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Indexicalidade, poder e metapragmáticas da viadagem: dispositivo gaydar

Indexicality, Power, and Metapragmatics of Queerness: Gaydar Apparatus

RESUMO:

Este artigo objetiva discutir o gaydar enquanto exercício de poder, tomando como base o conceito de dispositivo por Foucault (2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9).) e Agamben (2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo. Tradução de Nilcéia Valdati. Outra Travessia, Florianópolis, v. 5, p. 9-16, 2005.). Não parto da premissa de que seja possível identificar a sexualidade dos sujeitos como Rule (2011RULE, N. O. The Influence of Target and Perceiver Race in the Categorisation of Male Orientation. Perception, London, v. 40, n. 7, p. 830-839, 2011.) e Sulpizio et al. (2020 SULPIZIO, S. et al. Auditory Gaydar: Perception of Sexual Orientation Based on Female Voice. Language and Speech, London, v. 63, n. 1, p. 184-206, 2020.). Ao contrário, investigo o gaydar como um dispositivo histórico utilizado para o exercício do poder, do saber. Para isso, analiso um comercial de uma companhia de seguro: Adão e Eva no paraíso. Primeiramente, relaciono o gaydar às concepções de performatividade de gênero e de sexualidade. Em seguida, discuto como o perfilamento linguístico ( BAUGH, 2003BAUGH, J. Linguistic Profiling. In: MAKONI, S.; SMITHERMAN, G.; SPEARS, A. K.; BALL, A. (ed.). Black Linguistics: Language, Society, and Politics in Africa and the America. New York: Routledge, 2003. p. 155-168.) e a indexicalidade ( SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.) atuam como técnicas de poder investidas por este dispositivo. Por fim, aponto como as metapragmáticas ( SIGNORINI, 2008SIGNORINI, I. Metapragmáticas da língua em uso: unidades e níveis de análise. In: SIGNORINI, I. (org.). Situar a linguagem. São Paulo: Parábola, 2008. p. 117-148.) são relevantes para compreender o uso do gaydar ao analisar um comercial de seguros que culmina na apresentação de diversos dispositivos para seu domínio.

PALAVRAS-CHAVE:
gaydar; dispositivo; poder; indexicalidade; metapragmática

ABSTRACT:

This article aims to discuss the gaydar as an exercise of power, based on the concept of apparatus by Foucault (2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9).) and Agamben (2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo. Tradução de Nilcéia Valdati. Outra Travessia, Florianópolis, v. 5, p. 9-16, 2005.). I do not suppose that is possible to identify one’s sexuality like Rule (2011RULE, N. O. The Influence of Target and Perceiver Race in the Categorisation of Male Orientation. Perception, London, v. 40, n. 7, p. 830-839, 2011.) e Sulpizio et al. (2020 SULPIZIO, S. et al. Auditory Gaydar: Perception of Sexual Orientation Based on Female Voice. Language and Speech, London, v. 63, n. 1, p. 184-206, 2020.) do. On the contrary, I investigate the gaydar as a historical apparatus used to exert power, knowledge. To do so I analyse a commercial of an insurance company named Adam and Eve. Firstly, I relate gaydar to the performative conceptions of gender and sexuality. Secondly, I discuss how linguistic profiling ( BAUGH, 2003BAUGH, J. Linguistic Profiling. In: MAKONI, S.; SMITHERMAN, G.; SPEARS, A. K.; BALL, A. (ed.). Black Linguistics: Language, Society, and Politics in Africa and the America. New York: Routledge, 2003. p. 155-168.) and indexicality ( SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.) act as power techniques invested by this device. Finally, I point out how metapragmatics ( SIGNORINI, 2008SIGNORINI, I. Metapragmáticas da língua em uso: unidades e níveis de análise. In: SIGNORINI, I. (org.). Situar a linguagem. São Paulo: Parábola, 2008. p. 117-148.) are relevant to understanding the use of gaydar when analyzing an insurance commercial ending with the presentation of several apparatus for its control.

KEYWORDS:
gaydar; device; power; indexicality; metapragmatics

Como se a gente se reconhecesse… O cara me reconheceu até antes de eu ter consciência de que eu era gay. É uma coisa de treino também. Eu acho que tem um certo padrão comportamental, alguma coisa que se repete em todos eles. A gente fala que sente “o cheiro da mexerica”.

(Rubens, entrevistado por MODESTO, 2006MODESTO, E. Vidas em arco-íris: depoimentos sobre a homossexualidade. Rio de Janeiro: Record, 2006., p. 122)
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Aspectos iniciais sobre o gaydar

Este artigo traz uma análise discursiva sobre a sexualidade no comercial “Adam & Eve” (Adão e Eva), de uma empresa de seguros holandesa, em que Adão performa um homem “afeminado” ( ADAM…, 2008ADAM and Eve the Gay Version Central Beheer. [S. l.: s. n], 2008. 1 vídeo (1 min). Publicado pelo canal comedytuberu. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8JN2tx3ad5E. Acesso em: 22 mar. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=8JN2tx3a...
). Proponho, dessa maneira, abrir uma discussão não em torno de gênero e sexualidade especificamente, mas do gaydar. De fato, objetivo problematizar o funcionamento de um “radar” para identificar a homossexualidade resumida a estilizações ou performances dos corpos que funcionam no imaginário como “índices referenciais” da sexualidade. Estes índices podem também ser compreendidos como tipos de outing 1 1 “Fazer o outing” significa avaliar ou supor uma homossexualidade de alguém através de seus atos, ou seja, um elemento próprio do gaydar. É o momento em que se desconfia da homossexualidade de uma pessoa porque ela apresenta algum tipo de traço “duvidoso” como voz, gostos, objeções etc. . O objetivo não é discutir a efetividade do gaydar, uma vez que o compreendo como parcial, caótico, contaminado e ineficazmente fundado nos discursos com base em estereótipos de gênero e sexualidade ( NEVES JÚNIOR, 2012NEVES JÚNIOR, M. M. A performatividade do gaydar no livro “Cuidado! Seu Príncipe pode ser uma Cinderela. Guia prático para identificar um gay no armário”. 2012. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. p. 181.).

Assim, o gaydar é um termo oriundo da aglutinação entre as palavras gay e radar. Justifica-se costumeiramente por ser um “radar” que “permite” identificar homossexuais. Parte-se do pressuposto de que, ao olhar, conversar ou conviver com alguma pessoa, mesmo que por pouco tempo, o gaydar seja capaz de fazer o outing, ou seja, perceber alguma característica comum a todas as gays ou lésbicas, bem como a fala de Rubens na epígrafe deste texto nos mostra. O fato de um rapaz, por exemplo, colocar uma das mãos ‘entre’ o peito ao expressar um momento de surpresa pode ser um índice definidor de homossexualidade não revelada. A forma de andar, o modo de se vestir, a preferência musical e os maneirismos também podem ser outros traços, coadunados ou não, decisivos para as pessoas que acreditam no uso do gaydar enunciarem ou “perceberem” a sexualidade não-hegemônica de alguém, uma vez que é esperado que o homem, além de ser heterossexual, performe uma masculinidade hegemônica ( NEVES JÚNIOR, 2012NEVES JÚNIOR, M. M. A performatividade do gaydar no livro “Cuidado! Seu Príncipe pode ser uma Cinderela. Guia prático para identificar um gay no armário”. 2012. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. p. 181., 2020NEVES JÚNIOR, M. M. Ideologias linguísticas em performances de gênero, sexualidade e desejo em interações para encontros sexuais. In: SILVA, A. da; GIMENEZ, P. R.; CANEDO, R. M.; DAMASCENO-MORAIS, R. (org.). Linguística em Foco. Pesquisas 2020. Goiânia: Cegraf UFG, 2020. p. 218-237.).

Assim, esse “radar” lida com algo que foge às expectativas heteronormativas da vida social, causando certo estranhamento inesperado à forma organizacional em que a heteronormatividade é a regra de se viver. Devemos considerar o gaydar, então, como um dispositivo de linguagem e de sexualidade que foi possibilitado dentro de um acúmulo de enunciados, ou de uma conjuntura histórica arquitetada para seu surgimento. Em outras palavras, existe um pano de fundo na História Ocidental que possibilita a construção de um gaydar e, por se tratar de um mecanismo ou dispositivo histórico, ele jamais pode ganhar características de uma natureza pura e previamente concebida ou garantida aos sujeitos que de suas relações fazem parte. Ao contrário, ele só pode ser considerado produto das relações sociais, instauradas por uma emergência histórica que prepara o espaço para seu acontecimento.

Compreendo dispositivo, ligado ao pensamento de Foucault (2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9).), como uma rede que é estabelecida entre um conjunto de dizeres ora performados pelo dito enunciável, ora pelas marcas de visibilidades, englobando um conjunto heterogêneo de discursos, que podem ser leis, conversas informais, redações escolares, material jornalístico etc. O dispositivo surge para responder à determinada demanda ou urgência social, por ser também disciplinar e estabelecer tanto o controle quanto a dominação dos sujeitos. Todo dispositivo opera sob funções estratégicas que asseguram determinada matriz e justificam quem lhe escapa, diferenciando o que é aceitável e não aceitável em sua trama. O dispositivo gaydar se faz por aquilo que é discursivo nos enunciados e por aquilo que é discursivo na visibilidade, nos maneirismos, por exemplo. Em outras palavras, o dispositivo tem “operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder” ( REVEL, 2005REVEL, J. Dispositivo. In: REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez e Carlos Piovesani. São Carlos: Claraluz, 2005. p. 39-40., p. 39).

Logo, o aparecimento do gaydar é discursivo, isto é, instaurado pelas relações sociais enxarcadas de linguagem; não é um produto natural dos sujeitos, o que o torna um dispositivo, pois apareceu em dada época em decorrência de diversos acontecimentos, no plano discursivo, que lhe serviram de base, como o dispositivo de sexualidade ( FOUCAULT, 2006FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhón Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006.).

