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Ansiedade em quarentena: estratégias de governabilidade para os sujeitos ansiosos no decurso da pandemia da Covid-19

Quarantine Anxiety: Governmentality Strategies for Anxious Subjects During the Covid-19 Pandemic

RESUMO

Os números de transtornos mentais, a exemplo da ansiedade patológica, quase que duplicaram nos primeiros meses da pandemia da Covid-19 em todo o mundo. Tal fato, por sua vez, reclama(ou) estratégias de intervenção médico-psiquiátricas específicas, tendo as tecnologias digitais como o principal meio de articulação terapêutica. Atentando-se para esse cenário, esta pesquisa busca investigar os modos de governamentalidade para o sujeito ansioso na pandemia da Covid-19, em 2020, no cenário do Brasil. Metodologicamente, adota-se o viés arquegenealógico, tendo como corpus três materialidades, uma do Canal Drauzio Varela e duas do Vittude Blog, analisadas à luz dos postulados foucaultianos. Em suma, as mídias sociais oferecem um ambiente virtual que, mesmo em meio ao isolamento, articula o governo de si e do outro a partir das publicações informativas, das terapias online, entre outras.

PALAVRAS-CHAVE:
Covid-19; Corpo ansioso; Mídias sociais virtuais. Estratégias biopolíticas. Constituição de si

ABSTRACT

The numbers of mental disorders, such as pathological anxiety, almost doubled in the first months of the Covid-19 pandemic worldwide. This fact, in turn, demands specific medical-psychiatric intervention strategies, with digital technologies as the main means of therapeutic articulation. Paying attention to this scenario, this research seeks to investigate the modes of governmentality for the anxious subject in the Covid-19 pandemic, in 2020, in the Brazilian scenario. Methodologically, the archgenealogy bias of a qualitative nature is adopted, having as corpus three materialities, one from Canal Drauzio Varela and two from Vittude Blog, analyzed in the light of Foucault’s postulates. In short, social media offers a virtual environment that, even in the midst of isolation, articulates the government of itself and the other through information publications, online therapies, among others.

KEYWORDS:
Covid-19; Anxious body; Virtual social media.; Biopolitical strategies; Self-constitution

1 Ansiedade à porta: primeiras impressões

Descreveria a primeira noite como o começo da aceitação. [...] No primeiro dia, tentei ao máximo manter minha cabeça no lugar. Não durou muito... [...] Minha pressão caiu e comecei a ter dores de cabeça muito fortes. Voltei a ficar sem ar. Tentei repetir o que faço quando tenho crises de ansiedade: molhei a nuca com água gelada, coloquei um pouco de sal sob a língua e contei de 100 até um. Quando me perdia, recomeçava a contagem, e assim foi até parar de sentir meu coração acelerado. Aliviados os sintomas, veio a crise de choro. Desabei... (VEJA, 2020VEJA. Crise de ansiedade e choro: paciente com covid-19 detalha isolamento. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/12/crise-de-ansiedade-e-choro-paciente-com-covid-19-detalha-isolamento.htm . Acesso em: 24 jun. 2020.
https://noticias.uol.com.br/saude/ultima...
, s.p.).

Jhonatthan, 27 anos, vendedor e ansioso, testou positivo para a Covid-19. O relato supracitado, veiculado pela Revista Veja, em 2020, reflete as experiências não só desse sujeito, mas, também, de milhares de outros brasileiros em isolamento social, que, acometidos (ou não) pela Covid-19, tentam lidar com a “atmosfera de ansiedade” gerada pelos medos, as incertezas e as inconstâncias que emergem juntamente com o novo vírus e a nova doença.

Tendo iniciado na cidade de Wuhan, na China, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) é um vírus emergente e ainda em investigação, mas que apresenta um grande potencial de transmissão e letalidade. Os primeiros casos foram diagnosticados em dezembro de 2019, mas a enfermidade se disseminou rapidamente em todo o mundo, fazendo com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretasse estado de pandemia já em março de 2020. No Brasil, por exemplo, o primeiro caso foi notificado em fevereiro de 2020.

De modo geral, o modus operandi da doença, conhecida por Covid-19, debilita o sistema respiratório dos sujeitos. Contudo, a apresentação dos sintomas - que vão desde falta de ar, febre, tosse, coriza, entre outros -, bem como o grau de gravidade da doença são singulares para cada paciente, pois, enquanto uns apresentam a forma mais grave (insuficiência respiratória), outros desenvolvem apenas sintomas leves, ou, até mesmo, são assintomáticos (LIU et al., 2020LIU, YC et al. COVID-19: the first documented coronavirus pandemic in history. Biomedical Journal, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 1-6, 5 maio 2020. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.bj.2020.04.007. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2319417020300445. Acesso em: 26 Maio 2020.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bj.2020.04.0...
).

Assim sendo, para evitar uma maior contaminação e superlotação dos hospitais, os sujeitos estão sendo orientados a permanecerem em quarentena, mas, em reflexo, os quadros de ansiedade têm aumentado em consequência ao isolamento e à atmosfera de medo constante. Além dessas, outras questões estão potencializando o desgaste psicofisiológico: exigências de produtividade, enxurradas de informações e fake news, iminência de colapso do sistema de saúde, negacionismo da doença e da Ciência, inconstâncias no cenário político e econômico, desmonte da educação, intensificação da pobreza, xenofobia, dentre tantas outras.

Estas, portanto, comportam-se como gatilhos que minam o bem-estar psíquico dos sujeitos, fazendo com que até mesmo aqueles que não possuem predisposição genética desenvolvam os transtornos de ansiedade. Como consequência a essa nova realidade, os casos confirmados de ansiedade patológica no contexto brasileiro - que, em 2017, já atingia 9,3% da população, ocupando o primeiro lugar no ranking dos diagnósticos em todo o mundo (OMS, 2017WORLD HEALTH ORGANIZATION. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates. Geneva:WHO, 2017. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf;jsessionid=AB571C67D9E6C3CED2BCD2A30FEB0B88?sequence=1 . Acesso em: 18 out. 2018.
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) - têm aumentado vertiginosamente na pandemia. Nesse sentido, pesquisas desenvolvidas pela Universidade de São Paulo - USP1 1 Dados fornecidos pela Universidade de São Paulo - USP numa entrevista ao site CNN Brasil (2021). Tais estudos encontram-se em fase de publicação. apontam que os casos cresceram 63% no ano de 2020.

De acordo com a OMS (2002ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Ministério da Saúde. Relatório mundial da saúde: Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Lisboa: OMS, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/en/whr01_djmessage_po.pdf. Acesso em: 10 out. 2018.
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), isso ocorre porque indivíduos que vivenciam, constantemente, estados afetivos como a tristeza, a angústia e o estresse - sentimentos comuns ao cotidiano acelerado da contemporaneidade, principalmente, num cenário pandêmico - tendem a ter o funcionamento físico e mental afetados, deixando o sujeito cada vez mais fragilizado e suscetível a uma infinidade de psicopatologias. O transtorno de ansiedade, por exemplo, implica o hiperaceleramento dos processos mentais dos sujeitos, já que estes não conseguem administrar a miríade de informação e as pressões psicológicas - tais como o medo, o luto e as inseguranças -, e, consequentemente, tendem a se desgastar, tornando-se cada vez mais debilitados.

Ao visualizar esta conjuntura de adoecimento, as instituições médico-psiquiátricas estão desenvolvendo e executando intervenções biopolíticas para estes quadros. Focalizando, então, a manutenção da vida e, levando em conta a impossibilidade das consultas presenciais, tais intervenções giram em torno de medidas terapêuticas online, cujo atendimento pode ser manejado remotamente por meio de ligações, chamadas de vídeo, ou, até mesmo, mediados por perfis, sites, blogs ou aplicativos nas mídias virtuais. Independentemente da forma de interação escolhida, seja por meio do acompanhamento psicólogo-paciente ou dos suportes digitais, os profissionais, cada vez mais, indicam atividades que possibilitam a esses sujeitos atuarem autonomamente sobre si, a exemplo da escrita, da leitura terapêutica, da meditação e atividades físicas, visto que permitem agenciar, até certo ponto, os próprios processos terapêuticos em períodos de isolamento.

Assim, considerando o crescente acesso aos aparatos tecnológicos e às mídias sociais virtuais, principalmente no que concerne às redes sociais em períodos de isolamento, é possível observar que, de algum modo, tais instrumentos terapêuticos fazem-se presentes nesses ambientes virtuais em consequência da crescente publicação de conteúdos em torno desta temática. Ao atentarmos para este cenário, propomos-nos, nesta pesquisa, investigar quais estratégias de governamentalidade estão sendo adotadas para o corpo ansioso ao visualizar a necessidade de manutenção da saúde e da vida por meio dos processos medicalização.

Em termos metodológicos, adotamos como procedimento de investigação o método arquegenealógico foucaultiano, na medida em que podemos identificar “[...] as formas de um saber possível; [...] as matizes normativas de comportamento para os indivíduos; [...] e enfim, os modos de existência virtuais para sujeitos possíveis.” (FOUCAULT, 2019cFOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: Aula de 12 de janeiro de 1983 - primeira hora. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2019c., p. 4). Como objeto de análise, elencamos as materialidades verbo-visuais que circularam na web durante a pandemia da Covid-19, em 2020.

