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História Oral e Pesquisa Organizacional: Desafios da Construção de Conhecimento sobre o Passado

Resumo

A história oral vem sendo cada vez mais utilizada em pesquisas na administração, trazendo, para primeiro plano, a visão de indivíduos sobre fenômenos organizacionais do passado. Esse uso, todavia, ainda não explorou, em toda a sua potencialidade, a construção de conhecimento acerca do passado. Ao contrário, o foco tem sido predominantemente voltado para o estudo do presente e, como consequência, pouco distingue a história oral de métodos qualitativos como o estudo de caso e a entrevista em profundidade. Como então usar a história oral de modo a aproveitar toda sua historiografia que a tornou distintiva na história? Como usar relatos sobre o passado para a construção de novos conhecimentos sobre o passado? O presente artigo discute essas duas questões, tendo como objetivo advogar por um uso da história oral tanto como abordagem teórico-metodológica e subcampo da história, quanto engajada aos estudos organizacionais históricos. Para isso, revisamos a trajetória da história oral com ênfase na sua construção como subcampo da história; em seguida analisamos 16 artigos nacionais de história oral destacando as características distintivas da abordagem para, enfim, apresentarmos possibilidades de pesquisa nos estudos organizacionais históricos.

história oral; perspectiva histórica; virada histórica; estudos organizacionais históricos; métodos qualitativos

Abstract

Oral history has been increasingly used in management research in recent years, bringing to the forefront the view of individuals about past organizational phenomena. However, this use has not yet fully explored the construction of knowledge about the past. Instead, it has focused on studying the present and, therefore, hardly distinguishes oral history from qualitative methods such as case studies and in-depth interviews. How then should we use oral history and its historiography that has made it quite distinctive in history? How should we use individuals’ views to construct new knowledge of the past? This paper addresses these two questions, advocating for the use of oral history both as a theoretical-methodological approach and subfield of history, as well as firmly engaged with historical organizational studies. To that end, we review the trajectory of oral history, then we analyze 16 Brazilian papers on oral history, highlighting the distinctive characteristics of the approach, and, finally, we present research possibilities in historical organizational studies.

oral history; historical perspective; historical turn; historical organizational studies; qualitative methods

Introdução

A história oral vem sendo cada vez mais utilizada em pesquisas na administração, trazendo a visão de indivíduos sobre fenômenos organizacionais do passado. Esse uso, todavia, ainda não explorou, em toda a sua potencialidade, a construção de conhecimento acerca do passado. Ao contrário, o foco tem sido predominantemente voltado ao estudo do presente e pouco distingue a história oral de métodos qualitativos como o estudo de caso e a entrevista em profundidade. Como usar a história oral de modo a aproveitar toda sua historiografia que a tornou distintiva na história? Como usar relatos sobre o passado para a construção de novos conhecimentos sobre o passado? O presente artigo discute essas duas questões, tendo como objetivo advogar por um uso da história oral tanto como abordagem teórico-metodológica e subcampo da história, quanto engajada aos estudos organizacionais históricos.

Esforços para se refletir sobre o passado e incorporar os métodos e a problemática da história na administração são relativamente recentes, tendo como principal marco a virada histórica (Booth & Rowlinson, 2006Booth, C., Rowlinson, M. (2006). Management and organizational history: Prospects. Management & Organizational History , 1 (1), 5-30. doi:10.1177/1744935906060627
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; Clark & Rowlinson, 2004)Clark, P., Rowlinson, M. (2004). The treatment of history in organisation studies: Towards an ‘historic turn’? Business History , 46 (3), 331-352. doi:10.1080/0007679042000219175
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. Desse esforço nasceram os estudos organizacionais históricos (Decker, Hassard, & Rowlinson, 2021; Maclean, Harvey, & Clegg, 2016), voltados a compreender e a propor procedimentos mais aplicados em relação à natureza, ao uso e à interpretação das fontes históricas (Kipping, Wadhwani, & Bucheli, 2014; Lipartito, 2014)Lipartito, K. (2014). Historical sources and data. In M. Bucheli, R. D. Wadhwani (Eds.), Organizations in time: History, theory, methods (pp. 284-304). Oxford: Oxford University Press., incluindo sua operacionalização na teoria organizacional (European Group for Organization Studies, 2018European Group for Organization Studies. (2018). Uses of the Past in Organization Studies [Edição especial]. Organization Studies, 39 (2).; Godfrey, Hassard, O’Connor, Rowlinson, & Ruef, 2016; Maclean et al., 2016Maclean, M., Harvey, C., Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review , 41 (4), 609-632. doi:10.5465/amr.2014.0133
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; Rowlinson, Hassard, & Decker, 2014).

É notório, no entanto, o pouco interesse pela problemática da história oral. Da parte dos estudos organizacionais históricos, essa falta de interesse talvez se explique pelo fetiche do arquivo, visível na predileção pelas fontes escritas, como arquivos empresariais e públicos (Barros, 2016Barros, A. (2016). Archives and the “Archive”: dialogue and an agenda of research in organization studies. Organizações & Sociedade , 23 (79), 609-623. doi:10.1590/1984-9230795
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; Godfrey et al., 2016Godfrey, P. C., Hassard, J., O’Connor, E. S., Rowlinson, M., Ruef, M. (2016). What is organizational history? Toward a creative synthesis of history and organization studies. Academy of Management Review , 41 (4), 590-608. doi:10.5465/amr.2016.0040
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; Kipping et al., 2014Kipping, M., Wadhwani, R. D., Bucheli, M. (2014). Analyzing and interpreting historical sources: A basic methodology. In M. Bucheli, R. D. Wadhwani (Eds.), Organizations in time: History, theory, methods (pp. 305-329). Oxford: Oxford University Press.; Lipartito, 2014Lipartito, K. (2014). Historical sources and data. In M. Bucheli, R. D. Wadhwani (Eds.), Organizations in time: History, theory, methods (pp. 284-304). Oxford: Oxford University Press.; Rowlinson, 2004Rowlinson, M. (2004). Historical analysis of company documents. In C. Cassell, G. Symon (Eds.), Essential guide to qualitative methods in organizational research (pp. 301-311). Londres: Sage.; Rowlinson et al., 2014Rowlinson, M., Hassard, J., Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: A dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review , 39 (3), 250-274. doi:10.5465/amr.2012.0203
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; Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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). No método histórico tradicional, desde a institucionalização da disciplina na Europa em meados do século XIX, a fonte histórica por excelência é o documento escrito, como arquivos, jornais, livros ou objetos materiais como moedas, utensílios de argila e ferramentas (Prost, 2012Prost, A. (2012). Doze lições sobre a história. Belo Horizonte, MG: Autêntica.). Os documentos escritos representavam a expressão de verdade do fato ocorrido, superando as limitações da transmissão oral do passado, ou seja, “o limite de meio-século, ou do século, abrangido pelos historiadores que dele foram testemunhas oculares e auriculares” (Le Goff, 2003Le Goff, J. (2003). História e memória (5a ed.). Campinas, SP: Editora Unicamp., p. 9). É nesse sentido que se assumia que o historiador não criava as suas fontes e que a pesquisa histórica era “uma atividade que ocorre nas bibliotecas e nos arquivos” (Tosh, 2011Tosh, J. (2011). A busca da história: Objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 98).

O uso do arquivo na pesquisa histórica obedecia a uma das regras da profissão de historiador – a visão retrospectiva – que implicava no distanciamento do pesquisador em relação ao seu objeto de estudo, assegurando a objetividade e a neutralidade da pesquisa (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013). Esse distanciamento ancora-se na ideia de ruptura entre passado e presente, uma vez que

Acreditava-se que o trabalho do historiador só poderia começar verdadeiramente quando não mais existissem testemunhos vivos dos mundos estudados. Para que os traços do passado pudessem ser interpretados, era necessário que tivessem sido arquivados. Os historiadores de profissão deveriam, portanto, rejeitar os estudos sobre o mundo contemporâneo, uma vez que nesse campo seria impossível garantir a objetividade dos estudos. (Delgado & Ferreira, 2013Delgado, L. D. A. N., Ferreira, M. M. (2013). História do tempo presente e ensino de História. Revista História Hoje , 2 (4), 19-34. doi:10.20949/rhhj.v2i4.90
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, p. 22)

Como complementa Fico (2012)Fico, C. (2012). História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis: O caso brasileiro. Varia História , 28 (47), 43-59. doi:10.1590/S0104-87752012000100003, mediante esse pressuposto “o historiador presente aos acontecimentos, outrora o fiador da narrativa verdadeira, tornou-se suspeito de envolvimento, de tendenciosidade” (p. 47). Assim, a premissa da objetividade restringia a possibilidade de estudo do passado próximo, nos termos de Rousso (2016)Rousso, H. (2016). A última catástrofe: A história, o presente, o contemporâneo . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., ficando esse a cargo do jornalismo e de outras ciências sociais (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013). Na história, esse distanciamento acabou por desqualificar os testemunhos diretos, nos termos de Delgado e Ferreira (2013)Delgado, L. D. A. N., Ferreira, M. M. (2013). História do tempo presente e ensino de História. Revista História Hoje , 2 (4), 19-34. doi:10.20949/rhhj.v2i4.90
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, direcionando as pesquisas para a análise de “processos históricos cujo desfecho já se conhecia” (p. 22).

Para Ferreira (2002)Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013, foi só a partir da década de 1980 que a história oral tomou força na pesquisa histórica, num contexto acadêmico de valorização da pesquisa qualitativa, da experiência do indivíduo, da ascensão da história cultural, dos estudos de memória e do estudo da história contemporânea. O reconhecimento de que as fontes documentais também residiriam na linguagem e na oralidade abriu o leque de possibilidades de estudos sobre o passado. Neste caso, o pesquisador se tornaria, quase sempre, coartífice do depoimento recolhido. No entanto, o uso de fontes orais só recentemente foi aceito (e em parte) por historiadores e “mesmo hoje, os tradicionais na profissão histórica permanecem céticos e não estão preparados para entrar em discussão sobre os reais méritos e fragilidades da pesquisa oral” (Tosh, 2011Tosh, J. (2011). A busca da história: Objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 301).

Ainda assim, a história oral trouxe à pesquisa histórica uma série de questões, em especial, da memória como fonte e objeto da pesquisa histórica. Como lidar com os vieses do presente, as falhas, os erros, as omissões e os silenciamentos da memória? Outra questão foi a relação entre o indivíduo e a história, tornando a experiência individual e a subjetividade do sujeito histórico como temas da pesquisa histórica. Essas questões trouxeram contribuições teórico-metodológicas que alçaram, para alguns, o status do método como disciplina (Amado & Ferreira, 2006Amado, J., Ferreira, M. M. (2006). Apresentação. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed, pp. vii-xxv). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), para outros, a constituição de uma historiografia própria (Dunaway, 2018)Dunaway, D. K. (2018). The Development of Oral History in the United States: The evolution toward interdisciplinary. Tempo e Argumento , 10 (24), 115-135. doi:10.5965/2175180310242018115
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.

Dentro e fora da academia, a história oral passou a ser vista como uma forma de resgate e empoderamento de comunidades e grupos sociais marginalizados (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013). Principalmente a partir dos anos 1990, a história oral transbordou para outros campos do conhecimento, sendo hoje utilizada nas ciências sociais, na antropologia, na educação e demais disciplinas das ciências humanas. Como principal elemento unificador, de acordo com a Associação Brasileira de História Oral (ABHO), se destaca “a realização de entrevistas gravadas com pessoas que viveram ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida, ou outros aspectos da história contemporânea” (Apresentação, 1994Apresentação. (1994). ABHO – Associação Brasileira de História Oral . Retrieved from https://bit.ly/3wCCTiF
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).

A administração, de uma forma geral, também incorporou a história oral e seu uso pode ser percebido na esteira de uma crescente utilização dos métodos qualitativos biográficos em gestão, que incluem as pesquisas biográficas, autobiográficas, de histórias de vida e de história oral (Barros & Lopes, 2014Barros, V. A. D., Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: Uma abordagem teórico-conceitual (pp. 41-63). Vitória, ES: Edufes.; Sacramento, Figueiredo, & Teixeira, 2017). Algumas dessas pesquisas advogam pelo seu uso na administração como forma de se conhecer trajetórias empreendedoras e histórias organizacionais (Gomes & Santana, 2010)Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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, de se conhecer o cotidiano e a voz do homem comum (Ichikawa & Santos, 2006)Ichikawa, E. Y., Santos, L. D. (2006). Contribuições da história oral à pesquisa organizacional. In C. K. Godoi, R. Bandeira-de-Mello, A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos (pp. 185-209). São Paulo, SP: Saraiva. e de se refletir sobre a cooperação na construção e devolução social das pesquisas em administração (Joaquim & Carrieri, 2018)Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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.

No entanto, em grande parte das pesquisas na administração, a história oral acabou reduzida a um mero método ou técnica de entrevista, com pouca referência à história contemporânea. Na história, a delimitação do uso da história oral é clara no que diz respeito ao tempo histórico: a história do tempo presente, ou seja, a história de um passado próximo cujo desfecho ainda está para acontecer e que perdura no presente. As balizas desse passado costumam ser móveis, variando de sociedade para sociedade, mas delimitadas a partir da última grande ruptura, como a Segunda Guerra Mundial, a Ditadura Militar no Brasil ou a queda do Muro de Berlim. Ao contrário da história de outros períodos, a história do tempo presente se caracteriza por haver a “presença ativa de sujeitos protagonistas ou testemunhas do passado que possam oferecer seus relatos e narrativas como fontes históricas a serem analisadas por historiadores” (Delgado & Ferreira, 2013Delgado, L. D. A. N., Ferreira, M. M. (2013). História do tempo presente e ensino de História. Revista História Hoje , 2 (4), 19-34. doi:10.20949/rhhj.v2i4.90
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, p. 24).

