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EM BUSCA DE UMA ARTICULAÇÃO ENTRE TÉCNICAS PROJETIVAS, ANÁLISE DO DISCURSO E OS ESTUDOS DO CONSUMO

TOWARDS AN ARTICULATION OF PROJECTIVE TECHNIQUES, DISCOURSE ANALYSIS AND CONSUMPTION STUDIES

Resumo

O consumo, na atualidade, pode ser considerado um fenômeno complexo que atravessa diversos campos de estudo, tangencia diferentes perspectivas de análise e oferece uma ampla gama de interpretações, por isso, parece ser essencial aproximar métodos, técnicas e estratégias de pesquisa para tentar apreender e compreender algumas de suas questões. Nesse sentido, esse trabalho se propôs a discutir o potencial de articulação da utilização de uma modalidade de técnica projetiva com a análise do discurso em um estudo envolvendo o consumo. Por meio da revisão da literatura e de uma pesquisa empírica, foi possível concluir que essa articulação mostrou-se pertinente. Isso se deu tendo em vista que, enquanto as técnicas projetivas buscaram permitir que os consumidores organizassem suas formas de experiência e, por meio de objetos e materiais, pudessem projetar sua personalidade em termos de significados, padrões e sentimentos, a análise do discurso teve por finalidade explorar de que forma as ideias produzidas socialmente contribuíram para a construção de uma determinada realidade social.

Palavras-chave
Técnicas projetivas; Análise do discurso; Consumo

Abstract

Nowadays, consumption can be considered a complex phenomenon that crosses different fields of study, tangency different perspectives of analysis and offers a wide range of interpretations, it seems essential to approximate methods, techniques and research strategies to try to learn and understand some of your questions. Thus, this study aimed to discuss the potential articulation of a form of projective technique with discourse analysis in a study involving consumption. Through literature review and empirical research it was concluded that this joint proved to be relevant. This happened in order that while the projective techniques sought to enable consumers to organize their ways of experience and through objects and materials could project his personality in terms of meaning, patterns and feelings, discourse analysis aimed to explore how the ideas produced socially were able to contribute to the construction of a particular social reality.

Keywords
Projective techniques; Discourse analysis; Consumption

Introdução

O consumo engloba várias atividades, atores e um conjunto de bens e serviços que, frequentemente, não se restringem necessariamente aos fornecidos sob a forma de mercadorias. Ademais, pode ser visto tanto na apropriação coletiva de significados que proporcionam tanto satisfações biológicas como simbólicas, como em relações de solidariedade e distinção para com outros (MCCRACKEN, 2003MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.; BARBOSA; CAMPBELL, 2006BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. O estudo do consumo nas ciências sociais contemporâneas. In: BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. (Org.). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006.; CANCLINI, 2010CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2010.; DESJEUX, 2011DESJEUX, D. O consumo: abordagens em ciências sociais. Maceió: Edufal, 2011.). Nesse sentido, o consumo, hodiernamente, é um fenômeno que atravessa diversos campos de estudo, tangencia diferentes perspectivas de análise e oferece uma ampla gama de interpretações.

A partir dessa consideração, não é difícil perceber que ganha vulto a complexidade de se pesquisarem situações de consumo. Nesse sentido, torna-se essencial estabelecer “pontes” entre campos do conhecimento, buscando aproximar métodos, técnicas e estratégias de pesquisa oriundas de outras áreas para tentar dar conta de se apreender e compreender questões relacionadas ao consumo. Algumas das situações de pesquisa que ensejam o estabelecimento dessas articulações podem estar atreladas, por exemplo, a investigações envolvendo a relação simbólica entre objetos e sujeitos, a construção social dos significados de marcas e pontos associados à socialização para o consumo. Por exemplo, como se dá a ressignificação de marcas sofisticadas por adolescentes de baixo poder aquisitivo a partir de suas relações cotidianas tornadas públicas no âmbito das mídias sociais.

Destaca-se que, em meio a todas as possibilidades de utilização dessas técnicas, surgem as técnicas projetivas que podem ser entendidas como uma forma não estruturada, indireta, de perguntar, com o objetivo de incentivar os entrevistados a projetarem suas motivações, crenças, atitudes ou sensações subjacentes sobre problemas em estudo (MALHOTRA, 2001MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2001.). Complementarmente, Boddy (2007)BODDY, C. R. Projective techniques in Taiwan and Asia-Pacific market research. Qualitative Market Research: an international journal, v. 10, n. 1, p. 48-62, 2007., fazendo referência ao website da Association of Qualitative Practioners (AQR, 2004AQR. Association of Qualitative Practioners. Projective and enabling techniques. 2004. Disponível em: <https://www.aqr.org.uk/glossary/projective-and-enablingtechniques>. Acesso em: ago. 2013.
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), define técnica projetiva como o conjunto de tarefas e jogos nos quais os respondentes podem ser solicitados a participar durante uma entrevista, elaborada para facilitar, estender ou realçar a natureza da discussão. Por sua vez, a análise do discurso de um rótulo dado a uma diversidade de enfoques desenvolve-se a partir de várias tradições teóricas oriundas de diversas disciplinas, visando aos estudos de textos (GILL, 2002GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.). De acordo com a autora, não é fácil considerar uma única “análise do discurso”, mas diferentes estilos de análise. Contudo, as várias perspectivas têm em comum a noção tanto de que a linguagem não é um meio neutro de refletir ou descrever o mundo quanto de que o discurso tem papel central na construção da vida social (GILL, 2002GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.).

É justamente nessa busca que se oportuniza a elaboração de um trabalho com o objetivo não só de discutir formas de aproximação entre uma modalidade de técnica projetiva (TP) com a análise do discurso (AD), mas de apresentar resultados de uma pesquisa empírica envolvendo o consumo na qual se promoveu essa articulação.

Alguns dos motivos que justificam a condução do presente trabalho são os seguintes. em primeiro lugar, não é escusado apontar a pouca utilização das TP, bem como da AD na pesquisa do consumidor. No estudo conduzido por Pinto e Lara (2008)PINTO, M. R.; LARA, J. E. O que se publica sobre comportamento do consumidor no Brasil, afinal? Revista de Administração da UFSM, v. 1, n. 3, art. 2, p. 85-100, 2008., que analisou 238 artigos no campo da pesquisa do consumidor publicados no Brasil entre os anos de 1997 e 2006, constatou-se que em uma pequena parcela dos trabalhos (14 – correspondendo a pouco mais de 5% do total) houve a citação de que foi utilizada a AD. uma ressalva, porém, torna-se necessária, pois muitos autores parecem lançar mão do termo “análise do discurso” de maneira genérica, sem, de fato, ter a preocupação de utilizar o ferramental analítico do que é proposto pelos autores. No mesmo sentido, o citado estudo também constatou que apenas um trabalho (menos de 0,5% do total de artigos) informou utilizar TP como método de coleta de dados. em segundo lugar, enfatiza-se que boa parte dos textos dedicados à apresentação e discussão de técnicas de pesquisa qualitativa em Administração (VERGARA, 2005VERGARA, S. C. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005.; VIEIRA; ZOUAIN, 2005VIEIRA, M. M. F.; ZOUAIN, D. M. (Org.). Pesquisa qualitativa em administração: teoria e prática. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005.; 2006VIEIRA, M. M. F.; ZOUAIN, D. M. (Org.). Pesquisa qualitativa em administração. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.; GODOI; BANDEIRA-DE-MELLO; SILVA, 2006GODOI, C. K; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.; TAKAHASHI, 2012TAKAHASHI, A. R. W. (Org.). Pesquisa qualitativa em administração: fundamentos, métodos e usos no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.), apesar de alguns conterem a AD, não contemplam ou explanam superficialmente as TP e muito menos propõem a aproximação entre esse grupo de técnicas e a AD. em terceiro lugar, a articulação entre TP e AD parece estar alinhada a uma perspectiva que vem crescendo nos últimos anos, na qual se entende o consumo como construção social, fruto de uma interação entre os indivíduos no seu cotidiano. Ademais, a proposta desse trabalho tem aderência ao que sinalizam diversos autores ao defenderem não somente a utilização, mas, principalmente, a combinação de diferentes métodos qualitativos no marketing (BAHL; MILNE, 2006BAHL, S.; MILNE, G. R. Mixed methods in interpretive research: an application to the study of the self-concept. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: edward elgarPublishing, 2006.) envolvendo TP (ROOK, 2006ROOK, D. Let´spretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2006.) e criação de estórias e narrativas (DEIGHTON; NARAYANDAS, 2004DEIGHTON, J.; NARAYANDAS, D. ‘Stories and theories’, an invited commentary on ‘evolving to a new dominant logic for marketing’. Journal of Marketing, v. 68, n. 1, p. 19-20, 2004.; HOPKINSON; HOGG, 2006HOPKINSON, G. C.; HOGG, M. K. Stories: how they are used and produced in market(ing) research. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Rlgar Publishing, 2006.). Por fim, este trabalho pode servir de ponto de partida até mesmo porque serve para “convidar” outros leitores e pesquisadores a envidarem esforços no sentido de também buscarem formas de construir “pontes” entre diferentes campos do conhecimento, tão necessários e bem-vindos nos estudos envolvendo o tema consumo.

