deuses, outros homens, e fez de uns escravos, de outros livres.

Πόλεμος πάντων μὲν πατήρ ἐστι, πάντων δὲ βασιλεύς, καὶ τοὺς μὲν θεοὺς ἔδειξε τοὺς δὲ ἀνθρώπους, τοὺς μὲν δούλους ἐποίησε τοὺς δὲ ἐλευθέρους.

2- B30

Este cosmo, o mesmo para todos, nem um deus, nem um homem o fez, mas foi sempre, é e será: fogo sempre-vivente, aceso por medidas e apagado por medidas.

κόσμον τόνδε, τὸν αὐτὸν ἁπάντων, οὔτε τις θεῶν οὐτε ἀνθρώπων ἐποίησεν, ἀλλ' ἦν ἀεὶ καὶ ἔστιν καὶ ἔσται, πῦρ ἀείζωον, ἁπτόμενον μέτρα καὶ ἀποσβεννύμενον μέτρα

3- B31

Do fogo viragens: primeiro mar; e do mar metade, terra; metade temporal12 12 No original ‘πρηστήρ’, algo como ‘furacão’, ‘tempestade brilhante’, conf. Johnstone (1984, p. 12). . {...}

{Terra} se espalha como o mar e é medida com o mesmo logos que era antes de se tornar terra.

πυρὸς τροπαὶ, πρῶτον θάλασσα, θαλάσσης δὲ τὸ μὲν ἥμισυ γῆ, τὸ δὲ ἥμισυ πρηστήρ θάλασσα διαχέεται, καὶ μετρέεται εἰς τὸν αὐτὸν λόγον, ὁκοῖος πρόσθεν ἦν ἢ γενέσθαι γῆ

4-B10

Conjunções:

completas e incompletas, convergentes e divergentes, consoantes e dissonantes, e de todas as coisas um, e de um todas as coisas

συνάψιες· ὅλα καὶ οὐχ ὅλα, συμφερόμενον διαφερόμενον, συνᾷδον διᾷδον καὶ ἐκ πάντων ἓν καὶ ἐξ ἑνὸς πάντα.

5- B67

O deus dia noite inverno verão guerra paz saciedade fome muda como o fogo, quando misturado com o incenso, nomeia-se segundo cada fragrância

ὁ θεὸς ἡμέρη εὐφρόνη, χειμὼν θέρος, πόλεμος εἰρήνη, κόρος λιμός ἀλλοιοῦται δὲ ὅκωσπερ πῦρ, ὁπόταν συμμιγῇ θυώμασιν, ὀνομάζεται καθ' ἡδονὴν ἑκάστου.

Este padrão tema + lista de opostos pode ser modificado apenas para o padrão lista de opostos/ciclos/processos

1-B62

Imortais mortais mortais imortais vivendo a morte desses morrendo a vida daqueles.

ἀθάνατοι θνητοί, θνητοὶ ἀθάντατοι, ζῶντες τὸν ἐκείνων θάνατον, τὸν δὲ ἐκείνων βίον τεθνεῶτες

2- B126

As coisas frias se aquecem, as quentes se esfriam, o úmido seca, o ressequido encharca-se.

τὰ ψυχρὰ θέρεται, θερμὸν ψύχεται, ὑγρὸν αὐαίνεται, καρφαλέον νοτίζεται.

3-B88

Há o mesmo com os vivos e os mortos, e com os despertos e os que dormem, e com novos e velhos13 13 Sigo leitura em Laks&Most (2016,p.171). .

ταὐτό τ΄ ἔνι ζῶν καὶ τεθνηκὸς καὶ τὸ ἐγρηγορὸς καὶ τὸ καθεῦδον καὶ νέον καὶ γηραιόν

4- B3614 14 B 76 é uma variação desse microtexto: vive o fogo a morte do ar, e o ar vive a morte do fogo, a água vive a morte da terra, e a terra a da água. ζῇ πῦρ τὸν ἀέρος θάνατον καὶ ἀὴρ ζῇ τὸν πυρὸς θάνατον, ὕδωρ ζῇ τὸν γῆς θάνατον, γῆ τὸν ὕδατος. Analiso em detalhes o B36 em Mota (2018).

Para as almas morte em água se tornar, para a água morte em terra se tornar. Mas da terra a água acontece, e da água, alma.

ψυχῆισιν θάνατος ὕδωρ γενέσθαι, ὕδατι δὲ θάνατος γῆν γενέσθαι, ἐκ γῆς δὲ ὕδωρ γίνεται, ἐξ ὕδατος δὲ ψυχή.

5- B111

Doença faz a saúde doce e boa, a fome, a saciedade a fadiga, o repouso

νοῦσος ὑγιείην ἐποίησεν ἡδὺ, κακὸν ἀγαθόν, λιμὸς κόρον, κάματος ἀνάπαυσιν.

6- B90

Por fogo se trocam todas as coisas, e fogo por todas as coisas do mesmo modo que por ouro os bens e os bens por ouro.

πυρὸς τε ἀνταμοιβὴ τὰ πάντα καὶ πῦρ ἁπάντων ὅκωσπερ χρυσοῦ χρήματα καὶ χρημάτων χρυσός

7- B21

Morte é tudo que vemos acordados, e tudo que vemos dormindo, sono θάνατός ἐστιν ὁκόσα ἐγερθέντες ὁρέομεν, ὁκόσα δὲ εὕδοντες ὕπνος.

8- B83

O homem mais inteligente vai parecer um macaco comparado a deus em sabedoria, beleza e todas as outras coisas.

ἀνθρώπων ὁ σοφώτατος πρὸς θεὸν πίθηκος φανεῖται καὶ σοφίαι καὶ κάλλει καὶ τοῖς ἄλλοις πᾶσιν

Uma outra disposição da lista de oposições é sua versão sintética: no lugar de uma acumulação de vocábulos ou de processos, temos uma aposição de elementos (vocábulos, figuras, frases, noções) em contraste:

1- B124

Como {um monte de lixo/pedaços/} lançado(as) ao acaso é o que seria o mais belo cosmo.

ὥσπερ{ σάρξ/ σαρμὸς/ σάρμα} εἰκῆι κεχυμένων ὁ κάλλιστος κόσμος15 15 Para a complexa transmissão textual, v. Marcovich (1967, p.548-551). .

2-B103

Em comum, pois, princípio e fim na circunferência do círculo.

ξυνὸν γὰρ ἀρχὴ καὶ πέρας ἐπὶ κύκλου περιφερείας.

3-B50

O caminho para cima e para baixo são um e o mesmo.

ὁδὸς ἄνω κάτω μία καὶ ὡυτή.

4- B59

O caminho dos pisões reto e curvo.

γνάφων ὁδὸς εὐθεῖα καὶ σκολιὴ.

5- B9

Burros escolheriam palha ao ouro.

ὄνους σύρματ' ἂν ἑλέσθαι μᾶλλον ἢ χρυσόν.

6- B13

Porcos tem mais prazer na lama que na água pura (limpa) .

