Resumo
Apesar do amplo reconhecimento e da importância dos estudos dos signos e símbolos e, sobretudo, dos processos de significação, restam, ainda, muitas possibilidades a serem exploradas nas pesquisas de marketing e de consumo com base na teoria semiótica, em especial na perspectiva da Consumer Culture Theory (CCT). Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo analisar – sob a perspectiva da semiótica discursiva de linha francesa – o discurso da publicidade de seguros de automóvel no Brasil, lançando subsídios para a compreensão da articulação do sentido nas peças publicitárias em questão. A análise de 125 anúncios veiculados entre os anos de 2000 e 2009, em jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo e em revistas de circulação nacional, evidencia a riqueza de significados que a publicidade transfere para o automóvel, para as marcas das seguradoras e, finalmente, para a relação entre o consumidor e o objeto carro. A pesquisa corrobora, ainda, estudos que apontam para o processo de criação e desenvolvimento do self estendido, através do automóvel, por meio de práticas que revelam cuidado extremo com o objeto, indicando um processo de humanização da máquina.
Palavras-chave
Estudos de consumo; Consumer Culture Theory; Discurso publicitário; Seguros de automóvel; Semiótica
Abstract
Despite the acknowledgement and importance of the study of signs and symbols and, foremost, of the signification processes, there are still many possibilities to be explored in marketing and consumer research based on semiotic theory and on Consumer Culture Theory (CCT). The aim of this research is to analyze the discourse of car insurance advertising in Brazil using the French semiotics discursive perspective, in order to comprehend the meaning articulation in the advertisements in question. The analysis of 125 car insurance ads published between 2000 and 2009 in newspapers from São Paulo and Rio de Janeiro, and in magazines sold nationwide highlights the wealth of meanings that advertising transfers to the car, to brands of insurance companies and finally to the relationship between the consumer and the car as a consumption object. The research also supports studies that indicate the process of creation and development of extended self through the car by practices that reveal extreme care with the object, indicating a machine humanization process.
Keywords
Consumer studies; Consumer Culture Theory; Advertising discourse; Automobile insurance; Semiotics
Introdução
Nenhuma outra área no marketing cresceu tanto como o estudo do comportamento do consumidor nas últimas cinco décadas. Tal crescimento é apontado por Wilkie e Moore (2003)WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Scholarly research in marketing: exploring the “4 Eras” of thought development. Journal of Public Policy & Marketing, v. 22, n. 2, p. 116-146, 2003. como uma resposta da área às pressões por insights sobre o mercado consumidor de massa crescente do pós-guerra e possibilidades de desenvolvimento de novos produtos e aspectos promocionais. O crescimento na compreensão do consumo, a princípio fortemente pautada pela perspectiva positivista, deixou clara a importância de se avançar da compreensão do “comportamento de compra” para o “comportamento de consumo” dos indivíduos, especialmente em relação aos aspectos do consumo, ditos “irracionais”, como emoções e hedonismo (WILKIE; MOORE, 2003WILKIE, W. L.; MOORE, E. S. Scholarly research in marketing: exploring the “4 Eras” of thought development. Journal of Public Policy & Marketing, v. 22, n. 2, p. 116-146, 2003.).
Ainda em fins dos anos 1970, Douglas e Isherwood (2006, p. 108)DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. nos conclamavam a esquecer da utilidade dos bens dizendo: “[...] a função essencial do consumo é sua capacidade de fazer sentido [...] esqueçamos sua utilidade e tentemos em seu lugar a ideia de que as mercadorias são boas para pensar: tratemo-las como um meio não verbal para a faculdade humana de criar”.
É nesse sentido que, para Belk (1988)BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, p. 139-165, 1988., a compreensão do comportamento do consumidor só é possível por meio de algum entendimento dos significados que atribuímos às posses.
Assim, o estudo dos aspectos simbólicos do consumo e da importância do simbolismo no comportamento do consumidor tem, em Gardner e Levy (1955)GARDNER, B. B.; LEVY, S. J. The product and the brand. Harvard Business Review, v. 33, p. 33-39, 1955., Levy (1959)LEVY, S. J. Symbols for sale. Harvard Business Review, v. 37, p. 117-124, 1959., Levitt (1970)LEVITT, T. The morality (?) of advertising. Harvard Business Review, v. 48, p. 84-92, 1970. e, posteriormente, em Holbrook e Hirschman (1982)HOLBROOK, M. B.; HIRSCHMAN, E. C. The experiential aspects of consumption: consumer fantasies, feelings, and fun. Journal of Consumer Research, v. 9, p. 132-140, 1982., Rook (1984ROOK, D. W. Ritual behavior and consumer symbolism. In: KINNEAR, T. F. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 11, p. 279-284, 1984.; 1985)ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, 12 (December), p. 251-264, 1985., Holt (1995)HOLT, D. How consumers consume: a typology of consumption practices. Journal of Consumer Research, v. 22, n., p. 1-16, 1995., Hirschman, Scott e Wells (1998)HIRSCHMAN, E. C.; SCOTT, L.; WELLS, W. B. A model of product discourse: linking consumer practice to cultural texts. Journal of Advertising, v. 27, n. 1, 1998., importantes referências fundadoras no campo do marketing e do comportamento do consumidor. Desde então, fica cada vez mais claro que o consumo e o valor dos bens, de empresas e de marcas podem ser mais claramente identificados e compreendidos pela dimensão simbólica de seus rituais, práticas e significados.
Com efeito, na década de 1980, influenciada pelo paradigma interpretativista, começa a ganhar espaço uma perspectiva de estudos do consumo que defende a complexidade da realidade sociocultural, destacando a importância da subjetividade da natureza humana e os aspectos simbólicos nas interações entre os indivíduos (SOUZA et al., 2013SOUZA, I. L. et al. Uma abordagem alternativa para a pesquisa do consumidor: adoção da Consumer Culture Theory (CCT) no Brasil. Revista Alcance – Eletrônica, v. 20, n. 2, p. 383-399, 2013.), batizada por Arnould e Thompson (2005)ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005. como Consumer Culture Theory (CCT).
A Consumer Culture Theory não é uma teoria unificada, mas uma família de perspectivas teóricas que compartilha questões e esforços e, na síntese de Arnould e Thompson (2005)ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005., engloba o que se pode chamar de quatro amplos programas de pesquisa, quais sejam: 1) questões relacionadas à identidade do consumidor; 2) trabalhos sobre as culturas de mercado; 3) estudos sobre padrões sócio-históricos de consumo; e, finalmente, 4) investigações sobre as ideologias de mercado e as estratégias de interpretação do consumidor.
É exatamente nesse último tema de pesquisa que se enquadra o presente trabalho, assumindo os consumidores como agentes interpretativos cujas atividades de criação de sentido variam entre a aceitação tácita das representações dominantes da identidade e do estilo de vida do consumidor, veiculadas pela publicidade e pela mídia de massa, e a oposição consciente a essas instruções ideológicas. Entre esses dois extremos, uma infinidade de interpretações (e de sentidos) em relação às práticas de consumo se oferece aos indivíduos. Nesse domínio de pesquisa, a semiótica surge como um aporte valioso para analisar o significado e os incentivos ideológicos codificados nos textos publicitários e as estratégias retóricas para tornar tais apelos atraentes (MICK, 1986MICK, D. G. Consumer research and semiotics: exploring the morphology of signs, symbols, and significance. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 2, p. 196-213, 1986.; ARNOULD; THOMPSON, 2005ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.).
Entretanto, apesar do amplo reconhecimento acerca da importância dos estudos dos signos, símbolos, metáforas e, sobretudo, dos processos de significação, restam, ainda, muitas possibilidades a serem exploradas nos estudos de consumo com base na teoria semiótica, uma perspectiva teórica que posiciona o “sentido” no centro da problemática do comportamento humano e, consequentemente, dos fenômenos de consumo (MICK, 1986MICK, D. G. Consumer research and semiotics: exploring the morphology of signs, symbols, and significance. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 2, p. 196-213, 1986.; FLOCH, 1990FLOCH, J. M. Sémiotique, marketing et communication: sous les signes, les stratégies. Paris: PUF, 1990.; HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1993HOLBROOK, M. B.; HIRSCHMAN, E. C. The semiotics of consumption. Berlin: Mouton de Gruyter, 1993.; HIRSCHMAN, 2003HIRSCHMAN, E. C. Men, dogs, guns, and cars: the semiotics of rugged individualism. Journal of Advertising, v. 32, n. 1, p. 9-22, 2003.; 2006HIRSCHMAN, E. C. Foodsigns on the highway of life: the semiotics of dinner. In: PECHMANN, C.; PRICE, L. (Ed.). Advances in Consumer Research, Duluth, MN: Association for Consumer Research, v. 33, p. 607-612, 2006.; BACHA; STREHLAU, 2005BACHA, M.; STREHLAU, V. I. Propaganda na TV não vende carros. A semiótica ajuda a entender por que. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 29., 2005, Brasília. Anais... Brasília, DF, 2005.; SEMPRINI, 2006SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2006.; HUMPHREYS, 2010HUMPHREYS, A. Semiotic structure and the legitimation of consumption practices: the case of casino gambling. Journal of Consumer Research, v. 37, p. 490-510, 2010.). Com efeito, nas palavras de Greimas e Courtés (2008, p. 455)GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008., “a teoria semiótica deve apresentar-se inicialmente como ela é, ou seja, como uma teoria da significação. Sua primeira preocupação será, pois, explicitar, sob a forma de construção conceitual, as condições da apreensão e da produção do sentido”.