Nesse sentido, destacamos que a coleta se fez a partir de diferentes suportes das mídias virtuais: (a) um podcast do Canal Entrementes, no Youtube; (b) duas postagens do blog de psicologia, Vittude Blog,, tendo como critério de coleta a abordagem que tematize/problematize o referido transtorno evocado pela pandemia da Covid-19 a partir da voz médico-psiquiátrica, cujas materialidades evidenciem modos de gerir os sujeitos (leia-se governamentalidade) embasados nos saberes e poderes da instituição psiquiátrica.

Além disso, elencamos o arquivo discursivo - compreendido por Foucault (2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. , p. 158-159) como “[...] o sistema geral da formação e da transformação dos enunciados [...].”, - como meio de coleta, dada a facilidade em recolher as distintas materialidades nos meios virtuais, as quais, por sua vez, apresentam-se em constante emergência na pandemia graças ao maior acesso/postagem nos suportes digitais possibilitado pelo isolamento social.

Para tanto, serão mobilizados, prioritariamente, os postulados teóricos de Foucault (2014aFOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura de Fraga de Almeida Sampaio. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014a.; 2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. , 2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.) - já que este autor tece reflexões pertinentes acerca dos modos de governamentalidade a partir de várias práticas, inclusive no fazer psiquiátrico - em articulação a outros estudiosos da área médico-psiquiátrica. Neste mesmo viés, elencamos, ainda, que este trabalho se insere na Análise do Discurso de linha francesa (AD), mais especificamente nos Estudos Discursivos Foucaultianos, já que tem como objeto de estudo a ansiedade em tempos de Covid-19 analisado sob o prisma discursivo.

Desta feita, destacamos que este trabalho mostra-se relevante e singular ao constatar a necessidade em investigar os discursos que articulam a ansiedade patológica em tempos de Covid-19. Após um levantamento realizado na Plataforma do Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), mais especificamente no Catálogo de Teses e Dissertações, e em demais indexadores, constatou-se que tais estudos se fazem escassos não somente nas áreas científicas, tais como a Imunologia, a Psicologia, a Economia, entre outras, dado o emergente e misterioso cenário histórico, mas, também, no arcabouço que envolve a linha foucaultiana.

Assim sendo, e, para uma melhor experiência de leitura, seguiremos o seguinte percurso: no tópico 2, De frente com a Ansiedade: entre tensões e teorias foucaultianas, o qual discute sobre alguns apontamentos introdutórios em torno da teoria foucaultiana, mais especificamente no que concerne aos períodos teórico-metodológicos da arqueologia e da genealogia. Este desmembra-se em dois subtópicos: (a) o tópico 2.1, Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle: notas sobre as práticas de governamentalidade relacionará a emergência do biopoder/biopolítica às discussões que envolvem as práticas de governamentalidade na sociedade disciplinar; além de compreender como o governo de si e do outro se articulam nos tempos hodiernos.

Por fim, no tópico analítico 3, Hóspede indesejado, isolamento acompanhado: rastreando os modos de governamentalidade para o sujeito ansioso na pandemia da Covid-19, teceremos análises sobre os modos de governamentalidade relacionados ao corpo ansioso em tempos de pandemia, seguido das conclusões, Ansiedade na despedida e alívio: últimas considerações, e referências.

2 De frente com a Ansiedade: entre tensões e teorias foucaultianas

Paul-Michel Foucault, ou simplesmente Foucault, foi um pensador que buscou constituir uma história do sujeito de modo diferente das práticas historiográficas tradicionais. Enquanto nestas, a História e seus acontecimentos2 2 Conforme Revel (2005), os acontecimentos podem ser compreendidos como conjunto finito de séries discursivas que emergem a partir de rupturas históricas singulares. eram concebidos como grandes passagens homogêneas, unificadoras, sob um corte temporal maior, mais amplo, Foucault (2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ) defendia que a História deveria ser encarada sob um recorte temporal menor, micro, isto é, como séries de acontecimentos (des)contínuos, que se intercruzam, complementam e/ou excluem.

Por meio dessa proposta analítico-metodológica da História, o autor buscou mapear as “matizes da experiência”, de modo a construir uma história do sujeito. A loucura e a sexualidade, por exemplo, são exemplos de matizes que, sob diferentes enquadramentos históricos, foram amplamente estudadas pelo autor e revelam os domínios que discursivizam os acontecimentos no tocante à experiência dos sujeitos. Essas matizes, por sua vez, são analisadas, conforme Foucault (2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b., p. 42), por meio de três eixos teórico-metodológicos: a arqueologia (“[...] eixo da formação dos saberes [...]”), a genealogia (“[...] eixo da normatividade dos comportamentos [...]”) e a estética de si (“[...] eixo da constituição dos modos de ser do sujeito [...]”).

Sendo assim, os processos de análises propostos por Foucault buscariam “escavar”, nas descontinuidades3 3 Os discursos não podem ser tratados como elementos contínuos, que evoluem, uma vez que “[...] se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem [...].” (FOUCAULT, 2014a, p. 52-53). , as regularidades discursivas4 4 Regularidades podem ser compreendidas como fenômenos que, entre os discursos, se pode estabelecer nexos de “[...] causalidade mecânica ou de necessidade ideal [...].” (FOUCAULT, 2014a, p. 59). , de modo a identificar os dizeres, os saberes e os poderes que permitiram a constituição de determinados processos de subjetivação do sujeito, em épocas específicas (MILANEZ, 2018MILANEZ, N. O lampejo do sentido: indícios de retorno a si com Borges e Foucault. Em: TFOUNI, LV; PEREIRA, AC; MILANEZ, N. O paradigma do indiciário e as modalidades de decifração nas ciências. São Paulo: Editora EDUFSCar, 2018. p. 53-80.). Além disso, convém acrescentar que tais metodologias nomearam, também, as fases dos estudos foucaultianos, que, de acordo com Veiga-Neto (2003VEIGA-NETO, A. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 191p.), subdividem-se em três: a fase arqueológica, a fase genealógica e, por fim, a fase que ocupa-se da ética e estética de si. Para essa investigação, em particular, interessa-nos focalizar as duas primeiras fases, arqueologia e genealogia, uma vez que permitem articular discussões que envolvem o saber-poder nos processos de governo dos sujeitos.

Isso posto, o termo arqueologia denota não somente um procedimento metodológico adotado por Foucault, mas, também, intitula a primeira fase das investigações do autor. Esta foi sistematizada, inicialmente, na tese de doutorado do filósofo, intitulada A história da loucura, que problematizou a constituição e a circulação de alguns saberes científicos, mais especificamente o saber psiquiátrico, ao buscar investigar “como”, “quando”, “onde” e “o que” possibilitou que tais saberes pudessem se estabelecer nas práticas discursivas da sociedade (ARAÚJO, 2008ARAÚJO, IL. Foucault e a crítica do sujeito. 2. ed. Curitiba/PR: Editora UFPR, 2008.). Para tanto, o autor mobilizou alguns termos que são caros para a compreensão da sua teoria: discurso, formação discursiva, enunciado e saber.

  1. o discurso se constitui como a unidade fundamental para as análises foucaultianas, já que este elemento reflete e organiza - por meio da linguagem - as práticas sócio históricas, políticas, econômicas, etc., de uma sociedade. Partindo dessa perspectiva, o discurso não pode ser entendido como uma unidade fixa e material como a língua nem equiparado a atos de fala, mas, sim, caracteriza-se por um sistema de enunciados dispersos que obedecem a regras específicas de formação (ordem discursiva) (FOUCAULT, 2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ). Assim, é partindo das regras estabelecidas nessa ordem que se explica a razão de existir restrições e cuidados quanto ao que pode (ou não) ser dito em determinados locais, bem como o porquê de alguns sujeitos terem credibilidade de fala em detrimento a outros, pois os discursos são capazes de policiar, organizar e/ou validar (ou não) tais posicionamentos.

  2. a formação discursiva pode ser entendida como um sistema de dispersão que permite o agrupamento de um determinado número de discursos. Assim, segundo Foucault (2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ), o discurso estaria para a formação discursiva - em termos de regras de formação e pertencimento -, o que a palavra é para o texto: interdependentes, mesmo que num relacionamento de coexistência. Isso posto, as formações discursivas se constituem com base em regras de formação específicas, que “[...] são condições de existência (mas também de coexistência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva.” (p. 47) e que são dependentes da formação dos objetos (regime de existência), da formação das modalidades enunciativas (singularização a partir dos modos de enunciar - “quem”, “quando”, “onde”), da formação dos conceitos (emergência e coexistência de conceitos dispostos em campos enunciativos distintos) e da formação das estratégias (formações de temas e teorias consequentes à própria articulação de certos tipos de objetos, de conceitos e de modalidades de enunciação).