O artigo foi dividido em seis partes incluindo essa introdução. Para se contextualizar o campo do consumo, foi elaborada uma seção com o intuito de se discutirem questões que confirmam a noção de que o consumo pode ser entendido como um fenômeno com múltiplas vozes. Na sequência, foi incluída uma discussão acerca das TP e seus principais pontos de aderência aos estudos em consumo. Achou-se adequado contemplar também uma seção no trabalho com o objetivo de apresentar uma breve revisão dos conceitos, estratégias e usos da AD nos estudos em administração no Brasil. A outra seção, central para o trabalho, tem a função de discutir a pesquisa empírica conduzida, visando à aproximação entre uma técnica projetiva com a análise do discurso no campo do consumo. Para isso, essa seção foi dividida em duas partes: uma explana sobre o percurso metodológico da investigação; outra apresenta e detalha os resultados. Por fim, as considerações do trabalho são discutidas, buscando-se aprofundar questões relacionadas aos pontos de aderência entre as TP e a AD.

O consumo: fenômeno com múltiplas vozes

Entendido como uma “grande tenda” (SOLOMON, 2002SOLOMON, M. R. Comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002.), na qual podem conviver e fertilizar perspectivas de várias disciplinas das ciências sociais, o campo do consumo parece ser convidativo a pesquisadores que optam por enveredar por novas e profícuas “trilhas” de investigação. Tentando traçar um histórico dos estudos envolvendo o consumo na disciplina do marketing, pode-se afirmar que várias foram as contribuições da economia, da psicologia, da sociologia, da antropologia, da biologia, da neurologia, entre diversas outras áreas (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988SHETH, J. N.; GARDNER, D. M.; GARRETT, D. E. Marketing theory: evolution and evaluation. New york: John Wiley & Sons, 1988.; BELK, 1995BELK, R. W. Studies in the new consumer behaviour. In: MILLER, D. Acknowledging consumption. New york: routledge, 1995.).

Na perspectiva da economia, basicamente, os indivíduos consomem baseando-se na disponibilidade de recursos (principalmente renda) necessários para obtê-los. Assim, a abordagem econômica vê o consumidor como um indivíduo isolado e foca suas análises principalmente no processo de decisão de compra como um ato em busca de maximização de utilidade, marcado pela escolha racional e pela objetividade de avaliação.

Outra perspectiva importante relacionada ao consumo vem da psicologia. Nessa vertente, o consumidor continua sendo visto como indivíduo isolado. Os estudos privilegiam pontos envolvendo aspectos ligados ao processamento de informação, estruturas mentais, memória, influências da aprendizagem, cognição, atitudes e comportamentos do consumidor. O próprio termo que designa o campo no marketing, comportamento do consumidor, traduz uma tradição behaviorista, reificando o indivíduo como eixo central a partir do qual se pensa o consumo (ROCHA, 2002ROCHA, E. Cenas do consumo: notas, ideias, reflexões. Revista Semear, Rio de Janeiro: PuC-Rio, n. 6, 2002.). Ratificando essa ideia, para Thompson, Locander e Pollio (1989)THOMPSON, C. J.; LOCANDER, W. B.; POLLIO, H. R. Putting consumer experiences back into consumer research: the philosophy and method of existentialphenomenology. Journal of Consumer Research, v. 16, p. 133-146, Sept. 1989. o termo comportamento do consumidor parece ser um anacronismo, pois reflete uma era em que a psicologia era dominada pelo behaviorismo. Assim, para esses autores, a maioria das pesquisas sobre o consumidor na contemporaneidade deveria ser rotulada como “cognição do consumidor”.

já a perspectiva sociológica e antropológica entende que a troca e o uso de objetos são práticas que podem ser utilizadas tanto para criar, manter e fortalecer vínculos entre os membros de uma sociedade como para fornecer sentido e ordenar a vida coletiva em uma totalidade. Assim, os trabalhos sobre consumo que floresceram na década de 1990 partem da concepção de que o sistema formado pelos objetos expressa a ordenação da estrutura social e até contribui para ela. Ou seja, as pesquisas antropológicas se baseiam na concepção de que as relações sociais são mediadas por objetos; os objetos não são pura matéria, mas são, ao contrário, carregados de significados socialmente construídos (LIMA, 2010LIMA, D. N. Consumo: uma perspectiva antropológica. Petrópolis: Vozes, 2010.). Daí surgiu uma subárea, considerada tardiamente configurada, denominada antropologia do consumo (DUARTE, 2010DUARTE, A. A antropologia e o estudo do consumo: revisão crítica das suas relações e possibilidades. Etnográfica, v. 14, n. 2, 2010.).

Além disso, na tentativa de organizar o que normalmente se discute sobre o tema nas ciências sociais em geral, Rocha (2006)ROCHA, E. Introdução. In: DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. enfatiza que, quando se fala em consumo, o discurso é proferido a partir de três enquadramentos preferenciais. No primeiro, o consumo pode ser explicado como essencial para a felicidade e a realização pessoal, o que caracteriza o enquadramento hedonista. É o consumo pelo prisma da publicidade no qual o sucesso traduz-se na posse infinita de bens que conspiram para a felicidade perene. essa visão é considerada o mainstream do consumo, motivo pelo qual é intensamente utilizada na mídia. Outro tipo é o que explica o consumo sob uma perspectiva moralista, na qual o tom é denunciatório. Nessa perspectiva, o consumo é percebido como uma atividade “maligna” ou antissocial (MILLER, 2007MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007.). Como exemplo citado por Miller (2007)MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007., a crítica ambientalista coloca o consumo como sinônimo de destruição. Por último, o consumo pode ser explicado pelo enquadramento naturalista, no qual ora atende às necessidades físicas, ora responde a desejos psicológicos. Essa visão tem por base a mistura dos vários significados recobertos pela ideia de consumo, confundindo a dimensão cultural e simbólica com outros significados que a palavra recobre, muitas vezes relacionada à ideia de consumo como algo natural ou biológico (ROCHA, 2006ROCHA, E. Introdução. In: DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.).

Em face à latente complexidade e amplitude, descortinadas pelo fenômeno do consumo, é possível perceber nos últimos anos uma tendência de incorporação de novos referenciais e possibilidade de conversação (HOLBROOK, 1987HOLBROOK, M. B. What is consumer research? Journal of Consumer Research, v. 14, p. 128-132, june 1987.) com outros campos de conhecimento. Muitas tentativas de articulação vêm sendo propostas nesse sentido tanto na literatura internacional (THOMPSON; LOCANDER; POLLIO, 1989THOMPSON, C. J.; LOCANDER, W. B.; POLLIO, H. R. Putting consumer experiences back into consumer research: the philosophy and method of existentialphenomenology. Journal of Consumer Research, v. 16, p. 133-146, Sept. 1989.; FIRAT; VENKATESH, 1995FIRAT, A. F.; VENKATESH, A. Liberator y postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, v. 22, p. 239-267, 1995.; THOMPSON, 1997THOMPSON, C. J. Interpreting consumers: a hermeneutical framework for deriving marketing insights from the texts of consumption stories. Journal of Marketing Research, v. 34, n. 4, p. 438-455, Nov. 1997.; SHANKAR; ELLIOT; GOULDING, 2001SHANKAR, A.; ELLIOT, R.; GOULDING, C. understanding consumption: contributions from a narrative perspective. Journal of Marketing Management, v. 17, n., p. 429-453, 2001.; GOULDING, 2005GOULDING, C. Grounded theory, ethnography and phenomenology: a comparative analysis of three qualitative strategies for marketing research. European Journal of Marketing, v. 39, n. 3-4, p. 294-308, 2005.; BAHL; MILNE, 2006BAHL, S.; MILNE, G. R. Mixed methods in interpretive research: an application to the study of the self-concept. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: edward elgarPublishing, 2006.) como nacional (PINTO; SANTOS, 2008PINTO, M. R.; SANTOS, L. L. S. em busca de uma trilha interpretativista para a pesquisa do consumidor: uma proposta baseada na fenomenologia, na etnografia e na groundedtheory. RAE-Eletrônica, v. 7, n. 2, jul./dez. 2008.; SAUERBRONN; CERCHIARO; AYROSA, 2011SAUERBRONN, J. F. R.; CERCHIARO, I. B.; AYROSA, e. A. T. uma discussão sobre métodos alternativos em pesquisa acadêmica em marketing. Gestão e Sociedade, v. 5, n. 12, p. 254-269, 2011.; DESJEUX; SUAREZ; CAMPOS, 2014DESJEUX, D.; SUAREZ, M.; CAMPOS, R. D. O método dos itinerários: uma contribuição metodológica das ciências sociais à pesquisa de consumo em gestão. Revista Brasileira de Marketing, v. 13, n. 2, p. 72-81, 2014.). Nesse sentido, o artigo adere a esse movimento trazendo para a comunidade de pesquisadores do estudo do consumo uma possibilidade de conversação entre as TP e a AD. Partiu-se da premissa de que as TP podem ajudar a descortinar questões não tão racionalizadas pelos consumidores por meio da exposição escrita indiretamente relacionada ao tema proposto. A partir daí, a AD auxiliaria, para além do texto, a buscar encontrar as condições que produziram esse discurso, para acessar seus sentidos, considerando as condições de produção sociais, históricas e ideológicas (GONDIM; FISHER, 2009GONDIM, S. M. G.; FISHER, T. O discurso, a análise do discurso e a metodologia do discurso do sujeito coletivo na gestão intercultural. Cadernos Gestão Social, v. 2, n. 1, p. 9-26, 2009.).