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar – sob a perspectiva da semiótica discursiva de linha francesa (GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.; BARROS, 2002BARROS, D. L. P. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002.) – o discurso da propaganda de seguros de automóvel no Brasil, lançando subsídios para a compreensão da articulação do sentido nas peças publicitárias em questão.
A título de delimitação teórico-metodológica, é importante destacar que, sendo o objeto da análise o discurso publicitário, o estudo se debruça sobre um conjunto específico de textos (anúncios publicitários), entendidos como objetos de significação. Na perspectiva da semiótica francesa, cada um dos anúncios traz em sua estrutura um simulacro de consumidor, idealizado pelo enunciador do discurso. Em outras palavras, aquele que cria o anúncio o faz a partir de um consumidor em perspectiva. A análise aqui conduzida parte do pressuposto de que os enunciadores do discurso o projetam para uma audiência média, uma espécie de “consumidor padrão” que representa o seu público-alvo. Portanto, a riqueza deste trabalho recai não no estudo do consumidor em perspectiva, mas na análise interna ou estrutural do texto, que privilegia o exame dos mecanismos e procedimentos que o estruturam, que o tecem como um “todo de sentido” (BARROS, 2002BARROS, D. L. P. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002.).
Para a melhor delimitação operacional da pesquisa, optou-se por concentrar a análise no processo de figurativização dos automóveis e dos indivíduos em anúncios de mídia impressa, destacando as possíveis relações projetadas nas peças publicitárias, entre os proprietários de automóveis e seus veículos, como forma de observar de que maneira a publicidade cria e espelha comportamentos presentes na cultura do consumo.
Ao fazer isso, este trabalho colabora no aprofundamento do entendimento do papel da publicidade na (re)produção do contexto cultural no qual ela ocorre. Tal aspecto assume importância crescente em um mundo globalizado, de corporações (e marcas) mundiais. Além disso, como Hirschman (2003)HIRSCHMAN, E. C. Men, dogs, guns, and cars: the semiotics of rugged individualism. Journal of Advertising, v. 32, n. 1, p. 9-22, 2003. observa, há um crescente interesse na análise de anúncios como objetos portadores de conteúdo mítico, retórico, simbólico e metafórico (RANDAZZO, 1996RANDAZZO, S. A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.; STERN, 1988STERN, B. B. Medieval allegory: roots of advertising strategy for the mass market. Journal of Marketing, v. 52, n. 3, p. 84-94, 1988.; SOUZA; LEÃO, 2013SOUZA, I. D.; LEÃO, A. L. M. S. Movimento sensual: um estudo da narrativa mitológica na publicidade de uma marca de moda praia. Revista O&S, v. 20, n. 67, p. 623-649, 2013.), especialmente no que diz respeito aos elementos de ordem não verbal (SCOTT, 1994SCOTT, L. M. Images in advertising: the need for a theory of visual rhetoric. Journal of Consumer Research, v. 21, p. 252-273, September 1994.), como imagens, sons, cores, música, e não apenas palavras e frases.
Considerando o discurso publicitário explicitamente argumentativo e vocacionado para levar o enunciatário a admitir como verdade absoluta o sentido produzido, entende-se que a análise da semântica discursiva é a arena ideal para compreender de que modo a publicidade se apropria dos valores em circulação na sociedade e, ao mesmo tempo, impõe ao enunciatário novos valores que sustentem determinada visão de mundo. Em outras palavras, por meio da análise semiótica, este artigo pretende apresentar os diferentes sentidos da relação entre o homem e o carro, construídos pela publicidade contemporânea de seguros no Brasil.
Sobre a escolha do objeto de estudo deste artigo, vale observar que, na área de estudos do consumo, apesar do reconhecimento da importância das posses na socialização e na própria formação da identidade, bem como do papel do automóvel no imaginário de uma sociedade de consumo, os estudos sobre o consumo de carro não são muitos. Exceções incluem Horowitz e Russo (1989)HOROWITZ, A. D.; RUSSO, J. E. Modeling new car customer-salesperson interaction for a knowledge-based system. In: SRULL, T. K. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 16, p. 392-398, 1989., que desenvolveram um modelo de interação entre cliente e vendedor de automóveis; Levin et al. (1993)LEVIN, I. P. et al. Attitudes toward “Buy America First” and preferences for American and Japanese cars: a different role for country-of-origin information. In: McALISTER, L.; TOTHSCHILD, M. L. Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 20, p. 625-629, 1993., que estudaram a influência da informação sobre o país de origem dos funcionários da empresa produtora de carros sobre o consumidor potencial de automóveis; e Desmet, Hekkert e Jacobs (2000)DESMET, P. M. A.; HEKKERT, P.; JACOBS, J. J. When a car makes you smile: development and application of an instrument to measure product emotions. In: HOCH, S.; MEYER, R. J. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 27, p. 111-117, 2000., que analisaram as emoções demonstradas por consumidores em relação a características e atributos visíveis em carros. Na perspectiva desses autores, tais atributos podem ser capazes de aumentar o prazer inerente às fases de consumo, bem como podem ser usados para diferenciação de produtos. Punj e Staelin (1983)PUNJ, G. N.; STAELIN, R. A model of consumer information search behavior for new automobiles. Journal of Consumer Research, v. 9, n. 4, p. 366-380, 1983. criaram e testaram um modelo de busca de informações no processo de decisão de compra de novos automóveis; Ramalho e Ayrosa (2009)RAMALHO, R.; AYROSA, E. A. T. Subcultura tuning: identidade estendida na personalização de automóveis. Revista de Ciências da Administração, v. 11, n. 24, p. 169-194, 2009. discutiram como automóveis personalizados e customizados servem como veículos de constituição da identidade social de seus proprietários; e o trabalho de Robertson (1976)ROBERTSON, L. S. Consumer response to seat belt use campaigns and inducements: implications for public health strategies. In: ANDERSON, B. (Ed.). Advances in Consumer Research, Cincinnati, Ohio: Association for Consumer Research, v. 3, p. 287-289, 1976. discutia as respostas dos consumidores às campanhas de aumento de segurança nas estradas, em especial quanto ao uso de cinto de segurança.
Sobre o consumo de seguros, o número de estudos é ainda menor, embora o consumo de tal tipo de serviço apresente tendência de crescimento no mundo inteiro. Se ampliarmos a pesquisa para seguros em geral, não apenas de automóvel, temos como exceções Schade e Kunreuther (1998)SCHADE, C.; KUNREUTHER, H. Context-dependent preferences and distribution of insurance products: theoretical foundations and experimental results. In: ENGLIS, B. G.; OLOFSSON, A. (Ed.). European Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 3, p. 278-285, 1998., que trataram da decisão de compra de seguros de roubo de bicicleta e de carros no contexto alemão; Shanteau (1992)SHANTEAU, J. Decision making under risk: applications to insurance purchasing. In: SHERRY, J. F.; STERNTHAL, B. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 19, p. 177-181, 1992., cuja pesquisa ampliou o conhecimento sobre risco no processo de decisão de compra e sua relação com a propensão de compra de seguros; Taylor e Woodside (1980)TAYLOR, J. L.; WOODSIDE, A. G. An examination of the structure of buying-selling interactions among insurance agents and prospective customers. In: OLSON, J. C. (Ed.). Advances in Consumer Research, Ann Arbor: Association for Consumer Research, v. 7, p. 387-392, 1980., que analisaram a interação entre vendedor e cliente de seguros de vida e de saúde, identificando seis etapas diferentes no processo de compra/venda de tais produtos; e Urbany, Schmit e Butler (1989)URBANY, J. E.; SCHMIT, J. T.; BUTLER, D. B. Insurance decisions (or the lack thereof) for low probability events. In: SRULL, T. K. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 16, p. 535-541, 1989., que estudaram as percepções e o comportamento de escolha na compra de seguro, ampliando o conhecimento sobre a compra de um produto que apresenta anomalias ao longo do processo de decisão de compra, como a baixa percepção de risco na ocorrência de alguns eventos e a propensão de compra de cobertura excessiva em outros.