  3. o enunciado pode ser compreendido como a instância em que o sentido se estabelece, estando, portanto, entre o nível do discurso e do material. Deste modo, ele é o átomo do discurso, isto é, a unidade elementar do discurso, mas que necessitam dos signos para que a sua manifestação se materialize (FOUCAULT, 2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ).

  4. Por meio do saber, os domínios dos diferentes objetos constituem disciplinas (a exemplo da medicina), e, por sua vez, elaboram tipos de discursos e enunciados próprios que poderão englobar verdades, condutas, singularidades e desvios. A partir da constituição do objeto do saber, alguns sujeitos são modulados e, assim, autorizados a se posicionarem enquanto autoridades a partir de determinados locais de fala. É o que ocorre na figura do médico como entidade autorizada pelo saber da medicina: interrogar, observar, decifrar, registrar etc. (FOUCAULT, 2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ). Quando se observa um saber legitimado, pode-se identificar, também, que, indo de encontro, há saberes que foram silenciados, desprezados ou negados. A esse fenômeno, Foucault (2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.) denominou de saber sujeitado, que consiste em duas compreensões: aniquilação e desqualificação do saber, respectivamente.

Além do mais, é oportuno acrescentar que o saber está intrinsecamente relacionado com o poder, na medida em que este último, de modo correlato, produz o primeiro (FOUCAULT, 2014bFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014b. ). Segundo o filósofo, o poder não é consequente, nem subordinado às ações ou negativo; muito pelo contrário, esse poder é positivo, produtivo, pois se dá a partir das relações de forças que emergem e se mantém em consequência das relações entre as instituições (econômica, política, jurídica, por exemplo). Desse modo, seu objetivo se constitui a partir da normatização, isto é, da objetivação dos corpos e do controle das práticas discursivas (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.).

Ao falar em poder, voltamo-nos automaticamente para a genealogia, que consiste em explorar as várias vontades de verdade que emergem(iam) a partir das relações entre poderes e saberes, dos quais possibilitam(ram) que determinadas - e distintas - objetivações se efetivem(assem) ao longo do tempo. Assim, para investigar a História sem considerar o sujeito como ser fundante/constituinte dos fatos históricos, a abordagem genealógica busca fazer suas pesquisas por meio de uma lupa, de modo que não se privilegie um acontecimento histórico/discursivo em detrimento ao apagamento de outro, isto é, não ocorra uma espécie de hierarquização e/ou sequenciação evolutiva dos acontecimentos, assim como, comumente, se pratica nas abordagens históricas tradicionais (FOUCAULT, 2019aFOUCAULT, M. Microfísica do poder. 9. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019a.).

Nesse sentido, o autor analisou, em específico, como ocorreram as relações de poder e as objetivações dos sujeitos nas sociedades soberana, disciplinar, sendo a sociedade de controle (atual) analisada por Deleuze. Para melhor compreender as dinâmicas do saber-poder em tais sociedades, é oportuno volver o olhar para o tópico que segue, que articulará tais discussões ao conceito de governamentalidade, proposta neste artigo.

2.1 Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle: notas sobre as práticas de governamentalidade

No século XIX, nos alvores do capitalismo, mais especificamente na Revolução Industrial, contemplou-se a emergência de uma nova sistemática de governo dos corpos: o poder que, antes, encontrava-se nas mãos do soberano na Sociedade de Soberania5 5 Embora tenha sido finalizada no século XVIII, mais especificamente, com a Revolução Industrial, não se sabe ao certo quando a sociedade soberana foi instaurada. Focalizando as investigações, em grande parte, na Idade Média, os estudos foucaultianos sugerem que a origem dessas sociedades se deu na tragédia grega, visto que era possível observar um poder “[...] real, total, soberano, correspondente a busca da verdade como aquela forma de saber que se tem de adquirir, transmitir, evocar, distribuir, reproduzir [...].” (ARAÚJO, 2008, p. 119). Isso posto, a sociedade soberana foi caracterizada, por Foucault (2018), como uma sociedade na qual o poder se estabelecia mediante as vontades do rei, isto é, do soberano, de modo que um dos principais mecanismos de hierarquia e separação constituíam-se em torno do poder simbólico do sangue (SIBILIA, 2002). Desta feita, ao rei era incubido o governo da vida e da morte dos súditos. Este detinha o direito de julgar o sujeito, de modo que poderia “[...] causar a morte [...]” ou “[...] deixar viver [...]” os casos que achasse válido (FOUCAULT, 2018, p. 146, grifos do autor). , passou a ser mediado por disciplinas, de forma a objetivar a estatização do biológico. Isso porque, intencionando a fabricação de corpos cada vez mais saudáveis, úteis e dóceis para o aumento da produção e, consequentemente, dos lucros, a responsabilidade quanto ao “fazer viver” e “deixar morrer” dos sujeitos decaiu por sobre o Estado (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.).

Desse modo, a valorização e a manutenção da vida tornou-se a premissa da Sociedade Disciplinar. Contudo, o poder disciplinar não se deu de forma una, mas, sim, desmembrou-se em duas fases que se complementam, a saber:

  • (a) A primeira, denominada de “[...] anátomo-política do corpo humano [...]” (FOUCAULT, 2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018., p. 150), ocorreu entre os séculos XVII e XVIII e focalizou o corpo enquanto uma máquina (homem-máquina ou homem-indivíduo), um sujeito particular. Estes eram administrados por instituições como, por exemplo, a escola, a prisão, o exército e a prisão. Assim, à medida em que se objetivava a intensificação das forças para a produção, os sujeitos tornavam-se dóceis, controlados e adestrados ao poder.

Posto isso, é oportuno acrescentar que, na sociedade disciplinar, três estratégias disciplinares marcaram emergem : a norma (processo de modulação dos sujeitos que se constitui com base em regras pré-definidas de ser e de se portar), o exame (envolve a qualificação, a classificação, a punição dos sujeitos) e a vigilância (realização da vigilância constante por meio da visibilidade). Assim, o sujeito era sujeitado ao poder disciplinar a partir de mecanismos disciplinares de normatização, de vigilância e de exame, que envolvem diretamente o corpo, mas ocorre a partir de formas coercitivas sutis, na qual o próprio sujeito é responsável por essa mudança (FOUCAULT, 2014bFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014b. ).

  • (b) Já o segundo momento, iniciado por volta da segunda metade do século XVIII e todo o século XIX, foi denominado por Foucault (2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.) de “biopolítica da população”, visto que a medicina social passou a ser predominante no manejo da saúde dos sujeitos. Assim as tecnologias de poder focalizaram não somente o homem-máquina, mas, também, centraram-se nas formas de manutenção do corpo-espécie, isto é, o corpo e os seus respectivos processos compreendidos em uma escala biológica, enquanto espécie.

Nesse momento, o biopoder - isto é, o poder que atua sobre a vida - angariou extrema importância para as dinâmicas capitalistas, pois passou a modular as formas de gerir a vida, já que “[...] potencializam e aperfeiçoam as capacidades do corpo-máquina.” (BARACUHY, 2018BARACUHY, R. Práticas de governamentalidade e efeitos da biopolítica em festas populares: o sujeito entre normalizações e resistências. Em: BARACUHY, R; GODOI, E; NORONHA, C. Cartografias discursivas. João Pessoa: Editora UFPB, 2018. p. 11-24., p. 13), a partir, também, do controle, da saúde e da longevidade do corpo-espécie. Para tanto, o biopoder ramifica-se em algumas estratégias e mecanismos - isto é, tecnologias de poder -, que permitem regrar, manipular, incentivar, observar e normalizar a conduta por meio das taxas de natalidade, de mortalidade, das condições de saúde/vida em geral. Taisais tecnologias do biopoder são denominadas de biopolítica.6 6 Dito isso, Caponi (2013) alerta que não se pode confundir o termo biopolítica com o conceito de política tradicional. Mais do que isso, a biopolítica é uma instância de poder que governa os sujeitos em prol do “[...] fazer viver e deixar morrer [...]”, limitando “[...] a condição humana a processos biológicos [...]”, enquanto a política em si é entendida como um “[...] governo de si, como espaço de constituição ética e política da subjetividade [...]” mediada pelo “[...] diálogo argumentativo, essencial para a construção do espaço político [...].” (CAPONI, 2013, p. 106-107).

Dessa maneira, ao promover o saneamento do corpo e das populações, as biopolíticas utilizam-se de técnicas e instrumentos de exame e vigilância específicos (previsões, medições, estimativas, estatísticas e classificações) para intervir e controlar “[...] a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar.” (FOUCAULT, 2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018., p. 150). Tais observações, medições, estatísticas e classificações biopolíticas fizeram emergir regras que apontam as médias da normalidade, isto é, as normas da saúde e da doença, do normal e do anormal. Nesse sentido:

[...] o normal define os valores de referência, as médias e as variações admissíveis para um determinado fenômeno biológico (seja a taxa de colesterol ou de suicídio), estabelecidas a partir dos valores estatisticamente mais frequentes. Por outro lado, trata-se de um conceito valorativo e normativo que define aquilo que deve ser considerado desejável em determinado momento e em determinada sociedade (CAPONI, 2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114., p. 103).

