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Gestão de Espaço de Fala e Análise das Condições de Produção de Versões sobre um Crime Corporativo: O Caso do Rompimento da Barragem B1 da Vale S/A em Brumadinho (MG)

Resumo

O presente trabalho analisa como foram construídas as condições de produção de versões do crime corporativo relacionado ao rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG) a partir da análise do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (CPI Bruma). Este estudo traz uma particular contribuição ao apresentar o crime corporativo como o crime legitimado pelo management , no qual a dinâmica das organizações operadas sob sua lógica influencia as práticas criminosas à medida que pressiona por resultados econômicos a qualquer custo. Assim, nosso estudo teve por objetivo analisar como se construíram as condições de produção de versões sobre o crime corporativo, a dinâmica discursiva em torno do crime corporativo da Vale S/A em Brumadinho (MG), na CPI Bruma. Metodologicamente, buscamos nos orientar pela pesquisa documental no processo investigativo e pelo relatório final da CPI Bruma, criada especificamente para investigar o rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, aplicando uma análise de discurso de perspectiva habermasiana, visando demonstrar que as práticas comunicativas podem ser distorcidas intencionalmente em benefício de um grupo e em detrimento de outro. Com isso, analisamos a gestão do espaço de fala na CPI, sob o prisma habermasiano, os múltiplos discursos, sob as premissas das pretensões de validez do ato de fala, e suas distorções comunicativas. Apontamos indícios do Relatório da CPI Bruma que sugerem que o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão não foi um acidente, mas ocorreu por conta da negligência da Vale S/A, que, visando ao seu êxito financeiro, optou por priorizar os resultados econômicos e ignorar o perigo iminente do rompimento.

crime corporativo; management; minério-dependência

Abstract

This paper analyzes how the construction occurred of the conditions for the production of versions of the corporate crime related to the Vale S/A dam failure in Brumadinho (MG) based on an analysis of the final report of the Parliamentary Commission of Inquiry of the Chamber of Deputies (CPI Bruma). This study provides a specific contribution by presenting corporate crime as a crime legitimized by management, in which the dynamic of organizations operated under its logic influences the criminal practices as it exerts pressure for economic results at any cost. Thus, our study aimed to analyze how the construction occurred of the conditions for the production of versions regarding the corporate crime and the discursive dynamic around the corporate crime of Vale S/A in Brumadinho (MG), in the CPI Bruma. Methodologically, we sought to use documental research in the investigative process and the final report of the CPI Bruma, created specifically to investigate the failure of the B1 dam at the Córrego do Feijão mine, applying discourse analysis from a habermasian perspective, seeking to demonstrate that communicate practices may be intentionally distorted to favor one group to the detriment of another. With this, we analyzed the management of the space for speech in the CPI, through the habermasian lens, the multiple discourses, under the premises of the validity intentions of the act of speech, and its communicative distortions. We provide indications from the CPI Bruma report that suggest that the failure of the B1 dam at the Córrego do Feijão mine was not an accident, but occurred because of the negligence of Vale S/A, which, in pursuing financial success, chose to prioritize economic results and ignore the imminent danger of failure.

corporate crime; management; mining-dependence

Introdução

Os estudos sobre os crimes operados pelas corporações podem ser vislumbrados de diferentes formas e estão se atualizando em diversas áreas do conhecimento, desde a criminologia crítica a sociologia até os estudos organizacionais. Com isso, principalmente na temática dos estudos organizacionais (EO), encontramos na literatura estudos que apontam para a necessidade de se investigar como nascem, se desenvolvem e quais impactos causam em diferentes países e culturas com empresas multinacionais ou não. Nos tempos atuais, quase que diariamente, os meios de comunicação noticiam casos de corrupção empresarial envolvendo agentes públicos, seja sobre o andamento de antigos processos, seja sobre descobertas de desvios de conduta ( Alcadipani, 2014Alcadipani , R. ( 2014 ). Corrupção e as empresas . GV Executivo , 13 ( 1 ), 68 . Retrieved from https://bit.ly/3Ubs42z
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; Medeiros, Valadão Júnior, & Miranda, 2013).