De forma a alcançar o objetivo proposto, o presente artigo está dividido em cinco seções: a presente introdução; o referencial teórico – que aborda a criação de significados na cultura de consumo e o discurso publicitário; as questões metodológicas, apresentando os princípios e as ferramentas fundamentais da semiótica discursiva de linha francesa, bem como os passos metodológicos da pesquisa; a análise e discussão dos resultados; e, finalmente, as considerações finais.
Referencial teórico
Criação de significados na cultura de consumo
O consumo é conceito central não apenas da esfera econômica, mas também de nossa expressão individual, e ainda para o estabelecimento de nossas relações sociais, como Belk (1988)BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, p. 139-165, 1988. aponta. A cultura de consumo, de acordo com Schor (2007)SCHOR, J. B. In defense of consumer critique: revisiting the consumption debates of the twentieth century. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 611, p. 16-30, 2007., coloca-se como a moral sob a qual se vive em sociedades do capitalismo globalizado. Em tal panorama, o consumo não é uma ação necessária à sobrevivência, como tantas outras, mas uma ordem social central estruturante na qual se desenrolam (e se aprofundam) os conflitos e a desigualdade oriundos da estrutura produtiva. Não à toa as práticas de consumo vêm sendo encaradas como possibilidades de participação política, mais presentes até mesmo do que as práticas de cidadania, como Canclini (1995)CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. e Hertz (2001)HERTZ, N. Better to shop than to vote. Business Ethics, v. 10, n. 3, 2001. argumentam.
Na perspectiva da Consumer Culture Theory, adotada por este trabalho, é interessante observar que o termo “cultura de consumo” conceitua um sistema interconectado de imagens, textos e objetos comercialmente produzidos que os grupos usam nos processos de construção de práticas, identidades e significados para produzir um sentido coletivo para seu ambiente e para orientar as experiências de vida de seus membros (KOZINETS, 2001KOZINETS, R. V. Utopian enterprise: articulating the meaning of star trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, v. 28, p. 67-89, 2001.). Portanto, o conceito de cultura que caracteriza os estudos da CCT aproxima-se da “teia de significados”, uma acepção semiótica da cultura proposta por Clifford Geertz (ARNOULD; THOMPSON, 2005ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.).
Em tal cenário, a racionalidade econômica não consegue dar conta de toda a complexidade e importância que as atividades de consumo passam a assumir na vida social e cultural. O consumo irracional, hedônico (ELLIOT, 1994ELLIOT, R. Addictive consumption: function and fragmentation in postmodernity. Journal of Consumer Policy, v. 17, n. 2, p. 159-179, 1994.), as fantasias e os sentimentos dos consumidores (HIRSCHMAN; HOLBROOK, 1982HOLBROOK, M. B.; HIRSCHMAN, E. C. The experiential aspects of consumption: consumer fantasies, feelings, and fun. Journal of Consumer Research, v. 9, p. 132-140, 1982.; FIRAT; DHOLAKIA, 1998FIRAT, A. F.; DHOLAKIA, N. Consuming people: from political economy to theaters of consumption. London: Routledge, 1998.), assim como o que Holt (2005)HOLT, D. Como as marcas se tornam ícones: os princípios do branding cultural. São Paulo: Cultrix, 2005. chama de “mercados de mitos”, afasta-se da compreensão do consumo a partir da satisfação de necessidades funcionais. Em tal mercado, marcas deixaram de ser apenas nomes de um fabricante de determinado produto para tornarem-se uma ficção, uma realidade construída e vivenciada, ícones culturais que embasam a sociedade: “[...] as marcas de identidade competem em mercados de mitos, não em mercados de produtos. [...] Um televisor concorre com outro [...] marcas de identidade são diferentes. Elas concorrem com outros artefatos de cultura para dramatizar mitos que resolvem contradições culturais” (HOLT, 2005HOLT, D. Como as marcas se tornam ícones: os princípios do branding cultural. São Paulo: Cultrix, 2005., p. 53).
A produção de ícones é sempre contextual porque eles “representam um tipo particular de história – um mito de identidade – que seus consumidores adotam para satisfazer desejos e ansiedades de identidade”, conforme afirma Holt (2005, p. 18)HOLT, D. Como as marcas se tornam ícones: os princípios do branding cultural. São Paulo: Cultrix, 2005., de acordo com as demandas e movimentos da cultura no tempo em questão. Dessa forma, temos que o sistema institucional de consumo assumiu centralidade social e cultural (KOZINETS; HANDELMAN, 2004KOZINETS, R. V.; HANDELMAN, J. M. Adversaries of consumption: consumer movements, activism, ideology. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 3, p. 691-704, 2004.), tornando adequado pensar que “somos o que temos e isto talvez seja o fato mais básico e poderoso no comportamento do consumidor” (BELK, 1988BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, p. 139-165, 1988., p. 160).
Nessa perspectiva, assumindo um mercado global, a geração e compreensão de significados assume papel importantíssimo. O processo é descrito como dinâmico, já que os profissionais de marketing criam significados simbólicos para um produto ou marca e o colocam em um mundo culturalmente constituído, mas tais significados não são estáveis, assim como a cultura também não é, como Ligas e Cotte (1999)LIGAS, M.; COTTE, J. The process of negotiating brand meaning: a symbolic interactionist perspective. In: ARNOULD, E. J.; SCOTT, L. M. (Ed.). Advances in Consumer Research, Provo, UT: Association for Consumer Research, v. 26, p. 609-614, 1999. colocam.
Além dos esforços de geração de significados realizados pelas empresas, os consumidores combinam e adaptam significados, de forma que se encaixem nas suas próprias vidas; os significados dos produtos, marcas e propagandas não são necessariamente percebidos direta e similarmente pelos consumidores, mas interpretados de acordo com a vida pessoal de cada um e dos grupos a que eles pertencem. Dessa forma, as chamadas preferências individuais são um mix de interpretações, discursos ou estruturas usados pelos consumidores para ligar a marca às situações sociais e individuais que são vivenciadas cotidianamente.
Marcas passam a funcionar como ferramentas para a construção de identidades, e o consumidor passa a ser visto como ativo participante de tal processo, à medida que ressignifica constantemente as mensagens da marca (ALLEN; FOURNIER; MILLER, 2006ALLEN, C. T.; FOURNIER, S.; MILLER, F. Brands and their meaning makers. Working Paper 08, Boston University, 2006.). Em tal contexto, as empresas objetivam instalar significados nos produtos e nas marcas, mas os consumidores também interpretam e constroem criativamente significados individuais baseados nas suas rotinas e objetivos. Sem dúvida, existe uma evidente assimetria no processo (que nem sempre é considerada pela literatura, especialmente aquela orientada pela ideia de soberania do consumidor), mas ainda assim as interpretações individuais, sociais e culturais têm espaço de agência na criação de significados.
Hellman, Schrage e Ostergaard (2010)HELLMAN, K.; SCHRAGE, D.; OSTERGAARD, P. Different perspectives on consumption, consumer, culture and society. Call for Abstracts, Different Perspectives on Consumption, Consumer, Culture and Society Workshop, Berlin, 2010. admitem o consumo como uma das mais importantes atividades para os seres humanos ao longo da história e, como tal, ele é relacionado a praticamente todas as dimensões da cultura e da sociedade, variando entre construção identitária, vida em comunidade, problemas ambientais e política. Esse grande escopo de possibilidades de interação e fenômenos, em cada uma das dimensões, daria margem a espaços de enquadramento analítico distintos. Essa sociedade dirigida para o consumo – e o materialismo sobre o qual ela se baseia – tem o consumo como elemento central e articulador da vida social (KOZINETS; HANDELMAN, 2004KOZINETS, R. V.; HANDELMAN, J. M. Adversaries of consumption: consumer movements, activism, ideology. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 3, p. 691-704, 2004.), e as relações de consumo existentes em tal sociedade são cada vez menos funcionais.
Discurso publicitário
Diversos estudos antropológicos mostram que dificilmente alguma sociedade desenvolveu uma relação estritamente funcional com o mundo material, e os historiadores da publicidade documentam procedimentos destinados à venda de objetos e serviços já na Grécia Antiga e no Antigo Egito (p. ex. CORRAL, 1997CORRAL, L. S. Semiótica de la Publicidad: narración y discurso. Madrid: Síntesis, 1997.; BARBOSA; CAMPBELL, 2006BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. (Org.). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006.).
Mas, em linha com o aumento da importância do consumo – conforme analisado na seção anterior – o discurso publicitário, no sentido concebido nos dias de hoje, emerge como fenômeno específico no século XIX, a reboque da evolução do sistema de produção capitalista. No momento de sua concepção, a publicidade concentrou-se em descrever os produtos com base em seus valores de uso e, pela força das informações e descrições elogiosas, em estimular o desejo de compra. Em meados do século XX, com a implantação da denominada “sociedade de consumo” no Ocidente, a publicidade atingiu o atual grau de relevância socioeconômica e desenvolveu, definitivamente, sua dimensão simbólica ou, nas palavras de Corral (1997, p. 22)CORRAL, L. S. Semiótica de la Publicidad: narración y discurso. Madrid: Síntesis, 1997., “outros traços semânticos passam a sobredeterminar a existência das mercadorias”.