Na administração, a definição de história oral – “um método que privilegia a história do tempo presente, através da narrativa ou a história oral dos sujeitos sociais” (Ichikawa & Santos, 2006Ichikawa, E. Y., Santos, L. D. (2006). Contribuições da história oral à pesquisa organizacional. In C. K. Godoi, R. Bandeira-de-Mello, A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos (pp. 185-209). São Paulo, SP: Saraiva., p. 182) – não deixa dúvida quanto à sua origem: a disciplina histórica, com sua busca pelo conhecimento sobre o passado e pela experiência humana em sua vivência temporal. No entanto, sendo a administração já plena de métodos qualitativos que utilizam a oralidade e onde o tempo estudado é quase sempre o presente, a história oral vem sendo utilizada de forma quase equivalente às entrevistas em profundidade e aos estudos de caso. Como consequência, sua origem e literatura como subcampo da história que a tornam distinta de outros métodos vêm sendo pouco utilizadas, indicando uma falta de maior aprofundamento sobre a história oral, sobre seu uso dentro da história e sobre a própria disciplina histórica. Falta a essas pesquisas, como argumentam Decker et al. (2021)Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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, uma reflexividade historiográfica, “um engajamento com a história como fonte de teorização e como um repertório de métodos para pesquisar o passado” (p. 2).

Nesse sentido, e ao contrário de outros artigos na administração que discutem o método (Ichikawa & Santos, 2006Ichikawa, E. Y., Santos, L. D. (2006). Contribuições da história oral à pesquisa organizacional. In C. K. Godoi, R. Bandeira-de-Mello, A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos (pp. 185-209). São Paulo, SP: Saraiva.; Gomes & Santana, 2010Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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; Joaquim & Carrieri, 2018Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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; Sacramento et al., 2017)Sacramento, A. A., Figueiredo, P. F. M., Teixeira, R. M. (2017). Método da história oral nas pesquisas em administração: Análise nos periódicos nacionais no período de 2000 a 2015. Revista de Ciências da Administração , 19 (49), 57-73. doi:10.5007/2175-8077.2017v19n49p57
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, o presente artigo tem como objetivo reivindicar a história oral como abordagem teórico-metodológica ou entre o método e a disciplina (Amado & Ferreira, 2006)Amado, J., Ferreira, M. M. (2006). Apresentação. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed, pp. vii-xxv). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.. Desta forma, as pesquisas em história oral nos estudos organizacionais históricos podem incorporar a história da forma reorientacionista (Usdiken & Kieser, 2004)Üsdiken, B., Kieser, A. (2004). Introduction: History in organisation studies. Business History , 46 (3), 321-330. doi:10.1080/0007679042000219166
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com um maior engajamento dos conceitos e questões da historiografia para “criar pesquisas mais reflexivas sobre o passado organizacional que não são puramente conduzidas pela teoria organizacional mas que, ao contrário, desafiam premissas sobre como estudamos as organizações” (Decker et al., 2021, pDecker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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, p. 14).

A próxima seção detalha a trajetória da história oral que permitiu a construção de uma historiografia própria, levantando os debates que a tornaram distintiva na história. Em seguida, analisamos as pesquisas nacionais que utilizaram a história oral como método ou técnica e as discutimos conforme sua visão da história e seu uso da história oral.

A história oral como subcampo da história

Algumas (poucas) narrativas sobre a história oral localizam sua origem moderna nos anos 1920, com o estudo dos sociólogos William Thomas e Florian Znaniecki sobre imigrantes poloneses, que consolidou o método de histórias de vida na Escola de Chicago (Goodson, 2001Goodson, I. (2001). The story of life history: Origins of the life history method in sociology. Identity: An International Journal of Theory and Research , 1 (2), 129-142. doi:10.1207/S1532706XID0102_02). Para Alberti (2006)Alberti, V. (2006). Fontes Orais: Histórias dentro da História. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 155-203). São Paulo, SP: Contexto., essa experiência pouco efeito teve sobre a disciplina histórica, ainda sob o fetiche do documento. A primeira geração de historiadores orais teria surgido no final dos anos 1940, com o projeto do historiador e jornalista americano Allan Nevis, na Universidade de Columbia. Ligado às ciências políticas, seu objetivo era documentar o pensamento das elites, coletando material para historiadores futuros (Dunaway, 2018Dunaway, D. K. (2018). The Development of Oral History in the United States: The evolution toward interdisciplinary. Tempo e Argumento , 10 (24), 115-135. doi:10.5965/2175180310242018115
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; Joutard, 2006Joutard, P. (2006). História oral: Balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed. pp. 43-62). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). A história oral servia então como complemento às fontes documentais, constituindo uma forma privilegiada de se documentar o pensamento das elites políticas e empresariais, seus processos de tomada de decisão e informações de bastidores. Foi uma primeira transformação na história porque permitiu não só a utilização da memória como fonte histórica (Thomson, 2007Thomson, A. (2007). Four paradigm transformations in oral history. The Oral History Review , 34 (1), 49-70. doi:10.1525/ohr.2007.34.1.49), como a criação de fontes específicas para determinados objetivos de pesquisa, algo singular na pesquisa histórica (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013).

A segunda geração de historiadores orais trouxe uma das principais marcas da história oral, a de transformação social pela democratização da história. No final dos anos 1960, principalmente na Inglaterra e na Itália, mas também nos Estados Unidos, a história oral tomou força como um ato político. A chamada história oral militante trouxe as histórias das minorias, dos operários e das mulheres para contestar versões elitistas e hegemônicas da história. Para um dos principais expoentes dessa geração, Thompson (2006)Thompson, P. (2006). The voice of the past. In R. Perks, A. Thomson (Orgs.), The Oral History Reader (2a ed., pp. 244-254). Oxfordshire: Routledge., a história oral poderia democratizar a história, fazendo uma comunidade ser agente na construção de sua história. Nos Estados Unidos, a título de curiosidade, uma das principais obras inspiradoras para essa geração de historiadores orais foi o livro Pedagogia do oprimido , do educador brasileiro Paulo Freire, que chegou a ficar como professor visitante em Harvard durante seu exílio (Kerr, 2016Kerr, D. R. (2016). Allan Nevins is not my grandfather: The roots of radical oral history practice in the United States. The Oral History Review , 43 (2), 367-391. doi:10.1093/ohr/ohw074).

Na época, a história oral militante recebeu críticas por igualar os relatos obtidos a uma assumida verdade, ignorando como eram moldados pelos discursos públicos dominantes (Alberti, 2006Alberti, V. (2006). Fontes Orais: Histórias dentro da História. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 155-203). São Paulo, SP: Contexto.; Popular Memory Group, 2006Popular Memory Group. (2006). Popular memory: Theory, politics, method. In R. Perks, A. Thomson (Eds), The Oral History Reader (2a ed., pp. 43-53). Oxfordshire: Routledge.). Ao fazer isso, os historiadores orais retiravam a necessidade de análise e interpretação dos relatos por parte do pesquisador. As críticas argumentavam que a história oral tinha a tendência de

transformar a escrita da história em uma forma de populismo — isto é, substituir alguns princípios essenciais do conhecimento por uma democratização fácil e uma mente aberta pela demagogia. Um caminho como este corre o risco de construir a história oral como um mero gueto alternativo, onde os oprimidos terão, enfim, voz. (Passerini, 2010, p. 172)

Seu marco foi inegável, no entanto, com o aprofundamento da visão “de baixo,” trazendo a memória como fonte para a história do povo (Thomson, 2007Thomson, A. (2007). Four paradigm transformations in oral history. The Oral History Review , 34 (1), 49-70. doi:10.1525/ohr.2007.34.1.49). Essa possibilidade de contestação de versões dominantes da história torna a história do tempo presente bastante peculiar em relação à história de outros períodos. Fico (2012)Fico, C. (2012). História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis: O caso brasileiro. Varia História , 28 (47), 43-59. doi:10.1590/S0104-87752012000100003 reforça essa peculiaridade ao argumentar que um dos grandes desafios da história do tempo presente é “a pressão dos contemporâneos ou a coação pela verdade, isto é, a possibilidade desse conhecimento histórico ser confrontado pelo testemunho dos que viveram os fenômenos que busca narrar e/ou explicar” (p. 44) uma vez que sujeito e objeto de pesquisa estão imersos em uma mesma temporalidade que, segundo o autor, ainda não terminou.

De 1975 em diante, houve uma internacionalização da história oral com a criação de periódicos específicos e associações no mundo inteiro. No Brasil, a despeito do caráter militante do método, a história oral teve sua origem com as elites políticas, como foi o caso do CPDOC, criado em 1975 no Rio de Janeiro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com o objetivo de entender o processo de montagem do Estado brasileiro e sua chegada ao regime militar então vigente, o CPDOC realizava entrevistas de histórias de vida com as elites brasileiras, conhecendo “as influências políticas e intelectuais, os conflitos e as formas de conceber o mundo e o país” (Alberti, 2006Alberti, V. (2006). Fontes Orais: Histórias dentro da História. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 155-203). São Paulo, SP: Contexto., pp. 160-161). Esse uso se distinguia do caráter complementar das fontes orais em países com maior tradição historiográfica, representando talvez a única forma de se extrair as informações desejadas. Já sua popularização no país, como nos ensina Meihy (2000)Meihy, J. C. S. B. (2000). Desafios da história oral latino-americana: O caso do Brasil. In V. Alberti, T. M. Fernandes, M. M. Ferreira (Orgs.), História oral: Desafios para o século XXI (pp. 85-97). Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz., se deu dentro de um contexto de redemocratização, marcando o método como “uma nova solução para o entendimento da sociedade, pois superaria as insatisfações das análises sociais moldadas em alternativas disciplinares que se poderiam enquadrar no conceito de ‘tradicionais’, ‘conservadoras’ e ‘insuficientes’, para apontar alternativas de políticas públicas” (p. 86). Não foi à toa o florescimento da história oral no Brasil, diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, foi quase que exclusivamente dentro das universidades (Meihy, p. 95).

É preciso ainda destacar que tanto a história militante quanto a das elites políticas se esforçavam para legitimar o depoimento oral na história, obedecendo aos critérios positivistas ou realistas da disciplina. A utilização da memória como fonte histórica era ainda bastante questionada, dado os esquecimentos, as falhas e a seletividade das lembranças, e parte do trabalho de historiadores orais era mostrar a cientificidade do método. O que permitiu sua legitimação foi uma série de mudanças no pensamento ocidental no final dos anos 1970, com as abordagens pós-positivistas como o pós-modernismo, o pós-estruturalismo e os estudos culturais, que puseram em xeque a noção de objetividade do pesquisador e de busca pela verdade e tornaram menor a distância entre conhecimento e interpretação, entre história e memória. Essas mudanças marcaram a chegada à maturidade da história oral como campo de investigação, tendo como principais destaques a alteração da ênfase das análises de entrevistas do conteúdo e da análise literal para a teoria por trás da entrevista e o contexto de produção desta (Sharpless, 2006Sharpless, R. (2006). The history of oral history. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 19-42). Lanham: Altamira.).

Ainda outras mudanças na sociedade elevaram o indivíduo, a memória e a subjetividade como legítimos objetos de pesquisa histórica: (a) o boom de memória na literatura e na cultura popular, que se propagou para as ciências sociais com os estudos de memória; (b) a ascensão das micropolíticas de identidade, com os movimentos de negros, mulheres, gays e lésbicas, substituindo as grandes narrativas que perderam força com a crise do estados-nação, a globalização e o colapso da União Soviética; e (c) uma “cultura efervescente terapêutica”, com grande influência da psicanálise (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences . Thousand Oaks: Sage., p. 14). Assim, houve um florescimento de teorias sociais sobre a agência humana e a consciência, sobre a linguagem, a biografia, o inconsciente, a experiência e a construção da identidade no contar histórias, tendo como impacto diversas “viradas” nas ciências sociais e nas humanidades. As fundadoras para a história oral foram a cultural ou subjetiva, a linguística (Green, 2004Green, A. (2004). Individual remembering and ‘collective memory’: Theoretical presuppositions and contemporary debates. Oral History , 32 (2), 35-44. Retrieved from https://bit.ly/34Dz694
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; Sharpless, 2006Sharpless, R. (2006). The history of oral history. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 19-42). Lanham: Altamira.; Thomson, 2007Thomson, A. (2007). Four paradigm transformations in oral history. The Oral History Review , 34 (1), 49-70. doi:10.1525/ohr.2007.34.1.49), a teórica ou interpretativa (Shopes, 2014Shopes, L. (2014). “Insights and Oversights”: Reflections on the documentary tradition and the theoretical turn in oral history. The Oral History Review , 41 (2), 257-268. doi:10.1093/ohr/ohu035), a biográfica e a narrativa (Chamberlain, 2006Chamberlain, M. (2006). Narrative Theory. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 384-410). Lanham: Altamira.; Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences . Thousand Oaks: Sage.).

