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Dos Antagonismos na Apropriação Capitalista da Água à sua Concepção como Bem Comum

Resumos

O artigo defende que, para compreender a apropriação capitalista da água em suas diversas manifestações, é necessário considerá-las como momentos da produção de valor, uma dimensão socialmente construída que organiza o metabolismo entre seres humanos e natureza na dinâmica da luta de classes. Fundamentado em Marx, propõe uma interpretação para o tema da água a partir da ontologia do ser social e problematiza a construção histórico-conceitual dos consensos em torno da concepção hegemônica da água como bem econômico, analisando suas implicações para a organização da gestão e do acesso. Constata-se que, de modo funcional a essa organização, a apropriação da água é tratada de modo fragmentado e desarticulado. Por outro lado, nas lutas sociais pela defesa de meios de vida ameaçados, emergem concepções que se contrapõem aos consensos sobre a água e ao valor social capitalista, apontando na direção de uma concepção universal da água como bem comum.

Água; Capital; Natureza; Luta de Classes; Bem Comum


The paper argues that in order to understand capitalist water appropriation in its diverse manifestations, its necessary to consider all of them as moments of the production of value, a socially constructed dimension that organizes metabolism between human beings and nature in a class struggle dynamics. Based on Marx, it proposes an interpretation of water issues from the perspective of the ontology of social being, discussing the historical and conceptual construction of consensus around the hegemonic conception of water as an economic good, and analyzing their implications for water management and access. One of its findings argues that the appropriation of water is approached in a fragmented and non-articulated way. On the other hand, in social struggles in defense of threatened livelihoods, conceptions that oppose the water consensus and the capitalist social value emerge, pointing towards a universal conception of water as a common good.

Water; Capital; Nature; Class Struggles; Common Good


Introdução

Nas últimas décadas, o tema da água tem estado cada vez mais presente nas agendas políticas dos diversos níveis de governo, em diretrizes e condicionalidades de instituições multilaterais de fomento ao desenvolvimento, e em análises científicas e acadêmicas de diversas áreas do conhecimento. Apesar da sua relevância e da multiplicidade e diversidade de atores que têm se envolvido com o assunto, o que se observa nesses espaços é um consenso que orienta as ações de governos e dos demais atores em arenas decisórias e deliberativas, assim como as análises científicas. As condicionalidades impostas pelo fomento ao desenvolvimento, as políticas públicas, as pesquisas, a organização de comitês e conselhos participativos, as propostas acadêmicas, enfim, a rica multiplicidade daquilo que compõe o espaço de discussão sobre a água cresce de forma convergente e consensual. Parte desse consenso decorre da adoção acrítica de referenciais que impedem a percepção de fenômenos como a privação do acesso à água ou que os tratam como meros problemas de gestão.

Estes consensos se expressam em diferentes dimensões. Uma delas é a ênfase em aspectos técnicos em detrimento de aspectos políticos. Neste sentido, o que se observa é uma proliferação de estudos e políticas orientados para a promoção de tecnologias como o mapeamento por sensoriamento remoto, ou para a solução de problemas de poluição pelo reuso. A poluição da água, por exemplo, aparece como um problema estritamente técnico, como se o poluidor não estivesse também se apropriando privadamente de um bem comum, o que é um problema político. Outra dimensão do consenso se organiza em torno do conceito de escassez, que se transmuta de um conceito da economia neoclássica para um axioma, passando a orientar acriticamente pesquisas e propostas políticas sobre a água. A terceira dimensão a ser mencionada de modo introdutório é a governança que, assim como a escassez, é aceita de forma acrítica e irrefletida: a conquista de uma governança efetiva harmonizaria os interesses difusos em uma mesma arena, como se o conflito de interesses fosse um problema passível de solucionar através de instrumentos eficientes de gestão. Finalmente, o tema da água é usualmente trabalhado de forma fragmentada, de modo que seria mais apropriado se referir aos temas da água. Apesar de estarem agrupados em um consenso que compartilha o axioma da escassez, as prescrições da governança e privilegia uma perspectiva tecnicista, os temas da água raramente são articulados. Neste sentido, o que se percebe são análises que fragmentam distintos temas e produzem a aparência de que eles não estão intrinsecamente conectados.

Este artigo problematiza a construção histórica e conceitual destes consensos e expõe seus aspectos contraditórios e conflituosos. Para encontrar esses aspectos, o estudo se vale das proposições de Marx, buscando uma interpretação para o tema da água a partir da ontologia do ser social. Para tanto, destaca a relevância da magnitude do valor, uma dimensão invisível e não quantificável, socialmente construída e simbólica, que organiza o metabolismo entre seres humanos e natureza, incluindo as formas pelas quais a água é apropriada em seus distintos usos. Nos processos de lutas sociais analisados – articulações contra a mineração a céu aberto na Argentina e outras lutas sociais, como o rechaço à construção de barragens na Amazônia – identificam-se concepções emergentes que questionam os consensos sobre a água. As percepções daqueles que vivem os riscos vinculados à privação e poluição da água apontam na direção de uma concepção universal da água como bem comum.

O texto aqui apresentado se origina de uma pesquisa que teve como objetivos demonstrar as tendências geradas pelo valor enquanto magnitude que organiza a sociedade capitalista, especificamente no que se refere à apropriação da água; analisar a construção histórica de consensos políticos e intelectuais que ocultam a luta de classes e as desigualdades produzidas na apropriação capitalista da água; e identificar, na práxis dos lutadores sociais que defendem meios de vida ameaçados pela apropriação capitalista da água, concepções que vão além das aparências e esboçam uma contraposição à lógica que define a água como mercadoria.

As informações sobre as lutas sociais foram obtidas através de dados secundários e de duas viagens de campo na Argentina, realizadas no primeiro semestre de 2013: participação e entrevistas com ativistas durante o Encontro da Unión de Asambleas Ciudadanas, realizado em Mendoza; viagem de pesquisa em San Fernando del Valle de Catamarca, Andalgalá e Chilecito. Nessas viagens, se constatou o aspecto mais destrutivo da relação capitalista e, simultaneamente, as possibilidades libertadoras da organização e do poder popular. O contato com pessoas que vivem a privação da água, com intelectuais orgânicos a movimentos diversos, com ativistas e vítimas da espoliação produzida pela dinâmica do capital; assim como a vida, a consciência, politização e a atividade prática levaram a um posicionamento ético-crítico (DUSSEL, 2002DUSSEL, E. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.) que orienta esse trabalho.

