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Repensando os Estudos Fronteiriços: Participação e Inovação Social no Desenvolvimento das Zonas de Fronteiras

Resumo

O estudo sobre as formas emergentes de engajamento público e ação coletiva é crucial para entender as dinâmicas democráticas em curso, a cidadania e a constituição dos problemas públicos da cidade. Para reconhecer como o campo dos estudos fronteiriços é inseparável dos processos de experiência dos atores, o presente estudo foca a importância do ecossistema de inovação social (EIS) para o desenvolvimento das zonas de fronteira. Revisita, especificamente, os principais instrumentos de gestão pública e política de desenvolvimento das fronteiras para dar ênfase às figuras da sociedade civil e a suas mobilizações coletivas na fronteira Brasil-Bolívia, reconhecendo as iniciativas de inovação social e os principais desafios que elas buscam resolver. Esse caminho de investigação pública permitiu compreender a dimensão territorial das fronteiras e ampliar o seu sentido como um espaço de vida ao dar luz às práticas dos atores, identificando como eles se mobilizam para reparar as desigualdades socioambientais.

estudos fronteiriços; ecossistemas de inovação social; ação pública; pragmatismo; cidades

Abstract

The study of emerging forms of public engagement and collective action is crucial for understanding the ongoing democratic dynamics, citizenship, and the constitution of the city's public problems. To recognize how the field of frontier studies is inseparable from the processes of experience of actors, this study focuses on the importance of the social innovation ecosystem (SIE) for the development of frontier zones. Specifically, this study revisits the main instruments of public management and border development policies to emphasize figures of civil society and their collective mobilizations on the Brazil-Bolivia border, recognizing social innovation initiatives and the main challenges they seek to solve. This path of public investigation allowed us to understand the territorial dimension of borders and expand their meaning as a living space by giving light to the actors' practices, identifying how they mobilize to repair socio-environmental inequalities.

border studies; social innovation ecosystems; public action; pragmatism; cities

Introdução

O estudo sobre a gestão pública e o desenvolvimento territorial fronteiriço 1 1 . Esse termo também é encontrado como “desenvolvimento territorial nas fronteiras”, ou “zonas de fronteira”. Zona, no sentido de uma faixa que concentra habitantes, moradias, lazer, educação, atividades econômicas etc. Aqui optamos por DTF, dialogando com o paradigma do desenvolvimento territorial. (DTF) tem mobilizado um segmento expressivo de pesquisadores no plano nacional e internacional. No Brasil, por exemplo, tal interesse se revela principalmente pela oferta de um curso de mestrado profissional em estudos fronteiriços (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), pela criação de centros de pesquisa, como a Unbral Fronteiras 2 2 . Portal de acesso aberto das universidades brasileiras sobre limites e fronteiras. Cf.: https://bit.ly/2ztIAam , e pela realização de eventos científicos dedicado ao tema. Esses estudos inscrevem-se em um movimento mais amplo da renovação geográfica, com a amplificação de seu escopo para a interdisciplinaridade e interculturalidade, que vem fomentando diversas abordagens de fronteira (Costa & Oliveira, 2012Costa, G. V., Oliveira, M. A. (2012). Mestrado interdisciplinar em estudos fronteiriços/UFMS: perspectivas, discussões e pesquisas. Revista NUPEM , 4 (6), 27-44. Recuperado de https://bit.ly/3ulxP0v
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). A relevância dessa temática ganhou tamanha valorização nas últimas décadas que conquistou espaço na esfera pública através de programas e políticas públicas que visam promover a gestão, o ensino e o desenvolvimento nas zonas de fronteira. Contudo, o termo “estudos fronteiriços” ainda é negligenciado, não compondo, por exemplo, um campo de estudos nas bases de dados científico-nacionais (Cardin & Albuquerque, 2018)Cardin, E. G.,& Albuquerque, J. L. (2018). Fronteiras e deslocamentos. Revista Brasileira de Sociologia , 6 (12), 114-131. doi:10.20336/rbs.236
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. Mas, pelo contrário, não passando de estereótipo. Portanto, negligenciável quando da elaboração de políticas públicas pelos governos centrais.

Focando nosso olhar nas zonas fronteiriças da América Latina, observamos que todos os países passaram por regimes ditatoriais. Resguardando as diferenças próprias, as histórias desses países transitam por um caminho comum, sintetizado em período colonial, lutas pela independência, formação de repúblicas, ditaduras e processos de redemocratização. A difícil construção da democracia na América Latina é constantemente marcada por novos dilemas e problemas públicos, que configuram novas necessidades e realidades. A vontade que a democracia se consolide é enorme (Zaverucha, 2009Zaverucha, J. (2009). Fragilidade da democracia e do Estado de direito no Brasil. In J. A. T. Santos (Org.), Democracia, violência e lutas sociais na América Latina (pp. 47-66). Porto Alegre, RS: Editora da UFRGS.) e, nas fronteiras, é sempre questionada. Mais recentemente, forjada numa era de epidemia de muros 3 3 . Refere-se à questão dos imigrantes e refugiados. Em 2019, iniciou-se a construção do muro na fronteira EUA-México, além do muro invisível constituído pelas barreiras que os países impõem a inúmeras pessoas que tentam entrar em seus territórios fugindo da miséria, da violência e da perseguição, como acontece na Europa. , pelo avanço do conservadorismo de extrema direita (como no Brasil), pelo estereótipo da mídia sobre as fronteiras (Espírito Santo, 2018Santo, A. L. (2018). O uso de fotografias e vídeos em pesquisa qualitativa: em busca de um novo olhar sobre os territórios fronteiriços. Revista ADM.MADE , 22 (2), 3-34. doi:10.21714/2237-51392018v22n2p013034), pela incapacidade do Estado de lidar com os problemas locais, de estimular a participação popular (Souza, 2006Souza, M. L. (2006). A prisão e a ágora: Reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades . Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil.) e, por suas ideias frívolas, em planejar o desenvolvimento nas fronteiras (Krüger, Dantas, Castro, Passador, & Caldana, 2017).

Superar estes problemas é parte central do processo de desenvolvimento, pois, ainda temos 184 milhões de pessoas que vivem na pobreza e o avanço para da extrema pobreza, que já atinge 62 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe (“Cepal prevê aumento da pobreza na América Latina e Caribe em 2019”, 2019). Logo, defendemos ser através de uma democracia deliberativa e participativa (Cefaï, 2007Cefaï, D. (2007). Porquoi se mobilise-t-on? les théories de l’action collective . Paris: La Découverte.) que tais problemas poderão ser tratados diante de vastos repertórios e a eles expostos, com vistas a se encontrar a devida solução. A democracia nas zonas fronteiriças da América Latina deveria ser a expressão da liberdade ou, como expôs Sen (2000)Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade . São Paulo, SP: Companhia das Letras., a liberdade deve ser o principal meio para o desenvolvimento, tais como liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. Esses elementos são essenciais para se repensar a integração e o desenvolvimento da fronteira. No entanto, as políticas públicas e demais formas de regulação social são em geral e em grande parte idealizadas pelos governos centrais (Machado, 1998Machado, L. O. (1998). Limites e fronteiras: Da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade. Revista Território . 8 (1), 9-29.), como ainda o faz o governo brasileiro, sem a participação maciça da sociedade civil nesse processo, focando, principalmente, a temática da segurança pública e acordos comerciais.

Os desafios democráticos dos países em suas zonas fronteiriças são muitos e profundos. Analisando as políticas públicas criadas pelos governos centrais (Krüger et al., 2017Krüger, C., Dantas, M. K., Castro, J. M., Passador, C. S.,& Caldana, A. C. (2017). Análise das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de fronteira brasileira. Ambiente & Sociedade , 20 (4), 41-62.doi:10.1590/1809-4422asoc0005r1v2042017
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), pode-se concluir que na fronteira a “democracia” é confundida com “segurança pública”, afinal, esse é foco principal da agenda. Todavia, essa temática é pensada para todo território nacional, cujo objetivo mais imediato é impedir, dentre outras questões, que a droga e demais entorpecentes cheguem aos grandes centros (Espírito Santo, 2018Santo, A. L. (2018). O uso de fotografias e vídeos em pesquisa qualitativa: em busca de um novo olhar sobre os territórios fronteiriços. Revista ADM.MADE , 22 (2), 3-34. doi:10.21714/2237-51392018v22n2p013034). Ou seja, não é uma política que diretamente incide na qualidade de vida das pessoas que vivem na fronteira 4 4 . Este artigo percebe a fronteira a partir dos estudos de Nogueira (2007), especificamente a “fronteira vivida” – tipo de fronteira que apresenta mais significado para a sociedade que está na fronteira, pois reflete e remete aos seus cotidianos. Cf. Nogueira, R. J. B. (2007). Fronteira: Espaço de referência identitária? Revista Ateliê Geográfico, 1 (2), 27-41. doi:10.5216/ag.v1i2.3013 .

Por isso, concordamos com a corrente que acredita na valorização das experiências e práticas locais, mesmo que imperfeitas e incompletas, como alvorada fundamental para a transformação dessa realidade (Addor, 2018Addor, F. (2018). Reflexões sobre democracia participativa na América Latina. Revista de Administração Pública , 52 (6), 1108-1124. doi:10.1590/0034-761220170131; Andion, Alperstedt, & Graeff, 2020; Andion, Ronconi, Moraes, Gonsalves, & Serafim, 2017). Argumentaremos nas próximas seções que o grande desafio é construir objetos de intervenção pública através de ação pública (Lascoumes & Le Galès, 2012)Lascoumes, P.,& Le Galès, P. (2012). Sociologia da ação pública . Maceió, AL: Edufal., terminologia que busca romper com a unicidade do Estado e sua centralização de decisão, dando visibilidade aos desafios da cidade e aos esforços dos atores para resolvê-los, promovendo uma cogestão participativa no que tiver que ser enfrentado.

Por participação compreende-se mais do que simplesmente as operações dos atores nas decisões públicas. Admitimos que possam equivaler a participar de mundos de significados, feitos através das ações dos micropúblicos (Cefaï & Terzi, 2012Cefaï, D.,& Terzi, C. (2012). L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes.). Nessa lógica, a intervenção pública ocorre através dos atores e de sua participação social – ponto fundamental para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática. Cabe a nós, pesquisadores, aprender mais sobre as diferentes formas de experiência pública, destacando os vários modos de ver e dizer dos atores para que se amplifiquem os eixos de desenvolvimento na fronteira, além da necessária segurança pública (como saúde, meio ambiente, educação, turismo, lazer e outros) e que se idealize uma qualidade de vida nessa região.