Nesse processo, a imagem criada pela publicidade para os produtos e serviços substituiu a materialidade do objeto, e as mensagens passaram a se situar preferencialmente no plano do imaginário. Desse modo, a publicidade, destinada em suas origens a suscitar o consumo dos bens produzidos, converte-se ela mesma em objeto de consumo: a descrição da utilidade do produto é substituída pela sua descrição afetiva e imaginária. O consumo contemporâneo é, portanto, o resultado da conciliação de valores outrora considerados pelos estudos do consumo como antagônicos, utilitários e existenciais ou hedonistas.
O discurso publicitário, entretanto, conforme observa Carvalho (2002)CARVALHO, N. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2002., não se limita ao mundo dos sonhos, mas concilia o princípio do prazer com o da realidade. Quando normativo, indica o que deve ser consumido, destacando a linguagem da marca, o ícone do objeto.
Organizada de forma diferente das demais mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas, valores, mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando os recursos próprios da língua que lhe serve de veículo. Nesse território de análise do discurso publicitário, autores brasileiros têm se debruçado sobre uma grande diversidade de campanhas, estudando seus aspectos preponderantemente simbólicos. As pesquisas têm como objeto o discurso enunciado por sujeitos diversos, como o Estado, empresas e, até mesmo, por consumidores e organizações de resistência ao consumo (que parodiam ou subvertem o discurso publicitário das grandes corporações).
Sauerbronn e Lodi (2012)SAUERBRONN, J. F. R.; LODI, M. D. F. Construção da imagem institucional do Poder Judiciário: uma análise baseada nas campanhas publicitárias do Conselho Nacional de Justiça. Cadernos EBAPE.BR (FGV), v. 10, p. 925-945, 2012. destacam o uso da publicidade pelo Estado, a partir de 2008, para a construção da imagem do Poder Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesse trabalho, os autores evidenciam duas linhas de discurso que conferem uma base à construção da imagem do Judiciário: o discurso operacional, que se refere fundamentalmente à divulgação de métodos de prestação jurisdicional que aumentem a celeridade do Judiciário; e o discurso social, que apresenta o Judiciário como condutor da discussão de temas controversos, como a punição à violência contra a mulher, o que claramente evidencia uma nova postura (e tentativa de construção de imagem) do Judiciário à época.
No que tange ao discurso dos agentes de mercado, Sauerbronn, Tonini e Lodi (2011)SAUERBRONN, J. F. R.; TONINI, K. A. D.; LODI, M. D. F. Um estudo sobre os significados de consumo associados ao corpo feminino em peças publicitárias de suplementos alimentares. REAd. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 17, p. 1-25, 2011. analisam os significados dos corpos femininos transferidos em propagandas de suplementos alimentares, evidenciando que nesse mercado é o corpo, antes mesmo do produto comercializado, o que se estabelece como objeto de consumo. No que diz respeito especificamente ao discurso publicitário da indústria de seguros, Pessôa (2010)PESSÔA, L. A. G. de P. Imagens de proteção e segurança na publicidade. Caderno de Discussão do Centro de Pesquisas Sociossemióticas, v. 1, p. 2010, 2010. discute como a comunicação da indústria seguradora – por meio de processos discursivos – colabora para instituir a cidade como o local da insegurança e do risco no imaginário das classes média e alta no Brasil. Por seu turno, o campo e, em especial, os espaços privados dos condomínios afirmam-se como o local da tranquilidade. Ampliando a perspectiva, o mesmo autor aponta para o uso que a publicidade de seguros de vida faz das paixões humanas, em especial do medo e da insegurança, para construir uma “utopia da segurança” (PESSÔA, 2011PESSÔA, L. A. G. de P. L’utopie de la sécurité: une lecture socio-sémiotique de la publicité brésilienne des assurances-vie. Nouveaux Actes Sémiotiques (Limoges) (Cessou em 2006. Cont. ISSN 1961-8999 Nouveaux Actes Sémiotiques (En ligne)), v. 1, p. 1-21, 2011.).
Finalmente, Oliveira e Pessôa (2014)OLIVEIRA, R. C. A.; PESSÔA, L. A. G de P. Absolut spoof: subvertendo a publicidade da marca Absolut. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração (UFF), v. 8, p. 1-17, 2014. investigam como as paródias publicitárias da marca Absolut Vodca, veiculadas no site da organização canadense sem fins lucrativos AdBusters Media Foundation, refletem as características do movimento de resistência ao consumo conhecido como culture jamming. Entre outras conclusões, os autores apontam que algumas marcas, ao adotarem um estilo de comunicação que ironiza a publicidade tradicional, incorporaram elementos da resistência, o que leva ao enfraquecimento desse tipo de movimento.
Para Semprini (2006)SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2006., o caráter abstrato e desmaterializado de uma parte crescente do consumo contemporâneo encontra nas marcas e na comunicação publicitária seu meio natural de expressão. Uma das principais propriedades da marca é sustentar uma rede de atributos cognitivos e simbólicos no interior da qual o produto pode encontrar um sentido e um vetor de projeção.
A interdiscursividade entre as diversas mensagens de consumo – considerando o conjunto completo de anúncios que circulam em determinado período de tempo, em uma dada sociedade, e outros produtos da indústria cultural, como o cinema e a televisão – colabora para a criação de um “universo simulacral” a serviço da sociedade de consumo. Nesse sentido, Lipovetsky (1989)LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ressalta a capacidade da mídia de oferecer um universo de lazer pautado no sonho, no esquecimento e na mudança de ares, uma espécie de “ópio” que faz esquecer a miséria e a monotonia da vida cotidiana. Em suma, estabelece-se a “cultura da evasão” que orienta os comportamentos individuais e coletivos em direção a:
[...] novos ideais, novos estilos de vida fundados na realização íntima, no divertimento, no consumo, no amor. Através das estrelas e do erotismo, dos esportes e da imprensa feminina, dos jogos e das variedades, a cultura de massa exaltou a vida de lazer, a felicidade e o bem-estar individuais, e promoveu uma ética lúdica e consumista de vida (LIPOVETSKY, 1989LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., p. 222).
A esse cenário podem ser acrescentadas, ainda, algumas características do hipermodernismo, como o excesso, o imediatismo e a diminuição de prazos (LIPOVETSKY, 2004LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.). A cultura midiática, na visão desse autor, transforma em ficção uma parte da vida de seus consumidores, valorizando uma felicidade hipnótica que torna irreal a existência concreta. Apesar da aparência de dinamismo, é a passividade que marca o sujeito-consumidor da cultura midiática (LIPOVETSKY, 1989LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.). Os discursos da publicidade, da televisão e de outras mídias acompanham o cotidiano dos sujeitos, desencadeando isotopias que têm consequências sobre sua visão de mundo. Adaptando o pensamento de Barthes (1980)BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980., o mundo simulacral da publicidade e da mídia é interpretado como natural pelos sujeitos, o que facilita a absorção da mitologia criada ou reproduzida pela publicidade:
Na realidade, aquilo que permite ao leitor consumir o mito inocentemente é o fato de ele não ver no mito um sistema semiológico, mas sim um sistema indutivo: onde existe apenas uma equivalência, ele vê uma espécie de processo causal: o significante e o significado mantêm, para ele, relações naturais. Pode-se exprimir esta confusão de um outro modo: todo o sistema semiológico é um sistema de valores; ora, o consumidor do mito considera a significação como um sistema de fatos: o mito é lido como um sistema factual, ao passo que é apenas um sistema semiológico (BARTHES, 1980BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980., p. 223).
Retomando o interesse específico da CCT nas investigações sobre as ideologias de mercado e as estratégias de interpretação do consumidor, o presente trabalho adota a perspectiva de que o discurso publicitário em análise é pautado por mensagens normativas sobre o consumo. Em outras palavras, os textos a serem analisados são veículos ideológicos, construídos a partir de táticas retóricas e do conhecimento amplo das estratégias típicas de interpretação dos consumidores (MICK, 1986MICK, D. G. Consumer research and semiotics: exploring the morphology of signs, symbols, and significance. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 2, p. 196-213, 1986.; ARNOULD; THOMPSON, 2005ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 4, p. 868-882, 2005.). Portanto, a comunicação publicitária é uma ferramenta de veiculação dos valores das corporações que as enunciam (SEMPRINI, 2006SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2006.) em alinhamento com os valores da sociedade de consumo. Em suma, a publicidade propõe ao indivíduo construções de sentido organizadas, sistemas simbólicos que ajudam a pensar o mundo e a construir um horizonte de sentido em uma sociedade organizada em torno do consumo.