Do ponto de vista epistemológico, o trabalho se insere na perspectiva inaugurada por Marx e Engels (2009)MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Expressão popular, 2009., um ponto de vista a partir do qual o concreto, a sociedade capitalista em suas múltiplas determinações, é reproduzido na abstração que recria essa realidade a partir de seu núcleo fundamental: o valor. O valor é o tempo de trabalho socialmente necessário na produção material. É objetivo, mas imaterial (HARVEY, 2010aHARVEY, D. A companion to Marx’s Capital. New York: Verso, 2010.). A forma pela qual Marx chegou a essa análise foi pela abstração. É por isso que “não há uma questão de método no pensamento marxiano”. O que existe é uma questão ontológica, que “definiu a tarefa do sujeito e assinalou o lócus da verdade” (CHASIN, 2009CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009., p. 89). Sendo a atividade prática o lócus da verdade, a “fundamentação ontoprática” de Marx, nas palavras de Chasin (2009CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009., p. 105), “consolida a questão em sua forma inteligível e no devido lugar científico, facultando sua investigação concreta pela indicação de seus lineamentos estruturais”.

Portanto, o estudo foi desenvolvido pela abstração do que se apresentou como realidade concreta, na busca por compreender suas contradições, gênese e necessidades. O argumento do trabalho condiciona sua demonstração e, por isso, a organização do texto se subordina à comprovação do argumento. Perdem sentido as regras de demonstração de resultados que subordinam o argumento (a síntese produzida entre o estudioso e os fenômenos) ao procedimento. Da mesma forma, não se pode separar a formulação do argumento das experiências, vivências e sensações dos autores.

O artigo está dividido em três partes. Na primeira, apresentam-se as contribuições da teoria de Marx para a compreensão dos fenômenos relacionados à apropriação da natureza e da água. Na segunda se apresenta a concepção da água – como bem econômico – que hegemoniza os debates, concentrando-se nos aspectos históricos e conceituais que dão origem à formação de um bloco hegemônico organizado em torno a este conceito, e liderado por corporações transnacionais e agências de financiamento. O consenso historicamente construído também se manifesta em limitações teórico-políticas de ativistas e acadêmicos que incorporam os conceitos e a visão de mundo próprios da racionalidade capitalista, promovendo uma confusão conceitual entre água como bem público e água como bem comum. Na terceira parte, são apresentados depoimentos e relatos de experiências de privação de água e lutas sociais contra o agronegócio, a construção de barragens e a mineração a céu aberto. Os relatos evidenciam sementes de concepções emergentes que rompem com a hegemonia a partir de uma práxis que faz a crítica ontológica das relações capitalistas, produzindo concepções e práticas disruptivas que se contrapõem ao valor social encarnado no dinheiro e à organização capitalista do metabolismo social.

A Apropriação Capitalista da Água

Em Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1., o conceito de natureza é sempre relacionado aos seres humanos e ao processo de trabalho. Ao apropriar a natureza de forma consciente, seres humanos se diferenciam de outros seres vivos. Não há determinismos ou lei natural que defina essa relação. Há, sempre, propósitos e interações sociais. Tendo como referência as formulações de Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1. sobre o metabolismo entre seres humanos e natureza, pode-se concluir que tudo o que a espécie humana produziu e produz se relaciona a duas categorias fundamentais: natureza e trabalho; sendo a natureza apropriada pelo trabalho.

O conceito de apropriação e a noção do metabolismo social como processo através do qual o ser humano se relaciona com a natureza ampliam o horizonte da análise fragmentada dos diversos temas relacionados à água. Qualquer uso que seja feito da água será, sempre, apropriação da natureza por meio de trabalho para satisfazer necessidades humanas. A água apropriada deixa de ser natureza prístina e se transforma em uma nova natureza; o que antes era exterior se torna unidade com aquele que apropria, em uma nova configuração. Essa percepção impõe considerar, na análise do tema da água, todas as suas formas de uso na sociedade capitalista, desde as mais necessárias, como a água para a alimentação e a saúde, até as mais supérfluas. Tampouco os nexos que articulam a totalidade da vida social – relações entre seres humanos, metabolismo social, formas de consciência etc. – podem ser ignorados e excluídos da análise. Os temas e usos da água ganham, assim, um núcleo articulador a partir do qual se compreende dinâmicas específicas: a apropriação da água se manifesta em temas distintos como a gestão por bacias hidrográficas; o uso intensivo de água em megaprojetos e na produção agrícola; as regulamentações (ou falta de) do uso de água subterrânea; os acordos sobre rios transfronteiriços; os direitos de uso etc.

Outro aspecto importante que sobressai da teoria de Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1. é considerar que a água e a natureza em geral são apropriadas para a produção de valores-de-uso em processos que também produzem valor (na forma de valor-de-troca). Esses dois processos, apesar de serem o mesmo, são antagônicos. Isso coloca uma série de questões, sendo que a principal é que o propósito de apropriação da natureza deixa de ser a produção de valores-de-uso e passa a ser a produção de valores-de-troca.

Por mais que o processo de produção de ambas as dimensões (valores-de-uso e valores-de-troca) seja o mesmo, o critério social que determina e confere poder universal é o valor. Os usos sociais das coisas que são produzidas perdem relevância. Além disso, na relação capitalista, a natureza – matéria universal para a reprodução da vida – não conta como produção de valor, apesar de ser seu fundamento material1 1 Na ‘Crítica do programa de Gotha’, Marx (2012, p. 23) afirma categoricamente: “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana”. .

No momento em que se torna independente de sua própria magnitude, e por isso mesmo, o capital gera uma contradição fundamental: se autoatribui uma capacidade de expansão que não tem correspondência material e natural. Ou seja, o capital separa sua magnitude, em termos de maquinário, força de trabalho e mercadorias, do que efetivamente essa magnitude lhe permitiria transformar em termos de matérias-primas. A relação criada nesse antagonismo é a mesma, na análise de Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1., que a relação que separa o valor e o valor-de-uso, mas em uma forma mais desenvolvida. Ao perder a conexão com as condições que limitariam sua reprodução em níveis material, natural e humanamente possíveis, o capital se transforma em uma relação alienada do mundo que o criou e, assim, se torna uma máquina sem freios que não encontra limites materiais e naturais.

Coagidos pela lei da competição, os capitalistas tendem a explorar ao máximo os trabalhadores, chegando ao ponto de esgotar a possibilidade de sua reprodução. Sendo a natureza e o trabalho as duas únicas fontes da produção de valor, a luta de classes, enquanto contenção da exploração do trabalho pela diminuição do seu tempo apropriado pela classe capitalista reflete, também, a luta contra a exploração da natureza. Em outros termos, o capital necessita incorporar tanto o trabalho – pela exploração da força de trabalho; quanto a natureza – matérias-primas, maquinário, recursos etc. Neste processo, os trabalhadores e a natureza encontram-se submetidos ao mesmo processo e a luta de classes pode, assim, ser também uma luta em defesa da natureza.