Estamos de acordo com Addor (2018)Addor, F. (2018). Reflexões sobre democracia participativa na América Latina. Revista de Administração Pública , 52 (6), 1108-1124. doi:10.1590/0034-761220170131 sobre a necessidade de se promover “um movimento político local que permita aos habitantes o resgate das suas utopias” (p. 1117). Porém, operacionalizamos essa visão a partir das contribuições de Andion et al. (2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R., Gonsalves, A., Serafim, L. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: Uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública . 51 (3), 369-387. doi:10.1590/0034-7612143195
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, 2020Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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) que defendem a identificação e a análise dos ecossistemas de inovação social (EIS) promovidos pela ação coletiva da sociedade civil na esfera pública sob a ótica pragmatista. As inovações sociais são novas ideias e práticas que surgem da mobilização de uma rede de atores que procuram responder a diferentes problemas públicos, como a qualidade de vida, a garantia de direitos, o combate à pobreza e à exclusão social (Espírito Santo & Andion, 2020Santo, A. L., Andion, C. (2020). Imigração e cidades: uma cartografia da arena pública de apoio aos imigrantes e refugiados em Florianópolis. Interações, 21 (2), 1-23. doi:10.20435/inter.v21i4.2717
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). É um termo que vem ganhando força e maior atenção, tanto na literatura acadêmica quanto no discurso público. Uma razão importante para isso são o maior envolvimento e a participação da sociedade civil nessa forma de inovação. Trata-se de colocar em prática a ênfase na ação dos atores para que se mantenha aceso o espírito democrático (Dewey, 1939)Dewey, J. (1939). Democracia criativa : A tarefa diante de nós . Recuperado de https://bit.ly/2WLLP6A
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, buscando compreender a relação entre a ação coletiva empreendida pelos atores com a cidade e a sustentabilidade (Lévesque, 2009Lévesque, B. (2009). Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustentável: Elementos teóricos de sociologia econômica e de socioeconomia. Política & Sociedade , 8 (14), 107-144.doi:10.5007/2175-7984.2009v8n14p107
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; McPhearson, Andersson, Elmqvist, & Frantzeskak, 2015; Wolfram & Frantzeskaki, 2016)Wolfram, M.,& Frantzeskaki, N. (2016). Cities and systemic change for sustainability: Prevailing epistemologies and an emerging research agenda. Sustainability,8 (144), 1-18. doi:10.3390/su8020144
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. A experimentação democrática (Ansell, 2012Ansell, C. (2012). What is a democratic experiment? Contemporary Pragmatism , 9 (2), 159-180.doi:10.1163/18758185-90000235; Dewey, 1938)Dewey, J. (1938). The theory of inquiry . New York: Holt, Rinehart & Wiston. é um desses métodos utilizado para entender a democracia na prática através da experiência e a ação dos atores no território 5 5 . Contudo, no Brasil, até o momento da finalização deste trabalho, a inovação social ainda não é um tema tratado em zonas de fronteira. Essa lacuna de pesquisa motivou a realização desse estudo. .

Diante desta problematização, buscamos contribuir com as reflexões feitas no campo dos estudos fronteiriços respondendo a seguinte questão: qual a importância de se reconhecer o EIS para o fortalecimento democrático das zonas de fronteira e, de forma mais específica, objetivamos: (a) revisitar e identificar lacunas nos principais instrumentos de gestão pública e política de desenvolvimento das fronteiras para dar ênfase à ação dos atores e suas mobilizações; (b) ampliar a compreensão da fronteira e mostrar as contribuições do pragmatismo e sua associação aos estudos do EIS; (c) apresentar a composição do EIS na fronteira Brasil-Bolívia, destacando as diferentes iniciativas e os problemas públicos a que elas buscam responder.

Este trabalho traz os primeiros levantamentos realizados na zona fronteiriça Brasil-Bolívia, especificamente nas cidades de Corumbá e Ladário (MS) do lado do Brasil, e, do lado da Bolívia, de Puerto Suarez e Puerto Quijarro, na província Germán Busch, departamento de Santa Cruz, uma conurbação com aproximadamente 160 mil habitantes. Nessa fronteira, como em boa parte das fronteiras do Brasil, os principais problemas podem ser resumidos em integração e desenvolvimento, pois a integração não é uma prioridade da agenda do poder público brasileiro (Oliveira et al., 2017Oliveira, S., Pêgo, B., Moura, R., Krüger, C., Nunes, M.,& Moreira, P. (2017). Fronteiras do Brasil: Uma síntese dos trabalhos da oficina de Brasília . Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.), que foca as suas políticas de desenvolvimento principalmente no tráfico de drogas e outros ilícitos. O tráfico faz parte da paisagem fronteiriça e deve ser combatido (Espírito Santo, 2018Santo, A. L. (2018). O uso de fotografias e vídeos em pesquisa qualitativa: em busca de um novo olhar sobre os territórios fronteiriços. Revista ADM.MADE , 22 (2), 3-34. doi:10.21714/2237-51392018v22n2p013034). Todavia, a ideia de desenvolvimento precisa ser esmerilhada e idealizada diante de uma realidade social e como uma opção política.

Este artigo está estruturado em oito partes. Partimos desta introdução e do procedimento metodológico para apresentar três seções teóricas que trazem a gestão e o desenvolvimento nas zonas de fronteira, o campo dos estudos fronteiriços e as contribuições do ecossistema de inovação social sob a ótica pragmatista para desse campo. Depois, apresentaremos os principais problemas públicos e a composição do EIS que vêm buscando promover a mudança social na sua área de atuação. Encerramos com as considerações finais e a indicação das referências utilizadas neste estudo.

Desenho da pesquisa

Iniciamos este trabalho (teórico-empírico) com um intenso levantamento bibliográfico e documental (relatórios de pesquisas e jornais) sobre as palavras-chave deste estudo. Esse levantamento durou dois anos (2018-2019) para que chegássemos às reflexões aqui apresentadas.

Com relação à compreensão da inovação social, à formação de EIS e sua inscrição territorial, este trabalho se inspirou na metodologia do Observatório de Inovação Social de Florianópolis (Obisf), plataforma digital e colaborativa que mapeia as redes de inovação social que se mobilizam em torno dos problemas públicos de Florianópolis (SC), incluindo atores de suporte, iniciativas de inovação social e suas interações.

O Obisf foi criado em 2017 pelos pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina e se insere numa pesquisa composta por quatro momentos principais apresentados na Figura 1: identificação de problemas públicos e inscrição territorial; mapeamento das iniciativas de inovação social e de suporte; etnografia e acompanhamento das experiências; configuração do EIS e incidência na cidade, que, para identificar as inovações sociais em curso no território, interrelaciona três escalas de análise: macro (institucional), meso (ecossistema) e micro (experiências) 6 6 . Este artigo parte de uma série de pesquisas realizadas pelo Núcleo de Inovações Sociais na Esfera Pública ao longo dos 10 últimos anos. Recuperado de https://bit.ly/30nYcXr . Já para maior detalhamento sobre o Obisf, ver Andion et al. (2020). .

Figura 1
Framework

Na sequência (2019-2020), foi iniciado a cartografia das iniciativas de inovação social e de suporte presentes nessa fronteira, o que permitiu identificá-las, perceber interações entre si e reconhecer os principais problemas públicos que elas buscam resolver (momento 1 e 2 da Figura 1 ). Esse mapeamento ocorreu através de dados secundários (relatórios de pesquisas e documentais). Também fomos rastreando outras iniciativas, uma após outra, a partir de seu próprio site, no qual se indicam seus parceiros (iniciativas ou atores de suporte), na sua rede social (Instagram ou Facebook) ou através de conversas informais com os gestores de algumas dessas iniciativas. Uma vez identificadas, foi possível levantar sua área de atuação, por exemplo: Instituto da Mulher Negra de Corumbá; área de atuação: gênero e vulnerabilidade racial e social. Ao reconhecer a sua área foi possível correlacioná-la a um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas. (2015). Agenda 2030. 17 objetivos para transformar o mundo. Recuperado de https://bit.ly/3hhgDoH
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).

Ao contrário do Obisf, que conta com uma plataforma digital para cadastrar seus dados, nós ainda não possuímos tal recurso. Utilizamos, por isso, a ferramenta do Google Maps para cartografar o EIS, pois esta pesquisa é o primeiro passo de um projeto mais amplo: um Núcleo de Estudos de Inovação Social da Fronteira, fruto desta pesquisa e com lançamento previsto para 2021. O que se pretende com o projeto, através e depois de uma investigação pública, é compreender como os atores se mobilizam para constituir um público e em que medida suas ações e experiências incidem no território ou o afetam.

Epistemologicamente, a leitura de todos esses dados é embasada na corrente da sociologia dos problemas públicos de base pragmatista (Andion et al., 2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R., Gonsalves, A., Serafim, L. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: Uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública . 51 (3), 369-387. doi:10.1590/0034-7612143195
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; Andion et al., 2020Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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; Cefaï, 2009Cefaï, D. (2009). Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social,2 (4), 11-48. Recuperado de https://bit.ly/34gYfGe
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; Cefaï & Terzi, 2012Cefaï, D.,& Terzi, C. (2012). L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes.), perfazendo um diálogo com a temática da inovação social e a experimentação democrática (Ansell, 2012Ansell, C. (2012). What is a democratic experiment? Contemporary Pragmatism , 9 (2), 159-180.doi:10.1163/18758185-90000235; Shields, 2008)Shields, P. M. (2008). Rediscovering the taproot: Is classical pragmatism the route to renew public administration?. Public Administration Review , 68 (2), 205-221. doi:10.1111/j.1540-6210.2007.00856.x para explorar as possibilidades de novas formas de organização e de se repensar a política através da capacidade crítica dos atores, de suas práticas e participação, compreendendo como a ação se inscreve no território fronteiriço.

Cenário e debate científico-político sobre gestão e desenvolvimento das fronteiras

Quando pensamos o desenvolvimento e a gestão pública nas fronteiras, o cenário é bem delicado. Inicialmente, cabe reconhecer o tamanho do desafio. Estamos falando de um país que possui 15.719 km de faixa de fronteira 7 7 . Faixa de Fronteira possui 150 km de largura paralelamente à linha divisória terrestre do território nacional. Surgiu a partir da Lei nº 6.634/1979, regulamentada pelo Decreto nº 85.064/1980, cujo teor foi ratificado pela Constituição Federal de 1988, no §2º do artigo 2°: “Cadastro dos municípios brasileiros com área total ou parcialmente localizada na Faixa de Fronteira”. (FF), que confina com dez países da América do Sul, envolvendo 588 municípios brasileiros, dos quais 121 fazem divisa direta com outros países, ou seja, são considerados fronteiriços e estão distribuídos em 11 estados brasileiros. Nesta faixa, temos uma população estimada em 10 milhões de habitantes, sendo que o Acre possui o maior número de habitantes situados na FF (43%), seguido de Rondônia (38%), de Roraima (22%) e do Mato Grosso do Sul (12%) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2018). IBGE Cidades – Corumbá. Panoramas . Recuperado de https://bit.ly/2ZEoZzK
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).