Sobre o objeto de análise deste trabalho, vale destacar que a importância do carro no imaginário das sociedades ocidentais não é um tema novo, tendo sido explorado por pesquisadores de diversas disciplinas. Nas áreas da semiótica e da semiologia, vale citar, respectivamente, os trabalhos de Floch (1990)FLOCH, J. M. Sémiotique, marketing et communication: sous les signes, les stratégies. Paris: PUF, 1990. – que constrói uma axiologia do consumo e da vida cotidiana (em uma releitura do trabalho de J. Baudrillard), a partir da análise da publicidade de automóveis na França – e de Barthes (1980)BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980.. Barthes (1963)BARTHES, R. Mythologie de l’automobile. Réalités, v. 213, p. 19-34, 1963. analisa a mitologia do automóvel a partir de uma série de entrevistas livres sobre o tema e posiciona o carro como um objeto banalizado (no sentido de ser acessível ao consumidor), mais um projeto e uma necessidade do que um sonho e um luxo, porém de inegável importância no discurso do cidadão francês:
[...] O automóvel é um tema ativo de reflexões gerais; é um tema de discurso, e poderíamos quase dizer, para alguns – que não são necessariamente os mais cultos – de dissertação; cada um sente que o automóvel é um objeto-signo, aberto a um comentário geral, em que se encaixam o homem, os costumes, a civilização: falando de seu carro, o francês filosofa, e ele sabe disso; somente, talvez, a comida tem tanto lugar quanto o automóvel no discurso dos franceses (BARTHES, 1963BARTHES, R. Mythologie de l’automobile. Réalités, v. 213, p. 19-34, 1963., p. 21).
Ao final do texto, Barthes (1963)BARTHES, R. Mythologie de l’automobile. Réalités, v. 213, p. 19-34, 1963. conclui que, dada a banalização progressiva do objeto, talvez seja a mitologia da condução do automóvel o tema relevante a ser analisado. Nesse caso, o homem vence as limitações de uma máquina construída segundo normas inflexíveis para criar sentido nas práticas de condução (e, conforme abordado neste trabalho, em outras interações com a máquina), típicos objetos de uma “bricolagem cotidiana”.
A próxima seção será iniciada com uma apresentação da perspectiva teórica da semiótica discursiva de linha francesa – que orienta a categorização analítica – e dos passos empíricos do trabalho.
Percurso metodológico
Análise semiótica do discurso
Este trabalho vincula-se à perspectiva teórica da semiótica discursiva de linha francesa, fundada por Algirdas Julien Greimas, também conhecida como semiótica greimasiana ou, ainda, semiótica da Escola de Paris, que, nos anos 1960, constitui-se no campo epistemológico do estruturalismo, na confluência entre a Linguística, a Antropologia e a Lógica formal (FONTANILLE, 2007FONTANILLE, J. Semiótica do discurso. São Paulo: Contexto, 2007.). Ao longo do tempo, o desenvolvimento da semiótica integrou, progressivamente, a linguística da enunciação de Émile Benveniste, superando o puro formalismo (BERTRAND, 2003BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. São Paulo: Edusc, 2003.) e, sobretudo a partir dos anos 1980, redescobriu “as emoções e as paixões, a percepção e seu papel na significação, as relações entre o mundo sensível e sua convivência para com a fenomenologia” (FONTANILLE, 2007FONTANILLE, J. Semiótica do discurso. São Paulo: Contexto, 2007., p. 24).
Para analisar a produção de sentido de textos verbais ou imagéticos e interpretá-los, a semiótica discursiva de linha francesa faz uso do “Percurso gerativo do sentido”, um modelo estratificado que divide o plano do conteúdo do texto em três níveis – do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto: o profundo (ou fundamental); o narrativo; e o discursivo (GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.).
No nível fundamental, a significação surge como uma oposição semântica simples, como |proteção| versus |desamparo|, no caso dos anúncios de seguros. No nível narrativo, a apresentação é organizada do ponto de vista de um sujeito. Nessa etapa, os actantes (papéis narrativos abstratos) percorrem uma sequência canônica, que compreende as fases de manipulação, ação e sanção. Na narrativa clássica da publicidade de seguros de automóvel, o sujeito-destinatário, manipulado por um destinador (banco ou seguradora), realiza a performance de contratar um seguro que o coloca em conjunção com o objeto-valor proteção do automóvel, sendo, finalmente, sancionado positivamente por um destinador-julgador (banco, seguradora ou a própria sociedade). O terceiro nível, o discursivo, é o mais complexo, no qual a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação e suas formas abstratas são revestidas de elementos concretos.
Embora o sentido do texto dependa da relação entre os três níveis, cada um possui uma gramática autônoma, o que torna possível observá-los separadamente. Esse trabalho é restrito à análise das estruturas discursivas e, em especial, à semântica discursiva.
Os procedimentos semânticos do discurso são dois: a tematização e a figurativização. Por meio dos percursos temáticos e figurativos, o enunciador assegura a coerência semântica do discurso e cria efeitos de sentido, sobretudo de realidade. Os temas e figuras decorrem de determinações sócio-históricas, conscientes ou inconscientes, que trazem para os discursos a maneira de ver e de pensar o mundo de grupos e classes sociais, o que faz da semântica discursiva o campo da determinação ideológica propriamente dita (FIORIN, 2004FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2004.).
A reiteração de temas e figuras de forma inconsciente nos discursos, sem que se perceba diretamente seu uso e sua determinação ideológica, aproxima-se do conceito de arquétipo de Carl Jung, pois, como observa Randazzo (1996, p. 67)RANDAZZO, S. A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.:
[...] os arquétipos do inconsciente coletivo de Jung funcionam de certa forma como instintos que guiam e moldam o nosso comportamento. O que podemos perceber são expressões do arquétipo na forma de imagens e símbolos arquetípicos. Em outras palavras, todo arquétipo pode se manifestar em um número infinito de formas.
Segundo Barros (2004)BARROS, D. L. P. Publicidade e figurativização. ALFA – Revista de Linguística, v. 47, n. 2, 2004., a figurativização assinala, com os temas, a determinação sócio-histórica e ideológica dos discursos; dá aos discursos temático-figurativos coerência semântica; participa, nos discursos temáticos, das estratégias de persuasão argumentativa, com figuras ocasionais e esparsas; concretiza os temas abstratos e produz efeitos de realidade; cria efeitos de concretização sensorial e dá “corporalidade” ao discurso e às relações entre enunciador e enunciatário; contribui para a produção de efeitos de novidade e criatividade estética, para dar prazer estético ao destinatário e para que enunciador e enunciatário partilhem instantes de “perfeição”.
Vale destacar que os anúncios publicitários em mídia impressa são textos sincréticos, com substâncias da expressão sonora (verbal) e visual. Dessa forma, além da análise da figurativização como um procedimento do plano do conteúdo, este trabalho pretende apontar algumas relações entre o plano do conteúdo e o plano da expressão dos textos, identificando possíveis relações simbólicas e semissimbólicas na instância da enunciação do discurso. Sobre o conceito de simbolismo e semissimbolismo, analisar o plano da expressão, originalmente fora das preocupações da semiótica, significa admitir que, em certos textos, o plano da expressão, além de cumprir a função de suportar o significado, “produz sentido”, ou seja, deve-se esclarecer que:
[...] nos sistemas simbólicos, a relação entre expressão e conteúdo é culturalmente determinada e perpassa diferentes textos (a relação entre branco e paz, por exemplo). Já nos sistemas semissimbólicos, põe-se em xeque nosso modo culturalmente estabelecido de sentir e de conhecer o mundo e cria-se uma nova verdade e uma outra sensação desse mundo, em que, por exemplo [em Os Girassóis, de Van Gogh], a claridade e as formas agudas ligam-se à vida, e a obscuridade e as formas arredondadas, à morte. O mundo é refeito, sobretudo na dimensão do sensível, pelo texto que constrói os semissimbolismos (BARROS, 2008BARROS, D. L. P. Semiótica e retórica: um diálogo produtivo. In: LARA, G. (Org.). Análise do discurso hoje. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 18, grifo da autora).
Finalmente, é importante conceituar o “quadrado semiótico”, o modelo que sustenta a análise conduzida neste trabalho. O quadrado semiótico pode ser definido como a representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica qualquer (GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.). Na tradição da linguística estrutural de Saussure (FLOCH, 1990FLOCH, J. M. Sémiotique, marketing et communication: sous les signes, les stratégies. Paris: PUF, 1990.), os termos de uma categoria elementar (S1, S2) mantêm entre si relação de oposição por contraste, no interior de um mesmo eixo semântico, e podem, cada um deles, projetar, por uma operação de negação, um novo termo, seu contraditório (não-S1, não-S2). Surgem, então, relações de contrariedade, contradição e complementaridade. Tais relações são ilustradas na Figura 1, a partir da oposição semântica |vida| (S1) vs. |morte| (S2):
Além dos quatro termos que compõem os vértices do modelo, este artigo analisa outra dimensão do quadrado semiótico: a dêixes, que “reúne, pela relação de implicação, um dos termos do eixo dos contrários com o contraditório do outro termo contrário. Reconhecer-se-ão, assim, duas dêixis: uma (S1 – não S2) é chamada positiva, a outra (S2 – não S1), negativa [...]” (GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008., p. 120).