Muitos autores que trabalham com temas relacionados à ecologia e à natureza rejeitam a teoria de Marx com o argumento de que ela não considera a natureza na criação de valor. No entanto, uma leitura de sua obra, acompanhando os movimentos analíticos que realiza, revela uma concepção segundo a qual o valor conferido pela natureza é um valor distinto daquele produzido na relação capitalista. Há, em sua teoria, uma articulação orgânica entre os conceitos de metabolismo social e valor: a organização metabólica do sistema capitalista engendra uma percepção social contraditória da realidade na qual a natureza não transmite valor às coisas, mas é, ao mesmo tempo, o seu fundamento material. Nessa lógica, a natureza apenas tem valor enquanto valor-de-troca, seja ela natureza prístina que foi separada de seu meio, seja matéria-prima ou, mesmo, bem de consumo. É o caso, por exemplo, dos mecanismos de atribuição de valor monetário à atmosfera, conhecidos como ‘mercados de carbono’, criados com o declarado objetivo de controlar as emissões de carbono e o efeito estufa. O mesmo ocorre com a atribuição de valor monetário à água, princípio fundamental na concepção da água como bem econômico. Também é o que acontece nas recentes iniciativas conhecidas como ‘economia verde’, que dominaram as propostas da última conferência das Nações Unidas, a Rio +20 (MISOCZKY e BÖHM, 2012MISOCZKY, M. C; BOHM, S. Resisting neocolonial development: Andalgalá’s people struggle against mega-mining projects. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, jun. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512013000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 out. 2013.
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). Essas propostas se fundamentam em atribuir valor-de-troca à natureza, ao invés de enfatizar seu valor-de-uso. São coerentes, portanto, com a impossibilidade de atribuir valor social às coisas pelos seus usos, própria da racionalidade capitalista.

Resistir ao avanço do capital na contínua e acelerada transformação da natureza em mercadorias exige, também, resistir a essas concepções. Mais especificamente, a análise dos processos de apropriação da água e dos conflitos a eles relacionados deve levar em consideração os fundamentos ontológicos do metabolismo social na sociedade capitalista, sob pena de permanecer na superfície de concepções parciais. Nessa perspectiva, os ‘temas da água’ se articulam em um único tema enraizado nos nexos mais profundos da apropriação da natureza que, na sociedade capitalista, são organizadas pela produção de mais valor em uma dinâmica de luta de classes: a água é natureza incorporada na criação de mais valor. A análise do tema da água, nesse sentido, deve identificar os interesses de classe em disputa, bem como os reflexos dessas disputas sobre a apropriação da água e as formas de vida.

Alguns autores têm atualizado os conceitos de Marx (1991) no que se refere à natureza e aos processos sociometabólicos organizados pelas tendências da apropriação de valor. Em Foster (2005)FOSTER, J. B. A ecologia de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., o tema das falhas no metabolismo social irracionalmente organizado pela necessidade de expansão do capital é trazido para o centro do debate, rechaçando assim as interpretações prometeicas que atribuem a Marx a crença no progresso das forças produtivas. Moore (2011a)MOORE, J. Ecology, capital, and the nature of our times: accumulation & crisis in the capitalist world-ecology. Journal of World-System Research, v. 17, n. 1, p. 108-147, 2011a. Disponível em: <http://www.jasonwmoore.com/uploads/Moore__Ecology_Capital_and_the_Origins_of_Our_Times__JWSR__2011_.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2013.
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avança esses argumentos, propondo entender o capitalismo como uma ecologia-mundo, uma espiral totalizante da história humana, usando a teoria do valor para explicar a organização do intercâmbio metabólico com a natureza. Ecologia, para ele, não é apenas ambiente físico, inclui também os seres humanos e suas relações, dentre elas o capital. Por isso, o capitalismo é um regime ecológico. Essa é, também, de certa forma, a compreensão de Smith (2010)SMITH, N. Uneven development: nature, capital and the production of space. 3. ed. London: Blackwell, 2010. e Harvey (2005)HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005., para quem o capital produz sua própria natureza e, também, espaços sociais. A produção do espaço e a construção de ambientes são resultado e, ao mesmo tempo, interferem nas relações capitalistas.

A apropriação da água não foge às dinâmicas apontadas por esses autores em suas análises sobre a fase atual do capitalismo. As diversas formas de apropriar-se da água para satisfazer necessidades humanas estão condicionadas pela produção de mais valor e pela luta de classes: são caracterizadas por desconfigurações e degradação ecológicas decorrentes de falhas no metabolismo social (FOSTER, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.); estão imersas em relações múltiplas e criativas em diferentes escalas, relações que tendem a ser apropriadas para a acumulação infinita de capital (MOORE, 2011bMOORE, J. Transcending the metabolic rift: a theory of crises in the capitalist world-ecology. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 1, p. 1-46, 2011b. Disponível em: <http://www.jasonwmoore.com/uploads/Moore__Transcending_the_Metabolic_Rift_CORRECTED__JPS_2011.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2013.
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); configuram distintos espaços (HARVEY, 2005HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.); e, principalmente, têm sido alvo de distintas estratégias de acumulação por espoliação (HARVEY, 2004HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.). A contribuição desses autores enriquece o arsenal analítico e fortalece a possibilidade de articular os diferentes temas usualmente trabalhados de forma isolada em uma compreensão universalizante: a apropriação capitalista da água é funcional à produção de mais valor em uma sociedade definida por relações e lutas de classes.

A Construção do Consenso que Legitima a Água como Mercadoria

Na história recente do capitalismo, em diferentes momentos e lugares, foi forjada uma concepção que organiza uma hegemonia. Essa concepção possui fundamentos conceituais e teóricos que emergem de práticas concretas de usos da água, mecanismos de gestão e formulações teóricas a eles relacionadas.

Vincular a água com a forma mercadoria está na raiz da concepção da água como bem econômico que foi anunciada pelas Nações Unidas em 1992. No entanto, McGee (1909)MCGEE, W. J. Water as a resource. American Academy of Political and Social Science, v. 33, n. 3, May 1909. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1011671>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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, no início do século passado, já a definia como recurso para a produção de mercadorias: a água é um recurso para a produção industrial, agrícola e para o abastecimento humano; é um insumo que impulsiona o crescimento da economia. Assim como qualquer outro recurso da produção, deve ser mensurado, quantificado e gerido como mercadoria. Apesar de simples, essa afirmação merece uma reflexão mais aprofundada.