ὕες βορβόρῳ ἥδονται μᾶλλον ἢ καθαρῷ ὕδατι

7- B82

O mais belo macaco é feio comparado com a ração humana.

πιθήκων ὁ κάλλιστος αἰσχρὸς ἀνθρώπων γένει συμβάλλειν

8-B97

Cães latem para quem eles não reconhecem.

κύνες γὰρ καταβαΰζουσιν ὧν ἂν μὴ γινώσκωσι.

9-B49

Para mim um melhor que mil, se ele é o melhor.

εἷς ἐμοὶ μύριοι, ἐὰν ἄριστος ᾖ.

Dos microtextos por expansão aos monotextos contrastivos é possível observar a mútua implicação entre os processos de estruturação, como se o tratado de Heráclito fosse sendo gerado a partir dessa intratextualidade, dessa correlação entre as formas estruturantes e seus construtos escriturais. Dessa maneira, cada item do tratado tanto se especifica em sua organização quanto viabiliza os demais.

Assim, há situações como as dos fragmentos B82 e B83: de um monotexto no qual a ordem do animal e a ordem do humano são contrastadas (B82), valendo-se de superlativos e da comparação antitética, como em B61, partimos para uma reelaboração e expansão em (B83), com a ordem do humano tomando o lugar da ordem animal e sendo comparada e ultrapassada triplamente (conhecimento, beleza e infinitude) pela divindade. Nesse sentido, ironicamente, no lugar da progressividade em relação ao macaco, o humano é retrogressivamente tanto decupado e reduzido quanto medido/avaliado em relação ao transcendente. Temos, pois, dois textos diversos, variações conjugadas não apenas pela presença de vocábulos comuns (homem e macaco): a aproximação entre os fragmentos assemelhados reforça diferenças na redefinição das oposições, as quais ultrapassam um caráter de lista e vão para o inumerável, para o além-texto. A divindade instituir um termo de comparação que nos situa no limite de um conjunto, atualizando a referência ao inexaurível.

Outra situação é o do elemento líquido: central no fragmento B61, ele se apresenta como elemento em uma oposição em B13 e integra um fluxo processual em B31 e B36. Com isso, há uma movência, um deslocamento contínuo em meio à descontinuidade dos registros escriturais. Elementos são retomados, redistribuídos, ampliados, reduzidos gerando uma totalidade que se constrói a partir da exploração de suas potencialidades.

Tal difusão recorrente de processos construtivos é tão contundente que temos um grupo de fragmentos que podemos chamar de ‘Metacognitivos’: são aqueles que dizem respeito à atividade mesma de conhecer o que como se dá a construção do tratado de Heráclito. É quando, pois, o tratado volta-se para si mesmo, para suas condições de produção, para sua inteligibilidade. Se as listas e as oposições são meios de acesso para os padrões de organização e conhecimento dos mundos, e se sua enumeração e indicação defronta-se com a iteratividade, com os ciclos e com a abundância de variações, expansões e limiar do-sem-limites, temos que tudo acaba por ser referido ao ‘fazer-se da obra’. O fazer-se da obra está, pois, no tratado do cosmo, uma exploração de como os mundos são propostos em seus padrões. Ao falar do cosmo, ao elaborar o tratado, Heráclito enuncia a sobreposição entre os padrões do cosmo e os padrões do fazer-se do cosmo - a obra, o livro.

Entre tais enunciados fragmentos metacognitivos, temos:

B123

A natureza tende a se esconder.

φύσις κρύπτεσθαι φιλεῖ

Em um dos mais citados monotextos de Heráclito, registram-se apenas três palavras que, a partir de suas relações em diversos níveis, produzem efeitos para todo o conjunto de textos do tratado.

Inicialmente, a palavra φύσις é encontrada em outros fragmentos - B1, 106, B112, ocupando diversos contextos: em B1, φύσις vem na expressão κατὰ φύσιν , que terá enorme utilização na filosofia posterior, demarcando aquilo que é segundo sua constituição, sua especificidade, disso, sua natureza. Em B1, enunciando-se o tema do Logos - que será comentado posteriormente aqui - anuncia-se também o largo escopo de todo o livro e da atividade de seu autor: “como as que eu apresento, distinguindo cada coisa conforme sua natureza e declarando como ela é, ἐγὼ διηγεῦμαι κατὰ φύσιν διαιρέων ἕκαστον καὶ φράζων ὅκως ἔχει·(B1)”. Se Heráclito se propõe, pois, a distinguir e declarar, no mesmo fragmento opõe-se ao nexo dos outros homens com essa atividade de manifestação do cosmo: aos outros homens fica encoberto o que fazem quando despertos como encobre-se aquilo que fazem dormindo, τοὺς δὲ ἄλλους ἀνθρώπους λανθάνει ὁκόσα ἐγερθέντες ποιοῦσιν ὅκωσπερ ὁκόσα εὕδοντες ἐπιλανθάνονται. Assim, imediatamente, φύσις relaciona-se com a manifestação das coisas em sua especificidade, a qual é patente para Heráclito e encoberta para os demais homens.

Se o contínuo trabalho do intérprete se dá na desocultação, em transformar o oculto em manifesto, o monotexto B123 demonstra um movimento contrário, o que caracteriza um jogo de forças entre o ímpeto fenomenológico de revelar e a resistência da coisa a seu descobrimento. No contexto de B106, lemos que: “Hesíodo havia criticado Hesíodo por pensar que alguns dias são bons, outros maus, dizendo que ele não sabia que a natureza de cada dia é uma, Ἡράκλειτος ἐπέπληξεν Ἡσιόδῳ τὰς μὲν ἀγαθὰς ποιουμένῳ, τὰς δὲ φαύλας, ὡς ἀγνοοῦντι φύσιν ἡμέρας ἁπάσης μίαν οὖσαν” Assim, aquilo que se manifesta na φύσις é a aparição de seu modo de ser, de sua organização, seus padrões. O tratado de Heráclito é tanto uma investigação sobre essa fenomenologia da φύσις quanto uma fenomenologia de como essa φύσις é compreendida. Se φύσις tende a não se mostrar, mesmo irrompendo nos diversos domínios de coisas e mundos, por outro lado temos o empenho interpretativo que, a partir da compreensão de como a φύσις se efetiva, produz tanto interpretação da φύσις quanto a compreensão mesma de como atos de interpretação são realizados.

Nesse sentido, o obscuro Heráclito encontra seu alumiante esclarecimento: a φύσις, que é tanto ocultação quanto desvelamento, indica nesse movimento oscilatório seu padrão de organização e compreensão16 16 Declarados exemplos desse movimento oscilatório encontram-se em B32 Um o que é sábio, que quer e não quer ser chamado de Zeus, ἕν τὸ σοφὸν μοῦνον λέγεσθαι οὐκ ἐθέλει καὶ ἐθέλει Ζηνὸς ὄνομα; B93: O soberano de quem é o oráculo em Delfos não fala, nem oculta, mas assinala, ὁ ἄναξ οὗ τὸ μαντεῖόν ἐστι τὸ ἐν Δελφοῖς οὔτε λέγει οὔτε κρύπτει ἀλλὰ σημαίνει. . A retrogressão da φύσις apõem-se ao ímpeto analítico do intérprete.