Assim, é a partir da ideia da norma que os sujeitos podem ser classificados em normais e anormais, e essa conceituação aplica-se a todas as áreas sociais. No esteio da medicina, a norma é compreendida como uma instância que define os ideais que podem ser aceitos socialmente: o corpo saudável (normal) e o que se configura como um desvio dessas regras, o corpo doente/patológico (anormal) (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.).

Partindo dessa ideia, os profissionais da saúde médico-psiquiátrica examinam, inspecionam e classificam os sujeitos como ansiosos (anormal) ou não (normal) embasados em graus de normalidade da população (CAPONI, 2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114.). No caso da ansiedade patológica, a classificação médica desse transtorno, por exemplo, insere-se numa escala biopolítica dos sofrimentos leves. No entanto, como a ansiedade é, incialmente, um sentimento primitivo inerente ao ser humano - já que ativa o estado de alerta, preparação e proteção da espécie -, o seu diagnóstico é cauteloso e avaliado a partir de espectros, isto é, compreendidos a partir da observação dos níveis de sofrimento intenso e exacerbado (anormalidade) ou não (normalidade), singulares para cada sujeito.

Além disso, é oportuno ressaltar que a norma não só predefine classificações dos sujeitos, mas, também, delineia formas específicas de governo. Desse modo, ao delimitar a norma para o corpo psíquico “saudável”, são e estimuladas atitudes que envolvem o acesso à terapia, à prática de esportes, à manutenção de uma alimentação saudável, por exemplo, pois se acredita que estas ajudam na manutenção da saúde, conforme os saberes médicos. Assim, a norma tanto reclama a adaptação dos sujeitos aos ideais exigidos pelas dinâmicas sociais, como, também, seleciona os sujeitos arredios (ou desviantes), que, por algum motivo, não atendem a esses pré- -requisitos, e, em consequência, serão passíveis de intervenção ou de exclusão.

Diante do exposto, deve-se salientar que as expressões “governo”, “governar”, para os estudos foucaultianos, não é o mesmo que “reinar”, “comandar”, ser “detentor supremo das leis”. Pelo contrário, a noção de governo tem uma significação ampla: é uma linha de força que envolve os poderes e as competências políticas, científicas e econômicas, das quais visam um asseguramento ao sujeito social de condições de sobrevivência, saúde, trabalho, educação (SANTOS, 2010SANTOS, RE. Genealogia da Governamentalidade em Michel Foucault. 2010. 242 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências.). Esse processo de governo foi denominado por Foucault (2008FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Còllege de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 155-180.) de governamentalidade.

Nas palavras do autor, podemos compreendê-lo como um:

[...] deslocamento no espaço, ao movimento, que se refere a subsistência material, à alimentação, que se refere aos cuidados que se podem dispensar a um indivíduo e à cura que se pode lhe dar, que se refere também a um exercício de um mando, de uma atividade prescrita, ao mesmo tempo incessante, zelosa, ativa, e sempre benévola. Refere-se ao controle que se pode exercer sobre si mesmo e sobre os outros, sobre seu corpo, mas também sobre sua alma e sobre sua maneira de agir. E, enfim, refere-se a um comércio, a um processo circular ou a um processo de troca que passa de um indivíduo a outro. [...] Quem é governado são sempre pessoas, são homens, são indivíduos ou coletividades (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Còllege de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 155-180., p. 164, grifo nosso).

Assim sendo, no curso Segurança, Território e População, o filósofo francês explica que o termo foi inspirado a partir da observação das práticas de governo dos pastores, na Idade Média, em que estes guiavam o rebanho sem incidir dominações diretas nos animais, ao passo que também detinha uma atenção individualizante com cada ovelha para que não se desgarrasse e/ou para protegê-la quanto a situações de perigo. Após a inserção do biopoder, na sociedade disciplinar, por volta do século XVIII, a população passou a ser o foco central das práticas de governo, mais especificamente traçou estratégias e técnicas biopolíticas que incidissem na saúde e na duração da vida para que houvesse o aumento das riquezas.

Nesse processo de governo, os sujeitos eram levados a adotar condutas de cuidado com a saúde física e mental, tanto de si como dos outros, fato que levou Foucault (2019cFOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: Aula de 12 de janeiro de 1983 - primeira hora. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2019c.) a denominar tais práticas de cuidado de si e do outro7 7 A medicina, nesse ínterim, é a responsável pela inserção estratégica de saber-poder sobre este para que o cuidado de si se estabeleça eficazmente (FOUCAULT, 2019b). . Para melhor compreender esses conceitos, o filósofo explica que o cuidado de si8 8 Para falar no cuidado de si, Foucault (2010b) retoma a cultura grega, em que tinha a epimeléia heautoû como desígnio para o “cuidado de si”. Este termo se desmembra em mais duas concepções, que são: o “conhece-te a ti mesmo” (gnôthi seautón) e o “ocupa-te a ti mesmo” (ação consequente ao gnôthi seautón). Portanto, o processo de conhecer a si e, consequentemente, ocupar-se consigo permitem que o sujeito chegue ao cuidado de si (FOUCAULT, 2010b). é um processo pessoal e social em que o sujeito toma “[...] a si próprio como objeto de conhecimento e campo de ação para transforma-se, corrigir-se, purificar-se e promover a própria salvação.” (FOUCAULT, 2019bFOUCAULT, M. História da sexualidade III: O cuidado de si. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. 6. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra , 2019b., p. 55). Conforme Revel (2005REVEL, J. Michael Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlos Piovesani. São Carlos: Claraluz, 2005.), o sujeito utiliza-se de técnicas e de exercícios ascéticos9 9 Práticas em que mantém os sujeitos em constante vigília e a renúncia aos desejos do corpo consideradas prejudiciais. Nestas, o próprio “[...] corpo [...] faz a lei para o corpo [...].” (FOUCAULT, 2019b, p. 165). Historicamente, as asceses são provenientes de uma espécie de antigos manuais, conhecidos popularmente como as “artes de viver” ou “artes de conduta”. Estes surgiram na Antiguidade Clássica, nos períodos romanos e helenísticos. para lapidar constantemente o corpo, tais como os exames de provação e abstinência, os exames de consciência e da alma. De modo consequente, esse cuidado consigo também implica no governo dos outros, que passam a refletir as práticas de autocuidado nas suas atitudes (FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b.).

Contudo, é importante salientar que as investiduras do biopoder e das respectivas tecnologias/técnicas biopolíticas de governo, que vigoraram nas sociedades disciplinares, estenderam-se até os tempos hodiernos (sociedade de controle), porém, com algumas transformações graças ao advento das tecnologias. A partir dos anos 1980, as instituições, tais como a família, a igreja, a escola etc., que, antes, eram as fontes do esquadrinhamento estratégico de toda a disciplinarização e a produção de subjetividades nas sociedades disciplinares, definharam-se por não mais comportar as necessidades das novas relações sociais.

Assim, as disciplinas nas sociedades de controle passaram a atuar a partir das tecnologias e das virtualidades, mas, agora, de forma remota, difusa e instantânea (DELEUZE, 2000DELEUZE, G. Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle. Em: DELEUZE, G. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. 1. ed., 3. reimp. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000. p. 1-4.). Além disso, a transferência da responsabilidade quanto à administração da saúde e da vida (“fazer viver e deixar morrer”), que antes era do Estado, passou para o próprio sujeito. Ao serem mediados pelas virtualidades, a saúde e o cuidado de si constituem-se, cada vez mais, sob a falsa ideia de autonomia, já que são introjetados sorrateiramente, nos sujeitos, normas comportamentais e de saúde específicas a serem seguidas. Dessa maneira, podemos concluir que os modos de governamentalidade contemporânea pautam-se em um governo reflexivo de si sobre si, individualizado e mediado por práticas de bioascese10 10 Esta, a bioascese, é um termo cunhado por Ortega (2008) e compreende modelos de conduta que, sob a prerrogativa da saúde e do corpo perfeito, atualizam as antigas asceses, de modo que o sujeito passa a ser responsável pelo cuidado de si. Para tanto, o sujeito se “[...] autocontrola, auto-vigia e auto-governa. [Assim sendo,] Uma característica fundamental desta atividade é a auto-peritagem. O eu que ‘se pericia’ tem no corpo e no ato de se periciar a fonte básica de sua identidade.” (ORTEGA, 2008, p. 32, grifos do autor) na sociedade de controle. , sendo estes sujeitos também responsabilizados, punidos e/ou excluídos por eventuais desvios à norma imperante.

Em suma, foi nesse último modelo societário que as tecnologias do biopoder puderam solidificar o controle sobre os corpos. Assim, embasada na premissa de corpo perfeito e saudável earticulada à evolução tecnológica visualizadas no campo médico, a biopolítica contemporânea desenvolve mecanismos de rastreamento e de exame que permitem a varredura dos genes, de maneira a buscar indícios de patologias futuras para que se possa intervir, antes mesmo que os sujeitos apresentem os primeiros sintomas, ou, caso contrário, minimizá-los por meio dos tratamentos, evitando, assim, que as patologias não se tornem crônicas e ocorra, consequentemente, a incapacitação dos sujeitos. Ademais, são delineados, comportamentos considerados ideais dos sujeitos, que podem auxiliar na postergação e/ou extermínio da doença, ao passo que melhora os quadros de saúde.