Como visto, Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1. analisa a mercadoria em seu aspecto mais essencial e contraditório: o antagonismo entre valor-de-uso e valor, que aparece como valor-de-troca. O que caracteriza a mercadoria na sociedade capitalista, para ele, é o descolamento entre o uso de algo, que se manifesta em seus aspectos qualitativos, físicos e materiais; e o valor social atribuído em função do tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. Nesse descolamento, a magnitude do valor assume preponderância em relação ao valor-de-uso e, por isso, as formas aparentes do valor, como o dinheiro, se sobrepõem à própria mercadoria. O resultado é uma alienação na qual apenas tem valor social o que pode render mais à classe capitalista. Ou seja, a natureza, as dinâmicas da vida e o trabalho apenas podem ser socialmente valorizados enquanto mercadorias. Com essa interpretação, Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1. oferece uma explicação para o ato de retirar da água seus aspectos essenciais de uso e promover uma progressiva ideia que a define como mercadoria representada pelo dinheiro. Se nas primeiras formulações de McGee (1909)MCGEE, W. J. Water as a resource. American Academy of Political and Social Science, v. 33, n. 3, May 1909. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1011671>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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esse argumento estava implícito, nas formulações atuais da economia verde ele é explícito: o uso da água deve ser pago em dinheiro e as reservas de água são precificáveis.

O antagonismo entre valor-de-uso e valor, em Marx (1990)MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1., se revela em uma abstração que capta a realidade concreta sob dois ângulos também antagônicos: o processo de trabalho e o processo de valorização. O processo de trabalho é a apropriação da natureza para a produção de valores-de-uso por meio do trabalho; e o processo de valorização é a criação de mais valor social para a classe capitalista. O antagonismo no qual a sociedade capitalista se sustenta engendra relações fetichizadas nas quais o movimento de mercadorias oculta as dinâmicas sociometabólicas (que incluem as relações sociais e com a natureza) que as criaram. O dinheiro, enquanto mediador dessas relações, potencializa o fetichismo das relações sociais. Sendo o dinheiro “o representante universal de toda a riqueza material” (MARX, 1990MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1., p. 231), a forma pela qual, na racionalidade capitalista, se pode atribuir valor a algo é transformando esse algo em dinheiro. Assim, por exemplo, a natureza prístina passa a ser considerada uma “infraestrutura ecológica que provê água” (UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAMME, 2010UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAMME. The greening of water law: managing freshwater resources for people and the environment. 2010. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1685646>. Acesso em: 10 ago. 2012.
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, p. vii), como afirmou o diretor executivo da United Nations Environmental Programme, e, portanto, deve ter seu valor determinado em dinheiro.

Essa lógica aparece nas formulações sobre a água como bem econômico: ao desconectar o valor-de-uso do valor atribuído pelo dinheiro, justificam e ampliam uma relação fetichizada que encobre os aspectos concretos das práticas de apropriação e dos mecanismos de gestão a elas associados. Para aprofundar esse argumento, considera-se com mais cuidado dois aspectos que fundamentam essa relação fetichista: o conceito de escassez e a teoria institucional.

O conceito de escassez é um conceito muito caro às concepções teóricas que legitimam as relações capitalistas em termos de apropriação da natureza. O argumento da escassez remonta, principalmente, às formulações malthusianas que legitimavam a desigualdade social e a miséria como formas corretivas do crescimento populacional. Na vertente neoclássica da economia o conceito está associado a um movimento que retirou o foco da criação de valor por meio do processo de trabalho – ponto pacífico entre os principais economistas clássicos, ainda que com diferenças. O novo foco referendava o valor das mercadorias conferido pela determinação de preços no cruzamento entre oferta e demanda. Ou seja, apenas as trocas possibilitadas pelas relações capitalistas de produção e circulação de mercadorias, mediadas pelo dinheiro, poderiam criar valor social. Justificava-se, assim, no mundo aparente das trocas, a função do capitalismo na criação dos valores.

Menger (1988)MENGER, C. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988. é um dos precursores desses argumentos. Para ele, ‘bens econômicos’ são aqueles cuja demanda é maior que a oferta e, portanto, apresentam escassez; ‘bens não econômicos’ são os abundantes. Fundamentando a propriedade privada, Menger (1988MENGER, C. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988., p. 61) afirma que “[...] a economia humana e a propriedade têm origem econômica comum, pois ambas encontram seu fundamento último no fato de haver bens cuja oferta é menor do que a respectiva demanda”, concluindo que a propriedade é “a única solução prática possível que a própria natureza (isto é, a defasagem entre a demanda e a oferta de bens) nos impõe”.

Se a propriedade privada é uma consequência natural da atividade humana é lógico concluir, como faz Menger (1988MENGER, C. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988., p. 68), que riqueza é “a totalidade dos bens disponíveis a um indivíduo que desenvolve as atividades econômicas”, ou seja, é um “critério para medir o grau de plenitude no qual uma pessoa consegue satisfazer suas necessidades” (MENGER, 1988, p. 69). Portanto, apenas os bens econômicos podem constituir riqueza, e a riqueza apenas existe enquanto propriedade privada, já que os bens não econômicos (aqueles que existem em abundância) não levam a que se realizem atividades econômicas e não constituem riqueza. Daí concluir que a escassez seja desejável é um passo que o autor dá, ao defender uma diminuição contínua de bens abundantes (como o ar, a água, as paisagens naturais), uma vez que isto fará com que eles finalmente se tornem escassos em algum grau e, assim, componentes da riqueza, que será aumentada (MENGER, 2007MENGER, C. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988. apud FOSTER e CLARK, 2009FOSTER, J. B.; CLARK, B. The Paradox of Wealth: Capitalism and Ecological Degradation. Monthly Review, v. 61, n. 6, Nov. 2009. Disponível em: <http://monthlyreview.org/2009/11/01/the-paradox-of-wealth-capitalism-and-ecological-destruction>. Acesso em: 30 abr. 2011.
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, p. 4).

Os argumentos da escassez, no entanto, apresentam uma armadilha: engessam as possibilidades de conceber a abundância como valor ou riqueza porque associam a criação de valor à necessidade, como se o capitalismo fosse resultado natural da necessidade social. Essa é a lógica que orientou o anúncio da água como um ‘bem econômico’ feito pela ONU em 1992, em um documento que ficou conhecido como ‘Os princípios de Dublin’: a única forma de atribuir riqueza e valor à água é considerando-a escassa e atribuindo-lhe o equivalente em dinheiro. Nesse sentido, a suposta ‘mudança de paradigma’ (BARRAQUÉ, 1995BARRAQUÉ, B. As políticas de água na Europa. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.) defendida pelos entusiastas da governança, do modelo francês de gestão por bacias hidrográficas e dos Princípios de Dublin, é, na realidade, um retorno ao paradigma neoclássico: retomam os fundamentos da escassez como conceito organizador da apropriação da natureza e a concepção de ‘bem econômico’ como única forma de produzir valor e riqueza social.

A ilusão da superação de paradigmas é, também, possibilitada pela perspectiva institucional, outra vertente teórica que justifica a relação fetichizada das práticas de apropriação da água e dos mecanismos de gestão.