Historicamente, as fronteiras do Brasil não constituíram prioridades para as políticas públicas (Machado, 1998Machado, L. O. (1998). Limites e fronteiras: Da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade. Revista Território . 8 (1), 9-29.), tendo apresentado, ao longo do tempo, diferentes interesses, prevalecendo para o desenvolvimento implantado um modelo hegemônico, como ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970, quando a denominada Marcha para o Oeste objetivava novas formas de acumular e expandir o capitalismo em direção ao Sul, ao Centro-Oeste, à Amazônia e fronteiras, o que provocou profundas transformações e conflitos sociais nas regiões de expansão econômica (Cardin & Albuquerque, 2018Cardin, E. G.,& Albuquerque, J. L. (2018). Fronteiras e deslocamentos. Revista Brasileira de Sociologia , 6 (12), 114-131. doi:10.20336/rbs.236
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). As décadas de 1970 a 1980 também foram permeadas por um flagrante gap dos ideais fordistas (Lipietz, 1991)Lipietz, A. (1991). Audácia: Uma alternativa para o século 21 . São Paulo, SP: Nobel., ou seja, de progresso econômico, social e político, e a situação da maioria da população, caracterizada por uma enorme ampliação das desigualdades em escala planetária (Sachs, 2009)Sachs, I. (2009). Caminhos para o desenvolvimento sustentável . Rio de Janeiro, RJ: Garamond.. Pretendia-se implantar nessas áreas a modernização do campo com a transferência para o meio rural de técnicas produtivas e inovações tecnológicas por sua prerrogativa de promover o crescimento econômico e a geração de emprego. O resultado, porém, agravou ainda mais a situação da maioria da população dessas áreas.

Para Machado (1998)Machado, L. O. (1998). Limites e fronteiras: Da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade. Revista Território . 8 (1), 9-29., o desinteresse governamental no decorrer das décadas de 1980-90 - somado ao afastamento geográfico, à dominância do setor primário, à infraestrutura insuficiente, à baixa qualidade dos serviços públicos, aos problemas relacionados à pobreza, à segurança pública, ao tráfico de drogas e demais ilícitos - agravou ainda mais a situação da população que vivia nas áreas fronteiriças. Nos anos 1990, o aumento das políticas de blocos de desenvolvimento surgiu com o objetivo de integrar mais os Estados nacionais. A formação da União Europeia (1993), por exemplo, buscou discutir esforços de cooperação para racionalizar a produção europeia e fomentar a diluição das fronteiras, unificando a moeda, ampliando o roaming 8 8 . Conceito usado na telefonia móvel relacionado à transmissão de dados (enviar e receber) através de redes móveis, neste caso, sem limites internacionais, ou tarifação internacional. , ou a mobilidade e suas possibilidades, o turismo e outros. No caso do Mercosul, que parecia seguir uma trajetória europeia, as consolidações de suas estratégias, formas de cooperação e outros dispositivos jurídico-administrativos adotados para discutir as estruturas econômicas, sociais e ambientais, se concentraram, principalmente, no viés econômico e na segurança nacional.

As transformações econômicas, sociais e ambientais trouxeram a necessidade de uma reforma do Estado e de sua administração pública para o centro da agenda política (Andion, 2012Andion, C. (2012). Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR , 10 (1), 1-19. Recuperado de https://bit.ly/3hQHPMR
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). O regime democrático e participativo foi, em sua maioria (Uruguai, Brasil, Argentina, Equador, México e outros), o modelo proeminente de organização (Sen, 2000Sen, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade . São Paulo, SP: Companhia das Letras.; Zaverucha, 2009Zaverucha, J. (2009). Fragilidade da democracia e do Estado de direito no Brasil. In J. A. T. Santos (Org.), Democracia, violência e lutas sociais na América Latina (pp. 47-66). Porto Alegre, RS: Editora da UFRGS.). Assim, as transformações político-administrativas da primeira década dos anos 2000 foram realizadas na forma de organizar o Estado, a economia nacional e as práticas administrativas através do interesse público e de sua participação, o que Sen chamou de “processo de expansão das liberdades” por possibilitar às pessoas desfrutar de suas liberdades políticas e civis através da participação, do engajamento e da mobilização social nas decisões políticas. “A discussão pública e a participação é, portanto, central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática” (Sen, p. 170).

Apesar de o século XX ter sido um período de conquistas excepcionais no que tange ao desenvolvimento e ao crescimento econômico dos países latinos, sobretudo nos seus últimos vinte anos, à medida que se aproximava o fim desse século, os países se depararam com problemas (exemplo, o da extrema pobreza) que imaginavam que iriam superar através dos modelos e políticas públicas implantados no período. Os enormes triunfos materiais e sociais conquistados após a redemocratização desses países não foi suficiente para conter o retorno da política neoliberal neste século (XXI) ao centro da liderança, da elaboração de planos e reformas administrativas, do papel das agências reguladoras e dos modelos de desenvolvimento, como o em voga no Brasil — além dos processos de impeachment e golpe de Estado, quando da derrubada de presidentes democraticamente eleitos. Quer dizer, o interesse público, a participação e a democracia ainda constituem um desafio para os países latinos (Paes de Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Por uma nova gestão pública . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

Em anos mais recentes, novas discussões, como a inscrição territorial e ecológica dos processos de desenvolvimento, vêm sendo propostas como alternativas no sentido de promover novos estilos e dinâmicas mais sustentáveis e inclusivas em termos de desenvolvimento (Lévesque, 2009Lévesque, B. (2009). Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustentável: Elementos teóricos de sociologia econômica e de socioeconomia. Política & Sociedade , 8 (14), 107-144.doi:10.5007/2175-7984.2009v8n14p107
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; Sachs, 2009Sachs, I. (2009). Caminhos para o desenvolvimento sustentável . Rio de Janeiro, RJ: Garamond.). Os projetos implantados pelo Estado, principal agente de desenvolvimento, são determinantes para o desenvolvimento territorial através da promoção, da integração e do ordenamento das fronteiras. Dessa forma, a fronteira tornou-se objeto de estudo de inúmeros pesquisadores que buscam compreender o desenvolvimento nessas regiões.

Como está configurado o campo de estudos da gestão pública e do desenvolvimento dos territórios fronteiriços?

Não pretendemos levantar todos os projetos implantados nas fronteiras. O percurso foi definido a partir das nossas perspectivas teórico-metodológicas, dialogando com as teorias de desenvolvimento. Outros caminhos, porém, são possíveis. Por isso, analisamos os cinco principais instrumentos 9 9 . Entendemos “instrumentos de gestão pública” como qualificado por Kleba, Comerlatto e Frozza (2015): “diretrizes e parâmetros estabelecidos em documentos, a exemplo de leis, políticas ou planos, que se constituem em instrumentos para nortear e qualificar a gestão democrática das políticas públicas” (p. 1059). utilizados por pesquisadores e políticos, buscando lacunas 10 10 . A análise desta etapa se inspirou no trabalho de Ricardo Abramovay (2006) para categorizar os trabalhos que associam a fronteira ao desenvolvimento territorial. .

  1. Acordos de cooperação transfronteiriços: entendam-se tais acordos como cooperação, que é o ato de firmar alianças estratégicas entre diferentes atores e países contíguos com o objetivo de estimular e reforçar o processo de integração regional. Assim, a transfronteirização ocorre quando as ações diversas dos atores (estatais e privados) ultrapassam os limites territoriais e fortalecem a integração supranacional (Carneiro Filho, 2016). As experiências implantadas na FF do Brasil objetivam impulsionar, principalmente, o desenvolvimento das infraestruturas viárias, energéticas e de telecomunicações, o comércio internacional, as migrações, o turismo e a defesa do território. Diversos dispositivos vão legitimar o acordo de cooperação, como tratados, acordos, consórcio, dentre outros. Um exemplo é a experiência do Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF), firmado entre as cidades do Brasil – Barracão (PR) e Dionísio Cerqueira (SC) – e da Argentina – Bernardo de Irigoyen. Trata-se de uma cooperação que busca a gestão do território por meio de quatro estratégias de desenvolvimento: educação, turismo, agroecologia e produtos locais. Essas estratégias são criadas e firmadas pelo executivo e legislativo municipais (Consórcio Intermunicipal de Fronteira, 2020Consórcio Intermunicipal de Fronteira (2020). Recuperado de https://bit.ly/3rja5tw
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    ). Angnes, Mattos, Klozovski e Sturm (2013) informam que grande parte dos objetivos do CIF foi ou está sendo alcançada. O que, porém, chamou a atenção deles e a nossa é que, apesar de todo o sucesso, a “participação cidadã”, que até possui espaço no site institucional do CIF, não tem nenhuma ação apresentada ou realizada.

  2. Políticas públicas: Krüger et al . (2017) identificaram e analisaram, neste segundo item, as principais políticas públicas para o desenvolvimento da FF brasileira. Segundo os autores, a partir do ano 2000, a maioria delas foram implantadas e elaboradas pelo governo central. Elas pretendem promover o desenvolvimento e o ordenamento da região através da geração de emprego e renda, turismo, educação, saúde, atividades culturais e preservação do meio ambiente, além, é claro, de políticas para reduzir a criminalidade e diferentes tráficos. Nenhuma delas, entretanto, trata especificamente da inovação social. Na análise dos autores, chama a atenção o contraste entre o discurso de promoção do desenvolvimento sustentável na fronteira e as ações implementadas, pois não houve uma integração e equilíbrio entre as iniciativas em várias esferas, como a ambiental, a econômica e a social. Contraditoriamente, a dimensão associada ao “desenvolvimento econômico” foi a que apresentou o pior desempenho na FF. Foram observados avanços nas dimensões da saúde e educação, mas os autores afirmam que esta evolução é decorrente de políticas de caráter nacional, e não específica de fronteira. Por fim, os autores revelam que boa parte dos municípios da FF apresentou decréscimo dos indicadores relacionados a emprego e renda, contrapondo-se, nessa dimensão, ao cenário observado no país.

  3. Comitês de Fronteira: Espírito Santo, Costa e Benedetti (2017) os definem como terceira possibilidade por representarem um espaço de diálogo binacional celebrado em nível federal e chefiado pelo respectivo cônsul de cada país. Neste espaço, diferentes atores (políticos, institucionais, privados) podem participar para discutir sobre um problema local. Seu foco é a agenda local, mas essa acaba sendo definida pelo governo central, como ocorrido entre o Chile e a Argentina, que estabeleceram um comitê com o objetivo de oferecer soluções rápidas para o trânsito de mercadorias e o tráfico de pessoas, veículos e bens. Mesma temática majoritariamente abordada no comitê da fronteira Brasil-Bolívia. É indiscutível a importância dess-a pauta, que precisa de decisões rápidas e eficientes. Entretanto, é indispensável que se faça uso de espaços públicos de representação, negociação e concertação para também permitir uma maior interação da sociedade, além de pautas mais substantivas, como educação, meio ambiente e saúde. Aqui, a “participação”, nos recorda Souza (2006)Souza, M. L. (2006). A prisão e a ágora: Reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades . Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil., que questiona as “experiências ditas participativas”, pois, apesar de as decisões serem locais, ainda são centralizadas nos diversos setores da administração pública (neste caso, no cônsul, nos prefeitos e secretários e, não raro, em alguns experts ). Ou seja, o planejamento e a gestão pública não são democratizados e o exercício da participação é mitificado.