Este movimento oscilatório, que se traduz em opostos apostos, atravessa o tratado de Heráclito, para, além das contradições e pareamentos, afluir para uma totalização, para uma abrangência que inclui os diferidos. Disto, temos outros fragmentos metacognitivos conjugados:

1- B113

Comum a tudo é pensar17 17 Ou “Comum é a todos o pensar.” .

ξυνόν ἐστι πᾶσι τὸ φρονέειν.

2- B41

Um o que é sábio, entender que o pensamento dirige todas as coisas através de todas as coisas

ἓν τὸ σοφόν, ἐπίστασθαι γνώμην, ὁτέη ἐκυβέρνησε πάντα διὰ πάντων.

3-B50

Não a mim, mas ao logos tendo escutado é sábio reconhecer que todas as coisas são um.

οὐκ ἐμοῦ, ἀλλὰ τοῦ λόγου ἀκούσαντας ὁμολογεῖν σοφόν ἐστιν ἓν πάντα εἶναί.

Os três monotextos possuem em comum se referir a um extenso repertório de referentes, transpassando a espacialidade de posições contrapostas nas listas de contrários e nos movimentos que se desdobram em direções cruzadas e opostas. Este “um”, essa totalidade englobante e inclusiva é uma outra dimensão do modo como a φύσις se dá a conhecer e como aquilo que a revela e dela participa - o logos - também se articula.

Assim, nos fragmentos há flagrantes dessa φύσις em seu ritmo cosmobiológico a qual se vincula um logos que é tanto o acesso a este ritmo, quanto sua forma de organização.

Disso, percebe-se um subgrupo dos fragmentos metacognitivos que lida com os modos de difusão do logos no tratado de Heráclito. Um exame de alguns desses fragmentos relacionados ao logos nos auxilia na explicitação do experimento escritural de Heráclito.

Em B108, lemos: “de quantos os ‘logoi’ que eu ouvi, nenhum chegou ao ponto de saber que sábio é separado de tudo ὁκόσων λόγους ἤκουσα οὐδεὶς ἀφικνεῖται ἐς τοῦτο ὥστε γινώσκειν ὅ τι σοφόν ἐστι, πάντων κεχωρισμένον”. Aqui o emissor do monotexto nos informa da conexão entre ouvir e logos, de uma longa história de logoi, uma acumulação de logoi.

Em profusão, o logos se efetiva no comum:

B2

Mas apesar de o logos ser comum, muitos vivem como se tivessem seu próprio pensamento.

τοῦ λόγου δ' ἐόντος ξυνοῦ ζώουσιν οἱ πολλοὶ ὡς ἰδίαν ἔχοντες φρόνησιν

Esse encadeamento de logoi dentro de um processo audiofocal será ampliado para além de sua instância de continuidade recepcional nos complementares B115 e B45:

B115

Da alma há um logos que aumenta a si mesmo.

ψυχῆς ἐστι λόγος ἑαυτὸν αὔξων

B45

Os limites da alma não encontraria no curso do caminho tendo viajado por toda estrada, tão profundo é o logos que possui.

ψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν· οὕτω βαθὺν λόγον ἔχει.

Sendo assim, uma infinitude é correlacionada a outra: o logos que acresce e se propaga a partir de si; e a alma ou princípio vital, sem limites e além das trilhas já traçadas.Logos e vida se correspondem na verticalizacão que traduz sua inesgotabilidade18 18 Gaston Bachelard “nós somos isomorfos às grandes imagens da profundidade, nous sommes isomorphes aux grands images de la profondeur” (Bachelard, 1948, p.260). .

Mas e o que é o logos? O vocábulo possui uma alta taxa de recorrência entre os textos remanescentes do tratado de Heráclito - nada menos que 10 atestações com diversas possibilidades de tradução:

Quadro 3: Logos em Heráclito
N. Texto Original
B1 Apesar desse logos existir sempre os homens se apresentam como ignorantes, tanto antes de escutá-lo, quanto depois de o terem escutado pela primeira vez. Mesmo todas as coisas acontecendo segundo este logos, eles parecem como que inexperientes ao se experimentarem com palavras e ações, como as que eu apresento, distinguindo cada coisa conforme sua natureza e declarando como ela é. Aos outros homens fica encoberto o que fazem quando despertos como encobre-se aquilo que fazem dormindo. τοῦ δὲ λόγου τοῦδ ἐόντος ἀεὶ ἀξύνετοι γίνονται ἄνθρωποι καὶ πρόσθεν ἢ ἀκοῦσαι καὶ ἀκούσαντες τὸ πρῶτον· γινομένων γὰρ πάντων κατὰ τὸν λόγον τόνδε ἀπείροισιν ἐοίκασι πειρώμενοι καὶ ἐπέων καὶ ἔργων τοιούτων ὁκοίων ἐγὼ διηγεῦμαι κατὰ φύσιν διαιρέων ἕκαστον καὶ φράζων ὅκως ἔχει· τοὺς δὲ ἄλλους ἀνθρώπους λανθάνει ὁκόσα ἐγερθέντες ποιοῦσιν ὅκωσπερ ὁκόσα εὕδοντες ἐπιλανθάνονται.
B2 Mas apesar de o logos ser comum, muitos vivem como se tivessem seu próprio pensamento. τοῦ λόγου δ' ἐόντος ξυνοῦ ζώουσιν οἱ πολλοὶ ὡς ἰδίαν ἔχοντες φρόνησιν.
B31 Do fogo viragens: primeiro mar; e do mar metade, terra; metade temporal. {...}{Terra} se espalha como o mar e é medida com o mesmo logos que era antes de se tornar terra. πυρὸς τροπαὶ, πρῶτον θάλασσα, θαλάσσης δὲ τὸ μὲν ἥμισυ γῆ, τὸ δὲ ἥμισυ πρηστήρ θάλασσα διαχέεται, καὶ μετρέεται εἰς τὸν αὐτὸν λόγον, ὁκοῖος πρόσθεν ἦν ἢ γενέσθαι γῆ.
B39 Em Priene Bias nasceu, filho de Teutames, que tem maior logos que os outros. ἐν Πριήνῃ Βίας ἐγένετο ὁ Τευτάμεω, οὗ πλείων λόγος ἢ τῶν ἄλλων
B45 Os limites da alma não encontraria no curso do caminho tendo viajado por toda estrada, tão profundo é o logos que possui. ψυχῆς πείρατα ἰὼν οὐκ ἂν ἐξεύροιο πᾶσαν ἐπιπορευόμενος ὁδόν· οὕτω βαθὺν λόγον ἔχει.
B50 Não a mim, mas ao logos tendo escutado é sábio reconhecer que todas as coisas são um. οὐκ ἐμοῦ, ἀλλὰ τοῦ λόγου ἀκούσαντας ὁμολογεῖν σοφόν ἐστιν ἓν πάντα εἶναί.
B72 A maioria não concorda com o logos que governa o conjunto de todas as coisas e com o qual constantemente lidam, por isso a cada dia encontram coisas que parecem para eles estranhas. ᾧ μάλιστα διηεκῶς ὁμιλοῦσι λόγῳ τῷ τὰ ὅλα διοικοῦντι, τούτῳ διαφέρονται, καὶ οἵς καθ' ἡμέραν ἐγκυροῦσι, ταῦτα αὐτοῖς ξένα φαίνεται
B87 O homem estúpido por todo logos tende a se agitar. βλὰξ ἄνθρωπος ἐπὶ παντὶ λόγῳ ἐπτοῆσθαι φιλεῖ
B108 De quantos os ‘logoi’ que eu ouvi, nenhum chegou ao ponto de saber que sábio é separado de tudo ὁκόσων λόγους ἤκουσα οὐδεὶς ἀφικνεῖται ἐς τοῦτο ὥστε γινώσκειν ὅ τι σοφόν ἐστι, πάντων κεχωρισμένον.
B115 Da alma há um logos que aumenta a si mesmo. ψυχῆς ἐστι λόγος ἑαυτὸν αὔξων
Fonte: LADI-UNB