Ostrom (1965)OSTROM, E. Public entrepreneurship: a case study in ground water basin management. 1965. Dissertation (Doctor of Philosophy in Political Science) - University of California, Los Angeles, 1965. Disponível em: <http://dlc.dlib.indiana.edu/dlc/bitstream/handle/10535/3581/eostr001.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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analisa a institucionalidade criada no estabelecimento de regras de uso da água no contexto estadunidense do início e meados do século XX. Naquele momento era enfatizado o barramento de rios para aproveitamento da água em atividades distintas, além da transposição e do deslocamento de água para abastecer cidades e recuperar o capital em crise desde 1929. Ostrom (1965)OSTROM, E. Public entrepreneurship: a case study in ground water basin management. 1965. Dissertation (Doctor of Philosophy in Political Science) - University of California, Los Angeles, 1965. Disponível em: <http://dlc.dlib.indiana.edu/dlc/bitstream/handle/10535/3581/eostr001.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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ignora a origem material e natural da água, bem como o fato de ser necessária a construção de barreiras para evitar a salinização. Ou seja, ignora as falhas metabólicas (MARX, 1991; FOSTER, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.) que ocorrem quando a água é deslocada de seus fluxos naturais e são geradas perturbações (novas dinâmicas naturais) potencialmente destrutivas. É compreensível que a autora assim proceda, já que a manipulação faz parte das práticas capitalistas de apropriação da água e os aspectos potencialmente destrutivos desses empreendimentos são tratados, nas abordagens sobre gestão e nas concepções hegemônicas sobre a água, como se fossem fenômenos isolados. Além disso, na perspectiva institucional, os valores do ambiente institucional são tomados como dados e, portanto, legítimos e inquestionáveis.

O trabalho de Selznick (1984)SELZNICK, P. TVA and the grassroots. Los Angeles: University of California Press, 1984., um dos precursores desta perspectiva, está diretamente relacionado à apropriação da água e à experiência pioneira da Tennessee Valley Authority - um marco na gestão da água também nos Estados Unidos. Para este ator, a organização se institucionaliza quando é infundida dos valores de seu ambiente, sem problematizar a gênese desses valores. Essa mesma suposição, de que os valores são dados, se encontra na abordagem de Ostrom (1965OSTROM, E. Public entrepreneurship: a case study in ground water basin management. 1965. Dissertation (Doctor of Philosophy in Political Science) - University of California, Los Angeles, 1965. Disponível em: <http://dlc.dlib.indiana.edu/dlc/bitstream/handle/10535/3581/eostr001.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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; 1999OSTROM, E. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.; 2009OSTROM, E. Beyond markets and states: polycentric governance of complex economic systems. 2009. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2009/ostrom-lecture.html>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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), que identificou a criação de uma nova institucionalidade – a governança – na administração das águas subterrâneas na Califórnia a partir de articulações para estabelecer regras e controlar a sobre-exploração, evitando ameaças ao abastecimento. O ambiente construído pelos processos socioecológicos e político-econômicos do contexto estão excluídos na sua análise. Ou seja, os aspectos materiais da manipulação da água e as falhas metabólicas decorrentes, bem como os aspectos desiguais como a privação das comunidades de seu acesso à água e a cobrança de taxas, não são considerados. Por isso, sua teoria confunde bens comuns com interesses comuns em apropriar os recursos naturais para a produção de mercadorias, promovendo assim a cooptação da noção de ‘bens comuns’ pelos círculos dominantes do conhecimento e da formulação de políticas. Ostrom (2009)OSTROM, E. Beyond markets and states: polycentric governance of complex economic systems. 2009. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2009/ostrom-lecture.html>. Acesso em: 5 fev. 2013.
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justifica a emergência de mecanismos de gestão inovadores, eficientes e descentralizados para os recursos naturais, necessários para a expansão do capitalismo.

Esta é uma das abordagens mais influentes nas formulações de instituições, como a ONU e o Conselho Mundial da Água, que constroem a legitimidade de suas ações utilizando-se de recursos discursivos socialmente legítimos. Nesse processo, o axioma da escassez, as prescrições da governança, o mito do desenvolvimento e a concepção da água como bem econômico são fundamentais. Eles funcionam como referentes que associam os diferentes usos da água a valores socialmente legitimados, tais como a sustentabilidade e a eficiência. Ocultam, no entanto, a gênese desses próprios valores.

Se o ambiente organizacional é fonte de sentidos, como se origina essa fonte de sentidos? Essa pergunta segue convenientemente ausente na perspectiva institucional. Nas palavras de Vieira e Carvalho (2003)VIEIRA, M. M.; CARVALHO, C. A. Campos organizacionais: de wallpaper à construção histórica do contexto de organizações culturais em Porto Alegre e em Recife. In: Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, 27., 2003, Atibaia. Anais... São Paulo: ANPAD, 2003. v. 1. p. 1-16., o contexto organizacional é como um wallpaper, um pano de fundo cuja construção histórica não entra em discussão. Em Marx, no entanto, esse mito é revelado: a fonte de sentidos da sociedade capitalista, a organização dos processos que levam ao estabelecimento de wallpapers, mesmo que transitórios, é o capital, uma relação social eivada de antagonismos, contradições e conflitos. Para compreender as instituições, organizações e a vida em sociedade, é necessário considerá-los imersos nas relações capitalistas. Por exemplo, um determinado mecanismo de gestão institucionalizado nas relações capitalistas no período neoliberal, como os Princípios de Dublin, está atravessado pela lógica que o dinheiro carrega e pelos distúrbios que causa nas dinâmicas da natureza pela manipulação da água.

Os mecanismos hegemônicos de gestão da água são aparentemente separados das práticas de apropriação e integrados aos valores legitimados pelo capital. Cria-se, nesse processo, um ambiente institucional funcional à etapa neoliberal do capitalismo, na qual os conceitos da escassez, valor econômico e governança adquirem status de norma, se concretizam e obscurecem as práticas concretas de apropriação que são, de fato, fundamentadas na abundância, na espoliação e na ausência de regras.

Esse processo é cheio de contradições e, por isso, precisa de estratégias de construção de hegemonia para se viabilizar. Portanto, a produção de consensos é fundamental. Ao mesmo tempo em que, no chão, o capital avança deslocando pessoas, comunidades e formas de vida; nos debates teórico-conceituais produz consensos pela disseminação de concepções funcionais às suas necessidades. A luta é, portanto, também, uma luta de ideias.