  4. Iniciativas isoladas e projetos específicos das zonas de fronteira: os trabalhos que se apoiam nelas se inspiram em abordagens teóricas ou modelos prescritivos para comparar as cidades localizadas nas zonas fronteiriças (projetos específicos), predominando aqui uma abordagem gerencial e economicista do fenômeno, como o realizado por Castro (2012)Castro, E. (2012). Expansão da fronteira: Megaprojetos de infraestrutura e integração sulamericana. Caderno CRH , 25 (64), 45-61.doi:10.1590/S0103-49792012000100004. Ao final, os pesquisadores apenas explicam ou detalham um dado projeto e tentam compará-los com outros projetos semelhantes em outras fronteiras, não havendo, então, profundidade de pesquisa.

  5. Estudo empírico dos atores e de suas organizações: poucos são os trabalhos que vão analisar as dinâmicas de desenvolvimento através das ações e práticas dos atores associado à noção de território, valendo-se da fidedigna compreensão de desenvolvimento territorial, como propomos aqui. São estudos como o de Costa e Costa (2015)Costa, E. M.,& Costa, E. A. (2015). Governança territorial em áreas de fronteira . Trabalho apresentado no 7o Seminário de Estudos Fronteiriços. Corumbá, MS. Recuperado de https://bit.ly/3i7WlQD
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    e Conceição e Costa (2017)Conceição, C. A., Costa, E. A. (2017). O principiar da agroecologia na fronteira oeste de Mato Grosso do Sul . Trabalho apresentado no 8o Simpósio Internacional de Geografia Agrária e 9o Simpósio Nacional de Geografia Agrária, Curitiba, PR. Recuperado de https://bit.ly/3hPrWX0
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    , que não se definem por limites físicos e se concentram em apreender a produção da interação social em seu interior, relatando como isso determina a vida na fronteira.

Diante de todo esse cenário científico e político, vemos que o campo de estudos da gestão pública nos territórios fronteiriços segue o campo maior da administração pública, fortemente marcada por uma concepção funcionalista da ciência (Andion, 2012Andion, C. (2012). Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR , 10 (1), 1-19. Recuperado de https://bit.ly/3hQHPMR
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), isso é, são estudos que procuram produzir um conhecimento científico útil para manter o status quo , buscando o equilíbrio, a integração social, a ordem e a estabilidade.

Essas constatações indicam algumas lacunas que podem ser abordadas neste estudo: (a) alguns estudos das fronteiras vieram, ao longo do tempo, forjando a sua importância, o que imprimiu ao termo o rótulo de setorizado, porque, aplicado aos limites do estado nacional, criam estereótipos dessa região e reforçam a sua marginalização (Kaiser, 1998); (b) Esses estudos confundem crescimento econômico com desenvolvimento, porém, o primeiro vai muito além da multiplicação da riqueza material – afinal, o crescimento é uma condição necessária, mas não suficiente (Sachs, 2009Sachs, I. (2009). Caminhos para o desenvolvimento sustentável . Rio de Janeiro, RJ: Garamond.); (c) Reveste-se constantemente de um caráter normativo de pesquisa, na qual “a descrição dos elementos que supostamente explicam o desempenho de algumas áreas acaba sendo tomada por aquilo que não é: uma explicação das causas” (Abramovay, 2006Abramovay, R. (2006). Para uma teoria dos estudos territoriais. In M. Manzanal (Org.). Desarrollo rural: Organizaciones, instituciones y territorios (pp. 27-48). Buenos Aires: Ciccus., p. 30), faltando-lhe um olhar para os fronteiriços (o ator social).

Todos os instrumentos anteriormente comentados são válidos. Porém, devem dar luz ao ator principal: os fronteiriços e suas redes. Por isso, passaremos a argumentar a partir da necessidade de se pensar no desenvolvimento, e, subsequentemente, numa gestão fronteiriça que valorize a heterogeneidade da fronteira e as atividades microcívicas e micropolíticas, no sentido da distribuição dos poderes (Cefaï, 2007Cefaï, D. (2007). Porquoi se mobilise-t-on? les théories de l’action collective . Paris: La Découverte.) das cidades fronteiriças, para reconhecer e valorizar a sociedade civil organizada, estimulando sua participação e permitindo-lhe voz ativa no espaço público.

Amplificando os sentidos de fronteira: a ênfase nos atores

Os estudos fronteiriços tradicionais são um marco da geografia política, tendo como objeto a localização física do limite e sua função protetora da soberania do Estado. Essas análises se diluem e o termo fronteira é analisado com os conceitos de território, territorialidade, soberania, poder e Estado (Bradshaw & Gómez, 1999Bradshaw, R.,& Gómez, R. L. (1999). Fronteras: Una visión teórica en el período contemporáneo . Aldea Mundo,4 (7), 14-19. Recuperado de https://bit.ly/34jnAzn
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). A querela da natureza geográfica do limite passa a ser uma demarcação do campo através do qual os pesquisadores buscam apreender os relacionamentos, o social, as identidades e as culturas das diferentes regiões fronteiriças. Há uma grande ênfase conceitual em suas análises, o que, por vezes, conduz essas pesquisas a certa negligência por criar taxonomias de fronteira, tal qual a fronteira como fim do Estado, ou um território exclusivo de ilícitos (Lasconjarias, 2004)Lasconjarias, G. (2004). Délimiter la frontières. Hypothèses , 1 (8), 77-84. doi:10.3917/hyp.041.0077.

O avanço nas pesquisas, bem como o desenrolar da vida social, permitiu aos estudos fronteiriços adquirir distintas concepções no mundo contemporâneo. O termo fronteira , de natureza jurídica, e essencial para a estrutura dos Estados nacionais, passou a receber múltiplos enfoques, como o da interdisciplinaridade, que promoveu a ampliação do seu escopo. Hoje se fala em cooperação transfronteiriça, em comitês de fronteira, em gestão pública fronteiriça, dentre outros. Tal progresso, porém, não foi suficiente para que o termo não ficasse negligenciado (Benedetti, 2018Benedetti, A. (2018). Claves para pensar las fronteras desde una perspectiva geográfica. Geousp – Espaço e Tempo , 22 (2), 309-328. doi:10.11606/issn.2179-0892.geousp.2018.133707.).

O conceito de fronteira é constantemente submetido a uma profunda discussão e ressignificação. Dos estudos de Lasconjarias (2004)Lasconjarias, G. (2004). Délimiter la frontières. Hypothèses , 1 (8), 77-84. doi:10.3917/hyp.041.0077 aos de Benedetti (2018)Benedetti, A. (2018). Claves para pensar las fronteras desde una perspectiva geográfica. Geousp – Espaço e Tempo , 22 (2), 309-328. doi:10.11606/issn.2179-0892.geousp.2018.133707. temos um hiato de quatorze anos. No decurso desse tempo, apesar dos avanços, a negligência das pesquisas acabou por criar metáforas referentes ao conceito de união, fraternidade, mobilidade, chegando até mesmo a apregoar o “fim das fronteiras”, com a justificativa de que estas só existem nos mapas (Hall, 2009Hall, T. (2009). Puzzles in the comparative study of frontiers: Problems, some solutions, and methodological implications. American Sociological Association,24 (1), 25-47. doi:10.5195/jwsr.2009.332).

Essa banalização por parte dos pesquisadores ocorre, no mínimo, por dois fatores. A cilada intelectual em que caem ao realizar empréstimos apressados de modelos e conceitos estranhos a seu próprio domínio (Ramos, 1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: Uma reconceituação da riqueza das nações . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Em segundo lugar, falta de ética e rigor metodológico quando tentam explicar o social virando as costas ao ethos da ciência, buscando, de toda forma, encapsular o social – criando contextos e fórmulas para melhor traduzir (em sua visão) a realidade (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução a teoria ator-rede . São Paulo, SP: Edusc.).

Grimson e Vila (2002)Grimson, A.,& Vila, P. (2002). Forgotten border actors: The border reinforcers. Journal of Political Ecology , 9 (1), 69-88. doi:10.2458/v9i1.21635
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argumentam que, nas diversas atribuições ao sentido de fronteira, “os atores” acabaram sendo esquecidos, pois os pesquisadores romantizaram as pesquisas obscurecendo o conflito social e cultural que frequentemente caracteriza as fronteiras, independente da separação física que apresentam. O ator ganhou uma concepção vaga, polissêmica, deturpada, quando não um conceito de caixa-preta nas ciências sociais (Gumuchian, Grasset, Lajarge, & Roux, 2003). Tal posicionamento impede que as relações assimétricas entre atores e os Estados sejam desvelados, o que pode mascarar e excluir algumas localidades e fenômenos. Alguns dos estudos empreendidos nas zonas fronteiriças evitam, por vezes, a análise dos conflitos fronteiriços e buscam reafirmar a “integração regional”, afirmando que as pessoas dessas áreas apenas demonstram irmandade e fraternidade ou a não-existência de “fronteiras” para as populações locais.

Por tal justificativa, esse romantismo generalizado impede a compreensão dos sentidos de fronteira ou limite. Impede a captação de seu conhecimento político, econômico, ambiental, social e cultural. De tal maneira, se impede que seja idealizado o ensino da fronteira. Nesse processo de romantização, a fronteira se tornou instrumento do desencantamento do mundo, na concepção de Max Weber, pois, alguns dos pesquisadores e suas pesquisas normativas, ocultaram às populações que vivem na fronteira, sua história, seu conhecimento, seus dilemas e desafios. Não reconheceram a percepção de destino dos atores – que lhes é legítimo.