Como se pode observar, logos está na parte inicial do livro de Heráclito e distribuído em diversos outros momentos, variando sua significação entre palavra, relato, discurso, medida, padrão, lei, razão. Inicialmente, pois, há uma possibilidade de tradução do vocábulo a partir de sua imediata materialidade - a linguagem verbal. Ora, os textos de Heráclito chegaram até nós a partir de seu registro linguístico. Sendo assim, a primeira determinação desses textos seria a sua constituição de fala. Isso se reafirma pela base verbal λέγω, ‘Eu falo’.19 19 Chantraine (1968, p.625-626). Tal base se encontra em B51(ὁμολογέει), B73 (λέγειν), B93 (λέγει), B112 (λέγειν), B114 (λέγοντας).

Dessa forma, seguindo essa primeira determinação, logos poderia ser traduzido como ‘palavra’ ou ‘discurso’. Entre as diversas atualizações da palavra, temos ‘relato’, ‘norma’ e ‘lei’, tomadas como derivações de uma abordagem causal ou de fundamento estacionário da realidade20 20 Em Cassin (2004) p.727-741, Cassin (2014, p.581- 595) .

Mas a base verbal λέγω a partir de seu infinitivo λέγειν também indica atos não linguísticos: em Homero, λέγειν relaciona-se também a reunir, selecionar, enumerar, escolher, performar, deitar-se21 21 LSJ. . Um exemplo disso está no verbo composto καταλέγω do qual resulta o vocábulo ‘catálogo’, que nomeia, como temos visto, um procedimento altamente produtivo nos textos arcaicos gregos. Posteriormente, há, por exemplo, o vocábulo ‘antologia’, como ‘reunião de flores’.

A partir dessas alternativas, logos pode se referir a algo não exclusivamente linguístico, mas que abrange diversos tipos de atos de realização de séries ou grupos, sintetizados no conceito de ‘composição’22 22 Hoffman (2003), Hoffman (2006). . Essa multiplicidade de sentidos reforça a própria ideia-ação de composição - integrar diferidos.

Compreendendo logos como “composição”, os enunciados metacognitivos do tratado de Heráclito podem se vincular a aspectos pouco comentados na recepção crítica: os recorrentes ‘motivos’ de 1-a totalidade das coisas se situar no ‘um’ e 2-grande parte das pessoas não entenderem o logos e outros eventos do mundo - esses motivos se complementam na mediação que o logos como composição possibilita.

E o que muitas vezes não se compreende? O que é esse logos como composição para que seja tão sutil e quase inapreensível? Comum ao logos que é-comum-a-tudo-e-a-todos está o fato de ser audível, ser som. A definição aural do logos como algo que se escuta e se perfaz auralmente viabiliza sua materialidade como horizonte hermenêutico para a genérica constatação de atos modeladores, configuradores, composicionais. Sendo algo que se percebe a partir da produção e recepção de sons, o logos está em atos cognitivos, nos ritmos cosmobiológicos, nas ordens dos mundos e excede e antecede todas as coisas.

Estando em todas as coisas como composição a partir de sua dinâmica ondulatória, muitas vezes o logos não se deixa perceber, mesmo em contextos abertamente vibracionais23 23 Analiso mais detidamente os chamados ‘fragmentos musicais’ em Mota (2018, p.20-37). :

1- B51

Não compreendem como o divergente concorda consigo mesmo, harmonia de movimentos contrários, como os do arco e da lira

οὐ ξυνιᾶσιν ὅκως διαφερόμενον ἑωυτῷ ὁμολογέει· παλίντροπος ἁρμονίη ὅκωσπερ τόξου καὶ λύρης

2- B54

A harmonia invisível é mais forte que a visível

ἁρμονίη ἀφανὴς φανερῆς κρείττων.

Além das referências explicitas a objetos sonantes e a termos ligados à arte dos sons24 24 Contra West (1994), ἁρμονίη possui tanto um sentido geral não musical quanto um emprego relacionado aos sons. Conforme Sassi (2015). , temos um arranjo métrico de versos datílicos, ritmo explorado por, entre outros, Homero25 25 Vatri (2019). Mouraviev denomina tais presenças de metros nos textos de Heráclito de ‘incrustações métricas’ (Mouraviev, 2002,p.253-264). Para uma pioneira tentativa de escandir os textos de Heráclito e encontrar padrões métricos v. Deichgräber (1963). :

B51

οὐ ξυνιᾶσιν ὅκως διαφερόμενον ἑωυτῷ ὁμολογέει·

- U U -U U -

παλίντροπος ἁρμονίη ὅκωσπερ τόξου καὶ λύρης

- - U U - UU -

B54

ἁρμονίη ἀφανὴς φανερῆς κρείττων.

- U U - UU - U U - - -

Desse modo, a presença de sequências datílicas e as referências aos objetos sonoros e termos ligados a arte dos sons fazem convergir o texto de agora à longa tradição épica. Nessa convergência, retomam-se, pois, a continuidade métrica dessa tradição e sua orientação audiofocal. Assim, Heráclito e Homero vinculam-se a práticas compositivas que exploram sons em vários níveis de concretização.

O cordofone como fonte sonora em Homero é explorado, por exemplo, na cena de Aquiles na Ilíada (9.185-194)26 26 Discuto isso mais atentamente em Mota (2018) e no primeiro capítulo de minha tese suprareferida Infinitude Sonora. . Já o arco também em Homero se apresenta como um objeto sonante:

αὐτὰρ ἐπεὶ δὴ κυκλοτερὲς μέγα τόξον ἔτεινε, 125 λίγξε βιός, νευρὴ δὲ μέγ᾽ ἴαχεν, ἆλτο δ᾽ ὀϊστὸς ὀξυβελὴς καθ᾽ ὅμιλον ἐπιπτέσθαι μενεαίνων.