No que se refere às práticas criminosas, Medeiros (2015)Medeiros , C. R. O. ( 2015 ). Crimes corporativos e estudos organizacionais: uma aproximação possível e necessária . Revista de Administração de Empresas , 55 ( 2 ), 202 - 208 . doi: 10.1590/S0034-759020150209
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afirma que existe um lado sombrio nas organizações, apesar de seu esforço e discurso de se apresentarem como benfeitoras. Tais práticas ocorrem de forma velada e, quando vêm à tona, as penalidades sofridas equivalem a pequenas frações de seus lucros ( Sachs, 2011Sachs , J. ( 2011 ). A onda global de crimes corporativos . Retrieved from https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,a-onda-global-de-crimes-corporativos-imp-,716387
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).

Por meio de uma lente teórica crítica nos EO na qual se embasa este estudo e pelas suas conclusões, propõe-se compreender o crime corporativo como o crime legitimado pelo do management , o qual possui cunho estrutural e se alinha ao poder público em suas práticas criminosas ambíguas e contraditórias. Com isso, tem-se que o crime corporativo corresponde ao descumprimento do ordenamento jurídico vigente feito em nome ou para atender os interesses das organizações capitalistas.

Assim, os crimes corporativos têm grande potencialidade de se tornar invisíveis, pois boa parte deles são legitimados por articulações dos poderes públicos locais ou nacional, que criam novos mecanismos legais/normativos para descaracterizá-los, permitindo condições jurídicas para a impunidade. Freitas Junior & Medeiros (2018) apontam que, nos casos de corrupção, a violação da lei torna-se a regra de conduta.

O crime corporativo se apresenta de forma racionalizada, estruturada, institucionalizada pelo management . Essa racionalização abre margens para justificativas das corporações ao participarem de teias corruptivas, como o suborno de agentes públicos, assim como os mais diversos atos de corrupção de um modo geral (Clinard, Yeager, Brissette, Petrashek, & Harries , 1979). “É perceptível como as conceituações de corrupção destacam a relação dicotômica entre as esferas pública e privada (Torsello & Venardi, 2015, citados por Fretas Júnior e Medeiros, 2018, p. 10).

Uma das possíveis explicações para que as corporações ajam sob essa lógica, segundo os apontamentos deste estudo, é que elas desenvolveram instrumentos e técnicas racionalizadas a serviço da eficácia e do desempenho financeiro visando ao crescimento sem limites. Os crimes corporativos passaram a fazer parte desses instrumentos, principalmente porque os dirigentes econômicos ditam suas leis para os agentes políticos, o que torna a corrupção inerente a essa relação promíscua. Gaulejac (2017)Gaulejac , V. ( 2017 ). Gestão social como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social . Aparecida, SP : Ideias & Letras . afirma que “a gestão se tornou a ciência do capitalismo, subentendida por uma vontade de domínio que se apresenta como fundamentalmente racional” (p. 75).

Diante desses pressupostos, principalmente, conjecturamos que as organizações que operam pela lógica do management possuem um lado sombrio, no qual “erros, acidentes e crimes são, frequentemente, protagonizados por organizações na busca de seus objetivos, resultando em prejuízos a consumidores, trabalhadores, meio ambiente e comunidades” (Medeiros, 2013a, p. 419).

Historicamente, o management é uma instituição moderna que se explica por meio de sua relação intrínseca com o sistema capitalista. Com base nessa relação, a ética gerencial se articula através de práticas e discursos voltados para o interesse econômico capitalista e, por sua vez, esses são legitimados pela visão utilitarista de se pensar e se fazer gestão nas organizações desse cunho (Vizeu, 2010b, 2011a).

A questão é que a dinâmica das corporações condiciona as práticas criminosas dolosas e opera pela lógica do management , o qual é construído e montado para atender aos mercados de capitais. Toda a articulação gestacional, a estrutura desses mercados, é voltada para o resultado financeiro, para a maximização do lucro, desde a cúpula até os programas de participação dos lucros aos funcionários.