Portanto, precisamos amplificar o sentido de fronteira para além do setorial, mas não desvalorizando a sua existência. Isto não implica abandoná-la e deduzir que ela tenha perdido o seu lugar. Há que se reconhecer que, na atualidade, as zonas fronteiriças cresceram; algumas regiões foram revalorizadas e passaram a influir mais nos dados econômicos, demográficos, sociais e culturais do século XXI, até mesmo além dos limites do território nos quais, agora, é preciso “cruzar as fronteiras” (Grimson & Vila, 2002Grimson, A.,& Vila, P. (2002). Forgotten border actors: The border reinforcers. Journal of Political Ecology , 9 (1), 69-88. doi:10.2458/v9i1.21635
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), sob uma perspectiva dos estudos territoriais, e entender que ela dialoga com fenômenos que acontecem em outros lugares tidos como não fronteiriços, como a questão da imigração nos grandes centros. A fronteira deveria ser integrada e encarada como um espaço marcado por atividades variadas que concentram inúmeros atores, e não ser interpretada unicamente como o fim do território e espaço de ilícitos e contrabandos (Espírito Santo, 2018)Santo, A. L. (2018). O uso de fotografias e vídeos em pesquisa qualitativa: em busca de um novo olhar sobre os territórios fronteiriços. Revista ADM.MADE , 22 (2), 3-34. doi:10.21714/2237-51392018v22n2p013034. Contudo, as fronteiras ainda guardam um lugar residual nas agendas e políticas públicas (Krüger et al., 2017)Krüger, C., Dantas, M. K., Castro, J. M., Passador, C. S.,& Caldana, A. C. (2017). Análise das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de fronteira brasileira. Ambiente & Sociedade , 20 (4), 41-62.doi:10.1590/1809-4422asoc0005r1v2042017
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.

O problema é que, em estudos de fronteira muito recentes, há uma falha geral em prosseguir a possibilidade teórica de que a fragmentação da pesquisa possa levar ao reforço de fronteiras, em vez de um convite para atravessá-las. Assim, cruzando fronteiras , e não reforçando fronteiras , é a metáfora preferida na atual versão hegemônica dos estudos e teoria das fronteiras. (Grimson & Vila, 2002Grimson, A.,& Vila, P. (2002). Forgotten border actors: The border reinforcers. Journal of Political Ecology , 9 (1), 69-88. doi:10.2458/v9i1.21635
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, p. 84)

As fronteiras são zonas ou regiões que foram movidas e alteradas pelo espaço com o tempo (Kaiser, 1998). Nisso, os estudos fronteiriços apresentam um grande problema conceitual e teórico. Inicialmente, todas elas parecem semelhantes — daí o rótulo que qualifica a fronteira como um local marginal que separa dois ou mais países. Todavia, uma análise micro revelará que possuem qualidades específicas e peculiares, e que também dialogam com problemas ou questões macro, o que demanda um estudo empírico dessas localidades para que se possam compreender os processos sociais que ali surgem.

Os estudos fronteiriços estão na ordem do dia (Cardin & Albuquerque, 2018Cardin, E. G.,& Albuquerque, J. L. (2018). Fronteiras e deslocamentos. Revista Brasileira de Sociologia , 6 (12), 114-131. doi:10.20336/rbs.236
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; Costa & Oliveira, 2012Costa, G. V., Oliveira, M. A. (2012). Mestrado interdisciplinar em estudos fronteiriços/UFMS: perspectivas, discussões e pesquisas. Revista NUPEM , 4 (6), 27-44. Recuperado de https://bit.ly/3ulxP0v
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; Hall, 2009)Hall, T. (2009). Puzzles in the comparative study of frontiers: Problems, some solutions, and methodological implications. American Sociological Association,24 (1), 25-47. doi:10.5195/jwsr.2009.332, e assim devem permanecer. A história do mundo seria muito melhor se fosse vista da fronteira (Kaiser, 1998) — o que nos leva a um pensamento fronteiriço: como conduzir a gestão pública nas fronteiras, buscando promover um desenvolvimento territorial sustentável dessas regiões?

Não há uma receita exclusiva para isso. Porém, os estudos fronteiriços deveriam focar nos atores, que constantemente reconstroem os sentidos de fronteira. Quando damos ênfase ao ator estamos retornando o foco para a ação, a experiência e seus processos de territorialização. Essa argumentação já tinha sido reavivada por Touraine (1984)Touraine, A. (1984). O Retorno do Ator . Lisboa: Instituto Piaget., justificando que outrora fora ocultada por diversas forças, ou ideologias da sociologia clássica, e, depois, esmagada pelo determinismo econômico. O regresso do ator objetiva a transformação de uma dada ordem através da análise de suas práticas.

Logo, a análise das práticas sociais da fronteira deve se imunizar contra uma leitura simplista. Precisamos de uma visão ontológica e metodológica que permita variar a escala e interpretar diferentes interesses e forças envolvidos na criação e na formação da fronteira enquanto campo de ação. Isso demanda empreender pesquisas que considerem sua ecologia política e que priorizem os processos dinâmicos nos quais os atores se sintam ativamente envolvidos. Também demanda estudar as pautas que não possuem diálogo e entender por que as sociedades locais não debatem sobre determinados assuntos fronteiriços, como o da participação nas políticas locais (Hall, 2009Hall, T. (2009). Puzzles in the comparative study of frontiers: Problems, some solutions, and methodological implications. American Sociological Association,24 (1), 25-47. doi:10.5195/jwsr.2009.332).

Kaiser (1998) indica os estudos comparativos para essa análise. Aqui apresentamos uma abordagem mais orgânica para que se possa rediscutir a própria prática dos estudos fronteiriços e o fazer ciência nesse campo. Assim, diante dos graves problemas socioambientais e éticos que vivemos, uma abordagem pragmatista das fronteiras e a busca por novos estilos de vida e de desenvolvimento nos parece oportuna (Lévesque, 2009Lévesque, B. (2009). Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustentável: Elementos teóricos de sociologia econômica e de socioeconomia. Política & Sociedade , 8 (14), 107-144.doi:10.5007/2175-7984.2009v8n14p107
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). Todavia, demanda realizar mais pesquisas, cruzar as fronteiras (Grimson & Vila, 2002Grimson, A.,& Vila, P. (2002). Forgotten border actors: The border reinforcers. Journal of Political Ecology , 9 (1), 69-88. doi:10.2458/v9i1.21635
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), valorizar a participação pública e integrar a dimensão territorial às estratégias de desenvolvimento das fronteiras.

Ecossistemas de inovação social, sustentabilidade e contribuições do pragmatismo aos estudos fronteiriços

Sabemos que as cidades estão globalmente interconectadas através de sistemas políticos, econômicos, sociais, ambientais e técnicos. Agora, mais do que nunca, a pesquisa científica e a política devem andar juntas para se idealizar futuros possíveis e superar os desafios da conexão entre as cidades, valorizando a pegada ecológica e melhorando a saúde, a educação e a qualidade de vida de seus habitantes. Por isso, os estudos sobre a emergência e os efeitos dos EIS estão se intensificando, sendo apontados como os principais meios de entendimento de que a sociedade dispõe para impulsionar a transformação social global articulada à sustentabilidade através de sistemas de governança, planejamento, gestão e políticas públicas adequadas ao objetivo de promover a resiliência em sistemas urbanos e sua real incidência nas dinâmicas de desenvolvimento dos territórios (Andion et al., 2020Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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; Gómez-Baggethun et al., 2013Gómez-Baggethun, E., Barton, A., Langemeyer, J., McPhearson, T., O’Farrell, P., Andersson, E., . . .Kremer, P. (2013). Urban ecosystem services. In T. Elmqvist, M. Fragkias, J. Goodness, B. Güneralp, P. J. Marcotullio, R. I. McDonald, . . . C. Wilkinson (Eds.), Urbanization, biodiversity and ecosystem services: Challenges and opportunities a global assessment (pp. 175-251). Dordrecht: Springer.; Lévesque, 2016Lévesque, B. (2016). Économie sociale et solidaire et entrepreneur social: Vers quels nouveaux écosystèmes? Reveue Interventions Économiques , 54 (1), 1-45. doi:10.4000/interventionseconomiques.2802; McPhearson et al., 2015McPhearson, T., Andersson, E., Elmqvist, T.,& Frantzeskak, N. (2015). Resilience of and through urban ecosystem services . Recuperado de https://bit.ly/2MAkhNg
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).

Os EIS começam a ser pensados sob a influência dos modelos explicativos das abordagens empresariais (empreendedoras), que ilustram a formação dos ecossistemas empreendedores (EE), expressão cunhada por George Tansley em 1935 para designar uma complexidade de corpos em interação que compartilham um destino comum e cujas interrelações podem resultar em alguma coevolução. Para Lévesque (2016)Lévesque, B. (2016). Économie sociale et solidaire et entrepreneur social: Vers quels nouveaux écosystèmes? Reveue Interventions Économiques , 54 (1), 1-45. doi:10.4000/interventionseconomiques.2802 e Andion et al. (2020)Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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, o EE põe ênfase no empreendedorismo, que deve ser facilitado ou retido pela comunidade de integrantes, colocando no centro do sistema não a empresa, mas o empreendedor como líder, enquanto o papel do governo é limitado ao de facilitador. O questionamento aqui é que os modelos explicativos oriundos das abordagens empresariais surgem para ilustrar os EE, identificando um ecossistema de sucesso — tendo uma operacionalização muito limitada quando destinado à compreensão dos EIS, pois, dentre outras coisas, os EE priorizam o acesso ao mercado, ao capital humano, às finanças e às ofertas dos ecossistemas (instituições de suporte), e não consideram algumas particularidades, como a trajetória (razões de seu surgimento), a composição, a sociedade civil, a necessidade de um papel mais ativo do governo (políticas públicas), o cenário e as consequências (reais e práticas) das inovações sociais no território.

Por isso, estudos mais recentes como o de Andion et al. (2020)Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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justificam a necessidade de se construir novas abordagens teórico-analíticas para que se compreendam os problemas existentes, as articulações sociais que buscam resolvê-los e como essas ações contribuem para melhorar a resiliência nas cidades. Inspirados nesses autores, também partimos da retomada da perspectiva pragmatista 11 11 . Para um maior detalhamento, sugerimos: Corrêa, D., & Dias, R. (2016). Crítica e os momentos críticos: De la justification e a guinada pragmática na sociologia francesa . MANA, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067 que se apoia em diferentes questões do âmbito da ação coletiva, reativando a noção de público com concepções na experiência e na prática para compreendermos a formação dos EIS e seus efeitos no território. Sendo assim, o EIS é compreendido neste trabalho como um dispositivo técnico que permite mapear uma rede de atores, identificando suas interações e seu campo de atuação (meio ambiente, infância, saúde, educação e outros). Reconhecer um EIS permite fortalecer a experimentação democrática, pois fica evidente qual a problematização e a publicação de um determinado distúrbio e a luta por sua solução. Nas palavras de Dewey (1939)Dewey, J. (1939). Democracia criativa : A tarefa diante de nós . Recuperado de https://bit.ly/2WLLP6A
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, trata-se de ver a democracia na prática.