Mas após o grande arco esticar formando um círculo, o arco ressoou, a corda gritou alto, saltou a flecha pontiaguda, por sobre a multidão ansiosa cair27 27 No original “por entre a multidão desejosa de voar”. Sobre os arqueiros e seus apetrechos na poesia indo-europeia, v. West (2007, p. 485). V. ainda Monbrun (2007). .

O arco que se dobra e estica e produz sons nas mãos de guerreiros e de Apolo em fúria e o instrumento musical que faz lembrar as glórias dos mortais nos momentos de paz conjugam-se em sons (λίγξε) e ciclos (κυκλοτερὲς)28 28 Ambivalência entre paz e guerra, vida e morte do arco é indicada em outro monotexto de Heráclito: B48 “O nome do arco, vida; sua obra, morte, τῷ οὖν τόξῳ ὄνομα βίος, ἔργον δὲ θάνατος.” V. Mota, 2014, p. 27-28. .

Essa pletora de níveis aurais é justaposta ao ‘motivo’ do não saber, retomando a tipologia de intérpretes anunciada por Diógenes Laércio. Embora haja uma densidade aural não apenas em B51 e B54, tal onipresença dos sons não é percebida, οὐ ξυνιᾶσιν ὅκως. E o que não se percebe? Justamente a heteromorfose do som na sucessão e acúmulo cíclico de ondas, παλίντροπος ἁρμονίη. O retorno, a volta, a repetição, movimento anti-movimento traduzem variações dessa incessante atualidade do padrão que se compõe de impulsos em tensão e complementariedade.

Se essa harmonia, essa composição de impulsos não é percebida, é porque ela se mostra em toda a sua complexidade e espacialização. Daí ser não visível, não pontual. Ela não é uma ocorrência no espaço - é a própria espacialidade.

Ao transbordar para além de sua área de emergência, a sonoridade é obscura, invisível. São as cores do som em sua trama multissensorial. O som é o que não se vê; sonoras são as coisas, sonoros são os animais, os homens, os deuses e as águas: aquilo que no mundo acontece faz irromper a sua composição, aquilo que o efetiva.

Isso é demonstrado nos últimos textos que vamos comentar:

1-B49a

(I) Nos mesmos rios (II) entramos e não entramos, (III) estamos e não estamos

ποταμοῖς τοῖς αὐτοῖς ἐμβαίνομέν τε καὶ οὐκ ἐμβαίνομεν, εἶμέν τε καὶ οὐκ εἶμέν.

2- B12

Para os que nos mesmos rios entram outras e outras águas fluem.

ποταμοῖσι τοῖσιν αὐτοῖσιν ἐμβαίνουσιν ἕτερα καὶ ἕτερα ὕδατα ἐπιρρεῖ

Mesmo não estando em um meio tipicamente relacionado com o som, características associadas a contextos audiofocais são aqui exploradas. Em ambos os textos são apresentadas experiências sensoriais a partir da correlação entre o movimento das águas, continuidade do fluxo do rio e os efeitos dessa tensão entre movimento e continuidade na percepção. Em B49a, a percepção de uma ambivalência ou da simultânea participação em dois planos de realidade duplica o desdobramento entre a pluralidade das águas e sua reiterada presença, ποταμοῖς τοῖς αὐτοῖς. As três subfrases do texto, (I,II,III), articulam-se em tema e sua ampliação ( A, B, B1), como vimos na análise de B61. As águas em sua plasticidade de mesmo e outro são reprocessadas em duas subfrases sintaticamente iguais:

Quadro 34: Subfrases de B49a
1-Verbo 2- Partículas 3- Negação 4- Verbo
ἐμβαίνομέν τε καὶ οὐκ ἐμβαίνομεν,
εἶμέν τε καὶ οὐκ εἶμέν.
Fonte: LADI-UnB

Novamente, como em B1, a sucessão do tema na subfrase 1 desemboca na verticalidade iterativa das demais subfrases. Disso, podemos girar o texto, reconfigurar a posição das subfrases, o que nos leva a interpretar o paradigma repetitivo de ‘B não B’ como um envoltório que cerca ‘A’:

Figura 3
Arcos em B49a

Assim, se as mesmas águas desaguam no ritmo alternante entre estar/ser e não ser/estar, entre fora e dentro, dentro dessa espacialidade podemos transpor as ordens e as margens e realocar os elementos. Assim, as mesmas águas não apenas geram o entre-estar de quem nelas entra, como também as próprias águas são como quem nelas adentram: os rios ritmizam as cores do seu exsurgir e esgotamento. Os rios são como os que neles banham-se - composições ondulatórias.

Em B12, amplia-se por variação a mesma audiocena: ao entrar nos mesmos rios, águas e águas afluem, renovando o rio e a experiência com o elemento líquido. No original, Heráclito se vale da repetição da mesma palavra, ἕτερα καὶ ἕτερα, formando um eco, onda sobre onda que se avoluma e se abate sobre o fluxo das águas. No detalhe, é justamente essa ‘onda sobre onda’ que forma as águas. Ao mesmo tempo, a repetição do vocábulo chama atenção sobre o movimento de retorno do mesmo e tal recorrência é um sintagma que indica a frequência de seu acontecimento: sempre diferir, mudança sem fim.

Mas a ideia-movimento da infinitude sonora não se localiza em um lugar, em um sintagma blocado: B12 inteiro é atravessado por recorrências sonoras como que percorrendo e dinamizando o movimento das águas:

Figura 4
Recorrências sonoras em B12

O livro dos livros?

Nos termos deste artigo, não seria a obra perdida de Heráclito um livro dos livros, um tratado que tanto se vale de padrões audiofocais quanto um estudo desses padrões? Não seria algo composto por variações e ao mesmo tempo mais uma composição ondulatória?

Retomando o que ficou discutido neste capítulo, podemos observar que os ciclos cosmobiológicos referidos nos textos são integrados na escrita, na distribuição dos itens dos textos - fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, subfrases, frases. Estes ciclos, pois, são materializados dentro do espaço reduzido dos enunciados muitas vezes compostos apenas por duas palavras, como B8429 29 Literalmente: “movendo cessa/descansa/repousa/suspende/conclui/pára.” :

μεταβάλλον ἀναπαύεται

Alterando permanece

Na Ilíada, os contrastes se davam em arcos personativos e seus largos contextos narrativos, os quais atravessam cenas e cantos inteiros, indo de poucos a milhares de versos. Se a magnitude da Ilíada se contrapõe aos microtextos de Heráclito, a mudança de grandezas nos coloca diante de modos diversos de escritas que exploram padrões audiofocais desenvolvidos através de processos de produção e recepção de sons. E, no caso de Heráclito, o redimensionamento do maior para o exíguo acarreta uma ênfase em processos tanto observados na Ilíada, quanto expostos nos textos do filósofo obscuro.