Sendo assim, a próxima seção visa a apresentar as técnicas projetivas como instrumento de pesquisa que, incorporada a um “desenho” de pesquisa, pode contribuir para se investigarem fenômenos no campo do consumo.

Técnicas projetivas (TP): definições, história e uso nos estudos de consumo

Uma premissa básica no que concerne às pesquisas nas ciências sociais é a de que as pessoas muitas vezes não conseguem verbalizar suas verdadeiras motivações e atitudes. elas podem se sentir embaraçadas em dizer que não gostam de determinado produto ou de executar determinada tarefa. Sobretudo na área de marketing e especialmente na pesquisa envolvendo consumo, para tentar entender a natureza dos desejos dos consumidores, os métodos tradicionais de pesquisa podem ser, não raramente, bastante limitados. eles não são adequados para extrair fantasias do consumidor (BELK; GER; ASKEGAARD, 1997BELK, R. W.; GER, G.; ASKEGAARD, S. Consumer desire in three cultures: results from projective research. Advances in Consumer Research, v. 24, p. 24-28, 1997.). Complementarmente, Zober (1955)ZOBER, M. Some projective techniques applied to marketing research. Journal of Marketing, v. 20, p. 262-268, 1955. ressalta a dificuldade em pesquisas na área mercadológica em obter uma resposta adequada para indagações do tipo “Por quê?”. Nesse contexto, surgem as TP que podem ser utilizadas tanto em uma grande variedade de situações de pesquisa de marketing quanto em pesquisa social e educacional (BODDY, 2007BODDY, C. R. Projective techniques in Taiwan and Asia-Pacific market research. Qualitative Market Research: an international journal, v. 10, n. 1, p. 48-62, 2007.).

O termo técnicas projetivas originou-se do trabalho de Frank (1939)FRANK, L. K. Projective methods for the study of personality. Journal of Psychology, v. 8, n. 1, p. 389-413, 1939. intitulado Projective Methods for the Study of Personality. Nele, o autor advoga que as técnicas de avaliação psicológica são necessárias por permitir que os indivíduos organizem suas formas de experiência e por meio de objetos e materiais possam projetar sua personalidade em termos de significados, padrões e sentimentos.

Originalmente, as TP são derivadas da Psicanálise (BODDY, 2007BODDY, C. R. Projective techniques in Taiwan and Asia-Pacific market research. Qualitative Market Research: an international journal, v. 10, n. 1, p. 48-62, 2007.) e foram utilizadas na Psicologia Clínica no diagnóstico de psicoses (PETTIGREW; CHARTERS, 2008PETTIGREW, S.; CHARTERS, S. Tasting as a projective technique. Qualitative Market Research: an international journal, v. 11, n. 3, p. 331-343, 2008.) nas décadas de 1940 (ROOK, 2006ROOK, D. Let´spretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2006.). De acordo com Soley (2010)SOLEY, L. Projective techniques in uS marketing and management research. Qualitative Market Research: an international journal, v. 13, n. 4, p. 334-353, 2010., essa relação com a Psicanálise advém do conceito de que os seres humanos desenvolvem um processo mental tanto consciente como inconsciente. A partir dos anos 1950, porém, foi possível perceber uma difusão relativamente rápida das TP das ciências comportamentais para agências de publicidade e empresas de pesquisa de marketing em que foram aplicadas no desenvolvimento de produtos, em estudos sobre publicidade, mídia, varejo e estudos do consumo (ROOK, 2006ROOK, D. Let´spretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2006.). Ainda que, após a década de 1970, a popularidade das TP tenha diminuído tendo em vista a ascensão de técnicas quantitativas como surveys e estudos experimentais, Rook (2006)ROOK, D. Let´spretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2006. assinala que, nas primeiras décadas do século XXI, um renovado interesse tem emergido nos métodos qualitativos em direção à utilização combinada das TP em investigações etnográficas, bem como em análises semióticas e literárias.

Conceitualmente, seguindo a Association of Qualitative Practioners (AQR, 2004AQR. Association of Qualitative Practioners. Projective and enabling techniques. 2004. Disponível em: <https://www.aqr.org.uk/glossary/projective-and-enablingtechniques>. Acesso em: ago. 2013.
https://www.aqr.org.uk/glossary/projecti...
, [s. p.]), técnicas projetivas podem ser

A wide range of tasks and games in which respondents can be asked to participate during an interview or group, designed to facilitate, extend or enhance the nature of the discussion. Some are known as “projective” techniques, being loosely based on approaches originally taken in a psychotherapeutic setting. These rely on the idea that someone will “project” their own (perhaps unacceptable or shameful) feelings or beliefs onto an imaginary other person or situation.

Bond e Ramsey (2010)BOND, D.; RAMSEY, e. The role of information and communication technologies in using projective techniques as survey tools to meet the challenges of bounded rationality. Qualitative Market Research: an international journal, v. 13, n. 4, p. 430-440, 2010. defendem a ideia de que há diversas técnicas projetivas as quais podem ser parte de um “mix” de métodos para compor o desenho metodológico de uma investigação. Alguns manuais de pesquisa em administração (VERGARA, 2005VERGARA, S. C. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005.) e de marketing (MALHOTRA, 2001MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2001.; AAKER; KUMAR; DAY, 2001AAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, G. S. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 2001.) classificam as TP em quatro grupos: técnicas de associação (quando se apresenta ao entrevistado um estímulo e se pede que ele responda com a primeira coisa que lhe vem à mente); técnicas de complemento (por meio dos quais o pesquisador apresenta ao entrevistado um estímulo para ser preenchido com palavras); técnicas de construção (grupo de instrumentos capazes de obter dados dos sujeitos da pesquisa, os quais são estimulados a criar uma ou mais respostas para o tema sob investigação, na forma de histórias, relatos ou imagens); e por fim, técnicas expressivas (apresenta-se ao entrevistado uma situação verbal ou visual, pedindo-lhe que relate as sensações e atitudes de outras pessoas em relação à situação).

Levando em conta os estudos em marketing, Rook (2006)ROOK, D. Let´spretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. (Org.). Handbook of qualitative research methods in marketing. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2006. advoga a favor das TP, visto que elas parecem oferecer uma grande variedade de possibilidades de desenhos de pesquisa que vai além do trabalho de campo etnográfico e mesmo das entrevistas em profundidade e grupos de foco. Para ilustrar essa ideia, o autor elenca as técnicas projetivas mais utilizadas em pesquisa de marketing baseadas em relatos de estudos publicados (Quadro 1).

Quadro 1
Técnicas projetivas e suas origens na pesquisa de marketing.