Pesquisadores pragmatistas procuram compreender metodologicamente distintas experimentações ocorridas através de situações de prova, crises, disputas, controvérsias e diferentes emergências que impulsionam o engajamento do coletivo. Ou seja, buscam identificar e explorar as possibilidades de novas formas de prática política que demandem uma análise pragmatista das atividades microcívicas e micropolíticas nos laboratórios públicos (Ansell, 2012Ansell, C. (2012). What is a democratic experiment? Contemporary Pragmatism , 9 (2), 159-180.doi:10.1163/18758185-90000235; Cefaï & Terzi, 2012Cefaï, D.,& Terzi, C. (2012). L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes.). Esse método de investigação não pretende provar nada e não tenta decidir coisa alguma. Mostra apenas, no caso da ciência, tratar a experiência como ponto de partida para que ela seja revelada no que ela é, a realidade, simplesmente (Dewey, 1938)Dewey, J. (1938). The theory of inquiry . New York: Holt, Rinehart & Wiston..

De início, a investigação busca captar a ação coletiva, isto é, toda tentativa de constituição de um coletivo mais ou menos formalizado em uma ação conjunta ou em concertação, que vai unir esforços para produzir um bem comum, que, uma vez criado, é livremente acessível a todos (Cefaï, 2007Cefaï, D. (2007). Porquoi se mobilise-t-on? les théories de l’action collective . Paris: La Découverte.). Ela ocorre nas arenas públicas, um espaço de disputas e cooperação onde se encontra gente de boa-fé, ou não, além de diversos jogos de interesse. Sua composição nunca é garantida e dependerá de um processo contínuo de conhecimento e avaliação das consequências. Também se configura temporalmente, sem que seja possível atribuir-lhe fronteiras já instituídas (Cefaï, 2009Cefaï, D. (2009). Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social,2 (4), 11-48. Recuperado de https://bit.ly/34gYfGe
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; Cefaï & Terzi, 2012Cefaï, D.,& Terzi, C. (2012). L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes.).

Associam-se a estas questões a percepção emocional, o sentimento e a memória de situações problemáticas, lançando pesquisas e organizando audiências (Quéré & Terzi, 2015Quéré, L.,& Terzi, C. (2015, 23 de fevereiro).Pour une sociologie pragmatiste de l’expérience publique. SociologieS,Dossiers . Recuperado de https://bit.ly/3fKMdKx
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). As situações problemáticas (definição do problema, por exemplo, desastres ambientais, reuniões tensas, pobreza, desigualdades, poluição etc.) e a publicização (constituição do público em torno do problema) são inseparáveis dos campos de experiência (Cefaï & Terzi, 2012)Cefaï, D.,& Terzi, C. (2012). L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes.. Sua definição ocorre através da investigação pública, que consiste em configuração, definição e controle de uma situação previamente indeterminada e vaga em uma situação determinada.

A situação problemática surge quando determinados eventos não são mais necessários ao equilíbrio harmonioso da vida coletiva. Há uma desarticulação no processo social e formas de vida são quebradas, o que leva à formação de um público. O público são associações, no sentido de conexões (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução a teoria ator-rede . São Paulo, SP: Edusc.). São humanos e não humanos 12 12 . Para Latour (1994, 20, 2012), a realidade é tomada como dinâmica; complexa e não linear. Daí a necessidade de acompanhar os sujeitos para compreender a natureza como é vista, percebida, vivida e interpretada pelo ator. “Ator-rede” refere-se a um composto de humanos e não-humanos (tecnologias, organizações, animais, listas, relatórios, outros) que se expressam a partir de diretrizes, manuais, porta-vozes. O ator-rede não é o mesmo que uma “rede de atores”. Ator-rede indica o conjunto de todos aqueles que promovem uma ação. , organizações, movimentos e grupos afetados por estes desarranjos, que acabam por se envolver na tentativa de os resolver. Um problema só se torna público quando adquire uma dimensão maior, mobilizando diferentes atores que pretendem mudar determinada situação e inscrevê-la no espaço público, chamando a atenção de diferentes personagens que se confrontam com a causa (Lascoumes & Le Galès, 2012Lascoumes, P.,& Le Galès, P. (2012). Sociologia da ação pública . Maceió, AL: Edufal.). Os problemas públicos não são aqueles cuja responsabilidade é dos governantes, mas aqueles que evocam a ação dos cidadãos em torno de uma problemática (Dewey, 1927)Dewey, J. (1927). The public and its problems . Chicago: Swallow.. Surgem na atividade de identificar, problematizar e divulgar uma situação sofrida (Quéré & Terzi, 2015)Quéré, L.,& Terzi, C. (2015, 23 de fevereiro).Pour une sociologie pragmatiste de l’expérience publique. SociologieS,Dossiers . Recuperado de https://bit.ly/3fKMdKx
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.

Segundo Dewey (1927)Dewey, J. (1927). The public and its problems . Chicago: Swallow., a formação do público também dependerá das ações do Estado e das instituições públicas, seja através da garantia das condições de liberdade (liberdade de se associar e formar o público), ou da organização da vida pública de acordo com as políticas ou leis vigentes. Assim, reconhecer as políticas e leis de uma situação problemática estudada é uma etapa fundamental no processo de investigação pública, pois é através desse aparato que o Estado vai “tentando” manter a ordem pública.

O que torna essa questão ainda mais intrigante para a teoria e a prática da administração é o experimento social em que a participação do cidadão tem sido obrigatória. As mobilizações sociais em torno dos problemas sociais e ambientais das cidades vêm sendo analisadas sob a forma de inovações sociais, que passam a indicar reconfigurações intencionais e direcionadas de práticas sociais (Gómez-Baggethun et al., 2013Gómez-Baggethun, E., Barton, A., Langemeyer, J., McPhearson, T., O’Farrell, P., Andersson, E., . . .Kremer, P. (2013). Urban ecosystem services. In T. Elmqvist, M. Fragkias, J. Goodness, B. Güneralp, P. J. Marcotullio, R. I. McDonald, . . . C. Wilkinson (Eds.), Urbanization, biodiversity and ecosystem services: Challenges and opportunities a global assessment (pp. 175-251). Dordrecht: Springer.). Assim, o pesquisador procura identificar as iniciativas de inovação social, as leis e políticas que apoiam a inovação, bem como entender as formas pelas quais as experiências dessas iniciativas são promovidas no território e produzem consequências no reforço à democracia deliberativa e a promoção de estilos mais sustentáveis de desenvolvimento (Andion et al., 2020Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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).

Segundo Andion et al. (2017)Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R., Gonsalves, A., Serafim, L. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: Uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública . 51 (3), 369-387. doi:10.1590/0034-7612143195
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, a inovação social se inscreve em trajetórias longas de configuração, o que justifica a necessidade de captar a experiência dos atores através da investigação [ inquiry ] (Dewey, 1938Dewey, J. (1938). The theory of inquiry . New York: Holt, Rinehart & Wiston.), levando, portanto, a “seguir” um companheiro, um associado ou uma rede de atores para compreender não só o que eles fazem, mas como e por que eles o fazem ao longo do tempo (Latour, 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução a teoria ator-rede . São Paulo, SP: Edusc.). Aqui, ganham destaque a utilização de métodos qualitativos de observação das experiências e o trabalho etnográfico. “O desafio dessa proposta é acompanhar a vivência dos atores para compreender os processos de emergência e difusão de inovação social, seus alcances, consequências e sua limitação” (Andion et al., p. 382).

Vemos nessa inscrição que a análise pragmática surge como um caminho para renovar a administração pública (Shields, 2008Shields, P. M. (2008). Rediscovering the taproot: Is classical pragmatism the route to renew public administration?. Public Administration Review , 68 (2), 205-221. doi:10.1111/j.1540-6210.2007.00856.x) por enfatizar a importância da liberdade dos públicos e de seu engajamento para a resolução dos problemas e a formação do Estado democrático (Dewey, 1927Dewey, J. (1927). The public and its problems . Chicago: Swallow.). O Estado é o lugar das experimentações. O experimentalismo do pragmatismo usa uma visão prospectiva da ciência. O objetivo não é encontrar princípios eternos, mas usar um processo experimental e contínuo para desenvolver planos de ação que sejam avaliados à luz das consequências práticas (Ansell, 2012Ansell, C. (2012). What is a democratic experiment? Contemporary Pragmatism , 9 (2), 159-180.doi:10.1163/18758185-90000235). Ao se afastar de uma perspectiva verificadora e priorizar as consequências práticas (lógica experimental ou científica), esse tipo de experimentalismo poderá ser um pilar de construção da democracia, pois valoriza os processos de governança pública.

A emergência de regimes democráticos reaviva a importância da liberdade, principal característica desse modelo, e da valorização das diferentes formas de organização de indivíduos em associações (em contraponto ao individualismo). Para que haja democracia, conclui Dewey (1927)Dewey, J. (1927). The public and its problems . Chicago: Swallow., há necessidade de colaboração livre e voluntária e de que os indivíduos tenham controle sobre a própria opinião. Logo, a democracia está associada ao livre exercício da cidadania. A expansão e a garantia de liberdades também devem ser fomentadas através de (mais) participações, seja abrindo-se as portas do governo e dando espaço às participações públicas nas decisões (por exemplo, a participação popular no planejamento e na gestão urbana) ou na aprimoração das políticas públicas, que devem dialogar mais com a política e olhar mais o território.

Cidades e fronteira: dando visibilidade aos desafios públicos

Nesta seção, apresentamos um primeiro levantamento técnico sobre o EIS na fronteira Brasil-Bolívia, identificando as iniciativas de inovação social, de suporte, os agentes do governo e demais atores. Assim, chegamos, até este momento, a 212 organizações plurais de indivíduos, grupos, associações, políticos, empresas e outros, que compartilham de uma identidade coletiva.

A Figura 2 apresenta detalhadamente 113 iniciativas de inovação social, 25 agentes do governo (prefeituras, secretarias, ministério público e outros), 64 instituições de ensino e pesquisa (2 universidades federais, 5 universidades particulares, 2 programas de mestrado, 55 grupos de pesquisa e extensão), 6 instituições públicas de suporte (órgãos como Sebrae, Senai e Sesc que financiam projetos) e 4 iniciativas de suporte (empresas privadas que financiam por meio de editais, doações ou projetos internos projetos como a Vale, a Votorantim, a Camba e Gravetal). A maior parte dessas organizações se concentra na área urbana de Corumbá (MS). Várias delas, porém, situam-se na zona rural ou na região pantaneira (25 iniciativas de inovação social). Isso porque essa fronteira abriga o Pantanal, a maior área alagada do mundo. Noventa e seis por cento do território corumbaense está inserido no Pantanal, que possui 250 mil km 2 de extensão, abrangendo o Brasil (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), o norte do Paraguai e o leste da Bolívia. Essas iniciativas no Pantanal buscam atender, além da natureza (fauna e flora), os povos ribeirinhos, as famílias dos assentamentos rurais, outros pequenos produtores ou vaqueiros e as comunidades indígenas.