Nesse sentido, as oposições dentro de elementos apostos e relacionados a ciclos melhor se esclarecem. Como pode se observar em uma leitura da Ilíada, movimentos periódicos inscrevem dentro de um espaço-tempo uma série de dados para a sua análise30 30 Conf. Mota, p. 2020, p.69-126. . A recorrência dos movimentos indica verticalmente pontos extremos de seus picos (alto-baixo), efetivando uma área observável de sua atuação. Essa área define-se pela variável chamada de ‘amplitude’, que pode ser assim representada:

Figura 5
Representação da amplitude de uma onda

A continuidade da onda em seu movimento oscilatório consiste justamente de seguir, em vez de uma linha reta, a alternância entre momentos ou fases opostos. Nesse sentido, sendo a composição dos textos de Heráclito uma exploração de movimentos ondulares que determinam ciclos cosmobiológicos, compreende-se que as oposições, referidas nos enunciados e recriadas na seleção e distribuição de sons e vocábulos, são expressões de dinâmicas específicas e não se definem exclusivamente como objetos noéticos ou construtos gerados pela ideia em si de noções contrapostas.

Desse modo, cada enunciado é um objeto sonante, um diagrama vetorial que registra o espaço de emergência do movimento ondulatório de base dos ciclos tematizados. A escala micrométrica dos textos de Heráclito reduz os enunciados àquilo que eles indicam: as passagens, as transições, as variações de estado de algo que se avoluma a partir dos extremos de suas ocorrências dentro de um continuum espaço-temporal.

Se ampliarmos essa análise para os outros microtextos, poderemos compreender que essa dinâmica ondulatória neles inscrita é chave para compreendermos a forma do livro de Heráclito.

Como foi apresentado neste capítulo, seja pelos resultados da transmissão textual, seja pelo modo como foram arranjados e distribuídos, muitos microtextos se relacionam, partilhando procedimentos como tema/variações, listas de oposições ou palavras/assuntos. Assim, sem o livro original, podemos pensar em longo processo de amadurecimento das obras a partir de reelaborações as quais proporcionam tantos enunciados em variação e sobreposição. Por exemplo: a partir de B61, podemos ir para diversas outras séries:

a- Série das águas

1-B61

θάλασσα ὕδωρ καθα ρώτατον καὶ μιαρώτατον, ἰχθύσι μὲν πότιμον καὶ σωτήριον, ἀνθρώποις δὲ ἄποτον καὶ ὀλέθριον.

Mar, a água mais pura e a mais impura: para os peixes é potável e vivificante, para os homens é não potável e mortal.

2-B49a

Nos mesmos rios entramos e não entramos, estamos e não estamos

ποταμοῖς τοῖς αὐτοῖς ἐμβαίνομέν τε καὶ οὐκ ἐμβαίνομεν, εἶμέν τε καὶ οὐκ εἶμέν.

3- B12

Para os que nos mesmos rios entram outras e outras águas fluem.

ποταμοῖσι τοῖσιν αὐτοῖσιν ἐμβαίνουσιν ἕτερα καὶ ἕτερα ὕδατα ἐπιρρεῖ

4- B31

Do fogo viragens: primeiro mar; e do mar metade, terra; metade temporal. {...} {Terra} se espalha como o mar e é medida com o mesmo logos que era antes de se tornar terra.

πυρὸς τροπαὶ, πρῶτον θάλασσα, θαλάσσης δὲ τὸ μὲν ἥμισυ γῆ, τὸ δὲ ἥμισυ πρηστήρ <γῆ> θάλασσα διαχέεται, καὶ μετρέεται εἰς τὸν αὐτὸν λόγον, ὁκοῖος πρόσθεν ἦν ἢ γενέσθαι γῆ

5- B36

Para as almas morte em água se tornar, para a água morte em terra se tornar. Mas da terra a água acontece, e da água, alma.

ψυχῆισιν θάνατος ὕδωρ γενέσθαι, ὕδατι δὲ θάνατος γῆν γενέσθαι, ἐκ γῆς δὲ ὕδωρ γίνεται, ἐξ ὕδατος δὲ ψυχή.

6- B76

Vive o fogo a morte do ar, e o ar vive a morte do fogo, a água vive a morte da terra, e a terra a da água.

ζῇ πῦρ τὸν ἀέρος θάνατον καὶ ἀὴρ ζῇ τὸν πυρὸς θάνατον, ὕδωρ ζῇ τὸν γῆς θάνατον, γῆ τὸν ὕδατος.

7- B126

As coisas frias se aquecem, as quentes se esfriam, o úmido seca, o ressequido encharca-se.

τὰ ψυχρὰ θέρεται, θερμὸν ψύχεται, ὑγρὸν αὐαίνεται, καρφαλέον νοτίζεται.

8-B5

Eles se purificam em vão, pois estão imundos de sangue, tal como alguém que pisando o calçado na lama com a lama o quiser limpar. Um louco iria parecer, para outro entre os homens que o notou fazendo isso. Além disso, eles oram para essas estátuas, como se fossem alguém conversando com casas, não sabendo quem deuses ou heróis são.

καθαίρονται δ' ἄλλως αἵματι μιαινόμενοι οἷον εἴ τις εἰς πηλὸν ἐμβὰς πηλῷ ἀπονίζοιτο. μαίνεσθαι δ' ἂν δοκοίη, εἴ τις αὐτὸν ἀνθρώπων ἐπιφράσαιτο οὕτω ποιέοντα. καὶ τοῖς ἀγάλμασι δὲ τουτέοισιν εὔχονται, ὁκοῖον εἴ τις δόμοισι λεσχηνεύοιτο. οὔ τι γινώσκων θεοὺς οὐδ' ἥρωας οἵτινές εἰσι.

9- B13

Porcos tem mais prazer na lama que na água pura (limpa) .

ὕες βορβόρῳ ἥδονται μᾶλλον ἢ καθαρῷ ὕδατι.

10-B117

Homem quando bêbado aos tropeços é conduzido por um jovem escravo31 31 Sigo aqui proposta de tradução de Laks&Most (2016,p. 191). . Sem saber para onde caminha tem a alma encharcada.

ἀνὴρ ὁκόταν μεθυσθῇ, ἄγεται ὑπὸ παιδὸς ἀνήβου σφαλλόμενος, οὐκ ἐπαΐων ὅκη βαίνει, ὑγρὴν τὴν ψυχὴν ἔχων

11-B118

Alma seca, a mais sábia e melhor.

αυγὴ ψυχὴ, σοφωτάτη καὶ ἀρίστη

12- B125

O Ciceão desmancha se {não}é mexido32 32 Cicieão é uma bebida composta de cevada, queijo, água ou vinho. Era consumida nos cultos de mistério em Elêusis. V. Delatte (1955). .

καὶ ὁ κυκεὼν διίσταται <μὴ> κινούμενος

Como se pode observar, a figura das águas repercute em diversos contextos e outras séries:

Figura 6
Justaposição de séries sônico-temáticas

Na abertura das séries em correlação e sobreposição, uma série remete para outra, colocando em movimento o livro que não existe. O nome ‘série’ aqui é um conjunto finito e aberto. Disso, não importa se os microtextos de uma série se sucedem ou não em uma ordem imediata: eles se reportam uns aos outros de vários modos, acabam por ser variações dentro de variações, variações de variações.