Para Marx e Engels (2009MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Expressão popular, 2009., p. 69), nas dinâmicas da luta de classes, a classe dominante necessita “apresentar o seu interesse como o interesse universal de todos os membros da sociedade”. Ideias dominantes, nessa perspectiva, não são ideias soltas e desconectadas, são precisamente “a expressão ideal das relações materiais dominantes”. Neste sentido, formulações de ONGs e acadêmicos que pretendem fazer oposição a formas de apropriação capitalista da água se encontram, muitas vezes, contaminadas pelo consenso dominante. Algumas evidências desta contaminação se encontram em: propostas políticas e análises acadêmicas que, apesar da pretensa postura crítica, reiteram a governança capitalista; em processos recentes de luta contra a privatização do abastecimento que enfrentam armadilhas políticas colocadas por uma concepção que exterioriza um Estado supostamente neutro com relação às dinâmicas de classe; e a água como direito humano, um marco normativo que não exclui o protagonismo do capital, mas lhe atribui uma nova responsabilidade, pretensamente ética2 2 Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, após proposta da delegação boliviana e campanha de diversas organizações não governamentais, que a água é direito de todos os seres humanos. O texto da declaração convoca, também, “os Estados e organizações internacionais para prover recursos financeiros, recursos, capacitação e transferência de tecnologia, através de organizações internacionais, assistência e cooperação, em particular aos países em desenvolvimento, a fim de ampliar esforços para fornecer água potável, limpa, acessível e saneamento baratos para todos” (UNITED NATIONS, 2010, p. 3). Deixa, portanto, o campo aberto para o capital assumir o protagonismo na implementação dos direitos. A água passou a ser considerada, além de um bem econômico, um direito humano. Assim, ao mesmo tempo em que acomoda os conflitos de classe emergentes relacionados à privatização do abastecimento, a ONU estabelece um marco que legitima o avanço do capital, promovendo a incorporação de uma necessidade social – o acesso universal à água potável – às dinâmicas de expansão do capital. .

Estas constatações levam à necessidade de se aprofundar as reflexões sobre as concepções do bem público e do bem comum. A concepção de ‘bem público’ refere-se a um bem sob o controle das estruturas de Estado, podendo ser provido através de uma organização pública ou privada. As experiências de privatização dos serviços de abastecimento mostram, no entanto, a tendência à privação do acesso o que, por princípio, exclui o caráter de bem público da água. O principal argumento dos grupos que defendem o protagonismo público na provisão dos serviços de abastecimento está expresso na declaração da Internacional de Serviços Públicos (ISP) de forma clara: “a resposta inevitável para as garantias do acesso universal está no setor público” (PUBLIC SERVICES INTERNATIONAL, 2012PSI — PUBLIC SERVICES INTERNATIONAL. Water and sanitation background. Disponível em: <http://www.world-psi.org/en/water-background>. Acesso em: 3 jul. 2012
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, p. 1). Por isso, organizações sindicais, como a ISP, têm protagonizado lutas contra a privatização e podem levar a discussão do bem público para outro patamar, o de bem comum (trabalhado no próximo item).

No entanto, as lutas contra a privatização do abastecimento nas últimas décadas, por mais que tenham levantado argumentos importantes como a afirmação da água como sinônimo de vida e a disseminação da noção de bem comum, tenderam a ser incorporadas pela dinâmica expansiva do capital porque assumiram a suposição de que o Estado é neutro com relação aos interesses de classe. Como resultado, nos processos de reestatização, como na Bolívia e no Uruguai, os serviços foram reconfigurados como novos espaços de acumulação. Essas lutas, portanto, são lutas pelo serviço público, não lutas anticapitalistas.

A Emergência de Concepções Universais: a água como bem comum

Quando era articulista da Gazeta Renana, na Prússia dos anos 1840, Marx se posicionou com relação às penalidades impostas à coleta de lenha em propriedades privadas, antecipando formulações que viriam a ser plenamente desenvolvidas em textos posteriores. O costume tradicional de recolher lenha seca e solta no chão, que remete a tempos pré-capitalistas, havia se tornado um delito sujeito à multa. Para Marx (2007MARX, K. Los debates sobre la Ley acerca del robo de laña. In: MARX, K. Los debates de la Dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007., p. 29), no entanto, “a coleta de lenha solta e o roubo de lenha são coisas essencialmente diferentes”. Para chegar a essa conclusão, definiu três categorias de lenha: a lenha verde, a lenha cortada e a lenha solta. “Para apropriar-se de lenha verde, há que separá-la com violência de seu conjunto orgânico. É um atentado aberto contra a árvore e, portanto, um atentado aberto ao proprietário da árvore”. Aceitava, portanto, o qualificativo de roubo para esse ato. Da mesma forma, a lenha cortada é “madeira elaborada”. “Ao invés da relação natural com a propriedade, aparece a relação artificial. Portanto, quem subtrai lenha cortada, subtrai propriedade” (MARX, 2007MARX, K. Los debates sobre la Ley acerca del robo de laña. In: MARX, K. Los debates de la Dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007., p. 29). Já no caso da lenha solta,

[...] nada se separa da propriedade. O que já está separado da propriedade se separa da propriedade. O ladrão de lenha dita um juízo arbitrário contra a propriedade. O coletor de lenha solta apenas leva a cabo um juízo que a própria natureza da propriedade ditara, pois possui apenas a árvore, e a árvore já não mais possui aqueles galhos.

Essa reflexão expressa um profundo senso de igualdade no acesso à natureza. Se a árvore disponibiliza lenha solta, lenha que se separa naturalmente da árvore, essa matéria é um bem que a todos pertence, e o coletor que dela necessita tem o direito de coletá-la. Mesmo que a árvore tenha um proprietário, a lenha que dela se separa também se separa de seu proprietário. Isso coloca uma contradição na forma de propriedade privada, se analisada como forma de apropriação da natureza, pois a propriedade privada, nesse caso, gera uma propriedade comum. A árvore dá frutos que já não são mais árvore. A quem pertencem os frutos da árvore? A reflexão de Marx leva a uma interrogação fundamental: a quem pertencem os frutos da natureza? Existem, portanto, “objetos da propriedade que, por sua natureza, não podem alcançar nunca o caráter de propriedade privada”, a não ser por um ato de violência. Marx (2007MARX, K. Los debates sobre la Ley acerca del robo de laña. In: MARX, K. Los debates de la Dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007., p. 38) está se referindo a um “sentido jurídico instintivo” da classe pobre que, “não apenas sente o impulso de satisfazer uma necessidade natural, mas também a necessidade de satisfazer um impulso de justiça”.