Nos estudos do consumo, as TP já serviram de apoio em algumas investigações. Aaker e Stayman (1992)AAKER, D. A.; STAYMAN, D. M. Implementing the concept of transformational advertising. Psychology & Marketing, v. 9, n. 3, p. 237-253, 1992. utilizaram essas técnicas para pesquisar consumo de cervejas em atividades de lazer. Por meio de três estudos de caso, Donoghue (2000)DONOGHUE, S. Projective techniques in consumer research. Journal of Family Ecology and Consumer Sciences, v. 28, p. 47-53, 2000. descreveu como as técnicas projetivas podem ser trabalhadas em uma pesquisa do consumidor. No mesmo sentido, Doherty e Nelson (2010)DOHERTY, S.; NELSON, R. Using projective techniques to tap into consumers’ feelings, perceptions and attitudes... getting an honest opinion. International Journal of Consumer Studies, v. 34, p. 400-404, 2010. explicaram como quatro diferentes técnicas projetivas foram utilizadas para acessar os pensamentos e sentimentos de 160 entrevistados no tocante à lealdade no varejo de alimentos. Havlena e Holak (1996)HAVLENA, W. J.; HOLAK, S. L. Exploring nostalgia imagery through the use of consumer collages. Advances in Consumer Research, v. 23, p. 35-42, 1996. buscaram, por meio de colagens criadas por pequenos grupos, explorar a natureza e a estrutura da nostalgia. Heisley e Levy (1991)HEISLEY, D. D.; LEVY, S. J. Autodriving: a photo elicitation technique. Journal of Consumer Research, v. 18, n. 3, p. 257-272, 1991. utilizaram uma técnica projetiva de autodriving baseada em entrevistas nas quais o informante é conduzido por fotografias, vídeos e áudios produzidos por eles mesmos.

No Brasil, foi encontrado o estudo desenvolvido por Oliveira, Tonelli e Zambalde (2010)OLIVEIRA, F. M.; TONELLI, D. F.; ZAMBALDE, A. L. Explorando a técnica projetiva de construção de desenhos: anotações de uma experiência de pesquisa. In: ENANPAD, 34., 2010, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2010., o qual discutiu a experiência de utilização da técnica projetiva de construção de desenhos. Pode ser citada também a pesquisa conduzida por Walther (2012)WALTHER, L. C. C. L. A videoelicitação como técnica projetiva para a pesquisa de tópicos sensíveis em marketing? entrevistando mulheres sobre consumo erótico. In: ENANPAD, 36., 2012, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2012., que buscou utilizar a videoelicitação como técnica projetiva para entrevistar mulheres sobre o consumo erótico.

As técnicas projetivas, todavia, também apresentam limitações. Bond e Ramsey (2010)BOND, D.; RAMSEY, e. The role of information and communication technologies in using projective techniques as survey tools to meet the challenges of bounded rationality. Qualitative Market Research: an international journal, v. 13, n. 4, p. 430-440, 2010. enfatizam que essas técnicas tendem a ser dispendiosas, uma vez que exigem entrevistadores com grande experiência e altamente treinados. Ao mesmo tempo, são necessários intérpretes qualificados para analisar as respostas. Em segundo lugar, há um sério risco de tendenciosidade na interpretação. Ademais, algumas técnicas projetivas exigem que os entrevistados se empenhem em um comportamento não usual.

Apresentadas algumas discussões atinentes às técnicas projetivas, torna-se útil fazer uma breve revisão da análise do discurso.

Análise do discurso (AD): uma breve revisão

Uma revisão acerca das origens da AD leva o pesquisador a diversas tradições filosóficas e dezenas de abordagens, o que dificulta traçar uma definição precisa e objetiva (GILL, 2002GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.; SITZ, 2008SITZ, L. Beyond semiotics and hermeneutics: discourse analysis as a way to interpret consumers’ discourses and experiences. Qualitative Market Research: an international journal, v. 11, n. 2, p. 177-191, 2008.). Contudo, para GILL (2002)GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002., existe a possibilidade de visualizar três tradições teóricas que poderiam caracterizar epistemologicamente boa parte das formas existentes de análise do discurso: a primeira compreenderia as posições conhecidas como linguística crítica, semiótica social ou crítica e estudos da linguagem; a segunda seria influenciada pelas teorias do ato da fala, etnometodologia e análise da conversação; e, por fim, a terceira, poderia ser associada com o pós-estruturalismo.

Ainda considerando que existem múltiplas abordagens sobre a AD, para a linguística, as abordagens comumente utilizadas estão constritas a quatro correntes, todas elas sedimentadas em leituras marxistas da realidade social. um ponto que distingue essas abordagens da AD da Análise de Conteúdo é o reconhecimento de que o sentido não repousa simplesmente no texto (discurso escrito ou não), mas sim nas imbricações macro e microssociais que provocam efeitos de sentido (FAIRCLOUGH, 1991FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991.; FOUCAULT, 1996FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.; BARROS, 1997BARROS, D. L. P. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: unicamp, 1997.; MUSSALIM, 2001MUSSALIM, F. Análise do discurso. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à linguística – domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. v. 2.; ROCHA; DEUSDARÁ, 2005ROCHA, D.; DEUSDARÁ, B. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea, v. 7, n. 2, 2005.; POSSENTI, 2007POSSENTI, S. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à linguística – fundamentos epistemológicos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. v. 3.; MELO, 2009MELO, I. F. Análise do discurso e análise crítica do discurso: desdobramentos e interseções. Revista eletrônica de divulgação científica em língua portuguesa, linguística e literatura, n. 11, 2009.). em outras palavras, vários textos com uma mesma estrutura possuem efeitos de sentidos diferentes, de acordo com o contexto observado, o que não seria facilmente sustentado pela Análise de Conteúdo. Esse pode ser considerado um dos fatores que justificam a utilização dessas abordagens em estudos qualitativos mais flexíveis (VILLARTA, 2010VILLARTA, N. M. A. Tendências da análise do discurso do Brasil (AD do B): murmúrios e silêncios constitutivos. In: PAULA, L.; STAFUZZA, G. (Org.). Tendências da análise do discurso do Brasil (AD do B): murmúrios e silêncios constitutivos. Uberlândia: EDUFU, 2010.). Apesar da inexistência de procedimentos passo a passo de como realizar o processo da AD, todas as tradições requerem rigor e a observância de regra de condução.

A utilização da AD e suas diversas vertentes para estudar fenômenos relacionados às organizações têm crescido paulatinamente nos últimos anos (para mencionar alguns autores, temos: Carrieri; Silva; Souza-Ricardo (2005)CARRIERI, A. P.; SILVA, A. R. L.; SOUZA-RICARDO, P. A. G. Os discursos ambientais nas organizações: o caso de uma empresa de telefonia. In: ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais… Brasília: ANPAD, 2005.; Cavedon (2005)CAVEDON, N. R. Os saberes produzidos no cotidiano. In: CAVEDON, N. R. (Org.). Representações sociais na área de gestão de saúde. Porto Alegre: Dacasa, 2005.; Alves; Gomes; Souza (2006)ALVES, M. A.; GOMES, M. V. P.; SOUZA, C. M. L. Análise do discurso no Brasil: será ela crítica? In: ENANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais… Salvador: ANPAD, 2006.; Saraiva; Baptista (2009)SARAIVA L. A. S.; BAPTISTA, R. G. S. Comunicação, discursos e ideologia em uma empresa da siderurgia mineira. In: CARRIERI, A. P. et al. (Org.). Análise do discurso em estudos organizacionais. Curitiba: Juruá, 2009.; Murta; Souza; Carrieri (2010)MURTA, I. B.; SOUZA, M. M. P.; CARRIERI, A. P. Práticas discursivas na construção de uma gastronomia polifônica. Revista de Administração Mackenzie, v. 11, p. 38-64, 2010.; Fontoura; Monteiro; Celano (2012)FONTOURA, Y.; MONTEIRO, L. A.; CELANO, A. “Terra à vista!”: explorando outras possibilidades em análise do discurso em estudos organizacionais. In: ENANPAD, 36., 2012, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2012.; Godoi; Coelho; Serrano (2014)GODOI, C. K.; COELHO, A. L. A. L.; SERRANO, A. Elementos epistemológicos e metodológicos da análise sociológica do discurso: abrindo possibilidades para os estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 21, n. 70, p. 509-536, 2014.). Contudo, nos estudos relacionados ao consumo, ainda são incipientes no Brasil os trabalhos que lançam mão de alguma abordagem da análise do discurso, certamente, pela tendência, reinante nesse campo, de seguir uma linha mais quantitativa como estratégia de pesquisa (PINTO; LARA, 2008PINTO, M. R.; LARA, J. E. O que se publica sobre comportamento do consumidor no Brasil, afinal? Revista de Administração da UFSM, v. 1, n. 3, art. 2, p. 85-100, 2008.). Na literatura internacional é possível encontrar alguns trabalhos na área que utilizam a análise do discurso para interpretar experiências de consumo (SITZ, 2008SITZ, L. Beyond semiotics and hermeneutics: discourse analysis as a way to interpret consumers’ discourses and experiences. Qualitative Market Research: an international journal, v. 11, n. 2, p. 177-191, 2008.; CARÙ; COVA, 2008CARÙ, A.; COVA, B. Small versus big stories in framing consumption experiences. Qualitative Market Research: an international journal, v. 11, n. 2, p. 166-176, 2008.).