Na virada cultural, a influência dos estudos culturais e de antropólogos como Clifford Geertz possibilitou a história cultural, a história das práticas, rituais e formas de se pensar passados. Da visão estruturalista e funcionalista dos anos 1950 e 1960 dos artefatos e práticas culturais como manifestações de objetivos racionais, passou-se a pensar neles como frutos da imaginação dos agentes humanos, do observável e do mensurável para o simbólico e o semiótico (Chamberlain, 2006Chamberlain, M. (2006). Narrative Theory. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 384-410). Lanham: Altamira.). Houve ainda uma maior discussão sobre agência, abandonando-se a visão determinista das grandes narrativas e admitindo a possibilidade de construção de identidade pelos atores. Assim, a ênfase da história oral passou de busca pela verdade histórica para a interpretação da cultura, da imaginação, do simbolismo, do mito e da lenda. O trabalho de Portelli (1991)Portelli, A. (1991). The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral history. Albany: SUNY Press. foi um dos divisores de água, deslocando a ênfase sobre o que os narradores fizeram no passado para “o que queriam fazer, o que acreditavam estar fazendo e o que agora pensam que fizeram” (p. 50).

Quando a virada cultural se voltou para a linguagem e o discurso – a virada linguística –, a realidade material e social passou a ser vista como construída pelo discurso, tornando quase indistinguíveis realidade e interpretação (Green, 2004Green, A. (2004). Individual remembering and ‘collective memory’: Theoretical presuppositions and contemporary debates. Oral History , 32 (2), 35-44. Retrieved from https://bit.ly/34Dz694
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; Shopes, 2014Shopes, L. (2014). “Insights and Oversights”: Reflections on the documentary tradition and the theoretical turn in oral history. The Oral History Review , 41 (2), 257-268. doi:10.1093/ohr/ohu035; Thomson, 2007Thomson, A. (2007). Four paradigm transformations in oral history. The Oral History Review , 34 (1), 49-70. doi:10.1525/ohr.2007.34.1.49). Rompeu-se, assim, com a premissa de objetividade do historiador, já que não era possível dissociar seu discurso de sua ideologia, destacando “o papel constitutivo fundamental da linguagem e dos discursos culturais em moldar as interpretações individuais da experiência” (Green, 2004Green, A. (2004). Individual remembering and ‘collective memory’: Theoretical presuppositions and contemporary debates. Oral History , 32 (2), 35-44. Retrieved from https://bit.ly/34Dz694
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, p. 35).

As viradas cultural e linguística promoveram, portanto, mudanças na história e na história oral, abrindo caminho para que novas questões surgissem, como a relação da história com a memória. Tradicionalmente colocava-se a primeira como uma busca pela construção crítica do passado “através de uma exposição lógica dos acontecimentos e vidas do passado” e a segunda como orientada pelas emoções e pelas vivências do depoente, onde “os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente” (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013, p. 321). Com a virada linguística, no entanto, apesar de suas respectivas especificidades, tanto a história quanto a memória poderiam ser vistas como representações sociais do passado.

Assim, houve uma mudança da ênfase em se tomar os relatos de história oral com o seu valor de face para se buscar uma interpretação crítica sobre as estruturas mediadoras da linguagem por detrás deles: “as formas e os processos culturais através dos quais os indivíduos expressam a sua individualidade na história” (Portelli, 1991Portelli, A. (1991). The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral history. Albany: SUNY Press., p. ix). Essa mudança, no que Shopes (2014)Shopes, L. (2014). “Insights and Oversights”: Reflections on the documentary tradition and the theoretical turn in oral history. The Oral History Review , 41 (2), 257-268. doi:10.1093/ohr/ohu035 chamou de virada teórica ou interpretativa, permitiu a mudança de entendimento da fonte oral como documento – que após avaliado sobre sua acurácia, pode complementar informações a um registro histórico – para sua conceituação como texto e construção narrativa, exigindo cuidados sobre a memória, a subjetividade e identidade, passíveis de interpretação.

Portelli (1991)Portelli, A. (1991). The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral history. Albany: SUNY Press. e Frisch (1990)Frisch, M. (1990). A shared authority: Essays on the craft and meaning of oral and public history. Albany: SUNY Press. também trouxeram como marca distintiva da história oral o aspecto relacional, intersubjetivo e colaborativo das entrevistas, no que Frisch (1990)Frisch, M. (1990). A shared authority: Essays on the craft and meaning of oral and public history. Albany: SUNY Press. chamou de autoridade compartilhada, já que tanto a construção quanto a autoridade sobre uma narrativa de história oral são compartilhadas entre entrevistador e entrevistado. Nesse sentido, foi crucial a influência de pesquisadoras feministas, que viam o trabalho de campo como um encontro desigual entre duas pessoas, com grande influência sobre o que era dito. Como consequência, o impacto das pesquisas sobre grupos e comunidades marginalizados, bem como a devolução do conteúdo, passaram a ser preocupações centrais de historiadores orais, colocando a ética e o cuidado na relação entre pesquisador e pesquisado como um dos elementos distintivos da história oral (Joutard, 2006Joutard, P. (2006). História oral: Balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed. pp. 43-62). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.; Portelli, 1997Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press.; Sheftel & Zembrzycki, 2016Sheftel, A., Zembrzycki, S. (2016). Who’s afraid of oral history? Fifty years of debates and anxiety about ethics. The Oral History Review , 43 (2), 338-366. doi:10.1093/ohr/ohw071
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; Thomson, 2007)Thomson, A. (2007). Four paradigm transformations in oral history. The Oral History Review , 34 (1), 49-70. doi:10.1525/ohr.2007.34.1.49.

A virada narrativa, por sua vez, trouxe duas contribuições. Uma foi o entendimento de que a narrativa era um dos principais pilares da história oral: “Um acontecimento vivido pelo entrevistado não pode ser transmitido a outrem sem que seja narrado. Isso significa que ele se constitui (no sentido de tornar-se algo) no momento mesmo da entrevista” (Alberti, 2006Alberti, V. (2006). Fontes Orais: Histórias dentro da História. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 155-203). São Paulo, SP: Contexto., p. 171). Diversos historiadores orais passaram a usar o instrumental da investigação narrativa tanto para descrever os relatos orais quanto para analisá-los (Chamberlain, 2006Chamberlain, M. (2006). Narrative Theory. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 384-410). Lanham: Altamira.). A outra contribuição também foi a dialogicidade do encontro de história oral, posicionando o pesquisador como parte do campo, mediando e interpretando o outro. A forma de transcrição dos relatos passou a importar, e as incisões dos pesquisadores passou a ser incluída nela e nas análises (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences . Thousand Oaks: Sage.). A história oral virava, assim, um gênero, “um construto verbal moldado por dispositivos verbais compartilhados” (Portelli, 1997Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., p. 4).

Já a virada biográfica legitimou os métodos biográficos na conexão do individual com o social, já que as biografias e as histórias de vida estão inseridas “em uma análise tanto da história social quanto da origem da personalidade individual, avançando e retrocedendo no tempo, documentando os processos e as experiências de mudança social” (Wengraf, Chamberlayne, & Bornat, 2002, p. 246). O marco da virada biográfica seria Biography and Society (1981), do sociólogo francês Daniel Bertaux, influenciado pela Escola de Chicago dos anos 1920 (Wengraf et al., 2002)Wengraf, T., Chamberlayne, P., Bornat, J. (2002). A biographical turn in the social sciences? A British-European view. Cultural Studies? Critical Methodologies , 2 (2), 245-269. doi:10.1177/153270860200200215
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. A experiência de histórias de vida da sociologia trouxe contribuições para a história oral:

vínculos com historiadores estão sendo construídos atualmente com um ramo específico, de rápido crescimento, chamado de história oral. Essa expressão se refere ao trabalho desses historiadores que estudam o século XX usando histórias orais na forma de longas entrevistas ou histórias de vida (geralmente temáticas) como uma de suas fontes. ... O uso de fontes orais tem levado os historiadores sociais a se voltar para a sociologia não só para os métodos de entrevista, mas para conceitos também. Assim, um padrão claro de convergência – exemplificado por co-citações, conferências conjuntas e projetos de pesquisa – é visível. (Bertaux & Kohli, 1984Bertaux, D., Kohli, M. (1984). The life story approach: A continental view. Annual Review of Sociology , 10 (1), 215-237. doi:10.1146/annurev.so.10.080184.001243
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, p. 231)

De fato, a história oral abraçou desde o início dos anos 1980 as histórias de vida como uma ferramenta emancipatória e de empoderamento (Wengraf et al., 2002Wengraf, T., Chamberlayne, P., Bornat, J. (2002). A biographical turn in the social sciences? A British-European view. Cultural Studies? Critical Methodologies , 2 (2), 245-269. doi:10.1177/153270860200200215
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). Aspásia Camargo, pioneira da história oral no Brasil, destacou sua importância para o projeto de história oral no CPDOC:

imediatamente partimos da ideia de que tínhamos que combinar a história de vida do indivíduo com a cronologia do período e dos eventos dos quais ele foi protagonista. Era uma espécie de superposição da cronologia mais ampla com a história de vida. Isso, que levei para vários congressos internacionais, sempre causou muita surpresa, mas muita aceitação, porque as pessoas viam que no Brasil estava se desenvolvendo uma história política, que não era simplesmente narrativa, mas que tinha essa preocupação de capturar um contexto maior dos atores, e portanto trazer mais informação e compreensão para coisas mais amplas. (D’Araújo, 1999D’Araújo, M. C. (1999). Como a História Oral chegou ao Brasil: Entrevista com Aspásia Camargo. História Oral , 2 , 167-179. doi:10.51880/ho.v2i0.15, p. 174)

Dentro da história, os estudos biográficos também vieram na esteira da ascensão da microhistória (Renders, Haan, & Harmsma, 2016) e do retorno da história política – relegada à segundo escalão na época da École des Annales – especialmente na experiência do CPDOC (D’Araújo, 1999D’Araújo, M. C. (1999). Como a História Oral chegou ao Brasil: Entrevista com Aspásia Camargo. História Oral , 2 , 167-179. doi:10.51880/ho.v2i0.15; Motta, 2000)Motta, M. D. S. (2000). O relato biográfico como fonte para a história. Vidya , 19 (34), 101-122. doi:10.37781/vidya.v19i34.519
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. As biografias passaram a ser investigadas de duas formas: (a) “da mesma maneira que os monumentos, os arquivos, os símbolos e as comemorações, ou seja, como lugares onde a memória nacional se fixou, os lieux de mémoire de Pierre Nora” (Motta, 2000, pMotta, M. D. S. (2000). O relato biográfico como fonte para a história. Vidya , 19 (34), 101-122. doi:10.37781/vidya.v19i34.519
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, p. 9); e (b) na relação entre o indivíduo e o contexto histórico, desvendando “as relações entre o ator individual – e seus vários graus de liberdade de agir – e a rede histórica – e seus vários graus de atividade condicionante” (Motta, p. 10). O indivíduo e sua memória dariam pistas não só sobre o contexto histórico, mas sobre uma memória coletiva (Hodge & Costa, 2020)Hodge, P. A., Costa, A. S. M. (2020). Do particular para o geral: Memória, história oral e estudos organizacionais. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa , 19 (3), 303-336. doi:10.21529/RECADM.2020013
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.

A Figura 1 resume as principais transformações na história discutidas acima e que permitiram a legitimação da história oral e da memória como campo de estudo. As chamadas fraquezas da memória como fonte histórica passaram a se tornar sua maior força, dando pistas sobre o significado da experiência histórica e sobre o tempo histórico dos depoentes, ao invés de representar meras falhas e distorções.

Figura 1
Transformações na história e na história oral

A partir da década de 1990 a história oral passou a ser incluída dentro da história com maior ênfase, com destaque para duas vertentes (Alberti, 2006Alberti, V. (2006). Fontes Orais: Histórias dentro da História. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 155-203). São Paulo, SP: Contexto.; Joutard; 2006Joutard, P. (2006). História oral: Balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed. pp. 43-62). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). A primeira, de epistemologia realista, enxergaria as fontes orais como complementos às fontes escritas, preenchendo lacunas de informações e com o objetivo de “garantir o máximo de veracidade e de objetividade aos depoimentos orais produzidos” (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013, p. 327). Os roteiros de entrevista e a triangulação dos dados serviriam para controlar a subjetividade dos relatos (Joutard, 2006Joutard, P. (2006). História oral: Balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed. pp. 43-62). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

A segunda abordagem, de cunho antropológico e interpretativo, é aquela que “atribui um papel central às relações entre memória e história, buscando realizar uma discussão mais refinada dos usos políticos do passado” (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013, p. 238). Nessa vertente, a história oral “expressa a consciência da historicidade da experiência pessoal e do papel do indivíduo na história da sociedade e nos eventos públicos” (Portelli, 1997Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., p. 6). A memória passa a ser o objeto de estudo e a triangulação das informações com documentos e outros depoimentos serviria para a compreensão dos desvios, silenciamentos e falhas da memória. É nessa abordagem que a história oral se constitui não apenas como um método, mas como um subcampo da história que estuda a experiência histórica de indivíduos, a subjetividade do sujeito histórico e a memória histórica.

Embora o reconhecimento dessas duas vertentes seja útil para situar as diversas pesquisas em história oral, elas não captam a variedade e multiplicidade de formas com que a história oral tem sido utilizada nos diversos campos do conhecimento, como na própria história, nas ciências sociais, na antropologia, na educação e demais disciplinas das ciências humanas, como indica o site da ABHO. Dunaway (2018)Dunaway, D. K. (2018). The Development of Oral History in the United States: The evolution toward interdisciplinary. Tempo e Argumento , 10 (24), 115-135. doi:10.5965/2175180310242018115
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sintetiza bem a pluralidade do método ao argumentar que os anos 2000 consolidaram a história oral como “simultaneamente um método (coleta de depoimentos orais), um subcampo da história (historiografia oral) e um recurso para professores, comunidades e pesquisadores de todos os tipos (história oral)” (p. 133).