Nesse sentido, o gaydar é um objeto que ganhou vida e se materializou somente pela linguagem da História Moderna, através de uma história da sexualidade ou mesmo das próprias identidades sexuais que surgiram a partir do século XIX. Por um lado, o gaydar é uma das estratégias ou técnicas de poder do dispositivo de sexualidade, mas, por outro, tem operadores de dominação de poder-saber o suficiente para emergir como mais um dispositivo discursivo de biopoder sobre “sexualidades saudáveis”. Portanto, parte de sua emergência se encontra no dispositivo de sexualidade porque, segundo Foucault (2015cFOUCAULT, M. Precisões sobre o poder. Resposta a certas críticas. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015c. p. 264-274. (Ditos e escritos, v. 4)., p. 270), “tudo nasce de outra coisa. E não há poder, mas sim relações de poder que nascem, necessariamente, como efeitos e condições de outros processos”.

Para essa discussão, contudo, é pressuposto, o conceito de performatividade como uma propriedade da linguagem em que todo ato de dizer é um fazer performativo ( AUSTIN, 1976AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. Massachusetts: Cambridge, 1976.) que altera a realidade do mundo, dos sujeitos e da própria interlocução à medida que é iterado, citado, incluído em outros dizeres, em outros discursos que se apóiam para que efeitos sejam garantidos ( DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Assinatura e acontecimento. In: DERRIDA, J. Limited Inc. Tradução de Constança Marques Cesar. São Paulo: Papirus, 1991. p. 11-37.).

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Gaydar, performatividade e corpo

De acordo com Butler (2006BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 2006., p. 45, tradução nossa), “gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos dentro de uma estrutura reguladora rígida que se enrijecem ao longo do tempo para produzir a aparência de substância de um modelo natural de ser”. Se sujeitos são construídos por meio da linguagem, inserir a diferença entre biológico e cultural referente ao sexo e ao gênero faz que a própria categoria sexo também seja uma categoria social e, portanto, performativa, porque não é produzida fora das redes discursivas que cooptam os sujeitos às diversas relações de poder. Dessa forma, o efeito de gênero, ou de um corpo generificado como masculino ou feminino, é resultado de uma produção performativa e imposta pelas práticas regulatórias de coerência de gênero, a matriz de inteligibilidade ( BUTLER, 2006BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 2006.).

Deve-se considerar, portanto, as representações de gênero que funcionam na identificação e diferenciação do par binário masculino-feminino. “‘Feminino’ e ‘masculino’ não são características que nós possuímos, mas efeitos que produzimos por meio das coisas específicas que fazemos” ( CAMERON, 2010CAMERON, D. Desempenhando identidade de gênero: conversa entre rapazes e construção da masculinidade heterossexual. In: OSTERMANN, A. C.; FONTANA, B. (org.). Linguagem, gênero e sexualidade: clássicos traduzidos. Tradução de Beatriz Fontana. São Paulo: Parábola, 2010. p. 129-149., p. 131, grifo da autora). Com isso, não podemos cair “na armadilha de naturalização do gênero, entre determinadas características chamadas femininas e as mulheres, e as chamadas masculinas e os homens” ( PINTO, 2007PINTO, J. P. Conexões teóricas entre performatividade, corpo e identidades. DELTA, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 1-26, 2007., p. 4). Da mesma forma que o gênero é considerado um resultado de relações sociais performadas pela linguagem, o sexo ou a sexualidade, na teoria queer, também são encarados como históricos e socialmente construídos ( JAGOSE, 2010JAGOSE, A. R. Queer Theory. New York: New York University Press, 2010.). De certa forma, é inegável a relação do controle dos desejos com a matriz heterossexualem que os corpos são criados ( RUBIN, 1989RUBIN, G. Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical de sexualidad. In: VANCE, C. (org). Placer y peligro. Explorando la sexualidad femenina. Madrid: Revolución, 1989. p. 113-190.). É a partir dela que deverão ser consideradas as identidades (heterossexual) e diferenças sexuais (não-heterossexuais).

As representações de gênero convencionadas operam influências diretas nas diferenciações entre as identidades sexuais, uma vez que o modelo é binário e atua como se aquilo que nos opõe deva ser aquilo que nos atrai. Elas fazem parte daquilo que Foucault (2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9).) nomeou instituições ou contexto macrossociológico, para Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.). O gaydar, neste sentido, surge num momento em que os dispositivos disciplinares procuram separar o que é referente ao escopo masculino e ao feminino e quais sexualidades são aceitáveis ou impelidas ao tratamento clínico. Seria possível pensar sua existência sem a construção de categorias binômicas que lhes foram anteriores como “homem e mulher”, “heterossexualidade e homossexualidade”, desejos “saudáveis e clinicáveis”?

O gaydar, portanto, torna-se um dispositivo performativo das sexualidades: nada constata, mas performa ao tentar descrever, por meio de algum índice, a homossexualidade do sujeito, e coloca a heterossexualidade compulsória em constante dúvida. É um instrumento que age em conformidade com as normas que regulam os sujeitos, seus corpos e desejos; é de ordem da matriz heterossexual, pois aponta alguém que deveria ter sido pressuposto como heterossexual, mas que possui algum indício de não ser; é um operador discursivo que objetiva, por meio de atos de função denotacional, como determinados trejeitos, apontar ou explicitar uma sexualidade referencial de forma supostamente inequívoca. Obviamente, é falso que alguns índices linguístico-discursivos comprovam a realidade do desejo, e por isso, das sexualidades.

A invenção performativa das sexualidades e, consequentemente, a normalização da categoria heterossexual e das regras de gênero são os ingredientes- chave para a emergência discursiva do gaydar. Compreendo as sexualidades como formas discursivas, construídas de acordo com o processo de subjetivação dos indivíduos e do desejo, nas contingências e na sua história. Da mesma forma que o gênero, as sexualidades não são naturais, biológicas, inatas. Portanto, ninguém nasce essa ou aquela sexualidade, já que sexualidades são um processo histórico- discursivo de criação de identidades para responder à urgência de uma época ( FOUCAULT, 2006FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhón Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006.). O desejo é tão construído quanto as estilizações de gênero. O desejo é móvel e inconstante. Entretanto, o gaydar age como um inspetor da matriz de inteligibilidade da constituição dos sujeitos que tenta assegurar uma univocidade entre estilizações de gênero e desejo. É no questionamento da heterossexualidade compulsória – que toma todos os indivíduos como heterossexuais – que ele vai agir e operar. Ele não aponta a identidade, mas a diferença, o “oposto”, a Outridade, aquilo que escapa à matriz heteronormativa.

O gaydar é um dispositivo contemporâneo – ou seja, não é inato a ninguém que baseia seus apontamentos em estereótipos primeiramente de condutas de gênero – que amplia a capilaridade do domínio estabelecido pelo dispositivo de sexualidade. À lógica do gaydar, é como se o desejo e o gênero estabelecessem uma relação unilateral, sempre convencional e opositiva, como a matriz heterossexual pressupõe. É por ter um estilo mais “feminino”, neste caso, que o desejo de um homem é apontado como desviante, uma vez que esses estereótipos o aproximariam do desejo naturalizado e reservado às pessoas do gênero feminino.

Visto dessa maneira, o gaydar obriga os sujeitos que desviam da norma heteronormativa imposta a “confessarem” uma sexualidade imaginada pelos índices e/ou ditos não-verbais – mesmo que, contrariamente, não seja a homossexualidade a sexualidade performada – agindo discursivamente como um panóptico que, apesar de não fiscalizar a dissidência explicitamente a priori durante a interação, atua em segundo plano, filtrando índices que poderiam dizer somente sobre outras coisas, outros discursos, mas que também “revelam” substratos de sexualidade não convencional. Trata-se, dessa maneira, de um ritual injusto que, por identificar a diferença, pode utilizá-la como justificava para determinada prática de exclusão, coerção, sem qualquer espaço para desfazer o mal-entendido sobre a sexualidade imaginada, sem dialogia.

Assim, se o apreço por pentear os cabelos ou por cremes e loções forem elementos que o gaydar toma como índices detectáveis da homossexualidade, ele apenas fossiliza ou congela uma ideação de gênero e pressupõe que todas as pessoas do gênero feminino, por exemplo, têm a mesma admiração por tais elementos. Não considera que as identidades podem ser incoerentes, muitas vezes contraditórias, instáveis, voláteis e passíveis de alterações porque, antes de tudo, não são naturais, mas históricas, locais e político-sociais. Portanto, o gaydar estabelece relações de poder moderadoras, calibrando pragmaticamente aquilo que deveria ser pressuposto (a heterossexualidade, o dito já acontecido em outros lugares), o posto (o dito, o performado e seus índices) e o subentendido (a homossexualidade, o não-dito 2 2 Onde estiver escrito não-dito, leia-se como um dito implícito ou dito discretamente de outra forma por meio de índices semióticos, visibilidades ou enunciados não-verbais. , mas observável, interpretável). Neste sentido, o gaydar possibilita um movimento dêitico, pois aponta para determinado corpo, seja ele o realizador de uma performance menos convencional à heteronormatividade ou não. O ato linguístico da dêixis pelo gaydar, nesse caso, aponta uma sexualidade contra- hegemônica figurada e percebida por pressupostos sociais que identificam, separam e limitam os corpos: os estereótipos e seus operadores de dominação.