Análise do discurso: suas correntes e autores

A primeira corrente denominada como análise do discurso foi desenvolvida por Pêcheux (1990)PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990. ao fundar a escola Francesa de Análise do Discurso, com as contribuições dos estudos de Althusser e a análise marxista ortodoxa da estrutura social do capitalismo, adicionados os estudos de Saussure com a linguística estruturalista e a perspectiva do sujeito descentrado em consciente e inconsciente de Lacan (MUSSALIM, 2001MUSSALIM, F. Análise do discurso. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à linguística – domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. v. 2.).

A tradição da análise foucaultiana desenvolve-se também a partir dos estudos fundados na escola Francesa de Análise do Discurso, no entanto, Michel Foucault rompe com o rigor e com a abordagem puramente estrutural desenvolvida por Pêcheux (1990)PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990. e lança-se para uma trajetória que considera a existência de outros fatores associados à agência humana e, principalmente, ao poder, como se observa em suas obras (FOUCAULT, 1996FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.).

A terceira corrente conhecida como análise do discurso bakthiniana, desenvolvida por Mikhail Bakhtin, diferentemente das anteriores, fundamenta-se em uma leitura marxista menos ortodoxa e mais próxima dos estudos de Gramsci, ao trabalhar com conceitos operacionalmente mais maleáveis para compreender as relações e efeitos de sentido no discurso (BARROS, 1997BARROS, D. L. P. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: unicamp, 1997.). essa corrente de orientação russa trabalha com processos sociais baseados em dinâmicas estruturantes e estruturadas, ou seja, leva-se em conta que o discurso é um processo dialógico e polifônico, promovido por seus enunciadores, ao mesmo tempo em que referendam as estruturas sociais que podem ser modificadas por suas ações (BRAIT, 1997BRAIT, B. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: unicamp, 1997.).

Complementarmente, a quarta corrente denominada como análise crítica do discurso (ACD) desenvolvida a partir dos estudos de Norman Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991. parte do pressuposto que a realidade está envolvida em processos hegemônicos e ideológicos, argumento proveniente de uma interpretação holística dos estudos de Gramsci, assim como a tradição anterior.

Análise crítica do discurso (ACD)

Essa abordagem foi escolhida como foco do trabalho enquanto orientação teórico-metodológica, apesar de operacionalmente demandar um conjunto de requisitos mais específicos que a tradição Bakhitiniana, pelos seguintes motivos: primeiro, porque promove interlocuções significativas com os Estudos de Consumo, ao assumir o aspecto cultural como fundamental na análise do discurso (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005ROCHA, D.; DEUSDARÁ, B. Análise de conteúdo e análise do discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea, v. 7, n. 2, 2005.). Assim como a teoria da cultura do consumo, a ACD permite trabalhar com interlocuções entre as imbricações culturais e os processos dinâmicos entre estrutura e a agência humana na construção da realidade (RESENDE; RAMALHO, 2011RESENDE, V. M.; RAMALHO, V. Ciência social crítica e análise do discurso crítica. In: Análise do discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011.).

Adicionado a isso, outra característica importante da ACD para esse trabalho é o reconhecimento do papel do pesquisador-analista como integrante do processo discursivo, no qual ele obtém responsabilidade política pela análise e pela mudança social da realidade pesquisada (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.). Dito de outra forma, o estudo analítico não é um fim em si mesmo, pois existe um comprometimento com a mudança social (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.). esse aspecto é importante para pesquisa ao assumir a possibilidade de intervenção do pesquisador-analista na realidade, o que permite uma postura pedagógica em relação ao campo, tanto do ponto de vista do professor-educador quanto do ponto de vista do estudioso de consumo.

As dimensões da análise crítica do discurso

Diante desses esclarecimentos, pontuam-se e designam-se as dimensões que promoveram sustentação para o processo analítico teórico-metodológico. Inicialmente, trabalhou-se prioritariamente com os conceitos de gênero, estilo e modalidade discursiva, desenvolvidos por Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991., amparados na consideração de molduras ideológicas ventiladas por processos hegemônicos de construção discursiva.

Dessa forma, gênero discursivo consiste, no entendimento de Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991., em um conjunto relativamente estável de convenções que pode estar atrelado a um tipo de atividade ratificada socialmente, por exemplo, um poema ou um artigo científico. Sendo assim, um gênero leva a processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos. Deve-se considerar ainda que, se por um lado, os gêneros são influenciados pelos objetivos, pelas funções, pelas convenções e pelas normas sociais, por outro, um indivíduo irá influenciar na produção de textos, visto que cada um tem suas experiências e, além disso, desempenha um papel em um determinado contexto social que convive com práticas discursivas (FAIRCLOUGH, 1991FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991.).

Complementarmente, estilo discursivo diz respeito ao espectro que identifica uma forma de ser, característica de determinado discurso, denominado por qualidades específicas. Isso quer dizer que os estilos, para Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991., são aspectos discursivos do modo de ser identidades discursivas. Nesse sentido, as principais relações se constroem em torno do que é, como é, que redação, a partir de que olhar se percebe a realidade e como se movimenta no espaço e tempo.

A modalidade no discurso, assim como os conceitos anteriores, tem a função de fazer uma identificação contextual do discurso. A modalidade, assim como a avaliação no discurso, refere-se à maneira pela qual o autor se compromete com aquilo que é verdadeiro e necessário, desejável e indesejável, bom ou ruim (FAIRCLOUGH, 1991FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991.). A relação nesse processo de análise está relacionada com o conceito de Hegemonia, uma vez que o comprometimento está constrito pela sociedade e por suas forças dominantes de regulação e padronização. essas dimensões conceituais são abordadas no Quadro 2.

Quadro 2
Dimensões conceituais da análise crítica do discurso.

Feitas as explanações sobre aspectos teóricos concernentes tanto às técnicas projetivas como à análise do discurso, o artigo joga luz sobre a descrição de um trabalho empírico desenvolvido com vistas a articular a aproximação entre elas. A próxima seção tem esse objetivo.

Articulando técnicas projetivas e análise do discurso em uma pesquisa no campo do consumo

Percurso metodológico

A presente pesquisa se propõe como exploratória e baseia-se em metodologias qualitativas. Seu objetivo é compreender o shopping center como um locus de (re) significação das práticas de consumo pelos jovens. A motivação para essa pesquisa encontrou aderência na ideia de que compreender os significados atribuídos pelos jovens ao shopping center serviria para descortinar questões relacionadas à forma de entendimento do mundo atual por esses indivíduos. esse objetivo da pesquisa empírica mostrou-se adequado aos objetivos maiores propostos para o artigo que é mostrar a articulação entre uma das modalidades de técnicas projetivas e a análise do discurso.

Por isso, optou-se por utilizar uma das modalidades de técnica projetiva a fim de se explorarem essas questões pelos sujeitos da pesquisa. O material empírico analisado consistiu de 28 redações elaboradas por alunos da disciplina de Gestão de Marketing, do curso de graduação em engenharia de Produção, turno manhã, de uma grande universidade brasileira. A elaboração da redação aconteceu no mês de abril de 2013. Levando-se em consideração a técnica projetiva de construção, foi solicitada aos alunos a elaboração de um texto com base na pesquisa desenvolvida por Casotti, Campos e Walther (2008)CASOTTI, L. M.; CAMPOS, R. D.; WALTHER, L. C. C. L. Natal com neve no Brasil? Um estudo exploratório dos significados, do imaginário e das práticas de consumo de jovens no rio de janeiro. In: ENCONTRO DE MARKETING, 3., 2008, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: ANPAD, 2008., sem limite de extensão, a partir da seguinte situação:

Considere que estamos em uma nave espacial voando pelo espaço. De repente, avistamos um planeta chamado “Planeta Shopping Center”. Tente imaginar: como seria esse planeta? Que cores, formas e movimentos podemos notar? Como é a geografia desse planeta? Como são os habitantes? Como eles se relacionam? O que eles fazem no seu dia a dia? Como estão vestidos? O que comem e bebem? Como você se sente lá?