Assim, temos algumas séries que podem ser identificadas:

  1. a- logos;

  2. b- audição;

  3. c- flagrantes do cotidiano;

  4. d- águas;

  5. e- fogo;

  6. f- alma;

  7. g- rituais;

  8. h- jogos de criança

  9. 1- sono/vigília

  10. m- vida/ morte

  11. n- ciclos biológicos

A lista não é exaustiva. Consequência dessa abordagem é nos aproximarmos do livro perdido de Heráclito sem a necessidade de subordiná-lo a uma unificação conteudística estrita, a qual não leva em consideração as lacunas, os intervalos, as descontinuidades decorrentes tanto da transmissão textual, quanto da lógica de sobreposições que eventos audiofocais efetiva.

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  • MOTA, M. (2018). Metafisica, Escrita e Música: Ensaios Sobre os Fragmentos de Heráclito Lisboa, Movimento Internacional Lusófono.
  • MOTA, M. (2020). Audiocenas: Interface entre Cultura Clássica, Dramaturgia e Sonoridades Brasília, Editora Universidade de Brasília.
  • MOURAVIEV, S. (2002). Heraclitea III.3.A Sankt Augustin, Academia Verlag.
  • PRADEAU, J.-F. Heráclite. (2004). Fragments Paris, Flammarion.
  • ROBINSON, T. M. (1987) Heraclitus . Toronto, University of Toronto Press.
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  • VATRI, A. (2019). Early Dactylic Prose in the History of Greek Prose Rhythm. In: PASSA, E. and TRIBULATO, O. (eds.). The Paths of Greek Literature, Linguistics and Epigraphy. Berlin, De Gruyter, p.175-196.
  • WEST, M. (2007). Indo-European Poetry and Myth Oxford, Oxford University Press.
  • 1
    Este artigo integra a pesquisa “INFINITUDE SONORA: Orquestração Multissensorial em Homero, Led Zeppelin, Richard Pryor, Wassily Kandinsky, Clarice Lispector e Heráclito/Bach. RAPSÓDIAS”, realizada entre 2020-2021 nos PPGs-Metafísica e Artes Cênicas da Universidade de Brasília, integrando materiais para tese de promoção à professor titular. Agradeço ao dedicado trabalho dos pareceristas.
  • 2
    Para o texto, valho-me do Online Suda: entrada η,472 (Adler).
  • 3
    Sluiter (2016SLUITER, I. (2016). Obscurity. In: GRAFTON, A. and MOST, Glenn (eds.). Canonical Texts and Scholarly Practices. A Global Comparative Approach. Cambridge, Cambridge University Press , p.34-51.).
  • 4
    De Finibus bonorum et Malorum, 2.5.15. “ut Heraclitus, 'cognomento qui skoteinñw perhibetur, quia de natura nimis obscure memoravit'
  • 5
    Diógenes, Vitae...9.6-7.
  • 6
    Especialmente em Deichgräber (1963DEICHGRÄBER, K. (1963). Rhythmische Elemente im Logos des Heraklit. Wiesbaden, Verlag der Akademie der Wissenschaftten und der Literatur.); Kahn (1979KAHN, C. (1979). The Art and Thought of Heraclitus. Cambridge, Cambridge University Press. ); Mouraviev (2002MOURAVIEV, S. (2002). Heraclitea III.3.A. Sankt Augustin, Academia Verlag.).
  • 7
    Cito os enunciados de Heráclito segundo a numeração da edição de Diels-Kranz. Opto por não chamá-los de ‘fragmentos’. Como se sabe, a obra de Heráclito sobreviveu até nós indiretamente, ou seja, citada por outros autores. A grande recolha e edição dessas citações na edição por Diels-Kranz dispôs os textos em ordem numérica a partir da cronologia de suas fontes, projetando para os leitores pedaços isolados separados por séculos de recepção. Alguns esforços por dar ordem a este estilhaçamento textual foram dados nas edições de Marcovich (1967MARCOVICH, M. (1967).Heraclitus. Mérida, University of the Andes Press.), Kahn (1979KAHN, C. (1979). The Art and Thought of Heraclitus. Cambridge, Cambridge University Press. ), Conche (1998CONCHE, M. (1998). Héraclite: Fragments, 4th ed. Paris, Presses Universitaires de France.), Pradeau (2004PRADEAU, J.-F. Heráclite. (2004). Fragments. Paris, Flammarion.), Gemelli (2007GEMELLI, L. (2007). Die Vorsokratiker. Band 1: Thales, Anaximander, Anaximenes, Pythagoras und die Pythagoreer, Xenophanes, Heraklit. Düsseldorf, Artemis & Winkler.), Graham (2010GRAHAM, D. (2010). The Texts of Early Greek Philosophy: The Complete Fragments and Selected Testimonies of the Major Presocratics. Cambridge, Cambridge University Press.), Lebedev (2014LEBEDEV, A. (2014). The Logos of Heraclitus: A Reconstruction of His Thought and Word (with a new critical edition of the fragments). São Petersburgo, s/ed.), Laks&Most (2016LAKS, A. and MOST, G. (2016). Early Greek Philosophy, vol. 3. Cambridge, Harvard University Press.), entre outras, as quais propõem série temáticas como agrupamento dos textos, muitas vezes seguindo indicação presente em Diógenes Laércio (9.5), que afirmou que o tratado de Heráclito teria sido dividido em três partes: universo, política, teologia. Recentes achados papirológicos, como o Papiro de Deverni, tem contribuído para se observar a continuidade dos textos: no papiro (col.IV.5-9) são citados sem interrupção os ‘fragmentos’ numerados como 3 e 94 em Diels-Kranz. Assim, a ideia de fragmento é uma ilusão da transmissão textual.
  • 8
    Kahn (2003KAHN, C. (2003). Writing Philosophy: Prose and Poetry from Thales to Plato. In: YUNIS, H. (ed.) Written Texts and the Rise of Literate Culture in Ancient Greece. Cambridge, Cambridge University Press, p.139-161.).
  • 9
    Kahn (1983KAHN, C. (1983). Philosophy and Written Word: Some Thoughts on Heraclitus and The Early Greek Uses of Prose. In: ROBB, K. (ed.). Language and Thought in Early Greek Philosophy. La Salle, Monist Library of Philosophy, p. 110-124. , p.114). Original: “Heraclitus’s book became the first Greek prose classic, the oldest book in prose worth preserving both for its style and for its content.”
  • 10
    Como se observa na nanofilologia defendida em Ette (2008ETTE, O. (2008). Nanophilology. Literary short forms in Romance languages. Literarische Kurz- und Kürzestformen in der Romania. Tübingen, Max Niemeyer Verlag.).