Mediante o exposto, é possível sumarizar esta biopolítica nas prerrogativas do discurso do risco, isto é, “[...] nas promessas de um saber médico e psiquiátrico obcecado por antecipar os riscos.” (CAPONI, 2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114., p. 98). No entanto, essa ânsia crescente por diagnósticos e medicalizações precoces acendem uma grande preocupação, nos tempos atuais. Nesse sentido, Sibilia (2002SIBILIA, P. Biopoder. Em: SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relune Dumará, 2002.) comenta que, ao ampliar o escopo das classificações, tanto se definem recortes cada vez mais precisos da normalidade, como, também, abarca, preventivamente, uma quantidade maior de sujeitos desviantes, isto é, passíveis de normalização por meio das ações biotecnológicas (terapêuticas e medicamentosas). Em reflexo, aumentam-se os processos de medicalização exagerada dos sujeitos, que, muitas vezes, passam a fazer uso de psicofármacos sem necessidade, o que leva a alguns profissionais a adotarem medidas alternativas que sejam livres de psicoativos e estimulem o exercício cognitivo-comportamental, tais como a prática da escrita, da leitura, da meditação, entre outras.

Desse modo, estas atividades cristalizam-se no que Foucault (2011FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2011.), calcando-se nas nomenclaturas gregas, denominou de meléte, ou seja, exercícios (ou técnicas) de si. Dentre as tantas técnicas de si analisadas pelo filósofo, podemos observar que o exame da consciência e a confissão, a ascese e a escrita de cartas são mais preponderantes na prática psi:

  1. Inicialmente, Foucault (2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b.) diz que a prática do exame-confissão da consciência pode ser compreendida com uma atividade mediada por um dispositivo psiquiátrico que oportuniza o exame reflexivo e profundo de si e dos pensamentos - o exame de consciência -, o sujeito pode identificar o que não é aceito e confessar. Durante esse processo, o sujeito renuncia a si mesmo, mas assume uma nova nuance de governamento e constituição em virtude da aceitação das proposições do “verdadeiro”. Todavia, há que se ressaltar que esse cuidado e a consciência de si estão intimamente ligados ao outro, no sentido que este outro serve de guia, espelho e/ou exemplo, para a constituição de si;

  2. a ascese, como já explorada anteriormente, liga-se às técnicas de confissão e de exame de consciência, agenciando a transformação dos comportamentos, isto é, das subjetividades a partir de práticas de cuidado de si que mantém o sujeito em constante vigília e a renúncia aos desejos do corpo consideradas prejudiciais (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2011.). Na contemporaneidade, Ortega (2008ORTEGA, F. O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, 256p.) atualizou este termo, intitulando-o de bioascese. Desse modo, o prefixo -bio aproximaria o conceito inicial da ascese às problemáticas de lapidação e renúncia aos desejos corporais pregadas na sociedade hodierna.

  3. a escrita de cartas, bem como a leitura possibilitam uma maior objetivação dos pensamentos do sujeito a partir do momento em que cumpre a função do “olhar do Outro”. Isso posto, possuem, também, um importante papel terapêutico na área médico-psiquiátrica, pois, além de favorecer processos de confissão, ainda aproxima o sujeito doente à cartase proporcionada por esses instrumentos, fato esse que possibilita a modulação da subjetividade, isto é, abre o leque para que o sujeito identifique novas formas de resistência para constituir-se (FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b.).

Mediante as considerações tecidas ao longo deste tópico, é possível denotar que as técnicas de si supracitadas, cada uma a sua maneira, permeiam o universo terapêutico das mídias virtuais à medida em que se torna um suporte que agencia o cuidado de si e do outro quanto aos sujeitos ansiosos, embasados em saberes, poderes e vontades de verdade dos dispositivos médico-psiquiátricos. Diante de tais discussões, é oportuno focalizar o tópico seguinte, que tecerá reflexões acerca do governo dos sujeitos ansiosos em período de isolamento social.

3 Hóspede indesejado, isolamento acompanhado: rastreando os modos de governamentalidade para o sujeito ansioso na pandemia da Covid-19

A pandemia do novo coronavírus é uma crise muito mais que sanitária. Apesar do caráter democrático - já que atinge distintas pessoas, independente da classe social - (BASTOS et al., 2020BASTOS, MAPC; CAVALCANTI, ECT; SILVA, RFS; SILVA, EA; BASTOS, NCC; CAVALCANTI, ACT. O estado de exceção nas favelas: perspectivas biopolíticas a partir da pandemia do covid-19. Revista Augustus, Rio de Janeiro, v. 25, n. 51, p. 113- 129, jul./out. 2020.; MOUTINHO; CESARINO; NOVAES, 2020MOUTINHO, L; CESARINO, PN; NOVAES, SC. A produção científica em tempos de coronavírus. Rev. antropol., São Paulo - Online, v. 63, n. 1, p. 7-11, 2020.), as consequências evocadas por esse acontecimento histórico e discursivo, em especial no Brasil, intensificam as desigualdades e as problemáticas estruturais no território nacional. Como visto anteriormente, questões como sucateamento do sistema de saúde pública e da pesquisa, o negacionismo da ciência, o colapso da economia e da política, entre tantas outras, estão cada vez mais em evidência nas notícias veiculadas no país.

Todas essas questões unidas às problemáticas de adoecimento psicológico evocadas pelo isolamento social e pelas instabilidades consequentes à Covid-19 fez emergir uma atmosfera de constante medo, angústia e ansiedade. Ao travar uma batalha constante contra um vírus microscópico, seja em favor da própria vida ou para tentar preparar-se para uma possível contaminação/morte de entes queridos, o cérebro dos sujeitos mantém-se em alerta. De modo reverso, o estado apreensivo fomenta a criação de uma miríade de pensamentos negativos, que, por sua vez, desgastam o equilíbrio psicofisiológico dos sujeitos e provocam a irrupção (mesmo que sem predisposição genética) e/ou a intensificação dos quadros de transtorno de ansiedade (OMS, 2002ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Ministério da Saúde. Relatório mundial da saúde: Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Lisboa: OMS, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/en/whr01_djmessage_po.pdf. Acesso em: 10 out. 2018.
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).

Como reflexo desse cenário, já é possível identificar uma crescente nos diagnósticos que envolvem a ansiedade patológica, cujas estatísticas - antes, 9,3%, conforme a OMS (2017WORLD HEALTH ORGANIZATION. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates. Geneva:WHO, 2017. Disponível em: Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf;jsessionid=AB571C67D9E6C3CED2BCD2A30FEB0B88?sequence=1 . Acesso em: 18 out. 2018.
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
) - obteve um crescimento de 63% no primeiro ano de isolamento, no Brasil. Para conter essa expansão e evitar uma sobrecarga maior ao sistema de saúde (e capitalista), principalmente em períodos pós-pandêmicos, algumas ações interventivas (leia-se estratégias biopolíticas) estão sendo delineadas para que esse quadro de adoecimento psicofisiológico da população seja extinguido ou, ao menos, amenizado. Então, para melhor compreender, em específico, as articulações dos saberes e dos poderes biopolíticos que objetivam os sujeitos ansiosos na atual crise sanitária, é oportuno debruçar sobre análises na figura 1.

Figura 1
Excertos do texto Superando a Ansiedade e Medo do Coronavírus

A materialidade supracitada pode ser encontrada na página Vittude Blog, que se constitui como uma rede virtual de atendimento psicológico e conta com um grupo de psicólogos que, além de realizarem atendimentos virtuais, ainda disponibilizam, na coluna Fala Psico, conteúdos informativos/educativos sobre as enfermidades psiquiátricas. Esses excertos, por exemplo, foram extraídos da respectiva coluna, mais especificamente da publicação Superando a ansiedade e Medo do Coronavírus.

Os enunciados destacados, na materialidade, mais uma vez enunciam a ansiedade patológica em torno de um acontecimento discursivo particular: a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), causador da Covid-19. Estes, por seu turno, denunciam a discursivização dos acontecimentos históricos em torno da Covid-19, da ansiedade patológica e dos cuidados com a saúde psicológica, de modo que se constituem como discursos que compõem a mesma formação discursiva.

Aproximando-nos dos apontamentos teóricos de Foucault (2017FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017. ), é possível perceber que, nesta formação, há a mobilização de todo um arsenal discursivo que auxilia na constituição do objeto da ansiedade em tempos de pandemia. Inicialmente, a especificidade em torno da ansiedade e do sujeito mentalmente adoecido, nos enunciados, fazem-se em virtude da voz que enuncia, a do sujeito psicólogo, um profissional validado e autorizado a proferir tais discursos pela as instituições da saúde mental.