Contudo, a homossexualidade de alguém não é exclusivamente “imaginada” via gaydar por meio de indíces explícitos como trejeitos que aproximam determinadas performances realizadas por homens das performances idealizadas como femininas. Em muitos casos, a pessoa identificada como homossexual não possui estilizações destoantes, mas também passa pelo escrutínio do gaydar. Isso porque esses indivíduos não performam uma prova material e concreta de não- homossexualidade, pois, por exemplo, nunca aparecem com alguém nas festas e nunca estão namorando ninguém. Não se espera que um homem acima de certa idade ainda continue sem apresentar uma namorada, pois a ideia é que homens se relacionem com o sexo oposto e mostrem ou comentem sobre suas namoradas, ficantes e esposas para que sua heterossexualidade seja construída, iterada e garantida nas sociabilidades de que participa. Se ele não performa esses discursos concretos, a sua heterossexualidade compulsória poderá ser questionada pela ausência. Por isso, certas ideologias sobre o corpo performam indexicalidades sobre a sexualidade que não são referenciais, pois lidam diretamente com índices de outra ordem, que, neste caso, possuem uma marca de ausência, de um não-dito ou dito de outra forma. Isto é, o enunciado “Esta é minha namorada, Paloma” não somente indicia determinado referente físico, a namorada, mas aponta a algo de sentido não-referencial, de construção social; aponta às expectativas sobre a sexualidade. Portanto, observemos sobre a indexicalidade a seguir.

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O perfilamento linguístico, a indexicalidade e a rigidez das relações de poder pelo gaydar

O perfilamento linguístico foi tratado por Baugh (2003BAUGH, J. Linguistic Profiling. In: MAKONI, S.; SMITHERMAN, G.; SPEARS, A. K.; BALL, A. (ed.). Black Linguistics: Language, Society, and Politics in Africa and the America. New York: Routledge, 2003. p. 155-168.) em sua pesquisa sobre aluguel de imóveis. O autor, um homem negro, evidenciou que determinadas marcas ou sinais na linguagem são capazes de denunciar a raça das pessoas que estão falando em interações pelo telefone. Nas ligações, Baugh (2003BAUGH, J. Linguistic Profiling. In: MAKONI, S.; SMITHERMAN, G.; SPEARS, A. K.; BALL, A. (ed.). Black Linguistics: Language, Society, and Politics in Africa and the America. New York: Routledge, 2003. p. 155-168.), então, produzia uma “voz profissional” em que soava um inglês característico de pessoas brancas. Dessa forma, o/a corretor/a não lhe negava a existência do imóvel a ser alugado. No entanto, em quatro circunstâncias lhe foi negada a permissão quando apareceu para ver o imóvel presencialmente. Ele concluiu que por telefone ele conseguia burlar o perfilamento linguístico negro por causa de seu inglês padrão, mas o contato visual permitia o perfilamento racial, e certamente era o real motivo de não poder ver o imóvel como havia sido combinado.

Além disso, sua pesquisa revelou que 80% de ouvintes americanos/as eram capazes de identificar a partir de um simples “ hello” se a pessoa que estava do outro lado falava o inglês padrão ou inglês chicano. Isso equivale a dizer que este perfilamento linguístico é baseado em estereótipos fonéticos-sociais de algum povo que fala o inglês nos Estados Unidos. Por isso, pessoas brancas que performem ao telefone um inglês que se pareça mais com o inglês negro ou chicano também podem sofrer racismo e, mesmo para elas, os apartamentos também estarão indisponíveis.

De que maneira a prática de perfilamento linguístico pode estar relacionada com a identificação da sexualidade e, por isso, criar um perfilamento linguístico- sexual com o gaydar? Certamente, se alguém é capaz de fazer o outing por telefone, por exemplo, sobre a homossexualidade de um rapaz, este ato está diretamente ligado com a performance do gaydar. E, é claro, a ideação de gênero é um indicador essencial para tal apontamento, em que se calibra o posto e o pressuposto para fazer o subentendido (o outing). O perfilamento linguístico para homossexualidade masculina, neste caso, somente será feito se o falante tiver algum estereótipo do gênero feminino em sua fala. Uma voz mais fina e suave e algumas interjeições ao expressar algum tipo de emoção serão os elementos que indiciarão uma aproximação à feminilidade da pessoa e, consequentemente, sua homossexualidade. Os estereótipos, mais uma vez, são peças emblemáticas para esses tipos de construções e “deduções” sobre a “real sexualidade” dos indivíduos. Porém, anteriormente afirmei que tanto a construção das sexualidades quanto a dos gêneros estão diretamente embasadas na linguagem, e que somente a partir dela essas duas categorias passam a existir e a ser operadas no mundo. Se a performance de gênero é um ato de linguagem, isto é, um enunciado corpóreo que ajuda a identificar o gênero que a pessoa realiza – a forma feminina de uma mulher se sentar, por exemplo – logo devemos concluir que todo e qualquer ato de identificação também seja um ato de linguagem por si mesmo. Em outras palavras, identificar a sexualidade de alguém pelo telefone ou pela maneira como ele/ela anda é um ato de perfilamento linguístico, sem importar se o que proporciona o ato é algo visual ou audível.

Essas confusões sobre as deduções da homossexualidade estão diretamente ligadas ao que sabemos sobre a fluidez e flexibilidades das identidades que não podem ser rotuladas ou fixadas. Por isso, o gaydar sempre é confuso e suas suposições certamente podem contradizer o exercício “real da sexualidade” de alguém: se existe um padrão estrito de como homens e mulheres devem agir no mundo, ele é devidamente corrompido pelas ações que os sujeitos constantemente desempenham.

Podemos nos recordar de uma violência homofóbica ocorrida no interior de São Paulo, em que pai e filho foram agredidos por um grupo de rapazes que os “identificaram” como gays por estarem abraçados. O pai teve parte da orelha mutilada e o filho foi encaminhado ao hospital com escoriações e ferimentos ( CARDILLI, 2011CARDILLI, J. ‘Fiquei em choque’, diz filho de homem que perdeu parte da orelha. G1, São Paulo, 27 jul. 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/07/fiquei-em-choque-diz-filho-de-homem-que-perdeu-parte-da-orelha.html. Acesso em: 5 jan. 2021.
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/20...
). O ato homofóbico e repudiável do grupo de jovens nos mostra que os pressupostos sobre a sexualidade das pessoas e suas performances, como dois homens se abraçando, nem sempre podem ser atribuídos à realidade referencial. Isso comprova o caráter especulativo do gaydar e do perfilamento linguístico para sexualidade.

Neste sentido, o perfilamento linguístico trata diretamente da indexicalidade que não pode ser unicamente uma realidade referencial, atestável, justificável, explícita, visível, mas também de uma realidade não-referencial, indireta ou social, que não pode ser verificada como um objeto de propriedades físicas, pois esta outra “realidade” produz alteridade, implicando os feitos, neste caso, de violência homofóbica contra um pai e um filho. A partir disso, pode-se questionar o motivo de determinados eventos semióticos – linguagem/imagem – implicarem determinados subentendidos, produções de efeitos, “constatação de verdades” específicas. Por que o abraço indiciaria 3 3 Para evadir-se de confusão: os verbos indiciar e indexicalizar são sinônimos neste texto. afeto de casal e não de amigos? Por que práticas regulatórias coercitivas de poder e dominação são oferecidas a partir de determinadas implicaturas?

De acordo com Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.), a indexicalidade e as ordens de indexicalidade são centrais para analisar como agentes semióticos da interação possibilitam acesso a categorias, conceitos e valores de nível macrossociológico por meio de uma interação num campo microcontextual. Aplicando as considerações de Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.) sobre indexicalidade ao exemplo da verificação de imóvel pelo telefone apresentada por Baugh (2003BAUGH, J. Linguistic Profiling. In: MAKONI, S.; SMITHERMAN, G.; SPEARS, A. K.; BALL, A. (ed.). Black Linguistics: Language, Society, and Politics in Africa and the America. New York: Routledge, 2003. p. 155-168.), pode-se dizer que aquela interação pertence ao campo microcontextual (inquilino-corretor) e permite que a raça seja indiciada; por isso, implica dizer que não há imóvel algum para aquele sujeito ao telefone, uma vez que o “sotaque” indexicaliza não somente uma pessoa negra, mas, ao mesmo tempo conceitos e valores desta categoria no plano macrossociológico ou macrocontextual que não se apresentam na superfície da interação, mas estão regimentados por outros textos, isto é, co-textos, que também atravessam aquela interação por pressuposição.

Por isso, para Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.), a indexicalidade trata diretamente de enunciados que possuem uma estrutura de indexicalidade denotacional – ou seja, uma pessoa querendo informações sobre imóveis –, mas também de uma estrutura superior de cotextualidade poética de indexicalidade, isto é, estruturas macrossociológicas com co-textos, valores, concepções, ideologias e enunciados com os quais o pedido de informações consegue efetivamente se ligar, acarretando outros eventos pragmáticos. Dessa maneira, todo dizer ou texto está dialeticamente balanceado entre a pressuposição contextual – o já dito – e seu acarretamento indexical – o que será produzido a efeito do dizer –, uma vez que seu significado é composto de adequação aos parâmetros contextuais, de pressupostos da interação e de eficácia no contexto ( SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.).

Esses elementos sobre os estudos de indexicalidade da linguagem – seu caráter referencial e não-referencial – são importantes para se tratar das estratégias discursivas empenhadas pelo gaydar enquanto dispositivo de poder-saber. Para isso, analisemos um caso deste funcionamento indexical do gaydar a partir de um excerto de Caio, participante da pesquisa etnográfica de Edith Modesto, em que relata indiretamente o outing sofrido ao tentar uma vaga de emprego numa agência de publicidade:

[…] foi justamente numa agência de publicidade, onde não deveria haver esse problema, né? [refere-se à discriminação] A produtora, que estava gravando o teste, falou: “Olha, você é um excelente ator, seu teste é maravilhoso, mas em alguns momentos você está viadando um pouquinho”. Eu dei risada e falei: “Pode deixar que da próxima vez eu vou gravar o melhor possível”. Gravei e ela falou: “Você, realmente, é um excelente ator”. [risos] Essa coisa de “se você for trabalhar nessa empresa, você não vai poder falar que é gay”… é essa a verdade.