Deve-se observar que o quadrado semiótico não é apenas um modelo que indica as posições dos termos, uns em relação aos outros, mas, também cumpre a função dinâmica de apresentar a passagem de uma posição à outra (BERTRAND, 2003BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. São Paulo: Edusc, 2003.), como na análise do presente trabalho. Apesar de o quadrado semiótico pertencer ao nível metalinguístico da semiótica, Barros (2002)BARROS, D. L. P. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002. observa a eficácia heurística do quadrado como modelo de análise.
Passos metodológicos
A partir da conceituação teórica exposta na seção anterior, descrevem-se aqui os aspectos de operacionalização da presente pesquisa.
O corpus deste trabalho é composto por anúncios de seguros de automóvel veiculados entre os anos de 2000 e 2009, em jornais dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, e em revistas de grande circulação. O exame dos bancos de dados dos veículos de comunicação e das empresas que prestam serviço de clipping publicitário demonstra que o número de anunciantes de seguros de automóvel, com presença sistemática na mídia impressa nacional ao longo do período analisado, restringe-se a cerca de duas dezenas.
Os anunciantes mais frequentes são os grandes bancos de varejo e as seguradoras de seus grupos, em especial o Bradesco, o Banco do Brasil, o Itaú e o Unibanco; e as seguradoras SulAmérica e Porto Seguro. A fase de coleta de material da pesquisa observou critérios de relevância e homogeneidade (BAUER; AARTS, 2012BAUER, M. W.; AARTS, B. A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.), de modo a autorizar a identificação das estratégias narrativas e discursivas mais significativas no decorrer do período de tempo analisado. Vale, ainda, destacar que os anúncios que compõem o corpus foram adquiridos do Arquivo da Propaganda, empresa especializada em serviço de clipping publicitário, aberta a consultas e aquisição de peças para o público em geral.
Foram coletados e analisados, ao todo, 125 anúncios, e as peças consideradas mais representativas, citadas no texto para sustentar a análise, foram reproduzidas em baixa resolução (reprodução obtida por escanamento). A seleção das referidas peças objetivou representar da forma mais fidedigna possível o corpus da pesquisa. Para isso, seguiram-se três diretrizes. Em primeiro lugar, contemplou-se tanto os anunciantes mais frequentes quanto aqueles com presença mais pontual na mídia. Em segundo lugar, buscou-se apresentar a diversidade de veículos de comunicação programados pelos anunciantes.
Com esse propósito, são apresentados, portanto, anúncios veiculados em jornais de grande circulação (como O Globo, do Rio de Janeiro, e a Folha de S. Paulo), em jornais de circulação municipal (como A Tribuna, de Santos), em revistas de circulação nacional (Época, por exemplo) com público leitor mais ou menos segmentado (respectivamente Cláudia e Veja, por exemplo). Os formatos dos anúncios variam de ¼ de página a peças sequenciais de três páginas inteiras. Dessa forma, além de apresentar a diversidade de veículos de comunicação que caracteriza o corpus, evita-se que a análise recaia sobre os grupos de mídia e sobre sua inegável importância como veículos de ideologia e interesses econômicos, e, sim, sobre o discurso dos anunciantes.
Finalmente, o conteúdo das peças publicitárias foi a terceira diretriz para a seleção das peças que ilustram este artigo. Como o corpus destaca-se pela reincidência de temas (a identidade do proprietário e os cuidados com o carro, por exemplo) e de figuras (como a família, o carro e o prestador de serviços), foram selecionadas as peças que representassem claramente tais figuras e temas reincidentes.
Os anúncios foram analisados de acordo com os pressupostos metodológicos da semiótica discursiva de linha francesa (BARROS, 2002BARROS, D. L. P. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002.), com ênfase na análise do nível discursivo (temas e figuras) e nas relações simbólicas e semissimbólicas entre plano do conteúdo e da expressão. Do ponto de vista operacional, a análise semiótica tem como objetivo ultrapassar a fronteira do gosto pessoal e da assimilação de juízos preconcebidos. Para isso, é necessário aliar a concentração e a contemplação do corpus (no sentido sensível e fenomenológico) à observação de categorias definidas no modelo teórico-metodológico da semiótica discursiva francesa, anteriormente apresentado.
No caso da presente pesquisa, no plano do conteúdo, delimitou-se a análise aos temas e figuras da semântica discursiva (BARROS, 2002BARROS, D. L. P. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2002.; GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.). No plano da expressão, foram observadas as categorias: (a) cromática (contrastes e combinações de cores); (b) eidética (relações entre formas); e (c) topológica (posição e orientação das formas no espaço), seguindo as postulações fundadoras de Floch (1985)FLOCH, J. M. Petites mythologies de l’oeil et de l’esprit: pour une sémiotique plastique. Amsterdam: Hadés-Benjamins, 1985. e as orientações metodológicas de Teixeira (2008)TEIXEIRA, L. Leitura de textos visuais: princípios metodológicos. In: BASTOS, N. B. (Org.). Língua portuguesa: lusofonia – memória e diversidade cultural. São Paulo: EDUC, 2008. p. 299-306.. Ao estabelecer relações (de ordem semissimbólica) entre a organização plástica dos anúncios e os temas e figuras, o trabalho de análise originou quatro categorias que foram, finalmente, organizadas em um quadrado semiótico.
De forma a orientar o leitor sobre a maneira como se chegou aos resultados da análise (categorias e quadrado semiótico), cabe retomar, neste ponto, a filiação da semiótica discursiva de linha francesa ao campo epistemológico do estruturalismo. Tal perspectiva assume que todos os textos repousam sobre estruturas mentais imanentes, constituídas a partir de oposições binárias (HIRSCHMAN; HOLBROOK, 1992HIRSCHMAN, E.; HOLBROOK, M. B. Postmodern consumer research: the study of consumption as text. London: Sage, 1992.). Dessa forma, para estudar um texto específico, o semioticista parte sempre da busca por diferenças significativas (ou oposições) entre as variáveis que se apresentam à sua fruição. Trata-se de um procedimento intuitivo (se concordarmos com os pressupostos da linguística saussureana), interpretativo e, por depender da interação entre o analista e o objeto de análise, subjetivo (FLOCH, 1990FLOCH, J. M. Sémiotique, marketing et communication: sous les signes, les stratégies. Paris: PUF, 1990.). É possível sintetizar a análise aqui empreendida nos seguintes passos:
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Contato exploratório com o corpus da pesquisa, no qual o analista apreende livremente as características do texto que lhe chamam a atenção.
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Levantamento dos temas e figuras que caracterizam o corpus em geral e suas diferenças significativas nos textos específicos (presença vs. ausência e relações de subordinação, por exemplo).
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Levantamento das características visuais do corpus em geral e suas diferenças significativas nos textos específicos (cores, relações entre formas, posição e orientação das formas no espaço).
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Estabelecimento de relações entre os achados das duas etapas anteriores, o que leva diretamente ao estabelecimento de categorias.
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Organização das categorias no modelo lógico do quadrado semiótico.
Conforme apresentado na seção sobre análise semiótica do discurso, a lógica de oposição binária é a base do quadrado semiótico, o que garante a transição da penúltima para a última etapa. Deve-se observar que a análise não precisa necessariamente levar a um quadrado semiótico cujas quatro posições estejam preenchidas de fato. A relação lógica entre os quatro vértices se sustenta mesmo nos casos em que não há evidência, no corpus, de uma ou mais posições.
Finalmente, ressalta-se que a síntese apresentada tem efeito apenas ilustrativo, uma vez que diferentes percursos são autorizados pela metodologia semiótica e o processo não se dá de forma linear ou programada.
Análise e discussão dos resultados
Na análise figurativa dos anúncios de seguro de automóvel, procurou-se observar as peças que compõem o corpus (como um grande mosaico) para identificar a predominância de certas figuras e situações. Constatou-se que os anúncios são caracterizados majoritariamente por figuras humanas e de automóveis, quase sempre em situações de interação entre o homem e a máquina. Em menor número, há anúncios do tipo all type (peças sem imagens, apenas com textos verbais) ou figurativizados por outros elementos. A análise conduziu ao estabelecimento de quatro categorias que são posteriormente articuladas no quadrado semiótico (GREIMAS; COURTÉS, 2008GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.), explicitando suas relações de contradição, complementaridade e contrariedade.
Destaca-se que o foco da análise concentrou-se nos esforços de geração de significados realizados pelas empresas anunciantes. A investigação sobre os processos interpretativos dos consumidores, a forma como eles combinam e adaptam os significados, não são contemplados neste artigo, constituindo uma discussão complementar.