Essa validação é marcada com mais ênfase nos seguintes enunciados: “[...] Como Psicólogo (CRP16-6797), aprendi que [...]” e “[...] E como Psicólogo Comportamental, sei que [...]”; nestes, o termo “Psicólogo” acompanhado do número de inscrição no Conselho Regional de Psicologia (CRP) e da área de atuação (“Comportamental”) conferem o caráter “verdadeiro” à publicação ao embasar-se numa vontade de verdade social e institucionalmente aceita. Partindo de Foucault (2014aFOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura de Fraga de Almeida Sampaio. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014a.), é possível compreender que sem o respaldo científico dessa voz, correria o risco de a enunciação não ser autorizada/aceita na ordem do discurso médico-científico dos tempos hodiernos, o que ocasionaria a não aceitação pelo público à medida em que este não a enxergaria como uma “informação consistente”.

Além disso, os termos “aprendi que” e “sei que” não só corroboram a validação, como também ressoam, na voz do sujeito-enunciador, os saberes da própria instituição médico-psiquiátrica, que modulam e controlam a emergência de saberes médicos específicos em torno da referida psicopatologia. Desse modo, afirmar que a ansiedade provém do medo e é um instinto natural, evolutivo e contagioso (“[...] a ansiedade e o pânico nascem do medo. [...] A principal função evolutiva do medo é para nos ajudar a sobreviver.”; “Nossa própria ansiedade pode ser atenuada ou desencadeada simplesmente conversando com alguém que está ansioso [...].”) e explicitar a emergência da psicopatologia a partir do funcionamento cerebral (“[...] a ansiedade surge quando o nosso córtex pré-frontal não tem informações suficientes para prever com precisão o futuro.”), bem como comparar os graus de imprevisibilidade a outras doenças (tais como a mortalidade causada pela dengue) denotam a existência de um saber médico específico em torno da ansiedade patológica que foi constituído não aleatoriamente, mas, sim, a partir de observações e estudos específicos da medicina e da psiquiatria.

Em suma, compreender a ansiedade patológica como um “[...] sentimento de preocupação, nervosismo ou desconforto, geralmente sobre um evento iminente ou algo com um resultado incerto [...]” que oferece sofrimento, insere este sentimento num processo de objetivação modulado pelos saberes e pelos poderes médico-psiquiátricos, mais especificamente dos dispositivos psiquiátricos. Assim, embasados em vontades de vontade de cunho científico discutidos anteriormente por Foucault (2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.), tais dispositivos constroem os modos de ver e enunciar a ansiedade enquanto patologia, que, por sua vez, objetiva o transtorno como um objeto de intervenção médica, além de delimitar quais comportamentos são adequados (ou não), isto é, a norma dentro do escopo desse objeto discursivo. Tais observações podem ser melhores evidenciadas nos enunciados da materialidade abaixo.

Lançado em março de 2020, logo no início da instauração da pandemia pela OMS (2020WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): situation report 51. Situation Report -51. [S.l.]: WHO, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situationreports/20200311-sitrep-51-covid-19.pdf?sfvrsn=1ba62e5710 . Acesso em: 26 maio 2020.
https://www.who.int/docs/default-source/...
), o podcast que segue discute acerca da saúde mental na em tempos de isolamento social, trazendo como tema específico os episódios de ansiedade na quarentena. Assim sendo, na materialidade abaixo, transcrevemos alguns trechos da entrevista desenvolvida entre Luiz Fugita (mediador) e a psicóloga clínica e professora universitária Júlia Daher Fink para o canal Drauzio Varella, no Youtube:

Figura 2
Podcast Entrementes: Ansiedade na Quarentena

A materialidade destacada, como podemos identificar, não só discursiviza o transtorno de ansiedade, como, também, objetiva o corpo ansioso sob a ótica médico-psiquiátrica. Primeiramente, a própria disposição verbo-visual dos enunciados já fazem emergir sentidos específicos em torno da área médica: a figura que representa uma cabeça branca delimitam o local do corpo que resguarda o órgão principal responsável pelos pensamentos (o cérebro), enquanto que os fones, também em tons de branco, literalmente “materializam” a “mediação” entre o podcast e os sujeitos por vias auditivas.

Focalizando o cérebro, este é representado pela cor laranja, a mesma utilizada no plano de fundo da materialidade, fato esse que nos leva a entrever que o conteúdo disposto no áudio é o mesmo que se passa na “cabeça” representada, ou vice-versa. Tal estratégia enunciativa, por sua vez, retoma e corrobora o próprio título do podcast, Entrementes, isto é, uma conversa “Entre” sujeitos empíricos (compostos por “mentes”), que ocorre de modo coloquial, com fácil entendimento (Entre-m-Entes, ao passo em que o termo “ente” compreende pessoas com laços familiares próximos), tendo, por fim, a mente como pauta, mais especificamente, a Ansiedade na Quarentena.

Quanto à transcrição dos enunciados orais do podcast, observamos, de modo específico, a voz do sujeito psicólogo sendo convocada mais uma vez para enunciar acerca do transtorno de ansiedade, fato que confere veracidade à enunciação. Isso posto, o que singulariza esta materialidade em relação a figura 1 é a cena enunciativa, que dispõe as informações a partir do suporte predominantemente auditivo, e as articula por meio do gênero entrevista, isto é, mediante o “jogo” de perguntas e respostas entre as posições-sujeito do mediador e da psicóloga, Júlia Daher Fink. Dentre tantas - mas, focalizando o objetivo de análise anteriormente proposta: a norma -, selecionamos o seguinte questionamento: “Dentro desse espectro do transtorno de ansiedade, queria que você dissesse, nesse caso da quarentena, que tipo de ansiedade é essa que pode aparecer?”. Este, em particular, elenca os sintomas do transtorno de ansiedade passíveis de emergirem em tempos de pandemia, de modo a citar as nuances sintomatológicas (espectro) que separam a doença da normalidade.

Desse modo, para classificar os sujeitos como portadores ou não da ansiedade patológica, e, consequentemente, medicalizar11 11 Utilizamos o termo “medicalizar” analogamente ao conceito de medicamento, medicação. os que venham a apresentar sintomas de sofrimento psíquico, são mobilizadas no dispositivo, primeiramente, as ideias de norma, apontadas anteriormente por Caponi (2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114.). Como visto, no caso do diagnóstico do quadro de ansiedade as concepções de normal e anormal mostram-se de extrema importância e delicadeza, visto que a referida psicopatologia é, também, um sentimento natural e intrínseco à constituição do ser humano, sendo elencada como patologia apenas em graus que causam sofrimento psíquico.

Desse modo, os sintomas podem apresentar-se de formas distintas para cada sujeito, tendo em vista que dependem tanto da forma em que o indivíduo (em termos empíricos) lida com as próprias emoções, quanto do modo em que as crises reagem no próprio corpo. É com base nessa percepção que o discurso da psicóloga destaca “No contexto de pandemia há pessoas que vão ser mais facilmente identificadas como ansiosas do que outras [...]”, pois “[...] tem a ver com o medo bastante grande de contaminação e uma certa visão pessimista sobre como que a doença pode afetar a si, e como pode afetar outras pessoas em volta, né... [...].”.

De modo geral, os principais sintomas são: “[...] insônia, consumo alimentar, aumento de pensamentos intrusivos, pessimistas... [...] irritação, [...] dificuldade com o convívio social.”, entre outras. Tal fato faz com que os quadros de ansiedade serem entendidos como espectros, isto é, uma classificação geral da própria norma da doença. Ao tentar definir médias para regulamentar os corpos, é possível dizer que o ato de classificação desempenhado pela norma, no caso supracitado, constitui-se como uma estratégia biopolítica, partindo dos postulados de Foucault (2010aFOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010a.). Porém, quando os sujeitos são incluídos no quadro da anormalidade - fato que implica a diminuição do rendimento dos sujeitos em detrimento ao estado de doença -, o dispositivo produz estratégias de saber-poder, que, embasadas em técnicas biopolíticas, buscam a normatização dos corpos mediante as exigências do sistema capitalista vigente: sujeitos aptos, ágeis, úteis e dóceis para o trabalho.

Assim, aliados à norma, emergem outras estratégias que atuam em consonância e sujeitam os corpos mediante o disciplinamento e a regulamentação, que são: o exame e a vigilância. Estes,correspondem, respectivamente, ao ato de examinar os comportamentos e manter os sujeitos, constantemente, atentos aos possíveis sintomas. Nesse ínterim, vale salientar que, para atender aos ideais da contemporaneidade - prevenir e/ou tratar os quadros de ansiedade patológica o quanto antes, de acordo com Caponi (2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114.) e Sibilia (2002SIBILIA, P. Biopoder. Em: SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relune Dumará, 2002.) -, a classificação, o exame e a vigilância em tempos de pandemia se fazem cada vez mais precoce, pois, como pontuado na materialidade: “[...] é importante [...] falar sobre isso porque [...] quem ainda não está sentindo os efeitos de ansiedade e de angústia, podem vir a começar a apresentar.”.