( MODESTO, 2006MODESTO, E. Vidas em arco-íris: depoimentos sobre a homossexualidade. Rio de Janeiro: Record, 2006., p. 62, grifo da autora)

Caio é homossexual, o que poderia concluir a efetividade do gaydar e seu funcionamento pela fala da produtora. No entanto, procuremos observar as sutilezas da interação, pois estão nelas as marcas menos visíveis e as ligações a categorias de ordem macrossociológicas próprias da indexicalidade não- referencial. Ao denotá-lo como um excelente ator, a produtora adiciona uma nova predicação a Caio: “está viadando um pouquinho”, complementando que ele não poderá se assumir gay naquela empresa de publicidade. Por isso, a performance artística de Caio, para além de bem executada (contexto-micro) indexicalizou também uma masculinidade não-hegemônica que não se encaixa no perfil que a empresa procura. Isto é, a empresa não se interessa por excelente ator que seja ao mesmo tempo “um gay aparente” (contexto macro): o pressuposto lida com uma performance heteronormativa.

Muitas outras coisas poderiam ser afirmadas sobre a interação: a homofobia tanto da empresa quanto da produtora; a força performativa de aconselhamento etc. Além disso, nota-se também o emaranhado da relação de poder a que Caio é submetido, não apenas pelo teste para conseguir a vaga, mas porque se propõe a refazê-lo, modificando determinadas performances para se tornar coerente aos pressupostos indexicais e sua adequação à empresa (a homofobia, a heteronormatividade), determinando o ator contratável ou não e o grau de eficácia da interação. Ou seja, há neste acontecimento o funcionamento de um poder disciplinar, corretivo ou ortopédico para endireitamento da performance que impacta na sujeição de Caio ( FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.); um exemplo explícito sobre como os corpos são produzidos por uma trama de discursos dos quais os sujeitos participam e por eles são interpelados ( BUTLER, 1997BUTLER, J. Excitable Speech. A Politics of the Performative. New York: Routledge, 1997.).

Por isso, pressupostos homofóbicos ou heteronormativos como esses, que lidam com a adequação ao contexto e sua eficácia no acarretamento, performam também relações de poder, uma vez que “o poder é essencialmente o que reprime. É o que reprime a natureza, os instintos, uma classe, indivíduos” ( FOUCAULT, 2016FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016., p. 14). Entretanto, o poder não é somente aquilo que reprime, mas aquilo que produz economias de saberes sobre os sujeitos e, portanto,

o que está em jogo é determinar quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, esses diferentes dispositivos de poder que se exercem, em níveis diferentes da sociedade, em campos e com extensões variadas.

( FOUCAULT, 2016FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016., p. 14)

A performance apontada pelo gaydar como inadequada para o trabalho, como no caso de Caio, atesta esta positividade do dispositivo: o saber que se produz, que se conhece, pode igualmente ser um saber que desqualifica o objeto, que o torna “perecível” ou “impróprio para o consumo”.

Dessa forma, a indexicalidade permite-nos compreender como determinado componente linguístico, ou determinadas mobilizações linguísticas, não só tratam de apontar ou descrever categorias referenciais direta ou indiretamente, mas também ligam-se diretamente a outros contextos de uma ordem macrossociológica em que estruturas de poder transitam pelos nossos corpos, pelo nosso corpo- linguagem, pela economia dos enunciados que pressupõem e acarretam ao mesmo tempo diversos discursos. Dessa maneira, “o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo [ou seja, de indexicalidade referencial], mas de significação do mundo, constituindo e reconstituindo o mundo em significado [isto é, de indexicalidade social]” ( FAIRCLOUGH, 2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UNB, 2016., p. 95).

Segue-se, então, que valores, discursos, narrativas, vozes, convenções sociais indexicalizadas e hierarquizadas são as ordens de indexicalidade ( MELO; FERREIRA, 2017MELO, G. C. V.; FERREIRA, J. T. R. As ordens de indexicalidade de gênero, de raça e de nacionalidade em dois objetos de consumo em tempos de Copa do Mundo 2014. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p. 405-426, 2017.) que permeiam nossos textos. De acordo com Fabrício (2016FABRÍCIO, B. F. Mobility and Discourse Circulation in the Contemporary World: The Turn of the Referential Screw. Revista da Anpoll, Campinas, n. 40, p. 129-140, 2016., p. 137, tradução nossa),

podemos dizer que o jogo indexical em que somos iniciados é parte fundamental nas ideias (metapragmática) de quem somos, de quem os outros são, dos espaços e tempo culturais que habitamos e como os habitamos, que jogos participamos e que convenções nós devemos aprender a seguir. Esta é a razão pelo qual tais jogos têm muita relevância performativa.

Neste sentido, é importante observar como a fluidez do discurso via indexicalidade atua na interpretação e na construção de enquadres meticulosamente relevantes para configurações de espaços socioculturais tanto de quem analisa a interação, de quem é seu agente e de quem a observa ( SILVERSTEIN, 2006SILVERSTEIN, M. Pragmatic Indexing. In: BROWN, K. (ed.). Encyclopedia of Language and Linguistics. 2. ed. Oxford: Elsevier, 2006. p. 14-17.). Esta é a atuação da indexicalidade indireta, social ou pragmática que, além de denotar determinado referencial semântico do uso de maneira indireta e performativa, aponta para o evento comunicativo responsável por apresentar marcas linguísticas específicas para a socialização ( OCHS, 1990OCHS, E. Indexicality and Socialization. In: STIGLER, J.; SHWEDER, R. A.; HERDT, G. (ed.). Cultural Psychology: Essays on Comparative Human Development. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. p. 287-308., 1992OCHS, E. Indexing Gender. In: DURANTI, A.; GOODWIN, C. (ed.). Rethinking Context. Language as an Interactive Phenomenon. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 335-358.).

Por isso, o objetivo do texto está em contestar o caráter exclusivamente denotacional de um dispositivo como o gaydar. A “constatação” da sexualidade no evento comunicativo socializa tanto quem tem o radar acionado quanto quem é identificado, porque ambos passarão por uma calibragem metapragmática em que se reconfigura o plano da interação, culminando em hierarquias, diferenciações, aproximações, relações de dominação etc. A indexicalidade, neste sentido, é a ponte que liga a estrutura linguística que deveria ter função de somente referir- se à coisa, mas que abre possibilidade para que outras coisas sejam referidas, apontadas, elaboradas, construídas e socializadas por meio de seu caráter criativo ou performativo.

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Indexicalidade e metapragmáticas da viadagem do gaydar: o comercial “Adão e Eva”

O comercial “Adão e Eva” foi feito para a empresa holandesa de seguros Centraal Beheer, em 2008 4 4 Recomendo enfaticamente que se assista ao vídeo, uma vez que ele não apresenta grande linguagem verbal e a análise apoia-se efetivamente na linguagem não-verbal do anúncio. . Remonta ao Paraíso, apresentando um lugar com muito verde, à luz do dia, com muitas flores, animais, com uma serpente deslizando pela macieira. Eva é uma mulher branca e jovem de cabelos louros cacheados que descem até a cintura, cobrindo os seios. Tem olhos verdes e uma folha grande e verde-escura esconde sua genitália ( Figura 1).

Figura 1 –
Eva no paraíso

A narrativa semiótica do comercial revela Eva caminhando pelo Jardim do Éden sozinha, percebendo que muitos animais estão em pares. Encontra um pato nadando ao lado de um cavalo branco parado em um riacho; obtém-se o efeito de calmaria. Ao se deparar com uma cachoeira, surge o Adão por entre as folhagens. Um homem branco de cabelos pretos e lisos, com um abdômen definido ( Figura 2). Ele, então, se aproxima de Eva com performance não-afeminada ao caminhar. Neste momento Eva se emociona, criando expectativas e demonstrando uma leve timidez com a presença de Adão ( Figura 3).

Figura 2 –
Adão é visto por Eva

Figura 3 –
Eva se encanta por Adão

Logo em seguida, é surpreendida por Adão que, ao cumprimentá-la, sorri, dizendo um “Oi!”, curvando-se para a esquerda, acenando com a mão direita rapidamente e erguendo uma das mãos até a altura da cintura como se dançasse em grande excitação ou felicidade ( Figura 4).

Figura 4 –
Adão desmunheca

A voz de Adão é uma voz mais fina, indicando certa paródia do padrão feminino vocal. Logo em seguida, entre risos e expressões de extrema felicidade, ele se apresenta a ela, dizendo “Sou Adão!”, em seu único momento de linguagem verbal, enquanto coloca a mão direita entre o peito e se curva levemente na direção de Eva ( Figura 5). Esta frase também possui o mesmo padrão mais “afeminado” utilizado no “Oi!”. Nota-se Eva estranhando a situação, já que Adão é um homem “espalhafatoso” ( Figura 6).

Figura 5 –
Adão se apresenta

Figura 6 –
Eva se assusta

Depois disso, Eva observa Adão se sentar sobre uma rocha, à beira da cachoeira, colher uma flor branca com o pé, erguendo-a e produzindo grunhidos de excitação ( Figura 7). O comercial termina ao som das águas da cachoeira caindo, com Eva espantada ao observar Adão colhendo flores com as mãos e ao mesmo tempo com as pernas cruzadas e novamente dando “gritinhos” de felicidade ( Figura 8).