O fato de ser um método faz com que seja utilizado em diferentes disciplinas com suas próprias perguntas de pesquisa e aportes teóricos, sem necessariamente haver referências à literatura e teoria geradas pela historiografia oral, como é o caso da administração. Como consequência, existe um imbricamento entre as abordagens e termos que ascenderam com as viradas pós-positivistas, alguns utilizados de forma intercambiável, como a própria história oral, auto/biografia, história de vida, análise de narrativa, reminiscências e revisão de vida (Bornat, 2007Bornat, J. (2007). Oral history. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, D. Silverman (Eds.), Qualitative Research Practice (Concise Paperback Edition) (pp. 34-47). Londres: Sage.), conforme também discutido por Silva, Barros, Nogueira e Barros (2007). Para Bornat, esses métodos teriam em comum a gravação e a interpretação da experiência de vida de indivíduos e o fato de serem histórias solicitadas, geradas a partir da situação de entrevista. Esses métodos ainda compartilham as heranças da história e da sociologia, com influências da psicologia e da gerontologia, muitos possuindo, por isso, literaturas compartilhadas, em especial a história oral e a história de vida. No caso dessas duas últimas, que são as mais utilizadas nas pesquisas em administração (Colomby, Peres, Lopes, & Costa, 2016; Godoy, 2018)Godoy, A. S. (2018). Reflexão a respeito das contribuições e dos limites da história de vida na pesquisa em administração. Administração: Ensino e Pesquisa , 19 (1), 161-175. doi:10.13058/raep.2018.v19n1.954, outro aspecto compartilhado seria a relação entre pesquisador e entrevistado (Bornat).

Para Bornat (2007)Bornat, J. (2007). Oral history. In C. Seale, G. Gobo, J. F. Gubrium, D. Silverman (Eds.), Qualitative Research Practice (Concise Paperback Edition) (pp. 34-47). Londres: Sage., a história oral se distingue pelo uso da memória para um entendimento mais completo ou diverso do passado experienciado tanto individualmente como coletivamente. Já a história de vida, conforme a abordagem sociológica de Bertaux e Kohli (1984)Bertaux, D., Kohli, M. (1984). The life story approach: A continental view. Annual Review of Sociology , 10 (1), 215-237. doi:10.1146/annurev.so.10.080184.001243
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, abordaria a vida individual e a história contada com o objetivo de se entender processos sociais determinados pela classe, cultura e gênero.

Essas distinções, no entanto, são bastante tênues e restritas a determinados usos dos métodos conforme as posições ontológica e epistemológica do pesquisador. Assim, para demarcar o uso da história oral em relação às histórias de vida, argumentamos que a história oral possui destacadamente maior ênfase na relação entre fenômenos micro e macro, no que diz respeito a experiências pessoais de acontecimentos históricos mais abrangentes. A história oral estaria mais bem posicionada para analisar a “interseção entre experiência pessoal, circunstâncias históricas e o arcabouço cultural” (Hesse-Biber & Leavy, 2005Hesse-Biber, S. N., Leavy, P. (2005). Oral History: A collaborative method of (auto)biography interview. In S. N. Hesse-Biber, P. Leavy, The Practice of Qualitative Research (2a ed., pp. 149-194). Thousand Oaks: Sage.) e para responder perguntas como: “como indivíduos se adaptam a grandes mudanças sociais?”, “quais são as estratégias individuais para essa adaptação?”, e “como os indivíduos filtram e respondem a essas mudanças?” (p. 155).

Com base nessa trajetória e tomando a história oral como abordagem teórico-metodológica, gostaríamos de advogar por seu uso mais distintivo na pesquisa organizacional histórica por meio da seguinte definição de história oral:

uma poderosa ferramenta para descobrir, explorar e avaliar a natureza do processo de memória histórica – como as pessoas entendem o passado, como conectam a experiência individual com o contexto social, como o passado se torna parte do presente, e como as pessoas o utilizam para interpretar suas vidas e o mundo ao redor. (Frisch, 1990Frisch, M. (1990). A shared authority: Essays on the craft and meaning of oral and public history. Albany: SUNY Press., p. 188)

Usos e abusos da história oral na administração

Um dos primeiros artigos nacionais publicados que discute a história oral a partir de uma aproximação entre história e a gestão é o de Gomes e Santana (2010)Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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, que apresentam um argumento mais abrangente de valorização das pesquisas qualitativas na administração. Os autores apresentam duas experiências com o método na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB): uma como método de ensino e outra na elaboração da estratégia da universidade. No primeiro caso, a história oral foi utilizada em uma disciplina obrigatória do curso de administração, em que alunos realizavam entrevistas de história de vida com empresários e gestores públicos da região, originando assim um grupo de pesquisa em empreendedorismo. Para os autores, o ensino da administração por meio da análise das histórias desses empresários locais permitiu não só o aprendizado administrativo dos alunos, como mudanças em suas percepções sobre a “relação administrador, cidadão, família e sociedade” (Gomes & Santana, 2010Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
https://doi.org/10.1590/S1679-3951201000...
, p. 13). Já no segundo caso, as memórias diversas de professores, funcionários e ex-alunos auxiliaram na construção da identidade organizacional e permitiram a elaboração de estratégias para a universidade. Os autores concluem sugerindo que,

Tendo por parâmetro o grande número de pesquisas e levantamentos que vêm sendo feitos na pesquisa em Administração, com utilização da técnica da entrevista gravada, é possível inferir que parte dessas entrevistas seja de História Oral. No entanto, são feitas sem que se lhes atribua essa denominação e, possivelmente, sem seguir os preceitos que regem sua execução, o que as tornaria mais robustas do ponto de vista metodológico. (Gomes & Santana, 2010Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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, p. 14)

Com esse argumento, fica claro que os autores coadunam com a visão de que, em certo sentido, há uma certa zona cinzenta da história oral com outros métodos qualitativos. Para os autores, no entanto, a escolha pela história oral como método poderia trazer maior robustez às pesquisas com entrevistas gravadas. Nosso argumento afasta-se dessa visão proposta pelos autores. Adotar a história oral nesses casos não necessariamente tornaria as pesquisas metodologicamente “mais robustas”,” mas, pelo contrário, poderia desperdiçar um dos principais fatores distintivos da história oral na pesquisa organizacional, que seria o entendimento do passado e da história a partir da visão dos sujeitos. A ênfase sobre o passado é o que possibilita uma maior discussão sobre a história e a memória, sobre passado e presente, sobre ruptura e permanência, sobre mudança e continuidade.

Outro artigo que reforça nosso argumento do uso da história oral sem reflexividade historiográfica é o de Sacramento et al. (2017)Sacramento, A. A., Figueiredo, P. F. M., Teixeira, R. M. (2017). Método da história oral nas pesquisas em administração: Análise nos periódicos nacionais no período de 2000 a 2015. Revista de Ciências da Administração , 19 (49), 57-73. doi:10.5007/2175-8077.2017v19n49p57
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, que analisaram os artigos nacionais publicados entre 2000 e 2015 de história oral e história de vida na administração. O artigo mostra um aumento no uso desses métodos e levanta as principais temáticas abordadas em 38 artigos selecionados: processos de aprendizagem organizacional, empreendedorismo, impactos das organizações na vida pessoal e trajetória de vida profissional ou pessoal. Essas temáticas, embora nesse nível de informação pareçam não revelar muita coisa, revelam a falta de história nessas pesquisas, indicando um uso da história oral para entendimento de um processo ou trajetória, de vida ou organizacional, com vistas a se entender o presente.

Um comentário interessante de Sacramento et al. (2017)Sacramento, A. A., Figueiredo, P. F. M., Teixeira, R. M. (2017). Método da história oral nas pesquisas em administração: Análise nos periódicos nacionais no período de 2000 a 2015. Revista de Ciências da Administração , 19 (49), 57-73. doi:10.5007/2175-8077.2017v19n49p57
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que vai contra o argumento de Gomes e Santana (2010)Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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de que a história oral traria mais robustez às pesquisas qualitativas, se refere à dificuldade de análise, por parte dos autores, dos aspectos metodológicos das pesquisas selecionadas, já que diversas informações sobre a operacionalização do método haviam sido omitidas: “Essa omissão pode ter ocorrido pela própria incipiência e falta de conhecimento do método ou pela falta de rigor metodológico do estudo” (Sacramento et al., p. 71).

Outro artigo que aborda o método por meio da discussão da construção de um projeto de história oral é o de Joaquim e Carrieri (2018)Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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. Nele, os autores advogam pelo uso da história oral “como uma alternativa aos estudos de caso, método comumente usado nos artigos da área de estudos organizacionais e utilizado de forma até mesmo banal na área” (p. 306), reforçando nosso argumento de que a história oral, sem referência à sua historiografia, acaba se tornando similar a outros métodos qualitativos.

Joaquim e Carrieri (2018)Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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entram mais a fundo em temas caros à história oral, sugerindo o método como alternativa ao mainstream da administração para “a [re]construção histórica das secas sofridas e da secura trazida pela irrigação no Vale do São Francisco, com base nas memórias e histórias vivenciadas no Projeto Bebedouro” (p. 306), em Pernambuco. Com ênfase na operacionalização do método, os autores problematizam um dos temas fundamentais em história oral: a reflexão sobre a relação entre pesquisador e entrevistado. Com esse enfoque, os autores discorrem sobre o processo de transformação da entrevista oral em documento escrito e a devolução social das entrevistas, partindo da abordagem de transcriação do historiador José Meihy. Para os autores, a devolução social das entrevistas resgataria a visão da história oral como um ato político, indo além dos debates acadêmicos para um destino social. Ou seja, a pesquisa deve ter um impacto também sobre os indivíduos pesquisados, algo pouco explorado na pesquisa acadêmica.

Para Joaquim e Carrieri (2018)Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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, os artigos nacionais de história oral apresentariam como principal fragilidade a

redução da história oral a algo passível de apreensão, de modo a “coisificá-la”, ou seja, ela ainda é objetivada como um mero método, capaz de apreender o passado por meio da objetivação da vida vivida, quando deveria ser um meio reflexivo de se perceber o processo de [des]construção da história que acontece no tempo presente, a partir das enunciações de tradições inventadas. (Joaquim & Carrieri, p. 307)

Dessa forma, os autores criticam a vertente mais realista da história oral, chamando atenção para o uso da memória no presente. Nesse sentido, os autores parecem se fixar numa visão mais presentista do uso da história e da história oral, no sentido de que “o passado só importa quando tem relevância no presente” (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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, p. 18), especialmente quando afirmam que: “Do ponto de vista teórico, cabe destacar que a história oral pode ser uma grande aliada para os estudos organizacionais, uma vez que a gestão que acontece no tempo presente é um reflexo de práticas adotadas e perpetuadas desde o passado” (Joaquim & Carrieri, 2018Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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, p. 315).

Além dos artigos acima que discutem o método de história oral na administração, uma busca em agosto de 2020 por artigos publicados na administração na biblioteca eletrônica SPELL com o termo “história oral” nos campos “resumo”, “título” e “palavra-chave” identificou quarenta e cinco artigos. Destes, seis (Maciel, Lins, & Fernandes, 2020; Rampazo & Ichikawa, 2013Rampazo, A. V., Ichikawa, E. Y. (2013). Identidades naufragadas: O impacto das organizações na (re)construção do universo simbólico dos ribeirinhos de Salto Santiago. Cadernos EBAPE.BR , 11 (1), 104-127. doi:10.1590/S1679-39512013000100008
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; Vale & Joaquim, 2017Vale, L. M. E., Joaquim, N. F. (2017). Legume nosso de cada dia: O hortifrúti na história da gestão ordinária do Mercado Central de Belo Horizonte. Gestão & Conexões , 6 (2), 54-73. doi:10.13071/regec.2317-5087.2017.6.2.13428.54-73
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; Vieira, Lavarda, & Brandt, 2016; Vizeu, Guarido Filho, & Gomes, 2014; Zanini, Migueles, Colmerauer, & Mansur, 2013) informaram explicitamente usar a história oral como uma técnica, ou seja, “negando-lhe qualquer pretensão metodológica ou teórica” (Amado & Ferreira, 2006, pAmado, J., Ferreira, M. M. (2006). Apresentação. In M. M. Ferreira, J. Amado (Orgs.), Usos & abusos da história oral (8a ed, pp. vii-xxv). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. xii). De fato, na maior parte desses artigos, a história oral é utilizada para se entender um determinado processo organizacional, a trajetória de uma empresa ou de indivíduos que auxilie a compreensão do objeto de estudo, seja gestão da criatividade (Maciel et al.), alianças estratégicas (Vizeu et al.), a forma de definição de estratégias (Vieira et al.) ou gestão de equipes (Zanini et al.). Nesse sentido, a história oral e a própria história são utilizadas com uma visão que beira entre a suplementarista e a integracionista, indo de uma visão da história como um elemento de contexto ou um complemento na construção ou refinamento de teorias a “uma fonte de generalizações explicativas” (Usdiken & Kieser, 2004, pÜsdiken, B., Kieser, A. (2004). Introduction: History in organisation studies. Business History , 46 (3), 321-330. doi:10.1080/0007679042000219166
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, p. 324). Na maior parte dos casos, a história oral entra como complemento ou fazendo parte de um estudo de caso, sendo complementar à análise documental e secundária ao objetivo principal do estudo. Esse mesmo argumento pode ser usado em relação aos outros trinta e nove artigos que, muito embora reportem utilizar a história oral como método, se assemelham aos que optaram por utilizá-la como técnica.