Para tornar a análise didaticamente compreensível, o procedimento foi dividido nas seguintes partes: 1 – analisar conceitos de estilo e modalidade do discurso em Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991. como forma de identificar estruturas argumentativas para produção de efeitos de sentido; 2 – verificar em cada texto como o discurso se encaixa em ideologias; 3 – analisar comparativamente os itens anteriores iluminados pelo conceito de hegemonia e perspectivas da mudança social em Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003. como forma de interferir nas práticas sociais.

A próxima seção joga luz sobre os resultados do trabalho.

Análise dos resultados

Essa seção tem por objetivo descrever como se deu a construção dos resultados da pesquisa com o intuito também de apontar os procedimentos que podem ser utilizados para empreender pesquisas qualitativas dessa natureza.

O primeiro passo é a descrição das principais características do objeto da análise, ou seja, o discurso, que pode ser o texto, além de outras formas de expressão de sentido. Nesse caso, como foi dito, foram coletadas 28 redações sobre as concepções que um grupo de alunos tem sobre shoppings centers. Além disso, recomenda-se identificar fontes enunciadoras dos discursos amplamente reconhecidos sobre o objeto em uma perspectiva macrossocial e coletivamente reconhecidos (FAIRCLOUGH, 1991FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991.). No entanto, como o foco do trabalho é a demonstração de como uma análise do discurso pode ser aplicada, não serão descritas detalhadamente as características desses discursos.

Adicionalmente, é indispensável identificar os parâmetros da prática discursiva, o que significa apontar: quem enuncia, para quem enuncia, que tipo de efeitos de sentido pretende atingir e quais são os desdobramentos desses efeitos. Os enunciadores podem ser descritos como alunos de uma grande universidade privada localizada na cidade de Belo Horizonte, pertencentes ao oitavo período do curso de engenharia de Produção diurno que respondem, ou seja, produzem a redação com a finalidade de cumprir o exercício avaliativo da disciplina de Gestão de Marketing.

Diante disso, as características desses alunos podem ser pontuadas em algumas constatações. em primeiro lugar, são alunos de classe média, em sua maioria não trabalhadores, ou seja, o consumo deles é custeado pelos pais ou responsáveis. em segundo lugar, pertencem a um curso reconhecidamente com expectativa de alta empregabilidade e rendimentos atrativos, fatores que influenciam na percepção e interpretação da realidade (LUIZ; COSTA; COSTA, 2010LUIZ, N. M.; COSTA, A. F. da; COSTA, H. G. Influência da graduação em engenharia de produção no perfil dos seus egressos: percepções discentes. Avaliação, v. 15, p. 101-120, 2010.).

A próxima etapa da análise diante dos conceitos apresentados por Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991. é a delimitação das principais práticas sociais, ou seja, como o texto ou as formas de expressão verbais e não verbais se manifestam nos comportamentos dessas pessoas no âmbito do discurso.

As características comuns a todos os textos, ao descrever o Planeta Shopping Center, estão relacionadas em um lugar amplamente luminoso, colorido e com brilho. Tudo isso parece ter aderência ao que enfatiza Featherstone (1995)FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernidade. São Paulo: Nobel, 1995. ao destacar que é nos shoppings, nas galerias e nas grandes lojas de departamentos que a compra passa a se transformar em uma experiência na qual as pessoas tornam-se espectadores que se movimentam em meio a imagens espetaculares, projetadas para produzir suntuosidade e luxo ou, até mesmo, evocar conotações de lugares exóticos e uma nostalgia das harmonias emocionais do passado. Complementarmente, algumas redações caracterizam o local como sedutor e moderno, desenvolvido por estratégias de marketing permeado por simbolismos e opulência no consumo (MCCRACKEN, 2003MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.; 2012MCCRACKEN, G. Cultura e consumo II: mercados, significados e gerenciamento de marcas. rio de janeiro: Mauad, 2012.).

Do ponto de vista das redações, é notório perceber, tomando o gênero como parâmetro discursivo, que existe uma divisão em três grupos: os estudantes que redigiram redações descritivas; estudantes que escreveram dissertações na qual são avaliadores e não participantes; e aqueles que redigiram narrativas e, em sua maioria, são coparticipantes delas, fatores que serão melhor explorados ao tratar da modalidade no discurso.

Ainda ao abordar os gêneros discursivos, percebe-se que a organização da maioria das redações, no total de cinco, recorrem às estruturas argumentativas descritiva, dissertativa e narrativa, como apontado anteriormente. Como sugere Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003., os gêneros discursivos podem ser múltiplos em um mesmo texto e, além disso, conter inovações de organização dos argumentos.

As redações descritivas recorrem a um tipo de estruturação textual que reúne, em sua maioria, informações sobre o Planeta Shopping Center e demonstram um cenário de características benéficas ou não desse objeto. No entanto, não fica esclarecida, por exemplo, a avaliação do autor. em outras palavras, o comprometimento do autor é baixo e a avaliação se torna ambígua. Considerando a modalidade discursiva nesse aspecto, os trechos dos alunos PDS e DCN retratam essas considerações:

“[...] o planeta é bem chamativo e bonito. O clima é agradável. [...] todos são muito bem vestidos. O planeta só tem fast-food pois dessa forma os visitantes não perdem tempo conversando. O planeta tem muito espelhos espalhados pelas ruas, e todos parecem muito bonitos nesses espelhos, que são planejados pra isso.” (PDS).

“O planeta Shopping Center seria grande e com muitas cidades. As cidades competem entre si por população e essa população tem todos os seus desejos e necessidades de consumo atendidas. Os habitantes são chamados de consumidores e vagam pelas ruas na busca do melhor local para satisfazer seus desejos.” (DCN).

Ao passo que os integrantes desse grupo demonstram algumas características que enaltecem o Planeta Shopping Center como a beleza e o prazer de consumo, ao final, contra-argumentam que essas mesmas características têm a finalidade de construir aparências e prazeres momentâneos. Ou seja, a ambiguidade de sentido repousa em questionar se a beleza é real e se o prazer é contínuo, já que os habitantes vagam de um espaço para o outro. A ambiguidade, nesse sentido, coloca em xeque os efeitos de sentido dos discursos apresentados, ou seja, existem outras relações a serem desvendadas e o leitor da redação terá que fazer as ligações corretas para compreender as imbricações de sentido por trás dos discursos posicionados em planos ideológicos estabelecidos (RESENDE; RAMALHO, 2011RESENDE, V. M.; RAMALHO, V. Ciência social crítica e análise do discurso crítica. In: Análise do discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011.).

Além de serem descritivos, percebe-se nesses textos que os autores desse grupo utilizam uma linguagem imparcial, tendendo aos estilos de discurso científico e jornalístico.

Por outro lado, o grupo que avalia positivamente o Planeta Shopping Center se destaca com gênero discursivo narrativo, ou seja, os autores contam uma história e os detalhes são frutos de sua imaginação em relação a sua inserção no contexto da redação. Dessa forma, a organização do texto se ampara em argumentos positivos sobre esse planeta, que deixa clara a avaliação e comprometimento do autor. Foram identificadas onze redações com essas características comuns de organização textual. Os estilos discursivos se aproximam de contos e de lendas ficcionais, por exemplo, FGBC relata o planeta da seguinte maneira:

“Os habitantes do Shopping Center são seres pequenos e verdes. Se comunicam através de projeção de imagem em uma tela sobre as cabeças [...] A cada esquina percebe-se praças de alimentação com máquinas para servir comida, uma espécie de pasta colorida e bem nutritiva.” (FGBC).

A redação de FMS demonstra a inserção do autor no conto ficcional;

“Certo dia voando pelo espaço logo de longe avistei muita luz em placas refletivas enormes e moldadas com as palavras Shopping Center, logo imaginei que seria um lugar dos sonhos de tudo de melhor [...]. Logo pensei isso é um paraíso realmente com tudo de mais modernos.” (FMS).

A avaliação de AMF demonstra o incentivo a frequentar e interagir com outras pessoas nesse espaço de compras. “O Planeta Shopping Center é um ótimo lugar para ir com a família, passear, divertir, conhecer novos amigos e principalmente fazer compras! É um ambiente muito seguro e muito confortável. Vale a pena conhecer e se tornar frequentador.” (AMF).

Constata-se, nas redações desse grupo, uma variação de moderado a alto nível de comprometimento dos autores com a defesa das características positivas dos shoppings centers. O envolvimento é expressivo a ponto de o próprio autor se tornar parte do conto ou da crônica que redige. É de ressaltar a reificação do shopping como um local não somente de compras, mas essencialmente voltado para a socialização. No mesmo sentido, um dos alunos ressalta que vale a pena conhecer e tornar-se frequentador, o que dá ao discurso uma força imperativa de que estar no shopping é uma experiência positiva e que se tornar frequentador é tornar acessível uma sociabilidade altamente desejável.