O pano de fundo da reflexão de Marx é a concepção de bem comum da humanidade (BENSAÏD, 2007BENSAÏD, D. Marx y el robo de leña: del derecho consuetudinario de los pobres al bien común de la humanidad. In: MARX, K. Los debates de la dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007.). A natureza, e suas leis, são impossíveis de serem convertidas em propriedade privada, a não ser por atos artificiais que contrariam a lógica da natureza e são socialmente construídos com violência. Os seres humanos são histórica e socialmente seres da natureza; são, portanto, também, natureza. Ao serem dela privados, perdem sua essência. A privação é, portanto, um ato de violência, um ato de morte que, no capitalismo, tem suas dinâmicas explicadas em torno ao conceito de valor. As lutas que são historicamente travadas em defesa da natureza como bem comum são lutas pela sobrevivência e pela vida, são lutas pela humanidade.

As reflexões de Marx (2007)MARX, K. Los debates sobre la Ley acerca del robo de laña. In: MARX, K. Los debates de la Dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007. sobre o roubo de lenha contêm as sementes de sua concepção ontológica e a recusa a exteriorizar a natureza como um recurso que sofre impactos com a reprodução humana. O pressuposto de que os seres humanos produzem a natureza ao transformá-la politiza o debate, pois exige reconhecer que os destinos da humanidade pertencem à própria humanidade. A relação com a natureza não apenas faz parte desse destino, ela também é esse destino porque reflete a relação de seres humanos entre si e as formas através das quais reproduzem suas vidas.

Por isso, nos debates recentes e na atuação de intelectuais e ativistas espalhados pelo mundo, o tema do bem comum tem sido retomado e usado para referir-se a aspectos diversos da vida que tentam escapar à primazia do valor. Os conceitos de acumulação primitiva (MARX, 1990MARX, K. Capital. London: Penguin classics, 1990. v. 1.) e de acumulação por espoliação (HARVEY, 2010HARVEY, D. A companion to Marx’s Capital. New York: Verso, 2010.) são importantes para entender a noção do bem comum, pois apontam para momentos nos quais prevalece a acumulação do capital sobre a reprodução da vida. Nesse sentido, a própria elaboração teórica sobre o bem comum pode ser espoliada e reconvertida para a reprodução da lógica capitalista, como ocorre com a abordagem de Ostrom (1999)OSTROM, E. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge: Cambridge University Press, 1999..

Para Harvey (2012HARVEY, D. Rebel cities: from the right to the cities to the urban revolution. New York: Verso, 2012., p. 73), os bens comuns não são uma coisa, como a expressão em português sugere, ou um ativo, ou mesmo um processo social. Sua perspectiva para os bens comuns, assim como para o espaço, é relacional: “uma relação social instável e maleável entre um grupo social autodefinido e aspectos de sua existência real e do seu ambiente social e/ou físico existente ou por ser construído”. O bem comum é a relação entre uma comunidade e as dimensões de sua vida compartilhadamente construída, sejam elas mais relacionadas aos aspectos físicos, como a natureza e a água, ou relacionadas a aspectos sociais, como a cultura e as formas de convivência. Assim, o autor refere-se a práticas sociais de comunização que, constantemente, desafiam a organização da vida ditada pelo capital.

Sob essa perspectiva, pode-se reconhecer que as formas capitalistas de apropriação da água são, muitas vezes, produzidas pela usurpação de práticas coletivas históricas de reprodução da vida. Essas práticas incluem tecnologias, conhecimento, relações entre os seres humanos e com a natureza etc. Nestes contextos, se estabelecem antagonismos entre as apropriações da água orientadas pelo valor-de-uso e as orientadas pelo seu valor-de-troca.

Tendo como referência esta concepção brevemente sistematizada, foram analisadas lutas sociais nas quais comunidades e grandes grupos populacionais são privados do acesso à água e, portanto, têm sua sobrevivência ameaçada. Em depoimentos de pessoas que vivem a experiência de privações causadas pelo agronegócio e pelos mercados de carbono; nas lutas de comunidades indígenas e ribeirinhas ameaçadas pela construção de barragens na Amazônia brasileira; na experiência dos impactos perversos da mineração a céu aberto e nas articulações para barrar essa atividade, se encontram evidências de que nas lutas pela defesa de seus meios de vida, as vítimas da espoliação realizam, a partir de uma concepção de bem comum, uma crítica ontológica das relações capitalistas. Essa concepção se constitui em uma afirmação ético-prática enraizada na materialidade de suas vidas e na história de seus antepassados, em suas culturas, tradições e conhecimentos. As práticas mais antigas de produção de alimentos, de lidar com a terra e com a água retornam na tentativa de substituir e ultrapassar a relação destrutiva capitalista. Nas experiências de privação da água que acompanham as formas capitalistas de apropriação, emergem concepções novas, ainda como sementes. Por estarem enraizadas na vida, essas concepções alcançam a universalidade necessária. Elas precisam ter aspirações universais porque precisam agarrar-se à vida, e não há nada mais universal do que a própria vida, que é a humanidade em sua forma mais simples.

Gramsci (1991)GRAMSCI, A. Selections from the Prison Notebooks. London: Lawrence and Wishart, 1991. refere-se a essa concepção de mundo tradicional e popular como instintiva, um instinto primitivo e histórico. O mesmo instinto que Marx (2007MARX, K. Los debates sobre la Ley acerca del robo de laña. In: MARX, K. Los debates de la Dieta Renana. Barcelona: Gedisa, 2007., p. 38) referia-se em suas reflexões sobre a coleta de lenha na Renânia do Norte. Havia, para ele, um “sentido jurídico instintivo” na classe pobre. A lenha solta era um bem comum que deveria satisfazer a necessidade daqueles que a necessitam. A água é um presente da natureza que pertence à humanidade. No entanto, é usurpada por mecanismos diversos. O instinto da luta pela vida leva à luta pelo bem comum, única forma de superar as situações de espoliação. A universalidade do bem comum está na afirmação da propriedade comum, na afirmação ético-prática de que os frutos da natureza pertencem à humanidade. Pertencem, portanto, a todos os que deles necessitam para viver.

Essa concepção da água como bem comum se manifesta nos espaços de luta, nas tradições e nas concepções populares de mundo. São sementes que ainda não germinaram porque não vivemos as condições históricas para isto; porque estão sufocadas pela hegemonia do capital que se manifesta em práticas como a manipulação de gigantescos volumes de água, na atribuição do dinheiro como medida de valor e na naturalização da escassez. Mesmo assim, existem. As reflexões de Marx (2008)MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008. sobre a revolução social ajudam a compreender que concepções de mundo (e da água), relações sociais e formas de apropriar a natureza estão em um movimento dialético, em uma tensão entre o atual, o novo e o velho.

Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações novas e superiores não tomam jamais seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha sociedade. Eis porque a humanidade não se propõe nunca a senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir (MARX, 2008, p. 48).

Marx indica que existem concepções novas em incubação, brotando no “próprio seio da velha sociedade”. Com relação ao tema deste artigo, elas são incubadas no calor das tensões geradas pela apropriação capitalista da água. Esse processo, no entanto, não é automático e nem natural. Precisa da práxis, da ética e da crítica.