Para fins de análise e pela limitação de espaço do artigo, optamos por analisar apenas os artigos publicados em periódicos B1 e A2 no Qualis da Capes (2013-2016), totalizando 16 artigos listados na Tabela 1 . Esses artigos foram agrupados conforme seu uso da história oral:

Tabela 1
: Categorização de 16 artigos nacionais de história oral publicados em periódicos B1 e A2 conforme seu uso da história

  • Cinco artigos que usam a história ou a trajetória organizacional como contexto.

  • Quatro artigos que abordam as histórias ou as trajetórias de vida e a experiência vivida.

  • Quatro artigos que analisam a história vista de baixo, de vozes marginalizadas, silenciadas ou comuns.

  • Dois artigos que usam a história ou a trajetória organizacional como complemento a outras fontes e métodos para se entender a organização estudada.

  • Um artigo que utiliza a história oral da mesma maneira que as entrevistas em profundidade, sem uso da história.

No primeiro grupo, história ou trajetória organizacional como contexto, a história de uma organização ou de um processo organizacional é levantado por meio da história oral e usado como contexto para a discussão de determinados construtos organizacionais, como a liderança no processo de criação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) no Rio de Janeiro (Moraes, Mariano, & Franco, 2016); a formação de alianças estratégicas (Vizeu et al., 2014)Vizeu, F., Guarido Filho, E. R., Gomes, M. A. (2014). Para além do olhar econômico nas alianças estratégicas: implicações sociológicas do caso Unihotéis. Revista de Administração Mackenzie , 15 (3), 132-165. doi:10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p132-165
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; os aspectos cognitivos e afetivos da ação empreendedora de mulheres (Cortez, Ferreira, Ferreira, & Araújo, 2016), as lógicas institucionais que influenciam mudanças estruturais em uma cooperativa (Teixeira & Roglio, 2015)Teixeira, M. G., Roglio, K. D. D. (2015). As influências da dinâmica de lógicas institucionais na trajetória organizacional: O caso da Cooperativa Veiling Holambra. Brazilian Business Review , 12 (1), 1-37. doi:10.15728/bbr.2015.12.1.1
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e o papel dos atores na gestão social (Iizuka, Gonçalves-Dias, & Aguerre, 2011). Desses artigos, três utilizam o estudo de caso como estratégia de pesquisa, unindo os relatos de história oral à análise de documentos e observação direta. Para esse grupo, o entendimento do contexto histórico dos objetos de estudo é essencial para suas análises, justificando o uso da história oral como fonte privilegiada para a reconstrução de histórias organizacionais.

Desses artigos, três ainda poderiam ser enquadrados dentro de uma perspectiva histórica. Em dois deles, pelo evento em si constituir um marco histórico: a criação das UPP (Moraes et al., 2016) e o programa de extração de samambaia silvestre no Vale do Ribeira, criado após a legislação que estabeleceu o território como Área de Proteção Ambiental (Iizuka et al., 2011Iizuka, E. S., Gonçalves-Dias, S. L. F., Aguerre, P. (2011). Gestão social e cidadania deliberativa: A experiência de Ilha Comprida-São Paulo. Cadernos Ebape. BR, 9 (3), 748-779. doi:10.1590/S1679-39512011000300005
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). Já o terceiro artigo, o de Teixeira e Roglio (2015)Teixeira, M. G., Roglio, K. D. D. (2015). As influências da dinâmica de lógicas institucionais na trajetória organizacional: O caso da Cooperativa Veiling Holambra. Brazilian Business Review , 12 (1), 1-37. doi:10.15728/bbr.2015.12.1.1
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, que analisam a história organizacional da Cooperativa Veiling Holambra pela abordagem de lógicas institucionais, é o único a especificar ter usado o método de análise histórica para “elucidar o contexto em que as decisões ocorreram em diferentes períodos da história da cooperativa” (p. 15). No geral, as pesquisas desse grupo, mesmo as que não se enquadram como históricas, vão além da história de cada organização para analisar o contexto social e histórico do fenômeno estudado, podendo ser enquadradas como integracionistas (Usdiken & Kieser, 2004Üsdiken, B., Kieser, A. (2004). Introduction: History in organisation studies. Business History , 46 (3), 321-330. doi:10.1080/0007679042000219166
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). A história oral, neste grupo, é usada como fonte documental, com ênfase nos aspectos mais objetivos das trajetórias e das histórias organizacionais e com pouca referência à relação entre passado e presente nas memórias dos sujeitos.

No grupo seguinte, o de histórias de vida e a experiência vivida, a ênfase é sobre a experiência de indivíduos em relação a determinados temas, como violência interpessoal (Pinto & Paes de Paula, 2013Pinto, R. A. B., & Paes de Paula, A. P. (2013). Do assédio moral à violência interpessoal: Relatos sobre uma empresa júnior. Cadernos Ebape. BR , 11 (3), 340-355. doi:10.1590/S1679-39512013000300002
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) e trabalho e identidade, como no caso de prostitutas (Pereira, Paiva, Santos, & Sousa, 2018) e de integrantes de organizações e movimentos culturais (Bispo, Dourado, & Amorim, 2013; Dourado, Holanda, Silva, & Bispo, 2009). O que distingue essas pesquisas das demais é a ênfase nos indivíduos, em sua experiência vivida e nos significados dessa experiência, temas bastante aderentes à história oral. Ainda assim, há pouca ou nenhuma discussão sobre a relação entre passado e presente ou sobre a memória. Nesse sentido, o uso da história oral se torna bastante semelhante às entrevistas em profundidade interpretativas, com ênfase no encontro humano e na visão subjetiva de indivíduos sobre um determinado tema, como poderia ter sido enquadrada a pesquisa de Pinto e Paes de Paula, que usam a história oral dentro de um estudo de caso

por entender que ela possibilita ao pesquisador recuperar, em cada entrevista realizada, relações simples e complexas em relação à sociedade, ao grupo e ao próprio sujeito, assim como “... reconstruir durações emocionais, afetivas, reflexões racionais que se irradiam, se cruzam em determinados momentos num espaço sócio-histórico de determinadas relações sociais”. (Pinto & Paes de Paula, p. 349)

Embora exista menção a um “espaço sócio-histórico”, esse não é discutido nas análises, o que teria sido interessante para localizar a violência interpessoal em um determinado contexto social, histórico e cultural. O uso da história oral e da própria história, nesses casos, acaba “sumindo” em relação ao estudo de caso, se assemelhando às entrevistas em profundidade.

Nesse imbricamento entre entrevistas em profundidade e história oral, Hesse-Biber e Leavy (2005)Hesse-Biber, S. N., Leavy, P. (2005). Oral History: A collaborative method of (auto)biography interview. In S. N. Hesse-Biber, P. Leavy, The Practice of Qualitative Research (2a ed., pp. 149-194). Thousand Oaks: Sage. lembram que pesquisadores que lidam com assuntos humanos podem escolher tanto uma como outra, dependendo do objetivo da pesquisa. O que distinguiria a história oral, no entanto, seria o enfoque biográfico da entrevista, o que não pôde ser notado em pesquisas como a de Pinto e Paes de Paula (2013)Pinto, R. A. B., & Paes de Paula, A. P. (2013). Do assédio moral à violência interpessoal: Relatos sobre uma empresa júnior. Cadernos Ebape. BR , 11 (3), 340-355. doi:10.1590/S1679-39512013000300002
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, pela falta de detalhes sobre o método. Já nas pesquisas de Pereira, Paiva, Santos e Sousa (2018), e especialmente nas de Bispo, Dourado e Amorim (2013) e Dourado, Holanda, Silva e Bispo (2009), que explicitamente reportaram utilizar o método biográfico, há um enfoque sobre os sujeitos, possibilitando um enquadramento dessas pesquisas como de histórias de vida, já que existe um imbricamento das duas abordagens conforme visto. Embora haja um endereçamento das histórias de vida com os temas do estudo, como sentido do trabalho e identidade, houve pouco debate histórico nessas pesquisas, especialmente nas análises.

O terceiro grupo é de pesquisas que enfatizam a história vista de baixo, ou seja, a história de vozes marginalizadas, silenciadas e comuns, a história oral militante. Particularmente, a pesquisa de Sousa, Pereira e Calbino (2019) é um excelente exemplo desse tipo de história oral, por destacar a

importância política de se acessar a história da ASMARE a partir das narrativas de sujeitos que comumente não se enunciam nos documentos oficiais de órgãos públicos como a prefeitura ou a SLU. Assim, defende-se aqui o uso do depoimento oral não apenas como uma possibilidade alternativa de narrar os acontecimentos históricos, mas como um ato de resistência frente a uma sociedade que se legitimou por meio da escrita, principalmente em termos dos documentos oficiais, negando a escrita da História aos sujeitos e às comunidades que não se utilizam de tal técnica. (Sousa et al., 2019Sousa, R. R., Pereira, R. D., Calbino, D. (2019). Memórias do lixo: Luta e resistência nas trajetórias de catadores de materiais recicláveis da ASMARE. Revista Eletrônica de Administração, 25 (3), 223-246. doi:10.1590/1413-2311.250.92258
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, pp. 230-231)

Além de trazerem as histórias de luta e resistência pela voz de quem as viveu, os autores fazem um trabalho crítico de interpretação desses discursos ao entender que a ressignificação do trabalho de catador de lixo para o de agente ambiental, mesmo diminuindo o estigma do trabalho e promovendo sua inclusão social, tem como efeito a reprodução de um discurso de sustentabilidade “que camufla e o mantém numa situação de marginalidade. ... Contudo, é igualmente importante atentar para os riscos implícitos nos discursos da Sustentabilidade, que, uma vez internalizados pelos catadores, podem levar a posturas politicamente passivas e pouco combativas” (Sousa et al., 2019Sousa, R. R., Pereira, R. D., Calbino, D. (2019). Memórias do lixo: Luta e resistência nas trajetórias de catadores de materiais recicláveis da ASMARE. Revista Eletrônica de Administração, 25 (3), 223-246. doi:10.1590/1413-2311.250.92258
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, p. 242).

Outro exemplo de pesquisa que poderia ser enquadrada como de história militante é a de Rampazo e Ichikawa (2013)Rampazo, A. V., Ichikawa, E. Y. (2013). Identidades naufragadas: O impacto das organizações na (re)construção do universo simbólico dos ribeirinhos de Salto Santiago. Cadernos EBAPE.BR , 11 (1), 104-127. doi:10.1590/S1679-39512013000100008
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, que analisam a (re)construção das identidades de ribeirinhos deslocados de seus territórios por conta da construção de uma usina hidrelétrica. A experiência de sujeitos sociais em relação a um acontecimento histórico, como visto, é um dos temas caros à história oral, tanto no que diz respeito aos ribeirinhos, sujeitos sociais geralmente desconsiderados da história oficial, quanto ao evento histórico em si, a construção de um reservatório e seus efeitos na comunidade local. A análise escolhida pelos autores, a do papel das organizações na reconstrução dessas identidades, poderia ser um bom exemplo de posição reorientacionista da história nos estudos organizacionais, priorizando uma “abordagem narrativa à história, em linha com o recente interesse mais amplo em orientações interpretativas ou discursivas em oposição ao enquadramento cientificista dos estudos organizacionais” (Usdiken & Kieser, 2004Üsdiken, B., Kieser, A. (2004). Introduction: History in organisation studies. Business History , 46 (3), 321-330. doi:10.1080/0007679042000219166
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, p. 325). O tipo de análise feita pelas autoras, assim como no artigo de Sousa et al. (2019)Sousa, R. R., Pereira, R. D., Calbino, D. (2019). Memórias do lixo: Luta e resistência nas trajetórias de catadores de materiais recicláveis da ASMARE. Revista Eletrônica de Administração, 25 (3), 223-246. doi:10.1590/1413-2311.250.92258
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, se encaixaria bem nas teorias interpretativas da literatura em história oral, destacando como as narrativas de vida invocam ou se conformam a discursos públicos mais amplos. Um maior engajamento com a literatura em história oral talvez pudesse trazer à tona aspectos relativos à memória individual em sua conexão com a social, não apenas mostrando como a memória se conforma a esquemas sociais e culturais dominantes, mas mostrando a reflexividade crítica de indivíduos quanto a aceitação ou rejeição desses esquemas (Green, 2004)Green, A. (2004). Individual remembering and ‘collective memory’: Theoretical presuppositions and contemporary debates. Oral History , 32 (2), 35-44. Retrieved from https://bit.ly/34Dz694
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.

O artigo de Cabana e Ichikawa (2017)Cabana, R. D. P. L., Ichikawa, E. Y. (2017). As identidades fragmentadas no cotidiano da Feira do Produtor de Maringá. Organizações & Sociedade , 24 (81), 285-304. doi:10.1590/1984-9230815
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já possui uma ênfase, a do cotidiano, que permite a análise da agência dos indivíduos, ao contrário dos artigos anteriores. As autoras não enquadram a pesquisa como de história oral, mas utilizam o método para uma parte das entrevistas realizadas com feirantes “com o intuito de resgatar as memórias deles e suas histórias na Feira do Produtor de Maringá” (p. 293). As autoras adotam a perspectiva do cotidiano de Michel de Certeau, se debruçando sobre as “pequenas práticas que se articulam nos instantes de tempo que constroem o dia a dia” (p. 286). As práticas cotidianas seriam passíveis de mudança e dificilmente captadas em pesquisas que se utilizem apenas de fontes documentais. Talvez pela falta de engajamento com a perspectiva histórica e com a literatura em história oral, questões como o uso da memória desses feirantes como elemento de coesão ou disputa social ficaram a desejar, havendo maior enfoque na formação identitária da feira em seu cotidiano.