Sob a prerrogativa da prevenção, podemos retomar os postulados de Caponi (2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114.) quando cita que as práticas psiquiátricas, na biopolítica contemporânea, embasam-se no discurso do risco, isto é, “[...] nas promessas de um saber médico e psiquiátrico obcecado por antecipar os riscos.” (p. 98). Desse modo, a divulgação das informações quanto ao que é normal/anormal nos níveis da ansiedade, aliadas a técnicas de si que agenciam o autoconhecimento, na pandemia, constituem-se como estratégias de prevenção contra a emergência/agravamento de casos de ansiedade patológica.

Considerando tanto a possibilidade de adoecimento psicofisiológico crescente e em massa dado o cenário incerto de pandemia, bem como a dificuldade de acesso ao atendimento especializado em virtude do isolamento social, algumas estratégias de (auto)governo dos sujeitos foram lançadas por parte dos órgãos da saúde mundial, a exemplo da OMS (2020WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): situation report 51. Situation Report -51. [S.l.]: WHO, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situationreports/20200311-sitrep-51-covid-19.pdf?sfvrsn=1ba62e5710 . Acesso em: 26 maio 2020.
https://www.who.int/docs/default-source/...
). Um dos primeiros materiais publicados pela instituição médica supracitada que atentou, especificamente, para a manutenção da saúde psicológica durante a pandemia foi disposto em março de 2020, sob o título Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak. Este contém orientações para diferentes grupos, a saber: população em geral (tais como crianças, adultos, sujeitos com condições de saúde subjacentes e seus cuidadores, entre outros), profissionais da saúde, líderes governamentais.

De modo geral, tais orientações versam entre recomendações que possibilitam tanto o governo de si em meio ao isolamento e/ou ao acometimento da doença, bem como o governo do outro, seja pelo direcionamento quanto aos cuidados e responsabilidades das instituições médico-psiquiátricas e governamentais, ou do cuidado do sujeito perante o outro. O resumo de tais diretrizes (adaptadas para o sujeito ansioso) podem ser encontradas na figura 3, abaixo:

Figura 3
Excertos do texto Como lidar com a ansiedade na quarentena

Diferentemente da figura 1, que focaliza o questionamento do fluxo de pensamentos pelo próprio sujeito, as dicas supracitadas, adaptadas pelo Vittude Blog, compartilham apontamentos que se fazem de suma importância para a manutenção do bem estar de si e do outro, o qual não se restringem ao controle do comportamento dos sujeitos consigo mesmo, dentro do confinamento do lar. Estas dicas, em particular, fizeram-se necessárias em razão das circulação exponencial de informações, e, principalmente, da propagação de alguns discursos que cultivam o ódio, fomentadas, em sua maior parte, pelo consumo/compartilhamento de Fake News, nos meios virtuais. Em reflexo a isso, a saúde psicológica foi e está sendo, direta e negativamente, atingida.

Nesse sentido, as primeiras dicas contidas na materialidade orientam que os sujeitos evitem consumir em excesso as informações ao longo do dia (dica 1, “Filtre as informações sobre o assunto”), visto que tais fatos sobrecarregam o equilíbrio psicofisiológico dos sujeitos. Isso posto, sugerem também a prática da solidariedade a partir de atos que assistam ao próximo, a exemplo de ligações e da propagação de histórias positivas (dica 3, “Seja solidário”; dica 4, “Compartilhe histórias positivas”).

Além dessas, as demais dicas focalizam o cuidado do sujeito para consigo mesmo, isto é, com o corpo físico - prática de atividades físicas e exercícios de respiração (7, “Faça exercícios físicos”; 8, “Faça exercícios de respiração”), que culminam na melhora dos quadros de ansiedade, na regulamentação do sono, etc -; e o psíquico - a partir de atividades que estimulem a resiliência e a meditação (2, “Leia livros e assista filmes”; 5, “Expresse o que você sente por meio de atividades”), bem como psicoterapia online (9, “Faça terapia”) e demais atividades que deem prazer. Unidas a essas dicas, a posição que enuncia elenca, ainda, os cuidados com o ambiente externo, tais como organização da casa e o estabelecimento de uma rotina (6, “Crie uma rotina”), por exemplo, que auxiliam na organização da mente ao longo do isolamento.

Em suma, a união de tais dicas auxiliam na manutenção da saúde mental a partir das práticas de governamento dos sujeitos, seja de si ou do outro. Assim como pontuado anteriormente na análise da figura 2, essas indicações de “como seguir/comportar”, evidenciadas a partir dos verbos no imperativo, desvelam, também, estratégias de disciplinamento que, embasados em ideais biopolíticos de manutenção da vida, estipulam sutilmente normas, e fazem com que os sujeitos, autonomamente, examinem e vigiem os próprios pensamentos e os comportamentos. Neste caso, o governo dos sujeitos é mediado pela leitura das materialidades - fato que aproxima à técnica foucaultiana de leitura (ou biblioterapia) -, de modo que os sujeitos apreendem arquétipos de valores e condutas específicos. Partindo disso, é oportuno esmiuçar como ocorre esse modus operandi do governamento dos corpos ansiosos a partir da ótica foucaultiana.

No caso dos enunciados da figura 3, é notável que o governo dos sujeitos ansiosos efetiva-se a partir de dicas que orquestram o comportamento tido como adequado para que este sujeito desenvolva uma boa saúde mental. Estas dicas incorporam a função do que Foucault (2011FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2011.) denominou de técnicas de si, uma vez que agenciam a atuação do sujeito sobre si mesmo, isto é, modula a prática de atividades de exame, vigilância e disciplinamento do corpo ansioso no intuito de controlar e/ou prevenir as eventuais crises; além de modular a sua própria atitude em relação à manutenção da saúde mental do Outro. Nesse sentido, podemos compreender esmiuçadamente a atuação das nove dicas enquanto técnicas de si nas linhas que seguem.

Inicialmente, percebemos que a primeira estratégia apontada na materialidade se constitui em torno da proteção mental às fake news em virtude da urgência em conter as problemáticas ocasionadas pelo consumo e disseminação desordenada de notícias falsas (epidemia da desinformação), um dos principais intensificadores da atmosfera de medo e ansiedade nos tempos hodiernos. Para tanto, são delineadas dicas de como selecionar as fontes e regrar o acesso às informações a partir da definição de horários específicos para tal. Desse modo, compreendemos que o controle autônomo sobre si a partir da vigília quanto a veracidade e fonte das informações, bem como a renúncia à leitura de publicações não confiáveis refletem a atuação da bioascese, visto que o jogo constante entre a vigília e a renúncia buscam proteger a saúde mental do próprio sujeito.

Ao incidir sobre o principal agravante dos quadros de ansiedade, as demais dicas focam o governo de si dos sujeitos ansiosos passíveis de serem desenvolvidas mesmo diante das restrições do isolamento: atividades físicas e respiratórias no espaço do lar, organização da casa, meditação, entretenimento, além do desenvolvimento de atividades que envolvem a expressão, tais como a escrita e leitura. Estas ações, mais uma vez, entrelaçam a ações estratégicas da biopolítica contemporânea, pois, a partir do agenciamento de si e mediadas pelas virtualidades, colocam mais uma vez em prática as técnicas bioascéticas, mediadas pela (falsa) autonomia no controle do próprio corpo.

Dentre as atividades supracitadas, devemos destacar a meditação e as atividades de expressão, leitura e escrita, haja vista que observamos o funcionamento de duas ou mais técnicas de si. Dito isso, apontamos, primeiramente, para a meditação. Esta proporciona não somente o relaxamento físico e psicológico dos sujeitos, mas, também, mobiliza todo um arsenal de vigilância, controle e purificação dos pensamentos mediada pelo exame de consciência.

Atreladas a isso, se estabelecem também a escrita e a leitura de textos diversos, incluindo os autorais. Nestas duas práticas, percebemos o funcionamento das quatro técnicas citadas neste artigo, a partir de Foucault (2011FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2011.), pois, em ambos, repousam os exercícios o exame-confissão proporcionados pela escrita e leitura (denominado pelo filósofo de escrita de cartas). Tendo a si próprio como objeto de ação, as técnicas de escrita e a leitura levam os sujeitos não somente a ocuparem-se consigo, mas, também, refletir sobre si (técnica de exame de consciência), isto é, a objetivar os pensamentos a partir das atividades de externalização (técnica de confissão) e cartase destes.

Partindo das técnicas supracitadas, especialmente o exame-confissão, podemos citar também a última dica, “Faça terapia”. No momento da sessão terapêutica, o processo de cura é agenciado pelo jogo constante entre o exame de consciência e a confissão ao profissional da saúde psi, que implica, posteriormente, a modulação dos comportamentos e pensamentos, tendo por base as premissas dispostas pela bioascese. Como reflexo do cuidado de si, o cuidado do Outro é reclamado, nesse momento, a partir de atitudes empáticas, como delineadas nas dicas 3 e 4. Desse modo, o auxílio ao outro se constitui como uma forma de compensar o sofrimento e fortalecer o psicológico de ambos mediante a criação de uma espécie de corrente de apoio, cuja a aproximação (mesmo distante) dos sujeitos faz diminuir a sensação de isolamento, e, consequentemente, expande a atmosfera de acolhimento.