Este estudo demonstra que, em especial, os crimes corporativos que ocorrem no Brasil, são fruto de uma tradição histórica brasileira de conluio entre algumas empresas privadas e representantes do Estado, como poderemos constatar no setor de mineração. Essa relação foi historicamente constituída como um estamento burocrático que privilegia pequenos grupos em detrimento de outros, sendo o Estado responsável pela introdução do capitalismo no Brasil ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ; Vizeu, 2008Vizeu , F. ( 2008 ). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 ( Tese de Doutorado ). Fundação Getulio Vargas , São Paulo, SP . Retrieved from https://bit.ly/3XAnMod
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).

Outrossim, o management opera no intento de maximizar o ganho do capital. Para isso, cria mecanismos sofisticados de legitimação de suas ações criminosas, como a manipulação discursiva (Vizeu, 2011b). O discurso é uma prática social que reproduz e transforma a realidade social, que, conforme aponta este estudo, emerge como um instrumento de legitimação para ações criminosas no caso do método das empresas operadas pela lógica do management .

Dessa forma, pode-se considerar a fabricação de um discurso do crime corporativo que justifica e atenua os seus efeitos. Com a finalidade de abrandar os danos das ações criminosas, produzem-se justificativas que podem ir além de se caracterizar como um discurso que visa serenar os males feitos. Por meio da relação com atores que gerenciam o Estado, configura-se também como um dispositivo para obter benesses, as quais servirão de gatilhos para a continuidade das ações criminosas. Ou seja, há uma teia discursiva cujo objetivo é manter os interesses da corporação.

Assim, como apresenta Coraiola & Derry (2020)Coraiola , D. M. , Derry , R. ( 2020 ). Remembering to Forget: The Historic Irresponsibility of US Big Tobacco . Journal of Business Ethics , 166 ( 2 ), 233 - 252 . doi: 10.1007/s10551-019-04323-4 , os discursos servem também como manipulação de evidências, principalmente quando usado para treinamento da comunicação entre seus funcionários e a sociedade. Quando o discurso para a dúvida do cometimento do crime, se propaga não apenas para as vítimas, como também para todo os stakeholders – o que pudemos captar nos discursos dos funcionários da Vale S/A em audiência na CPI. Vizeu e Matitz (2013)Vizeu , F. , Matitz , Q. R. S. ( 2013 ). Organizational Sacralization and Discursive Use of Corporate Mission Statements . BAR – Brazilian Administration Review , 10 ( 2 ), 76 - 194 . doi: 10.1590/S1807-76922013000200005 apontam para a sacralização das corporações no uso das declarações de Missão, algo que pode ser estendido a outras formas de comunicação institucional da organização.

Nesse contexto, buscamos analisar como foram construídas as condições de produção de versões do crime corporativo relacionado ao rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG). A pergunta condutora desta pesquisa foi: como se construíram as condições de produção de versões sobre o crime corporativo da Vale S/A em Brumadinho (MG) na Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (CPI Bruma)?

Optamos por investigar o tema a partir da análise do relatório final da CPI Bruma, com o entendimento de que as CPI se apresentam por sua lógica estrutural como uma arena de debate, um espaço de múltiplas falas tal qual preconiza Habermas (1997)Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . ou, ainda, um espaço de debate dialógico. Porém, assumimos que, por sua concepção político-partidária, a constituição de uma CPI possui uma intencionalidade na sua narrativa, afinal, estamos falando de uma multinacional que goza de grande influência na agenda política do Estado. É essa a nossa intenção de denúncia social e de avançar na teoria sobre a ocupação desses espaços por organizações criminosas e a sua colusão junto ao Estado.

O espaço de fala deve ser organizado de forma a facilitar a interação construtiva entre os participantes, bem como possibilitar a emersão de pessoas, de seus interesses e de seus comportamentos. Quando se tem esse conhecimento, pode-se estabelecer um lócus de moderação dos comportamentos, criando-se regras de participação no intuito de que as discussões ocorram de forma mais justa. Nesse sentido, esses espaços devem se constituir em um local em relação ao qual se estabeleça um sentimento de pertencimento ( Webler & Tuler, 2000Webler , T. , Tuler , S. ( 2000 ). Fairness and Competence in Citizen Participation: Theoretical Reflections from a Case Study . Administration & Society , 32 ( 5 ), 566 - 596 . doi: 10.1177/00953990022019588
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).