Figura 7 –
Adão pintoso

Figura 8 –
Adão colhendo flores

Figura 9 –
A companhia de seguros

A frase “Basta nos telefonar” ( Just call us) atualiza o contexto da interação e indexicaliza que caso algo saia errado, basta uma ligação à companhia de seguros para que ela resolva a situação dos/as assegurados/as. O “problema da homossexualidade de Adão” no Jardim do Éden é a metáfora que o comercial traz. Por isso, o comercial produz Adão como um sinistro heteronormativo, algo que escapou às expectativas de condições adequadas para a realização da sociabilidade heterossexual – de maneira análoga a um acidente doméstico ou automobilístico, a um incêndio, a um furto etc. – que impeliu à pessoa assegurada algum prejuízo. O comercial, na descrição de um evento jocoso, performa um discurso homofóbico por trazer para primeiro plano que ser afeminado ou homossexual é prejudicial ou danoso. Ele calibra as ações de Adão para dentro de um enquadre de erro, disfunção e desajuste; algo próprio de ser educado por um poder disciplinar para correção ( FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.). O comercial seria, desta forma, o dispositivo ortopédico que poderia disciplinar Adão e docilizá-lo às estruturas heteronormativas, para devolver a Eva um Adão inteligível, sem qualquer vestígio de viadagem.

Assim, o “desajuste” de Adão performa uma calibragem metapragmática 5 5 Por calibragem metapragmática compreendo uma quebra no decurso de uma interação, uma reavaliação do que já havia sido dito; uma quebra na expectativa do fluxo interacional e das produções de significados (sociais): é um refazer, um ajuste sobre aquilo que já ocupava o lugar de pressuposto, sobre os significados ou textos interacionais já consolidados. Isto é, uma calibragem é uma reorientação sobre o passado da interação e, ao mesmo tempo, reorganiza seu futuro para que prossiga no novo fluxo: “não era isso que eu tinha entendido” e, “Ele é gay? Nunca imaginei!” são formas explícitas desta calibragem. porque reordena a direção da ação, do acontecimento (o posto) com pressupostos (homossexualidade/heterossexualidade, heteronormatividade, masculinidade hegemônica etc.), assegurando a produção de sentido e significados (a disfunção, o erro, a homossexualidade) e indexicaliza a habilidade da seguradora em lidar com qualquer acontecimento problemático. Estes enquadres são produzidos não somente pelas imagens, mas pela música de fundo, com sons de pássaros, em que o canto e o som dos instrumentos são modificados à culminância ou à excitação do evento em que Eva se encontra com Adão. Ao clímax da música, gera-se uma pausa, um silêncio, em que a versão afeminada de Adão se apresenta para Eva. Em seguida, a música é retomada do começo, performando uma sensação de que não houve alteração no status de Eva, ela está de volta à estaca zero, uma vez que Adão é “evidentemente” um viado.

Neste sentido, a calibragem metapragmática também ocorre com a quebra do contínuo da interação, fazendo que a audiência reveja ou repense o próprio uso da linguagem considerando a sua adequação ao contexto, e aos discursos que o atravessam ou tangenciam (isto é, o co-texto), e sobre a sua “eficácia” em romper com pressupostos, descontinuá-los, ressignificá-los, modificá-los ou mesmo reiterá-los. O enquadre do estranho linguístico da fala de Adão possui função metapragmática de, implicitamente, reforçar o padrão moral da linguagem sobre o comportamento linguístico e social masculino: Adão é o contraexemplo de um homem heteronormativo. Uma pedagogia coercitiva pelo contraexemplo para sujeição dos indivíduos foi amplamente utilizada no século XVIII, na Europa, contra delinquentes ( FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.). O comercial repete uma técnica de poder-saber que já havia sido dita, mesmo que de outra forma, pelo uso de outras técnicas.

A calibragem criada pelo comercial indexicaliza a ruptura para evidenciar o ideal, isto é, ela age por atualizar discursos morais sobre a homossexualidade. Por isso, entende-se por metapragmática a reflexão ou racionalização sobre o próprio uso da linguagem por meio de fatores que se estendem desde a reflexividade linguística,

associada às capacidades metalinguística e metacomunicativa dos falantes, até as dimensões sócio-histórico-culturais e político- ideológica das práticas de uso oral e escrito da língua e dos discursos sobre como são/como devem ser os usos linguísticos na interação social […].

( SIGNORINI, 2008SIGNORINI, I. Metapragmáticas da língua em uso: unidades e níveis de análise. In: SIGNORINI, I. (org.). Situar a linguagem. São Paulo: Parábola, 2008. p. 117-148., p. 119)

Dessa forma, abre-se o seguinte questionamento: por meio da calibragem metapragmática do desejo, quais enunciados de um Adão seriam apropriados para que um match com uma Eva fosse possível?

As metapragmáticas – encharcadas de ideologias de linguagem – não enfatizam, reordenam e calibram somente as falas durante a interlocução, mas os sujeitos, ou seja, não performam apenas sobre o uso em si, mas também sobre os/as usuários/as, com seus aspectos socioculturais no espaço e no tempo, o contexto pragmático da linguagem. Neste sentido, as metapragmáticas funcionam para avaliar, descrever e explicar o nível pragmático da língua. Não há uso sem um meta-uso, sem a possibilidade de se pensar sobre ele de forma explícita, via discurso metapragmático, ou, de forma implícita, via função metapragmática. ( POVINELLI, 2016POVINELLI, E. A. Pragmáticas íntimas: linguagem, subjetividade e gênero. Tradução de Joana Plaza Pinto. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 205-237, 2016.; SILVERSTEIN, 1993SILVERSTEIN, M. Metapragmatic Discourse and Metapragmatic Function. In: LUCY, J. A. (ed.). Reflexive Language. Reported Speech and Metapragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 33-57., 2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.). O uso indicia um contexto de ocorrência micro que está (in)diretamente ligado a produções de significados sociais em que este uso opera; está ligado a categorias macrossociológicas que fazem parte dos pressupostos da interação ( SILVERSTEIN, 1993SILVERSTEIN, M. Metapragmatic Discourse and Metapragmatic Function. In: LUCY, J. A. (ed.). Reflexive Language. Reported Speech and Metapragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 33-57.).

Portanto, os processos indexicais da linguagem dependem do uso (a pragmática e a semântica referencial) no contexto micro – os indexicais: índices, sinais, signos, símbolos, estruturas, gestos, espaço, tempo, a interlocução – e das ideologias e valores culturais que são pressupostos e acarretados durante o uso, indiciados por formas indiretas, não-referenciais que também fazem parte das metapragmáticas.

Quadro 1 –
Indexicalidade e Metapragmáticas do gaydar no comercial “Adão e Eva”

Este quadro apresenta alguns índices extraídos do comercial para justificar a maneira como o gaydar, o outing, ou o perfilamento linguístico-sexual é indexicalizado no comercial. As setas azuis têm a função de explicitar que outros índices não foram retirados, mas participaram do evento, pois não é possível denotar toda a complexidade de um micro-contexto. Toma-se, dessa forma, que o evento narrado no comercial é um micro-contexto com índices performados em função do tempo e do espaço, os quais pressupõem e produzem simultaneamente categorias de ordem macrossociológicas por meio do marco-contexto da audiência. Com isso, percebe-se que a frustração de Eva (índice não-verbal) é projetada (via indexicalidade de gaydar) porque existem outros discursos que são indexicalizados por metapragmática implícita como o desejo, a heterossexualidade compulsória, os padrões de masculinidade e suas ideologias (o gênero), o sexo (ato/genitália), e outras categorias que propriamente não estão no quadro, mas podem operar, uma vez que, segundo Foucault (2020FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2020.), a economia discursiva possui uma trama de enunciados que não apenas reiteram discursos, mas também promovem difrações, diferenças e incompatibilidades. O pressuposto não é somente uma economia de valores e discursos ideologicamente consonantes, pois engloba uma economia de valores com suas disputas ideológicas necessárias para contingenciar, tornar imprevisível, a interação no eixo espaço-temporal das ocorrências, uma vez que os enunciados estão em embates com outros.

A disposição dos índices no tempo e no espaço do comercial, como mostra o quadro acima, evidencia a iterabilidade performativa ( DERRIDA, 1991DERRIDA, J. Assinatura e acontecimento. In: DERRIDA, J. Limited Inc. Tradução de Constança Marques Cesar. São Paulo: Papirus, 1991. p. 11-37.) em que as estilizações do micro-contexto, além de estabelecerem relações com o pressuposto macrossociológico, pressupõem as próprias estilizações já ocorridas, “reforçando” o acarretamento, atualizando a racionalização sobre a homossexualidade (as metapragmáticas) e assegurando o sujeito como afeminado. Isto é, os eventos ocorridos dentro do micro-contexto pressupõem uns aos outros na interação. As informações macrossociológicas funcionam para modelar o curso das interações, das conclusões, das tomadas de turno, dos efeitos produzidos, das disputas travadas etc. Sem este “não-dito indexicalizável”, isto é, os valores culturais, não seria possível utilizar a linguagem não-referencial, pois a referência logo seria o seu sentido dêitico mais explícito. As categorias macrossociológicas são importantes para o funcionamento dos dispositivos. Foucault (2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9)., p. 48) nomeia essas categorias de instituição, ou seja, “todo comportamento mais ou menos obrigado, aprendido. Tudo que, em uma sociedade, funciona como sistema de obrigação, sem ser enunciado, em resumo, todo o social não discursivo é a instituição”. Para este texto, categorias macrossociológicas de Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.) e categorias institucionais de Foucault (2020FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2020.) se equivalem.

Por isso, o comercial apresenta as estilizações e seus estranhamentos a partir de uma perspectiva naturalizante sobre o gênero, as performances: se Adão é o primeiro homem, como poderia sua performance ser “estranha” ou questionável por Eva? O comercial, obviamente, está invocando outros textos com a audiência que sabe quais performances são questionáveis e quais não são. Uma indexicalidade essencialista menospreza os micro-contextos porque se ancora nas essências cristalizadas, nas predicações exclusivamente verdadeiras da estrutura macrossocial que exercem poder umas com as outras ( SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.). O comercial, dessa forma, reitera e atualiza com o público discursos hegemônicos sobre gênero, suas estilizações e a sexualidade ao encontro da matriz de inteligibilidade que procura um denominador comum entre o gênero, a sexualidade e o desejo ( BUTLER, 2006BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 2006.). Adão causa estranheza em Eva porque seu gosto por colher flores e performar posturas vocais e corporais como “paródias” das posturas femininas (colocar a mão entre o peito, se inclinar etc.) a faz ter um sentimento de estranheza. Por isso, em vez de pegar flores, uma atividade considerada menos masculina, deveria ter preferido cortejá-la ou objetificá-la?