Figura 2
EIS na fronteira Brasil-Bolívia

Através dessa cartografia, foram identificados sete problemas públicos que mobilizam esses diferentes atores na fronteira Brasil-Bolívia descritos na Tabela 1 . A nomenclatura desses problemas foi inspirada nos 17 ODS (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas. (2015). Agenda 2030. 17 objetivos para transformar o mundo. Recuperado de https://bit.ly/3hhgDoH
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).

Tabela 1
: Identificação dos problemas públicos

Mais do que criar uma tipologia das cidades da fronteira, a cartografia apresentada na Figura 1 nos permitiu captar contextos de experiência e de ação em torno de situações problemáticas comuns. A Tabela 1 lista os desafios que os atores-redes buscam resolver. A associação desses atores não obedece a uma lógica de ação. Eles agem em vários mundos (Boltanski & Thévenot, 2006Boltanski, L.,& Thévenot, L. (2006). On justification: Economies of worth . Princeton: Princeton University Press.). Já a formação de redes ocorre devido aos vínculos de proximidade. Proximidade compreendida não em uma escala espacial, mas com relação ao vivido, ao cotidiano que compartilham diferentes coisas públicas (Cefaï, 2009)Cefaï, D. (2009). Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social,2 (4), 11-48. Recuperado de https://bit.ly/34gYfGe
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.

As diferentes iniciativas encontradas possuem uma rede complexa de cooperação e conflito, focalizadas no tratamento do problema público. Nessas relações, um grupo de atores argumenta sua situação problemática, faz acordo políticos e encena as figuras públicas. Cria universos culturais, vincula a sua imagem ao território (símbolo), busca negociar a ordem e estabilizar as relações. Logicamente, uma iniciativa pode atuar em mais de um problema, como o Moinho Cultural (erradicação da pobreza; vulnerabilidade social, educação e cultura). Um estudo mais avançado poderá demonstrar se essas relações configuram a existência de diferentes arenas públicas 13 13 . Para um maior detalhamento sobre a formação das arenas públicas, ler: Cefaï, D. (2002). ¿Qué es una arena pública? Algunas pautas para un acercamiento pragmático. Recuperado de https://bit.ly/34XIbZK (Cefaï, 2007Cefaï, D. (2007). Porquoi se mobilise-t-on? les théories de l’action collective . Paris: La Découverte.).

É possível perceber que todos os problemas públicos descritos na Tabela 1 estão interconectados. Por exemplo, Demo (2002)Demo, P. (2002). Educação e desenvolvimento . Campinas, SP: Papirus. argumenta que o problema da educação, traduzida em aprendizagem, é de suma importância para a compreensão do outro (imigração), do senso crítico (degradação ambiental; pobreza) e, quando bem aplicada, pode contribuir para que o estudante mude a sua vida (fome; vulnerabilidade). Ademais, a análise micro do problema, como a degradação ambiental, revela problemas macro, pois suas causas e consequências impactam a geração presente e futura, além de estarem globalmente interligadas (poluição do ar, dos oceanos e outros).

Esse primeiro momento de identificação das iniciativas é chamado pelo Obisf de “mapeadas” (ver Figura 1 ), ocasião em que as iniciativas têm informação suficiente para serem cartografadas ou cadastradas, como o fizemos ( Figura 2 ). Na sequência, elas passam a “observadas”, etapa em que as iniciativas têm suas informações validadas pela equipe do Obisf (terceiro momento da pesquisa), o que realizaremos a partir de 2021 por meio do Núcleo de Estudos de Inovação Social da Fronteira, além de reconhecermos as leis e políticas públicas pelas quais o Estado busca promover o desenvolvimento sobre cada problema. Ao analisar as atuais informações disponibilizadas pelas diferentes organizações, percebemos que, como a maioria das cidades dos países em desenvolvimento, aqui as iniciativas de inovação social também se mobilizam em torno das questões mais urgentes, trabalhando com os públicos mais excluídos, como a Associação de Mulheres Artesãs da Barra do São Lourenço, localizada às margens do Rio Paraguai, no Pantanal, que trabalham com artesanatos feitos com o aguapé, planta nativa da região; ou a Dyang (Puerto Quijarro), que oferece assistência às mulheres vítimas de exploração sexual e tráfico; e a Associação dos Índios Guató Canoeiros, que busca preservar a cultura e a tradição indígena com os descendentes dessa etnia.

Quando aprofundamos a análise em redes mais específicas, como a da “educação e cultura”, percebemos nesses dois anos (2019-2020) que as organizações vão se articulando por proximidade na vida pública. O desafio delas está em despertar as crianças e adolescentes para a cultura e a importância do estudo, principalmente da leitura para a formação do cidadão (o saber pensar, discutir e respeitar), ocasião em que a educação e a cultura podem contribuir para combater a pobreza (Demo, 2002Demo, P. (2002). Educação e desenvolvimento . Campinas, SP: Papirus.). O público-alvo principal são crianças e adolescentes brasileiras e bolivianas que são atendidas, por exemplo, pela rede formada entre Moinho Cultural (música, dança e artes para crianças carentes) e outras iniciativas de inovação social e atores de suporte (Vale, TV Morena, UFMS etc.). Essa articulação por proximidade também foi sentida dentro de uma histórica tradição local, o Carnaval, defendido pelo governo municipal e o estadual como “o maior carnaval do Centro-Oeste do Brasil”. Aqui, diferentes associações culturais e esportivas estão ligadas aos blocos carnavalescos ou a escolas de samba que têm projetos destinados ao público infanto-juvenil.

Algumas iniciativas estão ligadas às comunidades religiosas, atuando, principalmente, com redes de pertencimento, espiritual e solidário, distribuindo bens ou serviços comunitários de promoção humana e até ambiental. É o caso da Oficina Mãos Amigas (espírita), que trabalha com crianças e adolescentes na área da educação e com os moradores do bairro através da capacitação e geração de renda; da Comunidad Inmaculada Concepción (católica), que atua na educação e acolhimento de crianças carentes no lado boliviano; do Desafio Jovem Peniel (evangélica), que promove ações na área da erradicação da pobreza, cultura e meio ambiente; e a Pastoral da Mobilidade Humana (católica), que vem trabalhando com o acolhimento e a inserção dos imigrantes e refugiados.

Outras iniciativas estão envolvidas com conflitos em torno do planejamento urbano, ambiental, bem como objetivos no campo social, cultural e econômico. Essas experiências ultrapassam os limites municipais, argumentando e publicizando seus desafios diante de vastos repertórios, caso da iniciativa SOS Taquari, que atua na questão do assoreamento do Rio Taquari (mais de 150 km de rio assoreado) e do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), com foco na conservação e preservação do bioma Pantanal, já tendo firmado parceria com a World Wide Fund (WWF) para promover, por exemplo, cursos de capacitação sobre conservação e preservação do Pantanal e do Cerrado. O desafio dessas iniciativas é gigantesco, em razão de a base produtiva da região pantaneira estar voltada principalmente à atividade pecuária, responsável por boa parte das queimadas no Pantanal em 2020. O discurso local sobre os impactos ambientais tem por foco, sobretudo, a perda econômica e não a qualidade de vida, como no caso do Rio Taquari. Por isso, assim como no eixo “educação e cultura”, o desafio destas iniciativas é preservar o meio ambiente e a aprendizagem, fazer a população compreender a importância da natureza, os malefícios da queimada e mostrar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” (Brasil, 1988). Assegurar esse direito é um dever de todos.

Vimos, até aqui, que o pragmatismo enquanto método contribui para a renovação da administração pública (Shields, 2008Shields, P. M. (2008). Rediscovering the taproot: Is classical pragmatism the route to renew public administration?. Public Administration Review , 68 (2), 205-221. doi:10.1111/j.1540-6210.2007.00856.x), pois enfatiza as deliberações e negociações necessárias à sociedade. A prática da democracia imaginada por Dewey, assim como a participação e a noção de público, permite reconectar a administração pública à ação dos atores, que constantemente (re)definem inovações na cidade. Dewey (1927, 1939) dá ênfase aos projetos de educação, pois através deles a democracia começa dentro da sala de aula. Certamente, é na educação que se iniciará um processo democrático, pois, no caso das nossas iniciativas, vemos que, além da ação mais imediata (por exemplo: fome > dar comida), o grande desafio é a formação de sujeitos críticos, autônomos e atuantes, prontos a enfrentar os problemas e desafios da cidade.

São inúmeras as associações e articulações em torno dos problemas públicos nessa região. Outras iniciativas e problemas podem existir e ainda nem foram por nós identificados. O EIS é uma rede plural e não termina. Ela se renova, sendo, por isso, eternamente provisória. A cidade é um laboratório tão vivo que vai mudando diariamente a cada ação. A rede de atores que a compõem se move e interagem e, para compreender como a mudança social ocorre, e se ocorre, é preciso investigar, acompanhar e não definir o problema a priori . Muitas dessas iniciativas já conquistaram representatividade no dia a dia (Rede de Combate ao Câncer, Associação Ecológica Buraco da Onça e outras). Outras continuam buscando a própria estabilização (Associação Quilombola, Geração Diferente, Aguapé Ecoturismo e outras). São diferentes realidades e propósitos, o que estimula a continuação dessa pesquisa.

Para (não) concluir: a emergência da inovação social

A quem interessam os estudos fronteiriços? Só aos fronteiriços ou a todos no país? A fronteira é uma área estratégica para o Estado. O Brasil tem a maior faixa de fronteira na América Latina. No entanto, grandes dificuldades de perceber o outro e idealizar uma integração com os Estados latinos. Este estudo mostrou a necessidade de se assumir as lacunas encontradas. Existe, porém, uma dificuldade em as assumir frente aos outros inúmeros desafios da cidade. Mudar exige um futuro projeto de aprendizagem social e adaptação, bem como reconhecer que as cidades de fronteira funcionam como sistemas complexos, interdependentes e integrados.

A fronteira é um espaço permeado por interculturalidade e heterogeneidade únicas, que não são consideradas quando da elaboração dos planos de desenvolvimento para a região. Temos, como toda gestão pública nacional, que idealizar uma alternativa de ver o mundo e nele agir — caminhar para uma nova relação Estado-sociedade e pensar em um modelo de gestão que escape à tradicional concepção funcionalista e normativa (Andion, 2012Andion, C. (2012). Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR , 10 (1), 1-19. Recuperado de https://bit.ly/3hQHPMR
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), retomando uma dimensão sociopolítica da gestão (Paes de Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Por uma nova gestão pública . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), pois, não podemos mais sustentar pressupostos ingênuos com base, exclusivamente, na racionalidade instrumental (atributo do sistema de mercado), que acaba por desconfigurar a vida humana associada (Ramos, 1989Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: Uma reconceituação da riqueza das nações . Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Vimos que a discussão transversal para desenvolver as zonas fronteiriças é pouco tratada, e as políticas públicas idealizadas não envolvem a sociedade civil em sua elaboração e estão longe de promover um desenvolvimento sustentável para a região (Krüger et al., 2017Krüger, C., Dantas, M. K., Castro, J. M., Passador, C. S.,& Caldana, A. C. (2017). Análise das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de fronteira brasileira. Ambiente & Sociedade , 20 (4), 41-62.doi:10.1590/1809-4422asoc0005r1v2042017
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).