Nesses espaços, almeja-se ao reconhecimento por meio da legitimação da fala de cada sujeito, inclusive os que podem estar em campos opostos, como antagonistas. Portanto, esses espaços devem possuir um dispositivo capaz de inibir a ação natural de silenciamento de vozes, deixando de privilegiar os critérios de validade presentes em uma relação interpessoal. São espaços de acordos não coercitivos. Dessa forma, os falantes buscam expor seus pontos de vista de maneira que façam sentido, que seus argumentos sejam entendidos como honestos e verdadeiros, em conformidade com as normas, sendo moralmente válidos.

Quanto à temática do discurso, no presente estudo adotamos a perspectiva habermasiana, averiguando os espaços de fala ou arenas de debate em que esses tipos de delitos são discutidos. Complementando, analisamos as pretensões de validez dos atos de fala nas esferas do mundo objetivo, do mundo subjetivo e do mundo normativo, buscando evidenciar as intenções de manipulação discursiva próprias das decisões racionais-instrumentais que representam um agir estratégico frente a um agir comunicativo.

Segundo Vizeu (2011b), os argumentos constituintes dos discursos precisam ter validez no mundo objetivo, ou seja, o que está sendo dito deve ser verdadeiro. Já no mundo subjetivo, busca-se a compreensão de se o que se é dito é sincero, e, no mundo normativo, o que se busca é a legitimidade ou a moralidade do que se é falado. Por fim, o alia-se a essas três pretensões é a pretensão de inteligibilidade – que em outras palavras significa aferir se o que é dito pode ser entendido por todos.

Para a coleta das informações, optamos pelo uso de dados secundários; coletamos e analisamos materiais oriundos das 2.462 páginas do relatório final da CPI Bruma. Esse relatório incorpora elementos das outras CPI, depoimentos e investigação policial. Uma vez definido o corpus textual, procedemos a análise de discurso segundo a perspectiva habermasiana, tendo como foco as pretensões de validez do ato de fala propostas por Vizeu (2011b), bem como apresentamos como os espaços públicos de fala podem ser cooptados no caso dos crimes corporativos.

Ao utilizarmos as perspectivas teóricas de Habermas (2012)Habermas , J. ( 2012 ). Teoria do agir comunicativo . São Paulo, SP : WMF Martins Fontes . para este estudo, objetivamos demonstrar que as práticas comunicativas podem ser distorcidas intencionalmente em benefício de um grupo e em detrimento de outro. Com isso, analisamos os múltiplos discursos sob as premissas das pretensões de validez do ato de fala. Por meio da análise dessas pretensões, compreendemos como se configuraram as estratégias argumentativas na constituição do discurso do crime, em especial dos aspectos da relação entre agentes públicos e privados.

Com isso, interessa-nos investigar o crime corporativo sob o prisma da relação entre as organizações públicas e privadas, pois entendemos que essa forma de se olhar para o fenômeno pode desvelar como tais articulações engendradas podem manipular discursivamente os espaços públicos de fala, bem como o consciente público a fim de amenizar os danos causados por esse tipo de crime e porque há uma indivisão entre o capitalismo e o Estado moderno ( Bresser-Pereira, 2011Bresser-Pereira , L. C. ( 2011 ). As duas fases da história e as fases do capitalismo . Revista Crítica e Sociedade , 1 ( 1 ), 168 - 189 . Retrieved from https://bit.ly/3ALv5j1
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).

Por fim, pretendemos realizar uma denúncia social que possa dar destaque às contradições e aos efeitos da gestão operada unicamente pela lógica do management .

Revisão de literatura

Esta seção apresenta os alicerces teóricos indispensáveis para a compreensão do contexto e dos construtos empregados nesta pesquisa: crime corporativo, relação do Estado e do management , minério-dependência, espaço público de fala, teoria do agir comunicativo.