Ao enquadrar as atividades de Adão, o comercial também performa sobre atitudes e comportamentos de homens heterossexuais tanto sobre a sua performance de gênero, contrária à de Adão, quanto sobre como esses homens devem agir diante de uma mulher (nua). Isto é, o caráter explícito para a homossexualidade indexicaliza pelo não-dito pressupostos sobre comportamentos masculinos de predicação sexista. Este é um exemplo de como o gaydar neste caso também performa uma indexicalidade não-referencial. Por isso, o espaço, o Paraíso, é ligado a outros espaços de sociabilidades masculina via racionalizações sobre os índices linguístico-semióticos de Adão – isto é, metapragmáticas – que acarretam indexicalidade com outros níveis de interação. A audiência é o elo que liga e diferencia enunciados de “dêixis referenciais”, produzindo enunciados de “dêixis sociais”. Deve-se, portanto, ver também nesta análise os textos patriarcais sendo acionados para que o comercial tenha seu êxito.

Portanto, a audiência não se adapta ao contexto da interação. Ela ativa diferentes perspectivas na interlocução e nos/as interlocutores/as, redefinindo, desta forma, o contexto através do uso, dos índices ( DURANTI, 2012DURANTI, A. Anthropology and Linguistics. In: FARDON, R. et al. (ed.) The Sage Handbook of Social Anthropology. Los Angeles: Sage, 2012. p. 12-23.). Não se deve, contudo, esquecer que a incitação de um gaydar na audiência é uma estratégia mascarada para o intento do comercial: informar, oferecer e vender o produto. Não se pode ver apenas pelas lentes da coação, mas também pelo poder positivo: de consumidores/as do produto. Por isso, na análise, torna-se necessário “fazer aparecer o que está tão próximo, tão imediato, o que está tão intimamente ligado a nós mesmos que, em função disso, não o percebemos” ( FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. A filosofia analítica da política. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010a. p. 37-55. (Ditos e escritos, v. 5)., p. 44).

Quadro 2 –
O funcionamento do gaydar no micro-contexto indexical do comercial

No plano macro, a propaganda, dessa forma, trabalha como uma agência de controle dos desejos e das performances dos corpos ao separar aquilo que deve ser do gênero masculino daquilo que deve ser reservado ao gênero feminino para que ambos se perpetuem distintivamente como se fossem categorias sólidas, dicotômicas e estáveis. Em outras palavras, o comercial “Adão e Eva” deve ser visto como um dos diversos dizeres ou enunciados que performam discursos sobre o controle e diferenças de gênero e sexualidade, reiterando as categorias clássicas femininas e masculinas, além de corroborar a imagem estereotipada de um homem gay e sua performance sempre afeminada. Trata-se, neste sentido, de uma escala na interação ampliada: são ordens macrossociais de contingência histórica e estruturadas no processo semiótico que “exercem uma influência estruturante que confere valor sobre qualquer evento discursivo da interação com relação aos significados e significâncias das formas verbais e semióticas que fazem parte nessa interação” ( SILVERSTEIN, 2004SILVERSTEIN, M. “Cultural” Concepts and the Language-culture Nexus. Current Anthropology, Chicago, v. 45, n. 5, p. 621-652, 2004., p. 623, tradução nossa). Assim, o corpo está submetido ao exercício de poder disciplinar, porque se torna alvo dos novos mecanismos do poder e oferece novas formas de saber que desafiam um corpo comportado, ou de comportamento dócil, instrumentalizado por matrizes submetidas a certa disciplina ( FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.).

Por isso, o perfilamento linguístico-sexual e o gaydar são, de fato, instrumentos sociais de indexicalidade que operam por meio de metapragmáticas da viadagem. Isto é, alguns índices performados em certas circunstâncias não só podem indiciar determinado referente, como “Oi, eu sou Adão!”, e de fato ele seja, mas fazer muito mais do que se pensou que poderia ser feito ou que gostaria que fosse dito. Neste caso, “Oi, eu sou Adão” indexicaliza uma maneira menos masculinizada e, portanto, viada. Relembremos o caso de Caio, em que a produtora disse que ele estaria “viadando um pouco”, apesar de ser um excelente ator. O gaydar opera por calibragem metapragmática sob a normatividade da heterossexualidade. Determinados índices, contudo, incitam a calibragem do fluxo “normal” da interação para enquadrar determinados gestos e pessoas como viadas.

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O gaydar como dispositivo

Diante do que foi apresentado anteriormente, o gaydar evidencia um lugar em que se produz um enquadre viado, lésbico, não-heteronormativo dos índices, explicitando seu funcionamento como dispositivo. Segundo Agamben (2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo. Tradução de Nilcéia Valdati. Outra Travessia, Florianópolis, v. 5, p. 9-16, 2005., p. 13), “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” configura-se em um dispositivo. Deve-se salientar que a indexicalidade referencial e não-referencial não atestam a verdade stricto sensu sobre os sujeitos, uma verdade referencial inquestionável. É uma verdade performativa, uma verdade discursiva, que pode corresponder à realidade do real ou não, mas que implica efeitos de verdade independentes da realidade referencial.

Neste texto, a verdade é “o conjunto de procedimentos que permitem a cada instante e a cada um pronunciar enunciados que serão considerados verdadeiros” ( FOUCAULT, 2015aFOUCAULT, M. Poder e saber. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015a. p. 218-235. (Ditos e escritos, v. 4)., p. 227). Por isso, lembremos do caso homofóbico entre pai e filho, trazido anteriormente, no qual, independentemente da “realidade” de suas sexualidades, seus índices semióticos ativaram o gaydar de um grupo homofóbico, culminando em atos de violência. Depois que o corpo é violentado, não é possível desfazer a violência quando se descobre que o índice não se aplicava à realidade pressuposta. Por isso, seguindo a análise sobre docilidade dos corpos por Foucault (2019FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.), o gaydar tem na homofobia uma técnica de poder-saber, de poder disciplinar, ortopédico, coercitivo que se torna útil para a sujeição dos corpos, para seu atravessamento, para seu endireitamento, já que a violência se torna um elemento punitivo pela evasão do controle sexual ao qual os corpos foram submetidos e pelo qual são constantemente vigiados e regimentados.

Assim, faz-se necessário listar algumas das diversas categorias que se entrecruzam quanto à maneira que compreendo o gaydar e seu funcionamento na vida das pessoas, e utilizaremos o comercial “Adão e Eva” para a análise. Todo dispositivo possui estratégias heterogêneas que sustentam tipos de saberes e são sustentadas por eles ( FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. O jogo de Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 44-77. (Ditos e escritos, v. 9).). O dispositivo é responsável pelos processos subjetivação, controle e dominação dos corpos e, por isso, daquilo em que a relações de poder estariam mais invisíveis ou difíceis de ser captadas: a caneta, a literatura, o comercial, o cigarro etc. ( AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo. Tradução de Nilcéia Valdati. Outra Travessia, Florianópolis, v. 5, p. 9-16, 2005.). Compreendo o gaydar como um arque-dispositivo não autônomo, por evocar ou alinhar-se a uma infinidade de dispositivos, os quais estão repletos de discursos que o sustentam para responder às demandas da sua própria urgência por meio de estratégias e técnicas de poder:

  • dispositivo de poder: estabelecido por quem faz o outing ou o perfilamento linguístico em que inventar e dialogar uma homossexualidade para alguém é exercer poderes para isso: no comercial, notamos o estranhamento e perplexidade quanto às atitudes e prosódia de Adão; é simplesmente efeito do perfila- mento linguístico que fez sobre a sexualidade dele;

  • dispositivo de poder-saber: procura controlar o saber sobre os desejos ligados ao corpo: se resume ao momento em que ela fica perplexa e fixando o olhar nas performances que ele faz, isso porque objetiva encontrar uma explicação para as atitudes de Adão que contrariam as convenções macrossociais que ela já tinha formadas sobre o que é ser homem adequadamente heterossexual ou por impor determinada confissão sobre a homossexualidade;

  • dispositivo de poder disciplinar: promove a disciplina e o controle sobre os corpos, sua docilidade e adequação às exigên- cias das instituições: o comercial foca num enquadre proble- mático, sinistro heteronormativo, entre a postura e as atitudes inadequadas de Adão e, portanto, evidencia em segundo plano as formas adequadas de um corpo masculino;

  • dispositivo binarista: dicotomiza a performance de gênero atribuída ao indivíduo a partir da genitália: pode ser percebido quanto às performances que ele faz ao falar e depois por colher flores com os pés e as mãos, as quais vão de encontro com os pressupostos do gênero masculino;

  • dispositivo heteronormativo: aponta somente quem não é heterossexual, reforçando estruturas hegemônicas da sexualidade: o comercial alinha o objetivo da companhia de seguros – resolver problemas – com a indisciplina do Adão afeminado, isto é, garante metaforicamente endireitar sua viadagem, fazer de Adão um homem adequado à heteronormatividade: as performances de Adão implicam performances que carecem de ajustes, vigilância e regulação;

  • dispositivo homofóbico: atribui juízos, valores depreciativos à homossexualidade e incita uma economia de práticas discursivas preconceituosas como violência verbal e física: posturas como a de Adão devem ser rechaçadas, corrigidas, impedidas e banidas já que causaram estranhamento em Eva;

  • dispositivo de estereótipos: baseia-se em características físicas e comportamentais congeladas e supergeneralizadas de alguns homossexuais a todas as pessoas que possuem esses traços em comum: o choque de Eva está no momento em que ela depara com estereótipos de atitudes que seriam “inadequadas” a Adão, tais como ter uma voz mais fina, gestos mais delicados e brincadeiras que seriam “de meninas”. Esse dispositivo reitera a feminilização da homossexualidade, a qual produz a ideia de que os homossexuais têm atitudes femininas.