O grupo que se posiciona com argumentos negativos sobre os shoppings centers totaliza nove redações quase equiparadas aos textos com olhar positivo. A estrutura dos textos apresentados não foge às características gerais apresentadas pelas demais redações como o excesso de brilho, cores e luminosidade, todavia, a organização dos argumentos, ou seus aspectos identitários, como aponta Fairclough (1991)FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991., recorrem aos aspectos de conjuntura social econômica baseada em divisão de classes sociais e consumo exacerbado.

Em geral, a organização da redação segue um padrão dissertativo com apresentação do objeto dos textos, suas principais características e desfecho com posicionamento dos autores. Como pode ser visto abaixo os autores enaltecem as características do planeta e depois questionam profundamente a solidez dessas características:

“[...] o Planeta Shopping Center [é] um lugar enorme, vistoso e com várias luzes, de todas as cores. Os habitantes são humanos, mas se relacionam como robôs, o dia a dia é corrido, mas rotinal. elas moram em suas lojas, cada família tem a sua vitrine. [...] você passa a ser mais um nesse ‘novo’ planeta, no qual sentimentos, como amizade, amor, carinho, só existem de forma falsa e interesseira.” (TFM).

“O planeta será como um imenso Shopping Center, [...] o planeta inteiro brilha. eles (os habitantes) são extremamente preocupados com a aparência e consumistas, como estão sempre com pressa, sua alimentação se resume a fast-food, me sinto desconfortável com barulho e a luz forte desse planeta.” (VMX).

“Avista-se, no espaço, um ambiente repleto de formas diferentes, assemelhando-se a prédios modernos e gigantes [...] As cores predominantes são metálicas, cores vindo dos vidros, é tudo espelhado. Formatos futuristas. Não há muito verde. Analisando esse ambiente, sinto-me um “peixe fora da água”. Não me identifico com essa cultura. É prático, construções bonitas, mas tudo é muito frio, vazio. Parece que não há sentido e apenas o que rege é a ideologia do consumismo.” (FB).

Ao que parece nesse grupo, os autores relatam sentir-se posicionados em relações mercantis e superficiais baseadas em relacionamentos pontuais.

“Me sinto como se quisessem apenas o meu dinheiro e sem ele não sou bem vindo. Tudo parece cuidadosamente planejado para me fazer permanecer mais e gastar mais.” (RHG).

“Apesar do planeta parecer muito com alguns lugares da terra, não nos sentimos bem depois de algum tempo lá. As pessoas te abordam a todo momento para tentar vender algo, e a quantidade de pessoas andando de loja em loja com suas compras chega a ser irritante.” (DFC).

“As pessoas desse planeta me remetem a ideia que estou em um comercial de margarina, estão superfelizes, bonitos e vestidos impecavelmente. Tudo parece uma grande enganação, como se quisessem vender o estilo de vida “ideal”. Seus comportamentos, hábitos e até emoções parecem que caíram de um roteiro. Me sinto totalmente desconectada reforçando a ideia de ser “extraterrestre”, me vejo obrigada a consumir [...].” (LBC).

Nesses últimos relatos, observa-se que o Planeta Shopping Center é um local de aparência, superficialidade e isento de emoções e relacionamentos, além disso, é recorrente que esse planeta é formado por ilusões de tipos ideais desconectados de uma realidade prática e factual. O comprometimento pode ser compreendido como alto e a linguagem se aproxima da sátira como, por exemplo, o comercial de margarina.

Outro fator relevante sobre os relatos apresentados em todos os grupos são os formatos de alimentação que retratam a finalidade do fast-food como uma estratégia para reduzir o tempo de alimentação e ampliar o período de compras. Do ponto de vista da antropologia alimentar, seria interessante compreender como essas relações se estabelecem. em um dos primeiros relatos de FGBC a alimentação é uma pasta, o que poderia ser compreendido como uma maneira de processar o alimento mais rápido sem a necessidade de mastigação, por exemplo.

Feitas essas primeiras aproximações e ao tratar de maneira geral os conceitos escolhidos da análise crítica do discurso, pode-se fazer alguns apontamentos:

  • primeiro, há de se considerar que existem outros discursos que fundamentam a argumentação dos estudantes abordados, ou seja, eles são importados de macro interpretações sobre a realidade (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.). Esses discursos podem ser divididos em hegemônicos e contra-hegemônicos que sustentam processos ideológicos dando sentido aos argumentos apresentados;

  • segundo, apesar de ser uma redação simples, os comentários apresentados demonstram campos de disputa, até mesmo naqueles que não esclarecem profundamente suas opiniões sobre o objeto das redações.

Na tentativa de sumarizar os achados da análise dos dados, o trabalho vem a ratificar a ideia de que os shoppings centers em uma sociedade rotulada “de consumo” é um espaço marcado por simbolismos no qual transitam elementos que sustentam valores e ideologias que emergiram a partir de uma série de mudanças políticas, econômicas e sociais que operou por séculos. Percebe-se, assim, que o shopping aparece como um locus no qual impera a beleza, o brilho, o consumo exacerbado e a falta de controle, permitindo todos os excessos e possibilidades. Notou-se, no entanto, algo contraditório quando nos discursos aparecem as noções de aparência momentânea. Ou seja, parece que nesse ambiente se vive uma realidade modificada, transfigurada, essencialmente paralela, que pode ser caracterizada por uma hiper-realidade no entendimento de Baudrillard (2005)BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: edições 70, 2005.. Pode ser adequado dizer que desvendar o imaginário do shopping center e a construção de seus significados por esses jovens pode servir para se desvelarem pontos essenciais ou pelo menos apontar “pistas” relacionadas ao grau de simbolismo presente nas diversas manifestações sociais e culturais da sociedade atual. Dito de outra forma, tal como defendido por Miller (2002)MILLER, D. Teoria das compras: o que orienta as escolhas dos consumidores. São Paulo: Nobel, 2002., se o consumo é uma prática do dia a dia, construída no cotidiano, e, ao mesmo tempo, refletora e constituinte de toda uma visão de mundo e do que seria a ordem social, ao recorrer ao shopping center como um lócus com poder “incomparável de sedução” (UNDERHILL, 2004UNDERHILL, P. A magia dos shoppings. Rio de Janeiro: Campus, 2004.) para o consumo de produtos, serviços, atividades de lazer em geral, os indivíduos estariam reproduzindo e produzindo os pressupostos mais profundos sobre a natureza da sociedade da qual fazem parte, da sua posição dentro dela e quem se quer tornar. No mesmo sentido, Miller (2002)MILLER, D. Teoria das compras: o que orienta as escolhas dos consumidores. São Paulo: Nobel, 2002. também visualiza o consumo como uma prática positiva, eminentemente produtora de imaginações e realidades que são construídas pelo consumidor por meio do ato de consumir.

Nesse ponto, já é possível trazer à baila as discussões de cunho conclusivo do trabalho com vistas essencialmente a pontuar o alcance dos objetivos e jogar luz sobre pontos atinentes às limitações do estudo e possibilidades de novas investigações.

Considerações finais

Ao iniciar a seção de considerações finais, torna-se útil retornar aos objetivos que motivaram a realização do trabalho. No afã de estabelecer “pontes” entre campos do conhecimento, buscando aproximar métodos, técnicas e estratégias de pesquisa oriundas de outras áreas para tentar dar conta de se apreender e compreender fenômenos relacionados ao consumo, a proposta do artigo foi apresentar os resultados de uma pesquisa empírica na qual foi articulada a utilização de uma modalidade de técnica projetiva com uma “corrente” da análise do discurso – a vertente crítica – em um estudo envolvendo o consumo. A aposta inicial era de que a articulação entre TP e AD poderia ser uma alternativa viável e pertinente para os estudos envolvendo o fenômeno do consumo em toda sua complexidade e interdisciplinaridade. Articulação essa que, curiosamente, ainda não foi cogitada pelos estudiosos do campo. Daí a originalidade da proposta do trabalho.