Aplicar aos estudos fronteiriços as contribuições do pragmatismo, em especial das considerações de John Dewey sobre a democracia como associação, investigação e experimentação, nos possibilitou perceber que as cidades fronteiriças estão repletas de organizações plurais que atuam em uma rede de interações informais frente aos diferentes problemas públicos, compondo, assim, o EIS da fronteira Brasil-Bolívia. As organizações em rede surgem devido às inúmeras situações de prova que as fazem operar em um mundo político (Boltanski & Thévenot, 2006Boltanski, L.,& Thévenot, L. (2006). On justification: Economies of worth . Princeton: Princeton University Press.). Elas ganham representatividade no dia a dia, oferecendo inúmeros serviços à cidade. Aliás, esses problemas ( Tabela 1 ) mostram a emergência de se analisar os EIS na fronteira.

Por isso, a importância de se reconhecer o EIS para o fortalecimento democrático das zonas de fronteira se mostra oportuno. Ora, se as políticas públicas não estão funcionando, então os governos deveriam se apropriar mais do conhecimento produzido pelas ciências sociais e humanas, neste caso, o EIS, que deixam claro quais são os problemas públicos da cidade, quais organizações tentam respondê-los, demonstrando, no longo prazo, os sucessos, os desafios e as limitações dessas respostas. Em um país tão diversificado e extenso como o nosso, as políticas públicas nem sempre deveriam ser de âmbito nacional, mas partir de uma especificidade local, de forma que possam incidir positivamente na vida das pessoas.

Tendo esse conhecimento, as políticas públicas poderiam ser melhor elaboradas ou, em termos mais ambiciosos, ao identificar as consequências práticas das iniciativas, podemos rediscutir o papel da administração pública e idealizar a “cogestão da cidade” (Ansell, 2012Ansell, C. (2012). What is a democratic experiment? Contemporary Pragmatism , 9 (2), 159-180.doi:10.1163/18758185-90000235) através de um objeto de intervenção pública, como os “fóruns de políticas públicas”(Lascoumes & Le Galès, 2012Lascoumes, P.,& Le Galès, P. (2012). Sociologia da ação pública . Maceió, AL: Edufal.), um espaço de fortalecimento democrático das cidades, em que a ação pública é negociada entre um ecossistema de atores que articula sua problematização em busca de um projeto necessário que proteja a vida, garanta os direitos e amplie a resiliência ecológica dentro do planejamento estratégico da cidade.

Ainda são pocas as experiências de se projetar a cidade a partir de fóruns participativos 14 14 . Uma dessas experiências é o Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis . Visite: https://bit.ly/2VNgs9U . Defendemos que deveria ser estudada a viabilidade de implantação de um fórum nessa região e sua possível contribuição para a integração territorial da fronteira. Nesse espaço, o governo e diferentes iniciativas da sociedade civil dos dois países poderiam dar um tratamento multilateral aos problemas públicos coletivos, discutir políticas públicas e, quiçá, a futura institucionalização do fórum.

Reforçamos, como qualificado por Andion et al. (2020)Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
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, que tais escolhas teórico-metodológicas geram avanços na compreensão dos fenômenos e limites no alcance do estudo. Embora a colcha de retalhos de um pequeno conglomerado na fronteira Brasil-Bolívia não exponha a realidade de outras zonas fronteiriças, este caso vem reforçar o quanto precisamos qualificar a experiência das pessoas, a prática e o fazer político na América Latina, onde a experiência democrática é tão frágil e recente. Dito de outra forma, a contribuição deste artigo é focar nas práticas dos atores (ação pública), visando desencapsular a fronteira, ampliar o seu sentido e valorizar o protagonismo dos atores, contribuindo com o avanço da teorização sobre as inovações sociais e os estudos fronteiriços.

Estudar o território através do ator – suas associações, engajamentos e sua ação coletiva, representadas por meio de inovações sociais (práticas que buscam mudar uma determinada situação problemática) – estimula a pesquisa a avançar para se compreender como ocorrem a construção participativa da gestão pública; as dinâmicas democráticas das cidades, a formação de arenas públicas, a importância do exercício da cidadania, os alcances e limites da inovação social e sua incidência no território. A resposta aqui não é dada a priori , e isso será mais bem estudado pelo Núcleo de Estudos de Inovação Social da Fronteira. Quando repensamos os estudos fronteiriços, não excluímos outras formas de análise e disciplinas, nem os instrumentos de gestão pública até aqui adotados. Apenas falamos de uma alternativa que se apoie na visão de mundo que emerge das práticas, da participação, dos movimentos alternativos de desenvolvimento como gênero, ecologia, saúde e educação.

Nosso campo de pesquisa interdisciplinar dos estudos fronteiriços, pautado no pragmatismo, é um roteiro particular para conduzir investigações públicas que nos permitirão identificar um leque de projetos de ensino, pesquisa e extensão nesse campo, incluindo análises quantitativas, qualitativas e comparativas de pesquisa. Acreditamos que nossas proposições para dar acesso às inovações sociais possam dialogar com outras cidades de fronteira e com projetos mais amplos, como os conduzidos pela equipe do Obisf, visando à construção de resiliência urbana e inspirando discussões teóricas. Por isso, não concluir, deixando a porta aberta para um principiar de pesquisa sobre inovação social, participação e protagonismo dos atores nas cidades de fronteira.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe do Observatório de Inovação Social de Florianópolis (Udesc) pelas pesquisas realizadas e contribuição com o tema. Nossa gratidão pela interlocução realizada com a professora Vivian Veiga, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e pesquisadora do Neisf. Suas colocações foram/são fundamentais para a construção deste projeto.

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Notas

  • 1
    . Esse termo também é encontrado como “desenvolvimento territorial nas fronteiras”, ou “zonas de fronteira”. Zona, no sentido de uma faixa que concentra habitantes, moradias, lazer, educação, atividades econômicas etc. Aqui optamos por DTF, dialogando com o paradigma do desenvolvimento territorial.
  • 2
    . Portal de acesso aberto das universidades brasileiras sobre limites e fronteiras. Cf.: https://bit.ly/2ztIAam
  • 3
    . Refere-se à questão dos imigrantes e refugiados. Em 2019, iniciou-se a construção do muro na fronteira EUA-México, além do muro invisível constituído pelas barreiras que os países impõem a inúmeras pessoas que tentam entrar em seus territórios fugindo da miséria, da violência e da perseguição, como acontece na Europa.
  • 4
    . Este artigo percebe a fronteira a partir dos estudos de Nogueira (2007), especificamente a “fronteira vivida” – tipo de fronteira que apresenta mais significado para a sociedade que está na fronteira, pois reflete e remete aos seus cotidianos. Cf. Nogueira, R. J. B. (2007). Fronteira: Espaço de referência identitária? Revista Ateliê Geográfico, 1 (2), 27-41. doi:10.5216/ag.v1i2.3013
  • 5
    . Contudo, no Brasil, até o momento da finalização deste trabalho, a inovação social ainda não é um tema tratado em zonas de fronteira. Essa lacuna de pesquisa motivou a realização desse estudo.
  • 6
    . Este artigo parte de uma série de pesquisas realizadas pelo Núcleo de Inovações Sociais na Esfera Pública ao longo dos 10 últimos anos. Recuperado de https://bit.ly/30nYcXr . Já para maior detalhamento sobre o Obisf, ver Andion et al. (2020)Andion, C., Alperstedt, G., Graeff, J. (2020). Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: Um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública,54 (1), 181-200. doi:10.1590/0034-761220180418
    https://doi.org/10.1590/0034-76122018041...
    .
  • 7
    . Faixa de Fronteira possui 150 km de largura paralelamente à linha divisória terrestre do território nacional. Surgiu a partir da Lei nº 6.634/1979, regulamentada pelo Decreto nº 85.064/1980, cujo teor foi ratificado pela Constituição Federal de 1988, no §2º do artigo 2°: “Cadastro dos municípios brasileiros com área total ou parcialmente localizada na Faixa de Fronteira”.
  • 8
    . Conceito usado na telefonia móvel relacionado à transmissão de dados (enviar e receber) através de redes móveis, neste caso, sem limites internacionais, ou tarifação internacional.
  • 9
    . Entendemos “instrumentos de gestão pública” como qualificado por Kleba, Comerlatto e Frozza (2015): “diretrizes e parâmetros estabelecidos em documentos, a exemplo de leis, políticas ou planos, que se constituem em instrumentos para nortear e qualificar a gestão democrática das políticas públicas” (p. 1059).
  • 10
    . A análise desta etapa se inspirou no trabalho de Ricardo Abramovay (2006)Abramovay, R. (2006). Para uma teoria dos estudos territoriais. In M. Manzanal (Org.). Desarrollo rural: Organizaciones, instituciones y territorios (pp. 27-48). Buenos Aires: Ciccus. para categorizar os trabalhos que associam a fronteira ao desenvolvimento territorial.
  • 11
    . Para um maior detalhamento, sugerimos: Corrêa, D., & Dias, R. (2016). Crítica e os momentos críticos: De la justification e a guinada pragmática na sociologia francesa . MANA, 22 (1), 67-99. doi:10.1590/0104-93132016v22n1p067
  • 12
    . Para Latour (1994, 20Latour, B. (1994). Jamais fomos modernos: Um ensaio sobre antropologia simétrica . São Paulo, SP: Editora 34., 2012Latour, B. (2012). Reagregando o social: Uma introdução a teoria ator-rede . São Paulo, SP: Edusc.), a realidade é tomada como dinâmica; complexa e não linear. Daí a necessidade de acompanhar os sujeitos para compreender a natureza como é vista, percebida, vivida e interpretada pelo ator. “Ator-rede” refere-se a um composto de humanos e não-humanos (tecnologias, organizações, animais, listas, relatórios, outros) que se expressam a partir de diretrizes, manuais, porta-vozes. O ator-rede não é o mesmo que uma “rede de atores”. Ator-rede indica o conjunto de todos aqueles que promovem uma ação.
  • 13
    . Para um maior detalhamento sobre a formação das arenas públicas, ler: Cefaï, D. (2002). ¿Qué es una arena pública? Algunas pautas para un acercamiento pragmático. Recuperado de https://bit.ly/34XIbZK
  • 14
    . Uma dessas experiências é o Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis . Visite: https://bit.ly/2VNgs9U
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
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  • Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Editor Associado: Wescley Xavier

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    01 Mar 2021
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