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O carro soberano
Um número considerável de anúncios (em especial os do Bradesco, Figura 2, por exemplo) apresenta imagens desumanizadas, nas quais o carro – parado ou em movimento – reina absoluto, tendo como cenário uma paisagem, uma estrada ou um fundo monocromático vazio. Nesses anúncios, é interessante observar que, mesmo nas imagens do carro em movimento, o motorista não aparece na foto, ocultado pelo vidro preto do veículo ou por um efeito de luz. Em algumas peças, a proteção do veículo é figurativizada pela logomarca do anunciante (no caso da Figura 2) ou, nos anúncios da SulAmérica, por uma caixa ou redoma (Figura 3).
O carro ausente
Em oposição ao “carro soberano”, há anúncios nos quais a imagem do carro está ausente. O melhor exemplo desse tipo de anúncio é a campanha da SulAmérica (Figura 4), veiculada apenas no Rio de Janeiro, que apresenta a bicicleta como a melhor alternativa ao automóvel. Nesse contexto, a seguradora “presenteia” a população da cidade com bicicletários de uso público e gratuito. Trata-se de uma campanha de caráter institucional que posiciona a empresa no território “ecologicamente correto”, com o mote “É o melhor seguro de carro incentivando a melhor alternativa ao carro”.
Com menos ênfase visual que a SulAmérica, a Porto Seguro (Figura 5) procurou posicionar-se de forma semelhante por meio de uma campanha de reciclagem de pneus: ao doar os pneus usados para reciclagem em um dos centros automotivos da Porto Seguro, o segurado ganhava uma camiseta. Ao contrário da SulAmérica, a Porto Seguro não propõe alternativas ao uso do automóvel e, apesar da ausência da imagem do carro, este é representado pelos pneus (a matéria-prima das “esculturas” que ilustram os anúncios), em um exemplo de sinédoque visual (a representação imagética do todo pela parte).
Outro exemplo de anúncio “ecologicamente correto” da Porto Seguro é o que divulga o serviço “bike socorro”, no qual o atendimento de emergência dos segurados é feito, em parte, por técnicos que se deslocam de bicicleta (Figura 6).
Portanto, ao praticamente eliminar as figuras de carros (do ponto de vista visual, pois os textos verbais fazem referência aos veículos – a razão de ser dos produtos em questão), certas seguradoras constroem o território do “carro ausente”. Pode-se argumentar que, na campanha dos bicicletários da SulAmérica, mesmo a figura do homem está quase ausente em favor das imagens da natureza. Mas, nesse caso, a natureza (montanhas e praia) é apresentada em estado de conciliação com a cultura (cidade). Trata-se da visão de preservação ambiental para melhoria da qualidade de vida do homem nas grandes cidades. Nesse sentido, a fotografia – na qual a ciclovia e a paisagem são apresentadas do ponto de vista do ciclista fora do quadro da foto (no estilo da câmera subjetiva do cinema), com exceção das mãos – suporta cabalmente esse argumento.
Pessoas a serviço do carro
A grande maioria dos anúncios é, no entanto, caracterizada não pela ausência do carro ou do homem nas imagens, e sim pela sua relação. O primeiro tipo de relação é aquela marcada pelas imagens de “pessoas a serviço do carro”, sejam elas o proprietário do automóvel ou o funcionário da empresa seguradora (mecânico ou socorrista). A expressão “pessoas a serviço do carro” pretende exprimir, portanto, uma relação na qual o homem ocupa-se do carro por prazer ou a trabalho.
Em muitos desses anúncios, o carro é alvo de cuidados – como abraços e carinhos, por exemplo – que indicam um tratamento humanizado da máquina, conforme os três exemplos a seguir (Figuras 7, 8 e 9).
Tais anúncios aproximam-se do universo de uma campanha publicitária da Ipiranga, empresa do setor de combustíveis, criada nos anos 1990, cujo slogan ainda é utilizado pela empresa em alguns textos de seu site institucional: “apaixonados por carro como todo brasileiro” (www.ipiranga.com.br). Trata-se de uma campanha que explora situações de afeto extremo, apaixonado, dos proprietários por seus automóveis. No entender de Morais, Pascual e Severiano (2011, p. 893)MORAIS, R. C. de; PASCUAL, J. G.; SEVERIANO, M. de F. V. Apaixonados por carros como todo brasileiro (?): reflexões frankfurteanas sobre a indústria cultural contemporânea. Estudos e Pesquisa em Psicologia, v. 11, n. 3, 2011. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8341/6134>. Acesso em: 20 mar. 2015.
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“esta paixão”, como muitas outras proclamadas pela indústria cultural, não emergiu espontaneamente dos brasileiros, mas, em verdade, foi construída para os brasileiros. Ela foi resultado de uma campanha publicitária que juntou três elementos que não necessariamente tinham relação entre si – paixão, carro e brasileiros – e atribuiu a estes uma unidade “natural”, conseguindo, assim, criar um novo nicho de mercado.
Em outros anúncios, figurativizados, em geral, por funcionários das seguradoras, o carro não é humanizado, mas permanece sendo o objeto de cuidados e proteção do homem (Figura 10).
Carro a serviço das pessoas
O segundo tipo de relação entre o homem e o carro pode ser definido pela expressão “carro a serviço das pessoas”. É representado pelas cenas em que o carro é um coadjuvante de situações cotidianas dos indivíduos ou das famílias felizes, como nas Figuras 11 e 12.
Nas duas situações, a fruição da vida (no sentido da exaltação da vida) tem o carro como um coadjuvante, uma máquina que proporciona ao homem a oportunidade de estar em contato com a natureza ou com a família, um poder-fazer. Porém, na maior parte dos casos, como no anúncio do Banco do Brasil (Figura 12), seu papel na narrativa não é central.
Quadrado semiótico das relações homem-carro
A organização plástica dos anúncios pelo uso, em relação às figuras de pessoas e de carros, das oposições |presença| vs.|ausência| e |1º. plano| vs. |2º. plano|, pode ser sintetizada no seguinte continuum (Figura 13):
As figuras de pessoas e automóveis, quando ambas estão presentes, alternam suas posições nas imagens dos anúncios. Com exceção dos extremos do continuum – caracterizados pela ausência de uma das figuras –, para se estabelecer uma relação semissimbólica clara entre a organização topológica dos anúncios e os conceitos de “estar a serviço do carro” ou “servir-se do carro”, devem-se considerar também os gestos e expressões das figuras de pessoas em relação aos carros.
Essa leitura visual, aliada ao suporte dos textos verbais, conduz a um quadrado semiótico (Figura 14) cujos quatro termos podem ser expressos tendo como referencial o carro ou o homem, a saber: “carro soberano” (carro dominante ou homem dominado), “carro ausente” (carro dominado ou homem dominante), “pessoas a serviço do carro” (carro não dominado ou homem não dominante) e, por fim, “carro a serviço das pessoas” (carro não dominante ou homem não dominado).
Cada termo do quadrado corresponde a um dos grupos de anúncios analisados anteriormente. Contudo, resta ainda analisar outra dimensão do quadrado semiótico, a dêixis. A dêixis positiva do quadrado (a implicação carro não dominado – carro dominante) é marcada pela humanização da máquina e pelo papel central que o carro desempenha na construção da identidade do indivíduo. São exemplos desse processo de humanização todos os anúncios já apresentados, nos quais o carro é objeto de cuidados e de afetos normalmente destinados a pessoas, como os abraços. Como bem define o anúncio do Bradesco (Figura 15), nesse território, o carro é a “menina dos olhos” do proprietário.
Um caso interessante de aproximação entre as figuras humanas e as máquinas é a imagem de um carro (Figura 16) e de seu motorista na qual ambos aparecem “radiografados” (uma referência ao check-up do veículo): ossos humanos e peças metálicas parecem fazer parte de uma mesma engrenagem.
Porém, a humanização do carro talvez encontre seu ponto culminante nos anúncios do Unibanco, cujo personagem principal é um carro antropomorfizado (em ilustração). Foram selecionados dois títulos para exemplificar a campanha: “Seguro Auto Unibanco AIG. O único que dá cartão de crédito Unibanco AIG: quanto mais você usa, menos paga pelo seguro” (Figura 17, grifo nosso); “No Unibanco AIG sua indenização chega a jato” (Figura 18, grifo nosso).
Nesses casos, a humanização do carro chega a tal ponto que a máquina se funde com o proprietário. Assim como as imagens, que sustentariam por elas mesmas esse argumento, o texto verbal não deixa margem para dúvidas, conforme indicam os termos grifados no parágrafo anterior.