Assim, para tornar coerente a proposta de aproximação, algumas discussões tornam-se essenciais. De início, cabe ressaltar que qualquer tentativa de articulação entre metodologias complexas, com origens distintas e desenvolvidas por autores com bases epistemológicas diferenciadas não é tarefa simples e trivial como um pesquisador incauto poderia supor. Isso se torna plausível no caso em tela em que de um lado, temos as TP que tiveram origem na psicanálise para tratamento de psicoses, e do outro, as inúmeras vertentes da análise do discurso preocupadas com o discurso como um evento social, fruto de um processo linguístico abstrato de interação com o meio social. Para aprofundar a complexidade, o fenômeno em estudo está relacionado com o consumo, tema altamente complexo, pois envolve tentar descortinar diversas nuances ligadas à natureza humana.

Contudo, os pontos de contato visíveis que parecem relacionar essas correntes em um quadro analítico de processos intersubjetivos baseados nas vivências compartilhadas pelas pessoas, que consensualmente dão sentido ao mundo que as rodeiam, parecem ser comuns tanto à tradição de ACD (FAIRCLOUGH, 1991FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. Londres: routledge, 1991.; 2003FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.) quanto à tradição dos estudos em Consumo (MCCRACKEN, 2003MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.). Não se pode deixar de enfatizar que os dados desse estudo foram examinados, assumindo a condição de que os enunciados discursivos são “práticas socialmente embasadas, que apresentam, explícita ou implicitamente, as marcas da ideologia que os constitui, não sendo, portanto, neutros” (SARAIVA et al., 2009SARAIVA, L. A. S. et al. (2009). Introdução. estudos organizacionais e análise do discurso: aproximações possíveis. In: CARRIERI, A. P. et al. (Org.). Análise do discurso em estudos organizacionais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 11-19., p. 17). Ademais, a ACD trabalha com o sujeito descentrado e atravessado pelo outro ou inconsciente, o que pode ser aproximado das técnicas projetivas ao lidar com os processos psicológicos internos dos entrevistados como forma de antever comportamentos e atitudes (RESENDE; RAMALHO, 2011RESENDE, V. M.; RAMALHO, V. Ciência social crítica e análise do discurso crítica. In: Análise do discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011.; MELO, 2009MELO, I. F. Análise do discurso e análise crítica do discurso: desdobramentos e interseções. Revista eletrônica de divulgação científica em língua portuguesa, linguística e literatura, n. 11, 2009.).

Além disso, o esforço do trabalho propõe interlocuções entre as TP e a AD a partir da constatação que a realidade e seus fenômenos são frutos de processos estruturados e estruturantes, socialmente construídos pelos atores sociais (MCCRACKEN, 2003MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.; FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2003.). Por esse motivo, optou-se por utilizar a ACD que permitiu trabalhar com a perspectiva cultural na análise, a interferência do pesquisador no processo e, principalmente, sua responsabilidade com o campo e o comprometimento com movimentos de mudança social. essa corrente entende que os processos subjetivos e intersubjetivos são responsáveis ao dar sentido ao mundo. em outras palavras, usando termos da ACD, os efeitos de sentido são produzidos a partir de contextos específicos dos relacionamentos que precisam ser analisados profundamente para desvendar o pano de fundo por trás dos comportamentos sociais (RESENDE; RAMALHO, 2011RESENDE, V. M.; RAMALHO, V. Ciência social crítica e análise do discurso crítica. In: Análise do discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011.). As TP, nesse contexto, corresponderiam à forma de “acessar” essa “produção” de sentido socialmente construída, ainda que inconsciente.

A contribuição da proposta de articulação entre TP e AD é tentar conciliar as características até certo ponto complementares de cada uma dessas abordagens. Ainda que essas metodologias já tenham sido utilizadas isoladamente em alguns trabalhos no Brasil, conforme já explanado anteriormente, o que parece relevante é a tentativa de conjugá-las em um mesmo “desenho” de pesquisa em estudos de consumo. Nesse sentido, enquanto as TP buscam permitir que os consumidores organizem suas formas de experiência e por meio de objetos e materiais possam projetar sua personalidade em termos de significados, padrões e sentimentos, a ACD tem por finalidade explorar de que forma as ideias produzidas socialmente podem contribuir para a construção de uma determinada realidade social. Ora, tanto a construção de significados e padrões quanto sentimentos projetados não se dão em um contexto individual, mas são socialmente moldados essencialmente na interação cotidiana. Pode-se considerar que o sujeito não é detentor, produtor do discurso, até porque esse discurso é um ato social. A TP seria uma forma de expor aquilo que é construído socialmente, potencializando a forma como se deu essa construção de significados. É exatamente nesse ponto que parece residir a “solda” ou pontos de interseção entre as duas abordagens.

Outros pontos, por conseguinte, também podem ser ressaltados no que tange a proposta de articulação. Ainda que os estudos relacionados ao consumo na perspectiva da administração, mais especificamente na disciplina do marketing, revele tendências funcionalistas de pesquisa, também é possível verificar uma nítida renovação nos últimos anos no sentido de se proporem possibilidades investigativas mais focadas em considerar o consumidor não como um indivíduo obediente e sempre fiel a uma simples ordem econômica, material e funcional do consumo. Pelo contrário, esse consumidor tem sido entendido como um sujeito que recebe, transfere e cria seus próprios significados por meio de suas relações com os produtos, serviços e com outros consumidores. Ou seja, não se pode perder a noção de que o consumo é um fenômeno de múltiplas vozes e perspectivas e que atravessa 100% a vida social (MIGUELES, 2007MIGUELES, C. (Org.). Antropologia do consumo: casos brasileiros. Rio de Janeiro: FGV, 2007.). Nesse sentido, a proposta aqui apresentada e defendida parece ter aderência a este novo perfil de consumidor que passou a figurar nos estudos de consumo.

Destaca-se que não foram saturadas todas as possibilidades do material coletado para análise, pois estas poderiam fornecer subsídios para diversas outras interessantes discussões sobre as concepções hegemônicas e contra-hegemônicas que existem sobre shoppings centers. Além disso, nas análises poderiam ter sido mais bem posicionados os principais macrodiscursos que dão força aos argumentos apresentados pelos estudantes e o motivo de alguns terem reservado suas opiniões e recorrido à ambiguidade de sentido. Estes podem ser apontados como limitações do trabalho, ainda que recuperando os objetivos estabelecidos, a proposta não era de aprofundar na discussão sobre os resultados, mas, essencialmente, mostrar o potencial da articulação das TP com a AD para os estudos do consumidor.

Nesse ponto, cabem algumas sugestões para a continuação do estudo com a incorporação de novas investigações nas quais a proposta de articulação fosse continuamente colocada em teste. As possibilidades de outros estudos são variadas, por exemplo, podem ser verificados as principais concepções do consumo de produtos de luxo e de produtos baseados em tecnologia de alto desempenho e os argumentos que diferentes consumidores utilizam para adotar ou descartar determinado hábito de consumo. Diferentes “classes” de consumidores, bem como variadas idades, faixas de renda e instrução poderiam compor uma base de pesquisa interessante para se entender melhor o consumidor brasileiro. Nota-se que os diversos temas de estudos aderentes à consumer culture theory (CCT) (ARNOULD; THOMPSON, 2005ARNOULD, E. J.; Thompson, C. j. Consumer culture theory (CCT): twenty years of research. Journal of Consumer Research, v. 31, p. 868-882, 2005.) poderiam lançar mão da articulação aqui discutida e avançar na proposição de outras tentativas metodológicas.

Outras TP com a utilização de imagens, de desenhos e formas geométricas, podem ser empreendidas com a ACD ou ainda com a adequação da análise semiótica. essas interlocuções poderiam explorar aquilo que não foi dito, em outras palavras, aquilo que está implícito ou silenciado, mas produzem efeitos de sentido. Por outro lado, nesse trabalho, optou-se pela vertente da ACD, porém, outras correntes poderiam ser propostas e testadas em situações de trabalho de campo. Pensando além dessa articulação entre TP e ACD, métodos e técnicas variados poderiam ser trabalhados para complementar os desenhos metodológicos envolvendo a análise de narrativas, foto e videoelicitação, uso de metáforas, elaboração de histórias de vida, entre outras.

Por fim, nunca é demais frisar que o trabalho cumpre um papel importante ao convidar os pesquisadores à reflexão, ao debate, ao exercício sobre novas formas de pesquisar o consumo, ainda que caibam expressivos desafios nessa empreitada. Fica, assim, registrada a possibilidade de abertura de uma incipiente “trilha” para os estudiosos do consumo interessados em “arejar” o campo com novos olhares. O consumo é propício a construções e articulações metodológicas. Para isso, é necessária, além de todos os desafios de praxe que envolvem uma pesquisa de base interpretativista, uma considerável dose de ousadia para “sair do lugar comum” e coragem para enfrentar o desconhecido e incerto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2014
  • Aceito
    13 Jul 2016
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