Já a pesquisa de Xavier, Barros, Cruz e Carrieri (2012), que poderia ser categorizada na segunda classificação, de histórias de vida, enfocando o significado do trabalho dos mascates e caixeiros-viajantes de Minas Gerais, foi enquadrada aqui por explicitamente afirmar que a história priorizada pelos autores “não tem como pano de fundo narrativas fantásticas ou legitimadas por eventuais papéis do narrador ou fonte, mas, sim, a história contada a partir do cotidiano daqueles que não têm papéis de destaque nas narrativas” (p. 41). Embora os autores afirmem ter se recorrido “ao aporte teórico-metodológico da história oral como fonte de resgate das atividades dos entrevistados, sem que se pretendesse assumir o papel de historiador” (Xavier et al., 2012Xavier, W. S., de Barros, A. N., Cruz, R. C., & Carrieri, A. P. (2012). O imaginário dos mascates e caixeiros-viajantes de Minas Gerais na formação do lugar, do não lugar e do entrelugar. Revista de Administração , 47(1), 38-50. doi:10.5700/rausp1024
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), há pouca discussão sobre esse aporte teórico-metodológico, preferindo os autores se referirem à história nova e sua visão de história plural, “de forma que a macro-história seja substituída pela história da vida cotidiana ou, como ressalta Burke (1997)Burke, P. (1997). A Escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia . São Paulo: Editora UNESP., a ‘história vista de baixo’, numa realidade social ou culturalmente constituída” (pp. 41-42). A história nova, de fato, foi um marco significativo na disciplina histórica ao permitir uma ampliação do escopo da história, trazendo à tona uma outra história: a da classe trabalhadora, das minorias e de outros grupos marginalizados (Ferreira, 2002Ferreira, M. D. M. (2002). História, tempo presente e história oral. Topoi , 3 (5), 314-332. doi:10.1590/2237-101X003006013). No entanto, sua ênfase nas estruturas e nos comportamentos coletivos, envolvendo estudos longitudinais e quantitativos, não abriu espaço para a legitimação dos relatos individuais como fonte histórica (Motta, 2000Motta, M. D. S. (2000). O relato biográfico como fonte para a história. Vidya , 19 (34), 101-122. doi:10.37781/vidya.v19i34.519
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). Nesse sentido, os indivíduos ainda eram considerados como objeto de estudo da história, e não como sujeitos da história, como pregam as visões da história de maior agência humana, como a microhistória, o cotidiano e a história oral (Brewer, 2010Brewer, J. (2010). Microhistory and the histories of everyday life. Cultural and Social History , 7 (1), 87-109. doi:10.2752/147800410X477359). Talvez um maior engajamento com a historiografia oral pudesse trazer uma maior reflexividade historiográfica (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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), se engajando de forma mais explícita com a história (oral) como fonte de teorização e pesquisa sobre o passado.

Os artigos do grupo seguinte, de história organizacional como complemento, utilizam a história oral como complemento para a melhor compreensão da organização estudada, como no caso de Souza e Silva (2010)Souza, C. N., Silva, F. L. A. (2010). Interface entre associação, administração pública e divisão sexual do trabalho. Administração Pública e Gestão Social , 2 (4), 403-422. Retrieved from https://bit.ly/3dS5mKz
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, que usaram a história oral para entender a Associação de Artesãos do município de Viçosa, onde a autora analisou as relações socioculturais e econômicas por trás das representações e práticas do trabalho doméstico. Ou a pesquisa de Zanini et al. (2013)Zanini, M. T., Migueles, C. P., Colmerauer, M., Mansur, J. (2013). Os elementos de coordenação informal em uma unidade policial de operações especiais. Revista de Administração Contemporânea , 17 (1), 106-125. doi:10.1590/S1415-65552013000100007
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, que usou métodos quantitativos e qualitativos para compreender a coordenação informal na gestão de equipes de alto desempenho. A história oral, tal qual a pesquisa de Souza e Silva (2010)Souza, C. N., Silva, F. L. A. (2010). Interface entre associação, administração pública e divisão sexual do trabalho. Administração Pública e Gestão Social , 2 (4), 403-422. Retrieved from https://bit.ly/3dS5mKz
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, foi utilizada para reconstituir a história da instituição, enquanto entrevistas em profundidade se voltaram para entender a gestão interna da empresa.

Já a pesquisa de Fernandes, Oliva e Kubo (2020), no grupo “sem história,” foi assim categorizada por faltar elementos no artigo que permitissem o entendimento do uso da história oral. Essa pesquisa confirma o comentário de Sacramento et al. (2017)Sacramento, A. A., Figueiredo, P. F. M., Teixeira, R. M. (2017). Método da história oral nas pesquisas em administração: Análise nos periódicos nacionais no período de 2000 a 2015. Revista de Ciências da Administração , 19 (49), 57-73. doi:10.5007/2175-8077.2017v19n49p57
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quanto à omissão de diversos aspectos metodológicos das pesquisas, impossibilitando sua melhor análise. Mesmo com pouca informação sobre o método, é possível notar o uso da história oral como entrevista em profundidade, com ênfase no levantamento das opiniões dos participantes quanto às características individuais necessárias à atividade de conselheiro de administração independente.

De forma geral, os dezesseis artigos compartilham o fato de que a discussão sobre a história oral se restringe à seção de metodologia, havendo pouca ou nenhuma referência à historiografia oral ou mesmo à questão da memória na seção de análise ou discussão e nas conclusões. Esse fato reforça nosso argumento de que há pouco engajamento desses artigos com as discussões que a história oral trouxe ao campo da história e ao argumento de Decker et al. (2021)Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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quanto à falta de reflexividade historiográfica aos estudos organizacionais históricos. É preciso enfatizar, entretanto, que a maior parte desses estudos analisados não foi enquadrado como de história oral pelos autores e, por isso, é compreensível que haja pouco debate sobre a junção entre pesquisa histórica e estudos organizacionais.

A próxima seção aborda as marcas distintivas da história oral, relacionando-as com pesquisas existentes nos estudos organizacionais ou possibilidades de pesquisas que unam a história e a administração.

O que faz a história oral diferente

Como visto, a história oral se difere de outras abordagens por: (a) se engajar, desde a sua origem, com o compromisso de transformação social e pela democratização da história; (b) entender a memória não só como fonte para o passado, mas principalmente como forma de construção de identidade dos indivíduos e reveladora do significado da experiência histórica destes, se tratando de um history-telling ; (c) entender que os relatos são frutos de um encontro humano e, assim, construídos em conjunto e, finalmente, (d) permitir o compartilhamento das fontes orais com outros pesquisadores por meio de sua gravação, tratamento e armazenamento, como será visto a seguir.

Transformação social

A seção anterior identificou pesquisas organizacionais que se encaixariam como de história oral militante, preocupada com a democratização da história. Um maior engajamento com a historiografia oral poderia trazer às pesquisas desse tipo uma maior reflexão sobre a maneira com que os sujeitos se conformam, rejeitam ou modificam esquemas organizacionais, culturais e sociais – de forma consciente ou inconsciente – e como a reflexividade crítica desses sujeitos daria margem a movimentos de resistência e disputas de poder. Áreas de conhecimento como a prática do cotidiano, conforme trazido por Cabana e Ichikawa (2017)Cabana, R. D. P. L., Ichikawa, E. Y. (2017). As identidades fragmentadas no cotidiano da Feira do Produtor de Maringá. Organizações & Sociedade , 24 (81), 285-304. doi:10.1590/1984-9230815
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, aliada à historiografia oral podem trazer o sujeito histórico não como objeto de uma história organizacional, mas como sujeito desta.

Pesquisas nessa linha ademais poderiam se enquadrar no que Durepos, Shaffner e Taylor (2021) chamaram de história organizacional crítica, “uma abordagem historicizada, informada teoricamente, para entender como e por que chegamos aonde estamos nas sociedades organizadas contemporâneas”. Para os autores, a história organizacional crítica poderia atender a um dos princípios da virada histórica de “rejeitar o cientificismo e aceitar formas mais heterogêneas da história e versões reflexivas da construção social de narrativas historicizadas” (pp. 15-16). Algumas características propostas pelos autores como essenciais a uma pesquisa organizacional crítica já estão no âmago da história oral, como a agenda e ideologia progressistas; a reflexividade do pesquisador em relação à produção da pesquisa como uma prática social efetuada por um sujeito com determinado background e ideologia; e a desnaturalização de situações e de fenômenos estudados, algo que a história oral costuma fazer ao trazer uma contra-história e ao analisar a forma que os indivíduos se conformam aos esquemas sociais.

O artigo de Joaquim e Carrieri (2018)Joaquim, N., F., & Carrieri, A. P. (2018). Construção e desenvolvimento de um projeto de história oral em estudos sobre gestão. Organizações & Sociedade , 25 (85), 303-319. doi:10.1590/1984-9250857
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é um bom exemplo de pesquisa organizacional crítica, especialmente pela preocupação com a devolução social da pesquisa, que se torna um ato político por não restringir a pesquisa aos debates acadêmicos. É importante notar que a transformação social é uma via de mão dupla: a pesquisa não só teve um impacto para a comunidade, que recebeu um vídeo com a reconstrução de sua história, como para a própria pesquisadora (Joaquim & Carrieri). De fato, para que a pesquisa seja transformadora, é necessário que o pesquisador seja o primeiro a ser transformado: “as pessoas não vão falar com você se você não falar com elas, elas não vão se revelar se você não se revelar para elas. Você não ensina nada a menos que esteja aprendendo, e você não aprende nada se não estiver escutando” (Portelli, 1997Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., p. 52).

Outra possibilidade de transformação social é trazer uma história além da oficial, composta pelo testemunho de diversas camadas da sociedade ou de uma organização, sob uma ótica realista. Keulen e Kroeze (2012a) e Gomes e Santana (2010)Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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, por exemplo, sugerem uma história de empresas que inclua entrevistas com funcionários de todos os níveis. Os primeiros apresentam um método que inclui a checagem de fatos apresentados nas entrevistas e sua confrontação com os entrevistados, gerando uma narrativa que seria então apresentada à organização para ser debatida entre eles e com os pesquisadores, com o objetivo tanto de se aprender com o passado quanto de se aprender com o relato do outro. As entrevistas e os debates ajudariam a entender como “entrevistados e pesquisadores se descrevem, a alta gerência, e a organização como um todo” (Keulen & Kroeze, p. 21). O benefício do método viria da comparação entre a visão oficial da organização com a de seus funcionários de diferentes hierarquias, compondo uma grande narrativa inclusiva.

Experiência vivida dos indivíduos e history-telling

Mais do que preencher lacunas de documentos, a peculiaridade da história oral “viria de uma postura em relação à História que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu” (Alberti, 2004Alberti, V. (2004). Ouvir contar: Textos em história oral . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 16). Essa centralidade no indivíduo diminui a distância entre a própria história – da forma que conhecemos nos livros, nos monumentos, nos museus – e a experiência pessoal: “qual é o nosso lugar na história e qual o lugar da história em nossas vidas?” (Portelli, 1997Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., p. ix). Não é à toa que o enfoque biográfico da entrevista é particularmente importante por revelar onde e como os indivíduos “criam significado, o que eles acham importante, seus sentimentos e atitudes (tanto implícitos quanto explícitos)” (Hesse-Biber & Leavy, 2005Hesse-Biber, S. N., Leavy, P. (2005). Oral History: A collaborative method of (auto)biography interview. In S. N. Hesse-Biber, P. Leavy, The Practice of Qualitative Research (2a ed., pp. 149-194). Thousand Oaks: Sage., p. 151).

Além da pesquisa de Rampazo e Ichikawa (2013)Rampazo, A. V., Ichikawa, E. Y. (2013). Identidades naufragadas: O impacto das organizações na (re)construção do universo simbólico dos ribeirinhos de Salto Santiago. Cadernos EBAPE.BR , 11 (1), 104-127. doi:10.1590/S1679-39512013000100008
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discutida anteriormente, outra pesquisa que aborda a experiência vivida de indivíduos em relação a eventos históricos é a de Maclean, Harvey e Stringfellow (2017) que analisam a experiência subjetiva dos indivíduos na transição da Alemanha Oriental para uma Alemanha unificada através da narrativa e da metáfora, com ênfase sobre o trabalho de construção de identidade desses indivíduos para sua integração social em uma Alemanha onde a visão hegemônica é a da liberdade individual.

Sobre a ênfase na criação de significado pelos indivíduos, Kirby (2008)Kirby, R. K. (2008). Phenomenology and the problems of oral history. The Oral History Review , 35 (1), 22-38. doi:10.1093/ohr/ohm001 aponta diversas semelhanças da história oral com a fenomenologia, já que a esta também interessa “as estruturas da consciência, tanto no que percebemos quanto no como percebemos” e na recepção e elaboração do mundo externo pelo indivíduo (p. 22). Por outro lado, a fenomenologia assume que não é possível ver o mundo de forma objetiva; o que forma o mundo, a cultura e a história são “nossas percepções das coisas e dos eventos, experienciadas, interpretadas e então comunicadas aos outros” (p. 23). Nesse sentido, a história oral se distingue da abordagem fenomenológica por não se voltar somente ao indivíduo e ao sentido atribuído por ele sobre a realidade externa. Afinal de contas, o método é oriundo da história. Para o historiador, a questão da subjetividade na pesquisa histórica é algo que ainda transmite um certo desconforto, já que a busca para muitos ainda é por uma verdade histórica, ainda que se admita que esta possa ser apenas uma versão provisória e aberta à questionamentos. Na história oral, no entanto, embora a história factual não seja mais o cerne do estudo, pois o que interessa está na esfera da subjetividade, ela é necessária para que se possa identificar os desvios, os erros e os silêncios nas narrativas. Dessa forma, a história oral se localiza entre uma abordagem totalmente fenomenológica e uma totalmente realista sobre o passado.