  • 11
    Retomo aqui ideias do ensaio “Linguística e Poética”, de Roman Jakobson (Jakobson, 1999JAKOBSON, R. (1999). Linguística e poética. In: Linguística e Comunicação. São Paulo, Cultrix, p.118-162.). O primeiro capítulo da minha tese supracitada explora este tema.
  • 12
    No original ‘πρηστήρ’, algo como ‘furacão’, ‘tempestade brilhante’, conf. Johnstone (1984JOHNSTONE, H. (1984). Heraclitus’ [Peri Physeos]. Bryn Mawr, Bryn Mawr College Department of Greek., p. 12).
  • 13
    Sigo leitura em Laks&Most (2016LAKS, A. and MOST, G. (2016). Early Greek Philosophy, vol. 3. Cambridge, Harvard University Press.,p.171).
  • 14
    B 76 é uma variação desse microtexto: vive o fogo a morte do ar, e o ar vive a morte do fogo, a água vive a morte da terra, e a terra a da água. ζῇ πῦρ τὸν ἀέρος θάνατον καὶ ἀὴρ ζῇ τὸν πυρὸς θάνατον, ὕδωρ ζῇ τὸν γῆς θάνατον, γῆ τὸν ὕδατος. Analiso em detalhes o B36 em Mota (2018MOTA, M. (2018). Metafisica, Escrita e Música: Ensaios Sobre os Fragmentos de Heráclito. Lisboa, Movimento Internacional Lusófono.).
  • 15
    Para a complexa transmissão textual, v. Marcovich (1967MARCOVICH, M. (1967).Heraclitus. Mérida, University of the Andes Press., p.548-551).
  • 16
    Declarados exemplos desse movimento oscilatório encontram-se em B32 Um o que é sábio, que quer e não quer ser chamado de Zeus, ἕν τὸ σοφὸν μοῦνον λέγεσθαι οὐκ ἐθέλει καὶ ἐθέλει Ζηνὸς ὄνομα; B93: O soberano de quem é o oráculo em Delfos não fala, nem oculta, mas assinala, ὁ ἄναξ οὗ τὸ μαντεῖόν ἐστι τὸ ἐν Δελφοῖς οὔτε λέγει οὔτε κρύπτει ἀλλὰ σημαίνει.
  • 17
    Ou “Comum é a todos o pensar.”
  • 18
    Gaston Bachelard “nós somos isomorfos às grandes imagens da profundidade, nous sommes isomorphes aux grands images de la profondeur” (Bachelard, 1948BACHELARD, G. (1948). La terre et les rêveries du repos. Paris, Corti., p.260).
  • 19
    Chantraine (1968CHANTRAINE, P. (1968). Dictionnaire Étymologique de la langue grecque : histoire des mots. Paris, Klincksieck., p.625-626). Tal base se encontra em B51(ὁμολογέει), B73 (λέγειν), B93 (λέγει), B112 (λέγειν), B114 (λέγοντας).
  • 20
    Em Cassin (2004CASSIN, B. (org.). (2004). Vocabulaire européen des philosophies - Dictionnaire des intraduisibles. Paris, Seuil/ Le Robert.) p.727-741, Cassin (2014CASSIN, B. (org.). (2004). Vocabulaire européen des philosophies - Dictionnaire des intraduisibles. Paris, Seuil/ Le Robert., p.581- 595)
  • 21
    LSJ.
  • 22
    Hoffman (2003HOFFMAN, D. (2003). Logos as Composition. Rhetoric Society Quarterly 33, p. 27-47.), Hoffman (2006HOFFMAN, D. (2006). Structural Logos in Heraclitus and the Sophists. Advances in the History of Rhetoric, Vol. 9, p.1-32.).
  • 23
    Analiso mais detidamente os chamados ‘fragmentos musicais’ em Mota (2018MOTA, M. (2018). Metafisica, Escrita e Música: Ensaios Sobre os Fragmentos de Heráclito. Lisboa, Movimento Internacional Lusófono., p.20-37).
  • 24
    Contra West (1994WEST, M. (2007). Indo-European Poetry and Myth. Oxford, Oxford University Press.), ἁρμονίη possui tanto um sentido geral não musical quanto um emprego relacionado aos sons. Conforme Sassi (2015).
  • 25
    Vatri (2019VATRI, A. (2019). Early Dactylic Prose in the History of Greek Prose Rhythm. In: PASSA, E. and TRIBULATO, O. (eds.). The Paths of Greek. Literature, Linguistics and Epigraphy. Berlin, De Gruyter, p.175-196.). Mouraviev denomina tais presenças de metros nos textos de Heráclito de ‘incrustações métricas’ (Mouraviev, 2002MOURAVIEV, S. (2002). Heraclitea III.3.A. Sankt Augustin, Academia Verlag.,p.253-264). Para uma pioneira tentativa de escandir os textos de Heráclito e encontrar padrões métricos v. Deichgräber (1963DEICHGRÄBER, K. (1963). Rhythmische Elemente im Logos des Heraklit. Wiesbaden, Verlag der Akademie der Wissenschaftten und der Literatur.).
  • 26
    Discuto isso mais atentamente em Mota (2018MOTA, M. (2018). Metafisica, Escrita e Música: Ensaios Sobre os Fragmentos de Heráclito. Lisboa, Movimento Internacional Lusófono.) e no primeiro capítulo de minha tese suprareferida Infinitude Sonora.
  • 27
    No original “por entre a multidão desejosa de voar”. Sobre os arqueiros e seus apetrechos na poesia indo-europeia, v. West (2007WEST, M. (2007). Indo-European Poetry and Myth. Oxford, Oxford University Press., p. 485). V. ainda Monbrun (2007MONBRUM, P. (2007). Les Voix d’Apollon. L’arc, la lyre et les oracles. Rennes, Presses Universitaires de Rennes.).
  • 28
    Ambivalência entre paz e guerra, vida e morte do arco é indicada em outro monotexto de Heráclito: B48 “O nome do arco, vida; sua obra, morte, τῷ οὖν τόξῳ ὄνομα βίος, ἔργον δὲ θάνατος.” V. Mota, 2014MOTA, M. (2014). Imaginação e Morte. Ensaios sobre a representação da finitude. Brasília, Editora da Universidade de Brasília., p. 27-28.
  • 29
    Literalmente: “movendo cessa/descansa/repousa/suspende/conclui/pára.”
  • 30
    Conf. Mota, p. 2020MOTA, M. (2020). Audiocenas: Interface entre Cultura Clássica, Dramaturgia e Sonoridades. Brasília, Editora Universidade de Brasília., p.69-126.
  • 31
    Sigo aqui proposta de tradução de Laks&Most (2016LAKS, A. and MOST, G. (2016). Early Greek Philosophy, vol. 3. Cambridge, Harvard University Press.,p. 191).
  • 32
    Cicieão é uma bebida composta de cevada, queijo, água ou vinho. Era consumida nos cultos de mistério em Elêusis. V. Delatte (1955DELATTE, A. (1955). Le Cycéon, breuvage rituel des mystères d'Éleusis. Paris, Belles Lettres.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2021
  • Aceito
    20 Ago 2021
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