  • dispositivo histórico: surge devido a uma emergência histórica própria que envolve os corpos e as práticas sexuais da sociedade a partir da Modernidade, em que algumas formas de sexualidade foram marginalizadas, reprimidas e interditadas, permitindo a existência de movimentos identitários: a separação hetero-homo foi essencial e, por isso, o comercial seria inconcebível num período anterior a ela, mesmo que a tecnologia já estivesse avançada. Se essa separação e classificação jamais tivessem ocorrido, o comercial não seria possível, pois o jogo de linguagem está na referência que ele faz a essas diferenciações entre o que é gênero e o que são essas duas sexualidades;

  • dispositivo identitário: aponta a homossexualidade de alguém. Mesmo que ficcional, o sujeito também constrói a sua própria, seja ela heterossexual ou não; não há indexicalidade somente para o TU, mas também sobre o EU: Eva, ao perceber o desinteresse de Adão, constrói ao mesmo tempo a sua heterossexualidade e homofobia para a audiência. O dispositivo ajuda a construir três categorias de identidades via indexicalidade indireta: (1) uma mulher heterossexual feminina, (2) um homem heterossexual hegemônico, (3) um homem homossexual afeminado. Este dispositivo reitera as diferenças entre (1) e (2) e também entre (2) e (3), ao passo que as categorias (3) e (1) são aproximadas uma da outra para produzirem os estereótipos para o funcionamento do gaydar;

  • dispositivo sexista: fomenta ideias patriarcais de que os homens heterossexuais devem objetificar as mulheres para seus desejos e para construir suas masculinidades hegemônicas. Diferentemente, todo e qualquer homem que prefere não hiperssexualizar a mulher pode ter a masculinidade e sexualidade questionadas. Este fato ocorre com Adão, que prefere pegar flores ao lado da cachoeira. O comercial reforça, itera, cita e induz performativamente a necessidade de homens se engajarem em práticas sexistas para garantirem a si mesmos a indubitabilidade de suas identidades de gênero e heterossexualidade. Toda vez que um homem engajar numa atividade sexista ele vai conseguir se livrar do falseamento de sua identidade, uma vez que o gaydar é uma tentativa de falsear a heterossexualidade compulsória de maneira pejorativa

  • dispositivo de verdade: erra sobre a sexualidade do indivíduo e, por isso, inventa uma identidade que pode ser inverossímil. Este dispositivo lida com a verdade discursiva, a verdade per- formativa, que mesmo sem garantias de uma referência exata altera a realidade dos sujeitos: Eva estranha Adão e o rejeita por tomá-lo como não ideal.

  • dispositivo do armário: afirma a homossexualidade de alguém e pressupõe que essa homossexualidade esteja oculta, ainda não dita ou não revelada; considerando que, de acordo com Sedgwick (2007SEDGWICK, E. K. A epistemologia do armário. Tradução de Plínio Dentzien. Cadernos Pagu, Campinas, n. 28, p. 19-54, 2007.), ninguém nunca consegue estar fora do armário para todo mundo, e que o processo é sempre reiterativo, a saída do armário é um ato constante: existia um armário para Adão do qual Eva e audiência conseguiram retirá-lo por meio do outing.

  • dispositivo discursivo: faz uso da linguagem e da performatividade, da indexicalidade, do dito e do não-dito, da calibragem metapragmática para definir o que não é heterossexual e, ao mesmo tempo, cria realidades distintas no momento de alguma enunciação sobre a sexualidade. O outing, dessa forma, jamais poderá ser tomado como um ato pré-formado à pessoa, como se a “identidade homossexual” estivesse desde sempre no indivíduo, mas, em vez disso, essa identidade sexual, inverossímil ou não, é performada durante realização do ato do gaydar ou da economia discursiva do processo de subjetivação que o gaydar promove: o comercial promove enquadres para a construção, para a desinvenção da heterossexualidade de Adão e para justificar o desapontamento de Eva. Isso ocorre via indexicalidade social e racionalizações metapragmáticas que performam atos linguísticos sobre o corpo.

6

Gaydar e poder

Sabe-se que a sexualidade tem grande importância na nossa vida, nas interações, nos usos linguísticos, em suas avaliações, nos perfilamentos etc. Como dispositivo, a sexualidade pressupõe exercício de poder e conjunto de saberes, de enunciados que produzem efeitos de verdade. O gaydar, enquanto dispositivo patriarcal, opera sob o domínio do poder. De acordo com Foucault (2016FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016., p. 22), “o poder não para de questionar, de nos questionar; não para de inquirir, de registrar; ele institucionaliza a busca da verdade, ele a profissionaliza, ele a recompensa”. Neste sentido, o gaydar objetiva, a partir de índices semióticos, linguísticos e situacionais, pelo dito e o não-dito ou por acontecimento, exprimir a verdade sob a heterossexualidade compulsória que se tornou suspeita, suja, imprecisa e falseável. Ele é um dos instrumentos dos regimes de verdade. Os regimes fazem que sejamos

igualmente submetidos à verdade, no sentido de que a verdade é a norma; é o discurso verdadeiro que, ao menos em parte, decide; ele veicula, ele próprio propulsa efeitos de poder. Afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a uma certa maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos de poder.

( FOUCAULT, 2016, p. 22FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.)

Portanto, não há dispositivo do gaydar ausente de um dispositivo de sexualidade porque a ampliação de ambos os domínios corrobora o acúmulo de saberes produzidos e em verdades ora porque o gaydar opera dentro da economia discursiva da sexualidade, ora porque a sexualidade coopta os saberes produzidos pelo gaydar por meio da capilaridade do poder exercido, favorecendo a sua produção discursiva. Isto é, o gaydar amplia os horizontes de poder da sexualidade à medida que também exerce poder e dominação. Por isso,

não há exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção de verdade.

( FOUCAULT, 2016FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016., p. 22)

Pouco nos importa saber do que alguém se alimenta, se prefere um bife malpassado ou se de fato é vegetariano. Essa realidade pode ainda não ser tão interessante para regimes de verdade. Não existe a figura emblemática de um radar para algum tipo de alimentação, pois este conhecimento é fruto de um acaso, ou seja, um dia se descobre que fulano não se alimenta de nenhum tipo de carne vermelha, por exemplo. Por mais que a maioria dos brasileiros se alimente de algum tipo de carne, pouco espanto haverá se descobrirmos que o nosso vizinho foge ao hábito majoritário alimentar da população deste país; não há um nível equiparável de repressão e marginalização neste ponto, pois inexiste um querer-saber da mesma forma que existem dispositivos de vigilância e punição da sexualidade. Em contrapartida, se o nosso vizinho não-afeminado não nos apresenta nenhuma namorada ou esposa, logo colocaremos o outing em funcionamento: “será que ele é gay?”. Não se tem interesse em saber se ele tem o que comer ou o que de fato come. Mas preocupa-se com quem ele leva para cama e quais posições desempenha; ou de que maneira duas mulheres fazem sexo se não têm pênis. Por isso,

surpreendemo-nos diante de todas as técnicas criadas e desenvolvidas para que o indivíduo não escape de forma alguma ao poder, à vigilância, ao controle, ao sábio, à reeducação nem à correção. Todas as grandes máquinas disciplinares: casernas, escolas, oficinas e prisões são máquinas que permitem apreender o indivíduo. Saber o que ele é, o que ele faz, o que se pode fazer dele, ou onde é preciso colocá-lo, como situá-lo entre outros.

( FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. A filosofia analítica da política. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010a. p. 37-55. (Ditos e escritos, v. 5)., p. 54-55)

Diferentemente deste texto, contudo, há pesquisas que insistem numa naturalização do gaydar. Produzem discursos revestidos de autoridade científica, como as pesquisas do campo psicológico ( RULE, 2011RULE, N. O. The Influence of Target and Perceiver Race in the Categorisation of Male Orientation. Perception, London, v. 40, n. 7, p. 830-839, 2011.; RULE; AMBADY, 2008RULE, N. O.; AMBADY, N. Brief Exposures: Male Sex Orientation Is Accurately Perceived at 50 ms. Journal of Experimental Social Psychology, Amsterdam, v. 44, n. 4, p. 1100-1105, 2008.; SULPIZIO et al., 2020 SULPIZIO, S. et al. Auditory Gaydar: Perception of Sexual Orientation Based on Female Voice. Language and Speech, London, v. 63, n. 1, p. 184-206, 2020.). No entanto, o gaydar pode ter suas “verdades” produzidas nos eventos mais ordinários da interação por sujeitos comuns e fora da academia: no ônibus, no trabalho, na busca por um emprego, na aquisição de um imóvel, durante o exercício no parque etc. Por isso, como foi evidenciado na análise do comercial “Adão e Eva”, o gaydar, aponta por calibragem metapragmática e indexicais a sexualidade fora do padrão heteronormativo e que é interditada, mas é uma sexualidade que, de modo geral, se almeja saber, conhecer, classificar. Para isso, utiliza-se de um conjunto de dispositivos que funcionam por técnicas do poder-saber. O gaydar, contudo, não se limita aos doze dispositivos apresentados na seção anterior. Outras investigações podem evidenciar a emergência de novas técnicas de controle e de poder sobre a sexualidade.