O crime corporativo como uma prática institucionalizada pelo management

As organizações operadas pela lógica do management assumiram o protagonismo da sociedade contemporânea ( Clinard et al., 1979Clinard , M. B. , Yeager , P. C. , Brissette , J. , Petrashek , D. , Harries , E. ( 1979 ). Illegal corporate behavior . Washington, DC : United States Department of Justice . ; Medeiros & Alcadipani, 2017Medeiros , C. R. O. , Alcadipani , R. ( 2017 ). Organizações que matam: uma reflexão a respeito de crimes corporativos . Organizações & Sociedade , 24 ( 80 ), 39 - 52 . doi: 10.1590/1984-9230802
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), a qual é baseada no sistema de produção capitalista. Assim, são o tipo ideal de representação do progresso econômico das nações mais industrializadas, consideradas de primeiro mundo. Porém, sob a imagem do progresso, existem ações obscuras por meio das quais grandes corporações operam. Dessa forma, “as organizações têm um lado sombrio, o qual abriga as práticas corporativas que provocam prejuízos à sociedade de modo geral, incluindo crimes corporativos de diversos tipos” ( Medeiros & Alcadipani, 2017, pMedeiros , C. R. O. , Alcadipani , R. ( 2017 ). Organizações que matam: uma reflexão a respeito de crimes corporativos . Organizações & Sociedade , 24 ( 80 ), 39 - 52 . doi: 10.1590/1984-9230802
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, p. 49).

Os crimes das organizações, em sentido amplo, receberam várias nomenclaturas, definições e intenções, como: visão de ações de ilegalidade corporativa ( Baucus, 1994Baucus , M. S. ( 1994 ). Pressure, Opportunity and Predisposition: Multivariate Model of Corporate Illegality . Journal of Management , 20 ( 4 ), 699 - 721 . doi: 10.1016/0149-2063(94)90026-4
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); má conduta organizacional (Maclean & Alcadipani, 2008); atos de omissão ou comissão ( Kramer, 1984Kramer , R. C. ( 1984 ). Corporate Criminality: The Development of an Idea . In E. Hochstedler ( Ed .) , Corporation as criminal (pp. 13 - 37 ). Beverly Hills : Sage Publications . ; Schrager & Short, 1978)Schrager , L. S. , Short , J. F. ( 1978 ). Toward a Sociology of Organizational Crime . Social Problems , 25 ( 4 ), 407 - 419 . doi: 10.2307/800493 ; crime corporativo ( Clinard & Yeager, 1980)Clinard , M. B. , Yeager , P. C. ( 1980 ). Corporate crime . Nova Iorque : Free Press . ; White Collar Crime ( Sutherland, 1940)Sutherland , E. H. ( 1940 ). White-Collar Criminality . American Sociological Review , 5 ( 1 ), 1 - 12 . Retrieved from https://bit.ly/3GOYqNu
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; State-corporate crime ( Michalowski & Kramer, 1987)Michalowski , R. J. , Kramer , R. C. ( 1987 ). The Space between Laws: The Problem of Corporate Crime in a Transnational Context . Social Problems , 34 ( 1 ), 34 - 53 . doi: 10.2307/800728 ; predadores corporativos ( Mokhiber & Weissman, 1999)Mokhiber , R. , Weissman , R. ( 1999 ). Corporate Predators. The Hunt for Mega-Profits and the Attack on Democracy . Monroe, ME : Courage Press . ; organizações assassinas ( Stokes & Gabriel, 2010)Stokes , P. , Gabriel , Y. ( 2010 ). Engaging with Genocide: The Challenge for Organization and Management Studies . Organization , 17 ( 4 ), 461 - 480 . doi: 10.1177/1350508409353198 e organizações criminosas ( Alexander & Cohen, 1999)Alexander , C. R. , Cohen , M. A. ( 1999 ). Why Do Corporations Become Criminals? Ownership, Hidden Actions, and Crime as an Agency Cost . Journal of Corporate Finance , 5 ( 1 ), 1 - 34 . doi: 10.1016/S0929-1199(98)00015-7 . Tais conceitos versam sobre práticas criminosas que incluem condutas que, embora legais no ponto de vista jurídico, podem ser consideradas imorais perante a sociedade.