Essa preocupação epistemológica sobre a natureza do passado e a capacidade do pesquisador em acessá-lo está presente da mesma maneira nos estudos organizacionais históricos. Mais do que simplesmente trazer os métodos da história para a administração é preciso discutir o que se entende como passível de apreensão e de conhecimento acerca do passado, no que Mills, Weatherbee e Durepos (2014) chamaram de fase epistêmica na virada histórica da administração. De acordo com os autores, a virada histórica teria passado por três fases, a saber: (a) a factual, em que a história é vista como uma representação dos fatos históricos e os dados factuais muito teriam a acrescentar às teorias organizacionais; (b) a contextual, em que o contexto histórico é destacado para se entender as organizações e sua atuação no tempo e no espaço, e (c) a metodológica, com ênfase na análise crítica da escrita da história, considerando esta o “resultado de gêneros de escrita e meios filosóficos de se arbitrar o conhecimento histórico” (Mills et al., 2014Mills, A. J., Weatherbee, T. G., Durepos, G. (2014). Reassembling Weber to reveal the-past-as-history in management and organization studies. Organization , 21 (2), 225-243. doi:10.1177/1350508413475495
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, p. 228). Nesse sentido, a virada histórica apresentaria duas visões epistêmicas, a saber, a realista – fases (a) e (b) –, em que se subentende que o passado de certa maneira possa ser acessado através dos vestígios como documentos, e a relativista – fase (c) –, em que o passado nada mais é do que a construção de um storytelling feito de forma política no presente.

Para os autores, a fase seguinte para a virada histórica, a epistêmica, seria um meio-termo entre a posição realista e a relativista, levando em conta tanto as evidências factuais sobre o passado quanto a natureza das representações, “ocupando o espaço entre o conhecimento positivista e as subjetividades que o produzem” (Mills et al., 2014Mills, A. J., Weatherbee, T. G., Durepos, G. (2014). Reassembling Weber to reveal the-past-as-history in management and organization studies. Organization , 21 (2), 225-243. doi:10.1177/1350508413475495
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, p. 229). Os autores sugerem um posicionamento teórico chamado de relacional, entre uma posição cientificista, com uma verdade, e uma pós-modernista, com sua pluralidade de histórias e versões. Conforme argumentado, a história oral também ocupa um espaço no meio dessas duas tradições, como argumenta Portelli (1997)Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press.:

O fato de não estarmos mais lidando apenas com os fatos duros, mas também com os fatos suaves da subjetividade, memória e storytelling não deveria nos levar, no entanto, à euforia pós-moderna de dissolver a materialidade e a referencialidade do mundo externo em possibilidades atordoantes do discurso imaterial. Da mesma forma que trabalhamos com a interação entre o social e o pessoal, trabalhamos também com a interação entre narrativa, imaginação e subjetividade de um lado, e fatos averiguados de forma plausível de outro lado. Nós não podemos reconhecer a imaginação se não tentarmos conhecer os fatos .... Como historiadores orais, no entanto, tendemos a levar de maneira séria tanto as narrativas orais não-confiáveis e o registro arquivístico plausível, e procurar por significado em ambos, e no espaço entre ambos. (p. 64)

Segundo Portelli (1997)Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., o foco temático da história oral privilegia tanto a forma narrativa da entrevista, com sua ênfase nas estruturas sociais mediadoras da linguagem e na produção dialógica do relato, como a busca pelo vínculo “entre biografia e história, entre experiência individual e as transformações na sociedade”, com um pé na realidade objetiva. Portelli chama esse gênero da história oral de history-telling , distinto do storytelling pela maior amplitude ao envolver eventos históricos e pela sua formação dialógica. Assim, a história oral se preocuparia tanto na forma do que é dito – uma história construída para uma audiência específica, através de construtos culturais específicos – quanto no conteúdo, revelando suas características tanto discursivas quanto documentais. Para Portelli, a história oral está “entre a história de vida orientada ao sujeito e o testemunho orientado ao tema . . . seu papel é precisamente conectar a vida aos tempos, a idiossincrasia à representatividade, a oralidade à escrita” (p. 6).

Um exemplo de history-telling e que discute a memória é a análise de Portelli (2006) quanto ao massacre de Civitella Val di Chiana, ocorrido na Toscana em junho de 1944. No massacre, grande parte da população masculina da cidade é executada como vingança pelo assassinato de dois soldados alemães por representantes da Resistência que moravam nos arredores da cidade. Nesse artigo, Portelli reúne os comentários feitos durante a conferência internacional In Memory: For an European Memory of Nazi Crimes after the End of the Cold War , de 1994, em que participou como debatedor. A conferência era uma tentativa de acadêmicos de esquerda de reparar a memória menosprezada de Civitella e o ponto central do artigo é discutir a memória dividida sobre o evento. Uma era a memória oficial, que comemora o massacre como um episódio da Resistência e compara as vítimas a mártires da liberdade. Outra era a memória dos sobreviventes, com perdas pessoais e coletivas e que negavam não só qualquer ligação com a Resistência, como a culpavam por causarem, com um ataque irresponsável, a retaliação alemã. “Hoje, toda a culpa recai sobre os alemães... Mas nós culpamos os membros da Resistência porque, se não tivessem feito o que fizeram, aquilo não teria acontecido. Eles mataram em retaliação” (M.C., mulher, entrevistada em 1993) (p. 105). Assim, o debate era sobre a inversão da culpa pelo massacre: na visão dos sobreviventes, os integrantes da Resistência teriam sido os responsáveis.

Para o autor, o que estava em questão, no entanto, não era a confrontação de uma memória oficial – ideológica – versus uma comunitária – pura e espontânea. Para ele, haveria múltiplas memórias fragmentadas e todas ideológica e culturalmente mediadas. Ademais, a memória se transformaria no tempo: nos relatos obtidos com os sobreviventes em 1945 e 1946, o tema da culpa da Resistência só aparece ocasionalmente, prevalecendo os relatos contra os alemães. Em 1993 ou 1994, quando novos depoimentos são obtidos, se torna dominante o ressentimento contra a Resistência. Para o autor, o tempo e a história poderiam explicar essa mudança de visão: talvez houvesse uma relutância em se criticar os membros da Resistência no período imediato ao pós-guerra, quando a Resistência era prestigiada; ou ainda os abusos cometidos por seus integrantes “para ‘punir’ pessoas respeitadas pela comunidade e que não haviam sido mais fascistas do que as demais” aumentaram o ressentimento da comunidade; ou ainda a onda de julgamentos de integrantes da Resistência que houve nos anos 1990 com a ascensão da direita podem ter criado um senso comum que serviu como “aparato narrativo e ideológico ainda não formado à época do depoimento anterior” (Portelli, 2006, p. 110). O autor nota que, no entanto, em uma cidade perto de Civitella, havia ocorrido um massacre semelhante, feito em retaliação pelos alemães, com a diferença de que os depoimentos sobre ele localizavam a culpa nos alemães, mostrando que o ressentimento de Civitella contra os integrantes da Resistência era localizado.

Para antropólogos, de acordo com Portelli (2006), apesar da avaliação histórica sobre a culpa dos alemães pelo massacre, haveria um maior interesse “nas representações de uma comunidade do que na verdade dos fatos ou na tendência dos valores” e, nesse sentido, a representação do massacre pela comunidade apontava a Resistência como sua responsável (p. 107). Para Portelli, no entanto, a análise conjunta entre os fatos do historiador e as representações do antropólogo é que tornariam possível a distinção do que é fato e do que é representação:

As representações se utilizam dos fatos e alegam que são fatos; os fatos são reconhecidos e organizados de acordo com as representações; tanto fatos quanto representações convergem na subjetividade dos seres humanos e são envoltos em sua linguagem. Talvez essa interação seja o campo específico da história oral, que é contabilizada como história com fatos reconstruídos, mas também aprende, em sua prática de trabalho de campo dialógico e na confrontação crítica com a alteridade dos narradores, a entender representações. (p. 111)

Assim, ao analisar com mais detalhe as condições de Civitella no pré-guerra, o autor observa que existia uma divisão entre a população urbana (proprietários de terras, artesãos, profissionais) e a população rural ao redor:

este povoado era muito invejado pelos povoados das redondezas ... porque era um lugar próspero” (V.L.); “Nascemos em berço de ouro! Não nos dávamos com os camponeses... Tendíamos a ser gente da cidade! Pensávamos que éramos um pouco melhores do que eles”, afirma M.C. Mais abertamente, S.M. fala do “ódio” entre Civitella e a sede do condado, Badia al Pino. Acrescenta que, quando abriram a estrada entre Civitella e o lugarejo de Cornia, “uma massa de trabalhadores começou a transitar pelo povoado, e essa massa de trabalhadores não valia absolutamente nada. [Edoardo] Succhielli [o chefe da Resistência] mora lá. (Portelli, 2006, p. 114)

Com isso, Portelli (2006) confere às tensões pré-existentes entre a população urbana de Civitella e o campesinato ao seu redor, o ressentimento dos sobreviventes em relação aos integrantes da Resistência e não aos alemães, em razão do “sentimento de invasão do espaço do povoado pelas classes inferiores do campo”. Essa invasão teria perdurado no pós-guerra, “quando os ‘jovens comunistas’ do campo passaram a mandar no povoado (Duilio Fattori, CR:448) em parte, talvez, em represália pelas humilhações do passado” (p. 114). Assim, Portelli analisa que, na memória desses sobreviventes, há um deslocamento espacial, trazendo a Resistência como os invasores, e não os alemães. Há também um deslocamento temporal, já que as narrativas sobre o evento trazidas pelos sobreviventes são iniciadas não com o início da guerra ou com a chegada dos alemães, mas com a primeira reação dos integrantes da Resistência.

Esse exemplo de estudo sobre a memória por parte de Portelli (2006) mostra como o significado da experiência dos indivíduos trazidas pela memória só pode ser entendido na sua plenitude na triangulação com os fatos duros, ou seja, no meio termo de uma pesquisa mais objetiva, realista e uma interpretativista ou construtivista social, entre os fatos e as representações. E é nesse espaço que a história oral poderia preencher a lacuna identificada por Mills et al. (2014)Mills, A. J., Weatherbee, T. G., Durepos, G. (2014). Reassembling Weber to reveal the-past-as-history in management and organization studies. Organization , 21 (2), 225-243. doi:10.1177/1350508413475495
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dos estudos organizacionais históricos localizados entre uma abordagem realista e uma pós-modernista, adotando o history-telling como forma de mostrar a construção narrativa de indivíduos acerca de eventos históricos ou de grandes mudanças organizacionais.

Atenção ao contexto de produção e construção conjunta das narrativas

Ao considerar os relatos como storytelling ou narrativa, diversos historiadores orais trouxeram insights da teoria da narrativa para a análise dos relatos. O primeiro deles é entender que a construção do passado – a memória – é feita no presente, no encontro entre o depoente e o pesquisador e, portanto, sujeito às desigualdades de poder na relação entre dois sujeitos. Nesse sentido, as narrativas fazem um “trabalho político”, já que os “indivíduos se utilizam da forma narrativa para lembrar, argumentar, justificar, persuadir, engajar, entreter e até enganar uma audiência” (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences . Thousand Oaks: Sage., p. 8). Isso não quer dizer que os relatos não tragam uma autenticidade sobre os narradores; apenas alerta para que os relatos sejam interpretados e analisados com a consciência de que são situados e direcionados para uma audiência específica, seja o pesquisador, seja um possível público leitor. O pesquisador, assim, é uma presença ativa no texto.

Outro insight foi entender que a narrativa, embora pareça de propriedade individual, apenas do narrador, é repleta de temas e enredos que fazem parte de uma cultura: “o que é lembrado, quando e porque, é moldado pela cultura em que vivemos, pela linguagem à nossa disposição, pelas convenções e gêneros apropriados para a ocasião” (Chamberlain, 2006Chamberlain, M. (2006). Narrative Theory. In T. L. Charlton, L. E. Myers, R. Sharpless (Eds.), Handbook of Oral History (pp. 384-410). Lanham: Altamira., p. 399). Isso faz com que as narrativas sejam passíveis de interpretação, como na análise de Portelli (2006) sobre Civitella:

É exatamente porque as experiências são incontáveis, mas devem ser contadas, que os narradores são apoiados pelas estruturas mediadoras da linguagem, da narrativa, do ambiente social, da religião e da política. As narrativas resultantes – não a dor que elas descrevem, mas as palavras e ideologias pelas quais são representadas – não só podem, como devem ser entendidas criticamente. (Portelli, p. 108)

Como implicação, há um entendimento de que a autoridade sobre o significado de uma narrativa é dispersa e imbricada com outras vozes, no sentido bakhtiniano de polifonia de que todo texto inclui muitas vozes além da voz do autor, estando as palavras carregadas de significados de usos anteriores (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences . Thousand Oaks: Sage.). O significado, assim, estaria no diálogo entre o narrador e o ouvinte, entre o pesquisador e a transcrição, entre o texto e o leitor. A tarefa do pesquisador seria interpretar essas narrativas à luz das ideologias e discursos sociais naturalizados pelo narrador, mostrando como estruturas sociais mais amplas se insinuam sobre a identidade e consciência individuais – como nas pesquisas de Sousa et al. (2019)Sousa, R. R., Pereira, R. D., Calbino, D. (2019). Memórias do lixo: Luta e resistência nas trajetórias de catadores de materiais recicláveis da ASMARE. Revista Eletrônica de Administração, 25 (3), 223-246. doi:10.1590/1413-2311.250.92258
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e Rampazo e Ichikawa (2013)Rampazo, A. V., Ichikawa, E. Y. (2013). Identidades naufragadas: O impacto das organizações na (re)construção do universo simbólico dos ribeirinhos de Salto Santiago. Cadernos EBAPE.BR , 11 (1), 104-127. doi:10.1590/S1679-39512013000100008
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– e depois performados para (e com) uma audiência, nesse caso, o historiador oral (Riessman, p. 116).