Mediante as reflexões tecidas anteriormente, consideramos que tais indicações de “como seguir/comportar” desvelam, portanto, estratégias de disciplinamento que, embasados em ideais biopolíticos de manutenção da vida, estipulam sutilmente normas, e fazem com que os sujeitos, autonomamente, examinem e vigiem os próprios pensamentos e os comportamentos. Assim, por serem articuladas e veiculadas em ambientes virtuais (página Vittude Blog), essas estratégias acabam por se apresentar e atuar de modo difuso, remoto, instantâneo e controlador. Como consequência, se enquadram nos moldes das Sociedades de Controle, elencadas por Deleuze (2000DELEUZE, G. Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle. Em: DELEUZE, G. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. 1. ed., 3. reimp. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000. p. 1-4.).

4 Ansiedade na despedida e alívio: últimas considerações

Como visto anteriormente, todas as instâncias delineadas como problemáticas, a exemplo dos medos e angústias evocados pelo novo coronavírus, o isolamento e as demais questões sociais, não só corroboram a emergência de psicopatologias, mas, também, intensificam a atmosfera de ansiedade que já permeava a sociedade contemporânea. Como prevenção e/ou contenção do adoecimento psicológico, tal cenário reclama das intituições médico-psiquiátricas ações biopolíticas estratégicas que, ao incidir sob os corpos, predefinem modos de agir e comportar dos sujeitos ansiosos, assim como visualizado nas materialidades supracitadas.

De modo geral, o corpus analisado evidenciou que os modos de governamentalidade do sujeito ansioso pautam-se em um governo reflexivo de si sobre si, cada vez mais virtualizado e mediado por práticas de bioascese, que ocorrem nos espaços das casas dos sujeitos. Em virtude do isolamento social, à medida em que os quadros de ansiedade tendem a aumentar, a internet também passa, de modo crescente, a configurar-se como o meio de informação e comunicação mais acessível para esses sujeitos. É, portanto, por este motivo que tantas páginas, principalmente as de cunho médico-psiquiátrico - tais como o blog (Vittude Blog) e o canal no Youtube (Entrementes - Canal Drauzio Varella) -, estão ganhando mais visibilidade nestes tempos.

Para auxiliar, à distância, na prevenção e no controle das crises, estas páginas oferecem informações e dicas em torno da temática do transtorno de ansiedade, as quais, sob a perspectiva do discurso, deixam entrever o funcionamento do dispositivo médico-psiquiátrico. Assim, ao passo em que tais materialidades explicitam o conceito do transtorno (figura 1 e 2), bem como predefinem o que fazer e como seguir (figura 3), estas também iluminam estratégias biopolíticas específicas, que, embasadas em saberes, poderes e normas médico-psiquiátricos, acabam por governar os sujeitos.

Nesse processo de governamento, o sujeito é convocado a atuar sobre si, de modo ativo, como pudemos perceber na figura 3. Portanto, é neste momento que as técnicas de si (exame de consciência, confissão, ascese, escrita e leitura de cartas) emergem estratégica e concomitantemente, pois, a partir do exercício do autocuidado - tais como o exame e a vigilância dos pensamentos, o autoconhecimento mediante a terapia ou a prática de esportes, leitura, escrita etc -, estes sujeitos conseguem, eventualmente, manter a boa saúde mental no conforto dos seus lares, mesmo em tempos de pandemia.

Contudo, asseveramos que essa espécie de “autoterapia” mobilizada pelos suportes das mídias virtuais não exclui a necessidade do acompanhamento do profissional especializado. Dito isso, econsiderando a discursivização recente/crescente de tais patologias (ansiedade patológica gerada pela pandemia do Covid-19), é premente que os olhares em torno deste objeto de pesquisa não se encerrem apenas a estas páginas, podendo, portanto, os próximos estudos aprofundar tais discussões, como, também, enveredar por outros vieses de análise.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

Referências

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  • 1
    Dados fornecidos pela Universidade de São Paulo - USP numa entrevista ao site CNN Brasil (2021). Tais estudos encontram-se em fase de publicação.
  • 2
    Conforme Revel (2005REVEL, J. Michael Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlos Piovesani. São Carlos: Claraluz, 2005.), os acontecimentos podem ser compreendidos como conjunto finito de séries discursivas que emergem a partir de rupturas históricas singulares.
  • 3
    Os discursos não podem ser tratados como elementos contínuos, que evoluem, uma vez que “[...] se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem [...].” (FOUCAULT, 2014aFOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura de Fraga de Almeida Sampaio. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014a., p. 52-53).
  • 4
    Regularidades podem ser compreendidas como fenômenos que, entre os discursos, se pode estabelecer nexos de “[...] causalidade mecânica ou de necessidade ideal [...].” (FOUCAULT, 2014aFOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura de Fraga de Almeida Sampaio. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014a., p. 59).
  • 5
    Embora tenha sido finalizada no século XVIII, mais especificamente, com a Revolução Industrial, não se sabe ao certo quando a sociedade soberana foi instaurada. Focalizando as investigações, em grande parte, na Idade Média, os estudos foucaultianos sugerem que a origem dessas sociedades se deu na tragédia grega, visto que era possível observar um poder “[...] real, total, soberano, correspondente a busca da verdade como aquela forma de saber que se tem de adquirir, transmitir, evocar, distribuir, reproduzir [...].” (ARAÚJO, 2008ARAÚJO, IL. Foucault e a crítica do sujeito. 2. ed. Curitiba/PR: Editora UFPR, 2008., p. 119). Isso posto, a sociedade soberana foi caracterizada, por Foucault (2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.), como uma sociedade na qual o poder se estabelecia mediante as vontades do rei, isto é, do soberano, de modo que um dos principais mecanismos de hierarquia e separação constituíam-se em torno do poder simbólico do sangue (SIBILIA, 2002SIBILIA, P. Biopoder. Em: SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relune Dumará, 2002.). Desta feita, ao rei era incubido o governo da vida e da morte dos súditos. Este detinha o direito de julgar o sujeito, de modo que poderia “[...] causar a morte [...]” ou “[...] deixar viver [...]” os casos que achasse válido (FOUCAULT, 2018FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. Em: FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque, J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018., p. 146, grifos do autor).
  • 6
    Dito isso, Caponi (2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114.) alerta que não se pode confundir o termo biopolítica com o conceito de política tradicional. Mais do que isso, a biopolítica é uma instância de poder que governa os sujeitos em prol do “[...] fazer viver e deixar morrer [...]”, limitando “[...] a condição humana a processos biológicos [...]”, enquanto a política em si é entendida como um “[...] governo de si, como espaço de constituição ética e política da subjetividade [...]” mediada pelo “[...] diálogo argumentativo, essencial para a construção do espaço político [...].” (CAPONI, 2013CAPONI, S. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos. Em: CAPONI, S et al. A medicalização da vida como estratégia biopolítica. São Paulo: LiberArs, 2013. p. 97-114., p. 106-107).
  • 7
    A medicina, nesse ínterim, é a responsável pela inserção estratégica de saber-poder sobre este para que o cuidado de si se estabeleça eficazmente (FOUCAULT, 2019bFOUCAULT, M. História da sexualidade III: O cuidado de si. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. 6. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra , 2019b.).
  • 8
    Para falar no cuidado de si, Foucault (2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b.) retoma a cultura grega, em que tinha a epimeléia heautoû como desígnio para o “cuidado de si”. Este termo se desmembra em mais duas concepções, que são: o “conhece-te a ti mesmo” (gnôthi seautón) e o “ocupa-te a ti mesmo” (ação consequente ao gnôthi seautón). Portanto, o processo de conhecer a si e, consequentemente, ocupar-se consigo permitem que o sujeito chegue ao cuidado de si (FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2010b.).
  • 9
    Práticas em que mantém os sujeitos em constante vigília e a renúncia aos desejos do corpo consideradas prejudiciais. Nestas, o próprio “[...] corpo [...] faz a lei para o corpo [...].” (FOUCAULT, 2019bFOUCAULT, M. História da sexualidade III: O cuidado de si. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. 6. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra , 2019b., p. 165). Historicamente, as asceses são provenientes de uma espécie de antigos manuais, conhecidos popularmente como as “artes de viver” ou “artes de conduta”. Estes surgiram na Antiguidade Clássica, nos períodos romanos e helenísticos.
  • 10
    Esta, a bioascese, é um termo cunhado por Ortega (2008ORTEGA, F. O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, 256p.) e compreende modelos de conduta que, sob a prerrogativa da saúde e do corpo perfeito, atualizam as antigas asceses, de modo que o sujeito passa a ser responsável pelo cuidado de si. Para tanto, o sujeito se “[...] autocontrola, auto-vigia e auto-governa. [Assim sendo,] Uma característica fundamental desta atividade é a auto-peritagem. O eu que ‘se pericia’ tem no corpo e no ato de se periciar a fonte básica de sua identidade.” (ORTEGA, 2008ORTEGA, F. O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, 256p., p. 32, grifos do autor) na sociedade de controle.
  • 11
    Utilizamos o termo “medicalizar” analogamente ao conceito de medicamento, medicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2020
  • Aceito
    23 Jun 2021
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