Há um avanço significativo no entendimento das justificativas para que as organizações cometam crimes corporativos, desde o entendimento de Sutherland, ao qual se credita o pioneirismo da temática. O olhar sociológico de Edwin Sutherland (1883-1950), após seu discurso sobre os white collar crime ou crimes do colarinho branco, na American Society of Sociology de 1939, voltou-se para a “. . . tentativa de compreender a sociedade e o seu comportamento diante dos problemas que a afligem” ( Medeiros, 2015Medeiros , C. R. O. ( 2015 ). Crimes corporativos e estudos organizacionais: uma aproximação possível e necessária . Revista de Administração de Empresas , 55 ( 2 ), 202 - 208 . doi: 10.1590/S0034-759020150209
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, p. 203).

No contexto dessas práticas ilegais, Medeiros (2015)Medeiros , C. R. O. ( 2015 ). Crimes corporativos e estudos organizacionais: uma aproximação possível e necessária . Revista de Administração de Empresas , 55 ( 2 ), 202 - 208 . doi: 10.1590/S0034-759020150209
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resgata Szwajkowski (1985)Szwajkowski , E. ( 1985 ). Organizational Illegality: Theoretical Integration and Illustrative Application . The Academy of Management Review , 10 ( 3 ), 558 - 567 . doi: 10.2307/258136
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que, no início dos anos 1980, já elencava os estímulos para que ocorram ações desse teor por parte das organizações:

  • a pressão do ambiente econômico para o acúmulo do capital e o progresso do lucro;

  • a estrutura da organização e a estrutura legal que constitui o contexto de atuação no ambiente; e

  • processo de escolha interna das ações, ou seja, a intenção do cometimento da ação criminosa.

Segundo Borges & Medeiros (2014), a ação criminosa ocorre por meio de dois fatores. O primeiro é a motivação apresentada pelas causas psicossociais e estruturais, o que a autora denomina como oportunidade. O segundo fator é o “custo-benefício”, apontado por Ariely (2013)Ariely , D. ( 2013 ). The (Honest) Truth about dishonest. Resenha: De verdade, o que é ser honesto? Revista de Administração de Empresas , São Paulo , 53 ( 4 ), 416 - 417 . doi: 10.1590/S0034-75902013000400009
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como a racionalização da realização do crime versus seus benefícios e a probabilidade de descoberta da ação ( Ariely, 2013)Ariely , D. ( 2013 ). The (Honest) Truth about dishonest. Resenha: De verdade, o que é ser honesto? Revista de Administração de Empresas , São Paulo , 53 ( 4 ), 416 - 417 . doi: 10.1590/S0034-75902013000400009
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.

Além do mais, diante de tantas possibilidades, neste estudo, adotamos o entendimento de que a dinâmica do management é a motivação e justificativa que legitima as práticas de cometimento dos crimes. Como exemplo, Schnatterly, Gongloff & Tuschke (2018) apresentam o triângulo da fraude para apontar suas conclusões sobre as pressões e oportunidades enfrentadas pelos diretores executivos ( Chief Executive Officer – CEO) que servem de capacitação para que estes racionalizem os seus maus comportamentos.

Com isso, para o nosso recorte de compreensão do crime corporativo, este se apresenta na Figura 1 , onde se direciona o estimulo e a justificação da lógica de funcionamento do management . Este se justifica na medida em que traz retorno econômico para o acionista e somente isso. Todos os outros fatores que balizam as ações no contexto corporativo são relativizados para esse fim.