Ainda na dêixis positiva do quadrado, o carro é também um objeto de veneração do homem – a imagem do anúncio da Figura 3 remete, inclusive, a uma redoma de museu ou, no limite, a um altar – e representa um estilo de vida e uma identidade, como no anúncio da Mapfre (Figura 19): “Se você é platinum e seu carro vale ouro, o seu seguro tem que ser Mapfre Automais Gold”, que arremata as características do produto com a frase “enfim um seguro a altura do seu estilo de vida”.
No mesmo contexto, o anúncio da empresa Porto Seguro (Figura 20), que vende um produto direcionado para jovens, trata do automóvel como símbolo de independência: “A independência você conquista aos poucos. A segurança pode ser de uma vez”.
A dêixis negativa do quadrado (a implicação carro não dominante – carro dominado) é marcada, como decorrência lógica, pela desumanização da máquina e pela relativização da importância do carro na construção da identidade do indivíduo. Deve-se observar que o carro continua a desempenhar um papel relevante nas narrativas da dêixis negativa, o que explica o uso do termo “relativizar”. Nesse território, o carro representa um poder-fazer para o sujeito das narrativas, cujo objeto-valor não é mais a proteção do carro (ou até mesmo os cuidados com a máquina), e sim a fruição da vida, representada, em geral, por cenas que remetem ao estereótipo da “família feliz da publicidade”. Esse raciocínio pode ser exemplificado por duas estratégias diferentes de persuasão. A primeira seria a das “histórias de final feliz”, na qual os personagens desfrutam de situações proporcionadas pela posse do veículo, como nos anúncios das Figuras 11 e 21.
É interessante observar que, na narrativa do anúncio do Bradesco (Figura 12), o carro (apesar de desumanizado) tem um papel que vai além do cumprimento da função de meio de transporte. A mulher aprecia a paisagem de dentro do carro, confortavelmente apoiada na porta do veículo. Dessa forma, o fato de “estar no carro” faz parte do momento de tranquilidade e contemplação.
Já no anúncio da AGF (Figura 21), a família feliz, na cena que remete a uma viagem de fim de semana, usufrui da comodidade do automóvel e da tranquilidade de contar com os serviços da seguradora.
A mesma estrutura de narrativa pode também receber um “final triste”, realizado ou insinuado, como faz a Porto Seguro nos anúncios “Cheque bem o seu carro na hora de viajar” (Figura 22) e “Eu quase fui para Salvador” (Figura 23). Nas duas peças, veiculadas em períodos de férias ou na véspera de feriados, a fruição das férias foi impossibilitada pela negligência do proprietário, que não fez o seguro ou a revisão do carro antes da viagem.
Finalmente, a campanha da SulAmérica, que apresenta a bicicleta como a melhor alternativa ao carro (Figura 4), é aquela que mais reduz o carro à sua função de meio de transporte.
Considerações finais
Este artigo procurou analisar o discurso da propaganda de seguros de automóvel no Brasil, lançando subsídios para a compreensão da articulação do sentido nas peças publicitárias em questão, com ênfase no processo de figurativização dos automóveis e dos indivíduos em anúncios de mídia impressa, destacando as possíveis relações entre os proprietários de automóveis e seus veículos, projetadas nas peças publicitárias.
A análise ilustrou a criação de significados e mitos na sociedade de consumo por meio da comunicação publicitária, confirmando o ponto de vista adotado no referencial teórico da pesquisa. Em especial, destaca-se a riqueza de significados que a publicidade transfere para o automóvel (como categoria de produto), para as marcas das seguradoras e, finalmente, para a relação (em geral intermediada pela marca) entre o consumidor e o objeto carro. Com efeito, esta pesquisa corrobora estudos que apontam que o processo de criação e desenvolvimento do self estendido (BELK, 1988BELK, R. W. Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, v. 15, p. 139-165, 1988.), através do automóvel, pode ser visto em práticas de customização (personalização) do carro, lavagem, polimento e outras práticas que envolvem o cuidado extremo com o objeto.
Ao final deste percurso de análise, conclui-se que a publicidade de seguro de automóvel, ao colocar em jogo outros valores que não apenas a proteção do veículo e de seu condutor, constrói uma “pequena mitologia” da relação entre o brasileiro e o seu carro, sobretudo no que diz respeito aos cuidados com o veículo. Com efeito, nas narrativas estudadas, a segurança ganha novos sentidos, deslocando a proteção do centro do discurso para colocar em cena outros valores como a tranquilidade, a conveniência, a felicidade, a independência e a identidade do sujeito.
Retomando a reflexão de Barthes (1963)BARTHES, R. Mythologie de l’automobile. Réalités, v. 213, p. 19-34, 1963. sobre a banalização do automóvel como objeto e a relevância da “mitologia da condução do automóvel”, pode-se dizer que o presente trabalho apresenta outras alternativas de interação entre o homem e a máquina, com inegável riqueza para a criação de sentido nas práticas cotidianas. É no contexto dessa reflexão que as figuras de humanização da máquina e de fusão do homem com o carro, presentes nos anúncios analisados, ganham relevância. Com base no quadrado semiótico apresentado neste trabalho, podem-se sugerir os percursos de “sujeição do homem à máquina” e de “sujeição da máquina ao homem” (Figura 24).
Com efeito, no corpus deste trabalho, o automóvel não é apenas um objeto utilitário, mas, sim, o resultado da conciliação de valores utilitários e existenciais, outrora considerados pelos estudos de consumo como antagônicos. Seu conteúdo simbólico, como a face concreta de um estilo de vida ou como objeto de iniciação à vida adulta, por exemplo, é devidamente explorado nos anúncios. Em certos textos, inclusive, as relações entre o homem e o carro mostram-se humanizadas, chegando ao limite extremo no caso da fusão homem-máquina.
Por outro lado, a análise realizada conduz à constatação de que o “percurso de sujeição do homem à máquina” não é o único tipo de relação contemplada no discurso publicitário de seguros de automóvel. A identificação de um percurso de “sujeição da máquina ao homem” deixa entrever a riqueza da comunicação publicitária no que diz respeito às possibilidades de interações entre os sujeitos das narrativas. Fica claro, portanto, que a análise semiótica conduzida evita uma crítica fácil ou ingênua dos anúncios estudados. O discurso da indústria de seguros de automóvel não se limita a desenvolver conteúdos simbólicos para o automóvel e chega, por oposição, a construir um território de narrativas nas quais o carro é reconduzido ao seu papel utilitário (na implicação “carro a serviço das pessoas” – “carro ausente”). Estudos futuros podem aprofundar-se na análise desse território sutil da propaganda. Finalmente, cabe observar que o presente trabalho, por ser um estudo semiótico do discurso, não pretende apresentar uma interpretação definitiva para os textos analisados, o que seria, inclusive, contrário à perspectiva epistemológica adotada. O que se buscou foi oferecer uma possível leitura do corpus de pesquisa, convidando outros pesquisadores a oferecer visões alternativas, alinhadas ou não ao presente artigo.
Além da possibilidade de novas leituras sobre o mesmo corpus, este texto abre outras perspectivas de futuras pesquisas sobre a publicidade brasileira de seguros de automóveis. Com efeito, cabe salientar que o foco desta investigação concentrou-se nos esforços de geração de significados realizados pelas empresas, sendo a análise de como os consumidores combinam e adaptam significados, de forma que se encaixem nas suas próprias vidas, uma discussão complementar. Sugere-se, portanto, analisar o discurso do consumidor sobre as propagandas veiculadas, o que se constituiria em um estudo do “discurso sobre o discurso”, investigando o conjunto de interpretações, discursos ou estruturas usados pelos consumidores para ligar produtos e marcas às situações sociais e individuais que são vivenciadas cotidianamente. Seria relevante, também, analisar o discurso dos veículos de comunicação que veiculam anúncios da indústria seguradora. A mídia cumpre o papel de produtora e disseminadora de discursos e, ao veicular seu conteúdo editorial e publicitário, limita e norteia um universo de possibilidades colocados à disposição dos leitores, sendo considerada por estes meio legítimo para se conhecer a realidade social. Dessa forma, sugere-se estudar a interdiscursividade entre os anúncios de seguros e o conteúdo editorial dos jornais e revistas que a eles servem de suporte.
Considerando a capacidade da comunicação publicitária de refletir e influenciar os padrões de consumo, a identificação da “pequena mitologia” da relação entre o brasileiro e o seu carro, apresentada neste trabalho, colabora para lançar subsídios para a compreensão da relação entre o brasileiro e o automóvel.
Finalmente, conclui-se este artigo com uma pergunta, que a presente análise, apesar de tangenciar, não se propõe a responder por completo: a partir de que ponto os carros deixam de ser dirigidos e passam, também, a dirigir seus donos?
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As imagens das figuras de 2 a 12 e de 15 a 23 foram obtidas do site Arquivo da Propaganda. Disponível em: <http://www.arquivodapropaganda.com.br/>. Acesso em: 5 nov. 2015.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
-
Recebido
29 Jan 2014 -
Aceito
05 Nov 2015