Considerações Finais

Os desafios relacionados à água neste início de século XXI exigem analisar suas diferentes manifestações e dimensões. Mais do que isso, exigem esclarecer aspectos que ficam ocultos nos consensos e nas práticas desiguais e destrutivas de apropriação da água.

Este artigo defende que, dos antagonismos inerentes às práticas capitalistas de apropriação da água, emergem lutas sociais que realizam uma crítica ontológica e esboçam uma concepção universal da água como bem comum. Ou seja, para compreender a apropriação capitalista da água em suas diversas manifestações, é necessário considerá-las como momentos da produção de mais valor em uma relação de classes. Além disso, a espoliação pode se dar tanto em processos violentos e coercitivos como através de consensos construídos a partir de concepções mentais e mecanismos de gestão a elas associados (em especial, a governança) que ocultam os aspectos desiguais e destrutivos de práticas concretas ao produzir relações fetichizadas que desconectam o valor-de-uso da água do valor atribuído pelo dinheiro: a água, nessa concepção, é uma mercadoria a ser incorporada na produção de mais valor.

Surgem, em contraposição, concepções que confrontam as relações capitalistas e as formas de apropriação da água que as caracterizam, esboçando uma concepção da água como bem comum: a água e os frutos da natureza pertencem à humanidade. Essas são concepções que emergem nos antagonismos da apropriação capitalista da água e da consequente espoliação de meios de vida social e historicamente construídos que estão em seu caminho.

A crítica ontológica precisa fazer a crítica do valor social na sociedade capitalista: é ele que organiza e condiciona todos os processos de produção de mais valor. É somente com a aceitação e legitimação das práticas capitalistas que o mais valor pode ser produzido, motivo pelo qual deve ser imposto por consensos ou pela força. O capital necessita deslocar modos de vida e incorporar o valor gerado nas relações capitalistas. Apropriar a água e a natureza é imperativo. Ao mesmo tempo, resistir à expansão capitalista significa resistir aos seus antagonismos, percebidos pelas vítimas como destruição e morte. Nessas disputas, emergem concepções que necessitam romper com a relação capitalista desde sua raiz: irrompe uma tomada de consciência que alcança as profundezas das dinâmicas da organização capitalista do metabolismo social condicionada pelo valor.

Se bem a crítica ontológica não é privilégio da teoria, mas privilégio da práxis, compreender esses processos exige uma teoria que os acompanhe em seus percursos. O capital, apesar de ter conquistado o globo, não é absoluto, não pode deslocar as todas as infinitas possibilidades da existência humana e das relações com a natureza. Nas suas diferentes formas de viver, as pessoas criam e recriam relações diversas que, no capitalismo, podem estar mais ou menos ameaçadas de serem apropriadas, deslocadas e espoliadas. É nas situações limite, no encontro entre a vida e a morte, entre o bem comum e o capital, que chispam as concepções latentes e enraizadas na existência histórica. Nesses momentos, a crítica ontológica aflora e se faz mais perceptível. O valor social é questionado, ressignificado e invertido.

“Não queremos nem mais um real do dinheiro sujo de vocês” é o que dizem os caciques Mebengôkre/Kayapó. “A mim o ouro não interessa, e nem a prata”, afirma um agricultor em Alto Carrizal, Argentina3 3 Uma análise das lutas sociais contra a mineração em Andalgala, Argentina, se encontra em Misoczky e Böhm (2013). . O dinheiro, o ouro e a prata, representantes históricos do valor social na sociedade capitalista, são desprezados, assim como são desprezadas as formas de apropriação da natureza e da água. ‘No a la mina’ e ‘Pare Belo Monte’ indicam uma oposição a uma forma específica de apropriar a natureza. A água, nessa perspectiva, vale mais que o ouro. A saúde vale mais que o ouro e a prata, e “o ouro e o cobre são todo o veneno do mundo”. Assim como o dinheiro é o representante universal do valor social; o ouro e o dinheiro, para as vítimas do capitalismo, são o representante universal da destruição. Por esse motivo, em suas lutas, precisam conceber relações sociais e com a natureza que superem a destrutividade do sistema: novos valores sociais. Apontam, nesse sentido, para práticas de organizar o metabolismo social, nas quais o critério para a apropriação da água e da natureza seja uma concepção de bem comum, um princípio ético e universal: a reprodução da vida humana.

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  • SMITH, N. Uneven development: nature, capital and the production of space. 3. ed. London: Blackwell, 2010.
  • UNITED NATIONS. General Assembly. Sixty fourth session. Resolution adopted by the General Assembly 64/292. The human right to water and sanitation 2010. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292>. Acesso em: 22 fev. 2013.
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  • VIEIRA, M. M.; CARVALHO, C. A. Campos organizacionais: de wallpaper à construção histórica do contexto de organizações culturais em Porto Alegre e em Recife. In: Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, 27., 2003, Atibaia. Anais.. São Paulo: ANPAD, 2003. v. 1. p. 1-16.
  • 1
    Na ‘Crítica do programa de Gotha’, Marx (2012MARX, K. Crítica do programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012., p. 23) afirma categoricamente: “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana”.
  • 2
    Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, após proposta da delegação boliviana e campanha de diversas organizações não governamentais, que a água é direito de todos os seres humanos. O texto da declaração convoca, também, “os Estados e organizações internacionais para prover recursos financeiros, recursos, capacitação e transferência de tecnologia, através de organizações internacionais, assistência e cooperação, em particular aos países em desenvolvimento, a fim de ampliar esforços para fornecer água potável, limpa, acessível e saneamento baratos para todos” (UNITED NATIONS, 2010UNITED NATIONS. General Assembly. Sixty fourth session. Resolution adopted by the General Assembly 64/292. The human right to water and sanitation. 2010. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292>. Acesso em: 22 fev. 2013.
    http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp...
    , p. 3). Deixa, portanto, o campo aberto para o capital assumir o protagonismo na implementação dos direitos. A água passou a ser considerada, além de um bem econômico, um direito humano. Assim, ao mesmo tempo em que acomoda os conflitos de classe emergentes relacionados à privatização do abastecimento, a ONU estabelece um marco que legitima o avanço do capital, promovendo a incorporação de uma necessidade social – o acesso universal à água potável – às dinâmicas de expansão do capital.
  • 3
    Uma análise das lutas sociais contra a mineração em Andalgala, Argentina, se encontra em Misoczky e Böhm (2013)MISOCZKY, M. C; BOHM, S. Resisting neocolonial development: Andalgalá’s people struggle against mega-mining projects. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, jun. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512013000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 out. 2013.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2013
  • Aceito
    21 Ago 2014
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