Ao mesmo tempo, conforme argumentado no history-telling de Portelli (1997)Portelli, A. (1997). The battle of Valle Giulia: The art of dialogue in oral history . Madison: University of Wisconsin Press., a história oral também possui um pé no realismo e na objetividade, na profissão clássica do historiador, já que há uma tentativa de reconstrução do passado e de se amplificar vozes excluídas e marginalizadas. Isso faz com que as interpretações sejam feitas à luz dos documentos e dos arquivos históricos.

É preciso notar que esse dualismo da abordagem não ocorre sem disputas entre as tradições epistemológicas e sem conflitos dentro do próprio campo da história oral. O engajamento das pesquisas em história oral e sua dimensão transformadora e emancipatória, existente em pesquisas tanto de epistemologia realista quanto interpretativas, por vezes pressupõe trazer a experiência dos indivíduos com o seu valor de face, deixando ao próprio narrador a interpretação de sua história, sem intervenção do pesquisador. Esse é um dilema que os historiadores orais ainda enfrentam, como mostram as discussões de Shopes (2014)Shopes, L. (2014). “Insights and Oversights”: Reflections on the documentary tradition and the theoretical turn in oral history. The Oral History Review , 41 (2), 257-268. doi:10.1093/ohr/ohu035 e Sheftel e Zembrzycki (2016)Sheftel, A., Zembrzycki, S. (2016). Who’s afraid of oral history? Fifty years of debates and anxiety about ethics. The Oral History Review , 43 (2), 338-366. doi:10.1093/ohr/ohw071
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.

Formação e compartilhamento das fontes orais

Por fim, outro aspecto menos discutido da história oral, embora esteja na origem do método, é a gravação e a formação de um arquivo público de fontes orais. Para alguns, essa é uma característica particularmente importante (e distintiva) do método, especialmente por ele ter surgido no seio da disciplina histórica, conhecida por não só se utilizar de arquivos e documentos públicos como por indicar suas fontes para que outros pesquisadores possam acessá-las:

Uma entrevista se torna história oral apenas quando ela é gravada, de alguma forma processada, colocada à disponibilidade em um arquivo, biblioteca ou outro repositório, ou reproduzida relativamente em verbatim para publicação. Disponibilidade para pesquisa geral, re-interpretação e verificação define a história oral. (Ritchie, 2014Ritchie, D. A. (2014). Doing oral history (3a ed.). Oxford: Oxford University Press., p. 8)

Embora a posse individual das fontes seja recorrente em outras áreas, como a sociologia e a antropologia e a própria administração, ela vai contra a concepção de fontes oficiais características da pesquisa histórica. Na história oral, embora não seja uma obrigação, pode-se realizar o arquivamento das transcrições de entrevistas para uso futuro por outros pesquisadores. Essa disponibilidade pública pode inclusive alterar o rumo da narrativa do pesquisado, ao saber que seu relato será arquivado para a posteridade. Embora na administração esse procedimento não seja comum, talvez pelos custos de gravação e armazenamento de arquivos, essa é outra característica do método. Um exemplo foi a experiência de Gomes e Santana (2010)Gomes, A. F., Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: A possível e promissora conversa entre a história e a administração. Cadernos EBAPE.BR , 8 (1), 1-18. doi:10.1590/S1679-39512010000100002
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na UESB, conforme discutido acima. As entrevistas de história de vida que os alunos realizaram com empresários e gestores públicos da região acabou por originar um grande acervo de depoimento dos empreendedores locais.

É preciso destacar que outros historiadores como Shopes (2014)Shopes, L. (2014). “Insights and Oversights”: Reflections on the documentary tradition and the theoretical turn in oral history. The Oral History Review , 41 (2), 257-268. doi:10.1093/ohr/ohu035 não desqualificariam um trabalho de história oral só por não ser arquivado publicamente: “Eu estou sugerindo que não abordemos as entrevistas com um checklist de critérios que definem o que conta como história oral e o que não conta, deixando assim de se engajar com trabalhos sérios que estejam fora de arquivos” (p. 262).

Da mesma forma, as características apontadas aqui como distintivas da história oral não possuem a pretensão de formar um checklist para que se possa classificar o que é história oral do que não é. Como argumentado anteriormente, existe uma variedade de abordagens que utilizam o método, de diferentes tradições epistemológicas, como lembra Amado (2000)Amado, J. (2000). Nós e o espelho. In V. Alberti, T. M. Fernandes, M. M. Ferreira (Orgs.), História oral: Desafios para o século XXI (pp. 104-112). Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz.:

Temos trabalhado nas universidades e fora delas. Temos quem considere a história oral uma técnica, quem a compreenda como uma metodologia, quem a tome por uma disciplina. Temos os interessados apenas nas informações que as entrevistas revelam, temos os interessados nas suas representações, no campo do simbólico, temos os interessados em ambas as dimensões... O “inventário das diferenças”, como já o denominou Marieta de Moraes Ferreira, seria quase inesgotável. (p. 111)

No entanto, para fazer justiça à sua historiografia, destacamos aqui as características que refletem de alguma forma a trajetória da abordagem e que a tornaram bastante peculiar em relação ao método histórico tradicional e a outras abordagens qualitativas e biográficas. E argumentamos que essas características podem trazer à virada histórica na administração um novo passo em relação ao que se entende do passado.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos apresentar algumas contribuições da história oral para o entendimento acerca do passado nos estudos organizacionais e buscamos argumentar por um uso da abordagem que não só a diferencie de estratégias e métodos qualitativos usados na pesquisa organizacional, como a entrevista em profundidade e o estudo de caso e a própria história de vida, mas que se engaje com a historiografia oral. Tomando a história oral como entre o método e a disciplina ou como abordagem teórico-metodológica, há uma grande possibilidade de construção de pesquisas reorientacionistas que façam com que a fusão entre a pesquisa histórica e a organizacional traga um melhor entendimento sobre o passado e sobre as teorias organizacionais. Desse modo, acreditamos que a história oral possibilite diversos caminhos para que a administração incorpore, de fato, a virada histórica.

Das formas de se estudar o passado organizacional, a história oral tem sido a menos usada por teóricos organizacionais. Há um grande potencial, assim, para que a história oral contribua para a pesquisa organizacional especialmente no que Decker et al. (2021)Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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chamaram de história organizacional retrospectiva, voltada a relatos sobre o passado de grupos marginalizados que tragam o significado que esses grupos atribuem a eventos históricos. De acordo com os autores, “a história organizacional retrospectiva desafia noções existentes de como o passado organizacional pode ser pesquisado por meio do emprego de métodos retrospectivos comumente associados com a memória, mas em conjunto com a história” (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74 (8). doi:10.1177/0018726720927443
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, p. 17-18).

Particularmente, além de trazermos o potencial do history-telling como forma de entendimento sobre o passado, queremos destacar a relação entre história e memória como uma das principais contribuições que a história oral pode trazer à administração e, mais especificamente, aos estudos organizacionais. Não uma memória instrumental direcionada para o processo de tomada de decisão, gestão de informações ou aprendizagem organizacional, como costumam ser os estudos em memória organizacional, mas sim, uma memória social e coletiva que traga os principais debates dos campos da história e da sociologia para dentro dos estudos organizacionais (Rowlinson, Booth, Clark, Delahaye, & Procter, 2010). Nesse sentido, em detrimento da busca pela verdade histórica, o estudo da memória coletiva – e coletada – se concentra na forma como lembramos tanto como integrantes de comunidades mnemônicas quanto como praticantes em constante dinâmica interacional (Olick & Robbins, 1998)Olick, J. K., Robbins, J. (1998). Social memory studies: From “collective memory” to the historical sociology of mnemonic practices. Annual Review of Sociology , 24 (1), 105-140. doi:10.1146/annurev.soc.24.1.105
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. Assim, o que lembramos, ou esquecemos, como membros de uma coletividade e/ou uma organização, pode enunciar pistas sobre significados, mitos e sistema de valores compartilhados por meio de um history-telling .

Outra possível contribuição seria no sentido de problematizar, por meio da história oral, a apropriação instrumental da memória pelas empresas como forma de construção de identidade organizacional. O recente aumento no número de construção de projetos de história e memória empresarial nos colocam questões sobre o uso estratégico da memória como verdade. Mas é a verdade de quem? Como argumentam Costa e Saraiva (2011)Costa, A. S. M., Saraiva, L. A. S. (2011). Memória e formalização social do passado nas organizações. Revista de Administração Pública , 45 (6), 1761-1780. doi:10.1590/S0034-76122011000600007
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: “Discutir a apropriação da memória pelas empresas significa resgatar a perspectiva histórica e problematizar a opção dos gestores das organizações a respeito do que lembrar — e do que esquecer” (p. 1764). O próprio projeto de construção de memória organizacional e sua operacionalização nos parece ser um interessante objeto de estudo: não o que emerge como resultado, mas o que foi silenciado, o que se escolheu não mostrar, o processo de disputa pela versão escolhida. Processo que muito tem a dizer sobre os símbolos, as ideias, os significados em disputa e cotidianamente negociados em uma sociedade. Como desdobramento, a história oral pode contribuir para a área trazendo à tona as memórias de grupos sociais (e organizacionais) subalternos, silenciados e marginalizados. Pela história oral pode-se visibilizar a vida cotidiana, os costumes e os valores dos grupos tradicionalmente excluídos da história oficial.

Por outro lado, a história oral está associada ao retorno do indivíduo como sujeito participante da história, tendo poder de agência ainda que dentro de uma rede histórica limitante. Ao contrário da memória coletiva mais estrutural, referente a comemorações, discursos públicos e narrativas sobre o passado de uma coletividade (Olick & Robbins, 1998Olick, J. K., Robbins, J. (1998). Social memory studies: From “collective memory” to the historical sociology of mnemonic practices. Annual Review of Sociology , 24 (1), 105-140. doi:10.1146/annurev.soc.24.1.105
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), a história oral e métodos biográficos como a história de vida trazem a possibilidade de se entender como a memória individual se conecta à social, já que o indivíduo só lembra como parte de um grupo, embora com vivências particulares (Motta, 2000)Motta, M. D. S. (2000). O relato biográfico como fonte para a história. Vidya , 19 (34), 101-122. doi:10.37781/vidya.v19i34.519
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. Para a análise organizacional, os relatos biográficos podem servir como fonte histórica para se captar o “imaginário, as representações, a memória coletiva, os mitos e as mitologias” (Motta, 2000, pMotta, M. D. S. (2000). O relato biográfico como fonte para a história. Vidya , 19 (34), 101-122. doi:10.37781/vidya.v19i34.519
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, p. 8) existentes dentro das organizações.

Como desdobramento, outra importante contribuição para a virada histórica dos estudos organizacionais e interessante avenida de pesquisa refere-se aos estudos da narrativa (Rowlinson et al., 2010Rowlinson, M., Booth, C., Clark, P., Delahaye, A., Procter, S. (2010). Social remembering and organizational memory. Organization Studies , 31 (1), 69-87. doi:10.1177/0170840609347056
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). Keulen e Kroeze (2012b), por exemplo, argumentam que a virada história nos estudos organizacionais pode ocorrer por meio da nova história cultural, uma vez que esta enfatiza “o estudo do simbólico e do simbolismo, da invenção das tradições e do retorno da narrativa” (p. 175). A compreensão da linguagem gerencial através de suas narrativas também pode revelar aspectos pouco explorados sobre as organizações, como em situações de mudanças organizacionais, na construção e manutenção da imagem e reputação organizacional. Assim, com a análise das narrativas, sejam de vozes excluídas ou privilegiadas, os estudos organizacionais podem dar um passo a mais em direção à incorporação da história em suas práticas epistemo-metodológicas.

Por último, uma grande contribuição da história oral pode ser a promoção da prática de constituição de acervos públicos de depoimentos e testemunhos orais. Na área de estudos organizacionais, por exemplo, não existe a preocupação por parte dos pesquisadores (ou de grupos de pesquisas) no compartilhamento de suas fontes. As práticas de história oral podem contribuir para a alteração desse quadro, inspirando a criação de fontes públicas, visibilizando fontes ocultas e enriquecendo o diálogo e o trabalho compartilhado.

Agradecimentos

As autoras agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) e aos revisores anônimos da O&S pelos comentários.

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  • Financiamento: As autoras não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Josiane Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2020
  • Aceito
    13 Jan 2021
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