O gaydar participa ativamente de uma sociedade do controle não apenas pelo seu processo de sujeição dos indivíduos, mas também porque funciona como uma metragem para calcular o que pode ser produzido com esses sujeitos, uma vez que o poder também produz. De uma forma mais subliminar, pensando sobre a relação entre o gaydar, identidade e os lucros do comércio em geral: quais tipos de consumidores/as o gaydar ajuda a produzir? Talvez seja preferível, de alguma maneira, observar as técnicas de poder desse dispositivo através do avesso de suas formas mais óbvias e explícitas. A todo o momento, somos incitados/as a ver o gaydar produzindo formas hierarquizadas entre quem calibra a sexualidade alheia e outro que tem a sexualidade calibrada, desconfiada ou inspecionada. Este, certamente, é um ponto possível e inegável de seu funcionamento vetorial. Por outro lado, podemos analisar o outing, este elemento indexical, como um acontecimento de difícil acesso para determinar quem estabelece controle e domínio sobre quem ou sobre o quê.

A isso se deve ao fato de o exercício de poder nunca ser estático, imóvel de um ponto fixo a outro, do heterossexual ao homossexual, por exemplo. Isto é, não se trata de um poder de soberania ( FOUCAULT, 2006FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhón Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006.). Dessa maneira, “é preciso voltar a situar as relações de poder no interior das lutas, e não supor que há, de um lado, o poder e, do outro, aquilo sobre o qual ele se exerceria, e que a luta desenrolaria entre o poder e o não poder” ( FOUCAULT, 2015cFOUCAULT, M. Precisões sobre o poder. Resposta a certas críticas. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015c. p. 264-274. (Ditos e escritos, v. 4)., p. 271). Não se deve pensar as relações de poder sem formas de resistência porque elas existem onde o poder é exercido e localizado. As resistências são tão múltiplas quanto as formas de poder e estão integradas às estratégias globais sobre as quais ele age ( FOUCAULT, 2015bFOUCAULT, M. Poderes e estratégias. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015b. p. 236-246. (Ditos e escritos, v. 4).). Portanto, como afirmar com clareza quem está estabelecendo relação de dominação e quem está estabelecendo resistência no outing? Poderíamos pensar que são os homossexuais que resistem às imposições da norma sexual ou são os heterossexuais que resistem à desobediência dos homossexuais, aliando suas performances, condutas, às práticas mais normativas? Se é resistência e provoca determinada instabilidade na norma, ser gay exerce poder sobre a norma, não sofre apenas um exercício de dominação. Por isso, pode-se pensar o uso do gaydar em que a homossexualidade exerce um contrapoder à norma; ela o força a existir em sua própria resistência.

Dessa maneira, percebe-se que o uso do gaydar faz proliferar discursos de contranorma: para cada pessoa que é “identificada”, o gaydar minimamente atesta a impossibilidade de uma norma única, matricial e, por isso, não pode ser um dispositivo de exercício de repressão apenas. Pode um sujeito utilizar-se do gaydar, de sua indexicalidade ancorada nas estruturas macrossociológicas, para liberar o gozo, ao invés de reprimi-lo, de coagi-lo, de refutá-lo, mas expandi-lo, provocar determinada excitação com ele? Isto é, um sujeito pode utilizar do gaydar para saber se deve investir seu gozo com alguém e descobrir se o outro também o deseja numa festa? Seria o gaydar benéfico a alguém?

Da mesma forma que na ars erótica, em Foucault (2006FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhón Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006.), o gaydar pode ser um dispositivo para conhecer o prazer em vez de violentar os sujeitos? O gaydar é unicamente violento? Para Foucault (2010bFOUCAULT, M. Sexualidade e política. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. p. 26-36. (Ditos e escritos, v. 5)., p. 30),

quando o saber científico, ou melhor, pseudocientífico sobre o sexo não é mais dispensado apenas aos médicos e sexólogos, mas às pessoas comuns, e estas passam a aplicar esse conhecimento aos seus atos sexuais, esse saber se situa entre ars erótica e scientia sexualis.

Neste sentido, o gaydar poderia ser um instrumento para descobrir o gozo, o prazer do outro, uma vez que “o poder precisa de uma gama de saberes não somente para funcionar, mas também para se esconder” ( FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, M. Sexualidade e política. In: MOTTA, M. B. (org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. p. 26-36. (Ditos e escritos, v. 5)., p. 36). Eis aqui uma inquietação para não se pensar o gaydar como elemento de violência somente.

As técnicas para seu funcionamento são variadas e de diversas ordens de ocorrências. O gaydar é sempre uma incitação para um ato futuro, para uma economia de enunciados que poderá aparecer em decorrência: é uma janela, uma porta. Este dispositivo instancia o que está a vir: o que se faz com a “informação” desvendada pelo gaydar? O que se quer com ela? Quais significados lhe atribuímos? Seria para apenas um apontamento dêitico simples: ali está a gay!? Ou, por outro lado, reinserirmos essa informação com estruturais sociais superiores, ressignificando-a em circulação com novos efeitos? O que vem depois do gaydar? Atos de interdição, de proibição, de violência, de prazer? Depois que se utiliza o gaydar: (1) o sujeito é visto como desqualificado para a vaga de emprego, inábil para o cargo? (2) o sujeito perde seu erotismo? (3) seu corpo se torna mais vulnerável às formas de violência física? Em suma, qual jogo de poder se estabelece por meio de alguns índices de um gaydar? Por isso, o gaydar não marca o fim, mas uma ruptura, uma clivagem, uma contingência, uma calibragem, um reordenamento do fluxo interacional; é a incitação de um futuro de relações de poder em que nada lhe escapa, ou seja, o gaydar tem seu funcionamento agentivo porque origina um feixe de relações de poder que podem ser extraídas do seu acontecimento.

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Considerações finais

A proposta do artigo em dialogar sobre a existência do gaydar esteve bem distante de considerá-lo como um elemento ou uma entidade puramente real e capaz de operar a materialização dos corpos sexuados: o interesse não foi provar se é possível afirmar com precisão ou não se alguém é homossexual. Por mais que discursos e efeitos tenham sido provocados pelos seus apontamentos tal como insultos e agressões físicas, não podemos pressupor que ele consiga dar conta de todos os eventos em que as sexualidades não heteronormativas e principalmente a homossexualidade sejam operadas. O gaydar, dessa forma, não é concebido como uma entidade real que aponta as identidades sexuais, mas, enquanto dispositivo e com diversos exercícios de poder, produz efeitos reais tanto naqueles que o usa quanto naqueles em que ele é utilizado por meio de metapragmáticas da viadagem.

Com isso, se relacionarmos sempre o gênero com o desejo para definir a sexualidade não heteronormativa, teremos então de aceitar a natureza, a fixidez e a essência das identidades, e, de fato, não foi meu objetivo neste texto. O gaydar, por ser imaterial e impreciso, é apenas fruto de um discurso normativo e histórico-contemporâneo que opera efeitos materiais e aponta aquilo que contraria a norma. O gaydar não pode ser senão um dos dispositivos em que a homofobia pode ser materializada e operada, pois ele sempre aponta o que é diferente e divergente à norma ou pode, em vez disso, marcar a resistência contra o plano heteronormativo. A pergunta ainda resiste: com quais objetivos se usa o gaydar? Qual ordenamento ele incita e opera em seguida? Violência ou desejo? Quais relações de poder exerce?

Este artigo procurou compreender como o gaydar surge num plano histórico subsidiado pelo dispositivo de sexualidade exercendo uma teia de poder sobre os processos de subjetivação por meio do poder, do saber e da disciplina. Não é possível compreender o gaydar e seu funcionamento fora de um sistema patriarcal de sujeição em que discursos hegemônicos tentam se cristalizar tanto na sexualidade quanto no gênero. Tanto o comercial “Adão e Eva” quanto os casos descritos sobre a problemática deste dispositivo serviram-nos para justificar os princípios linguísticos e discursivos envolvidos em seu uso: a indexicalidade, as metapragmáticas, a performatividade, as instituições patriarcais. Um pouco sobre seu funcionamento foi aqui apresentado. Sobre este dispositivo ainda há muito o que ser dito e pesquisado diante das diversas faces de exercício de seu poder e de seus desdobramentos no tempo e no espaço. Em geral, apresentei o gaydar como um dispositivo que mobiliza outros para os eventos metapragmáticos de ocorrência indexical, ou por metapragmáticas da viadagem, que acionam relações de poder, poder-saber, poder disciplinar, binarismo, heteronormatividade, estereótipo, história, identidade, sexismo, verdade, armário e discurso.

Referências

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  • 1
    “Fazer o outing” significa avaliar ou supor uma homossexualidade de alguém através de seus atos, ou seja, um elemento próprio do gaydar. É o momento em que se desconfia da homossexualidade de uma pessoa porque ela apresenta algum tipo de traço “duvidoso” como voz, gostos, objeções etc.
  • 2
    Onde estiver escrito não-dito, leia-se como um dito implícito ou dito discretamente de outra forma por meio de índices semióticos, visibilidades ou enunciados não-verbais.
  • 3
    Para evadir-se de confusão: os verbos indiciar e indexicalizar são sinônimos neste texto.
  • 4
    Recomendo enfaticamente que se assista ao vídeo, uma vez que ele não apresenta grande linguagem verbal e a análise apoia-se efetivamente na linguagem não-verbal do anúncio.
  • 5
    Por calibragem metapragmática compreendo uma quebra no decurso de uma interação, uma reavaliação do que já havia sido dito; uma quebra na expectativa do fluxo interacional e das produções de significados (sociais): é um refazer, um ajuste sobre aquilo que já ocupava o lugar de pressuposto, sobre os significados ou textos interacionais já consolidados. Isto é, uma calibragem é uma reorientação sobre o passado da interação e, ao mesmo tempo, reorganiza seu futuro para que prossiga no novo fluxo: “não era isso que eu tinha entendido” e, “Ele é gay? Nunca imaginei!” são formas explícitas desta calibragem.
  • 6
    Este quadro representa uma leitura do quadro apresentado por Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical Order and the Dialectics of Sociolinguistic Life. Language & Communication, Amsterdam, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, 2003.). Sugiro conferir a versão do original do autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2021
  • Aceito
    17 Out 2021
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