Figura 1
Lógica da prática dos crimes corporativos

E não se deve deixar de levar em consideração os apontamentos dos estudos de Anand, Ashforth e Joshi (2004) revisitados por Freitas Júnior e Medeiros (2018), que apresentam as estratégias utilizadas como táticas de racionalização para escusar atos criminosos daqueles que fazem uso de práticas corruptivas. Visando evitar o confrontamento com seu caráter negativo, elas são apresentadas como parte do sistema, uma ocorrência comum e até aceitável do agir no cotidiano, sendo elas:

Tabela 1
: Estratégias utilizadas como táticas de racionalização para escusar atos criminosos

Nessa lógica, para a compreensão da figura, temos que a ética do management é a econômica, a utilitarista, oriunda de uma racionalidade instrumental; um valor que subordina tudo a ele, mesmo os valores substantivos da moral vigente ( Guerreiro Ramos, 1989Guerreiro Ramos , A. ( 1989 ). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações . 2 . ed. Rio de Janeiro : FGV . ). Com isso, temos o entendimento de que a dinâmica do management é a motivação que legitima as práticas de cometimento dos crimes. Por alinhar-se a uma ética econômica, o crime corporativo é praticado pelo agente da corporação não somente visando o seu próprio interesse, mas também em favor dos objetivos da empresa:

A empresa controla não somente todo o aparelho da sua produção, que compreende seres e coisas, mas também controla, de uma forma mais indireta, os seres e as coisas por intermédio de seu ou de seus mercados. Quando entra em concorrência com outras empresas, coloca na balança tudo ou parte de seus trunfos. ( Raffestin, 1993Raffestin , C. ( 1993 ). Por uma geografia do poder . São Paulo, SP : Ática . , p. 59)

Dessa forma, há uma estrutura, um modus operandi , baseado em um sistema econômico utilitarista de mercado instituído social e historicamente. Nesse contexto, inserem-se as corporações que, por sua lógica de operação, possibilitam uma vertente motivadora para a ação criminosa que é justificada pelo alcance dos seus objetivos. Para Marx (2011)Marx , K. ( 2011 ). O Capital: crítica da economia política: livro I . Rio de Janeiro, RJ : Civilização Brasileira . , o objetivo da ação-fim do sistema capitalista é a produção de mais riquezas para os detentores de capital.

Nessa questão da busca pela justificativa de suas ações, Coraiola e Derry (2020)Coraiola , D. M. , Derry , R. ( 2020 ). Remembering to Forget: The Historic Irresponsibility of US Big Tobacco . Journal of Business Ethics , 166 ( 2 ), 233 - 252 . doi: 10.1007/s10551-019-04323-4 argumentam que há o esforço da organização (no caso de seu estudo, a tabagista americana), em cobrir seus rastros, manipulando as evidências de seus malfeitos com táticas desde esconder documentações, até ao que já comentamos que é a construção de uma ignorância estratégica, propagando dúvidas sobre os malefícios de seus produtos.

A figura 1 demonstra a lógica da prática dos crimes corporativos.

Dessa forma, a dinâmica do management motiva as práticas criminosas na medida em que pressiona o sistema por resultados econômicos a qualquer custo, inclusive justificando-as. Nesse contexto, o crime corporativo corresponde a uma resposta do agente da corporação às pressões por resultados que sofre no exercício do seu cargo e não para atender ao seu próprio interesse. Ou seja, o crime é corporativo por ser realizado para o atingimento das metas e objetivos da corporação e é articulado sob a anuência desta.

Schnatterly, Gangloff & Tuschke (2018) apresentam que, no caso dos CEO, existe a cultura de racionalizar seus erros, por conta da pressão sofrida, como a estrutura de remuneração, a oportunidade que se apresenta na questão do poder e estrutura de controle, e por fim, a racionalização, como a cultura da empresa, indo ao encontro de Anand et al. (2004)Anand , V. , Ashforth , B. E. , Joshi , M. ( 2004 ). Business as Usual: The Acceptance and Perpetuation of Corruption in Organizations . Academy of Management Executive , 18 ( 2 ), 39 - 53 . doi: 10.5465/AME.2004.13837437 sobre o engajamento dos funcionários nas táticas de racionalização do cometimento do crime.

A oportunidade nasce da relação histórica do agente público atuando em prol dos interesses privados das elites econômicas (Faoro, 2011), principalmente, considerando a versão da história a ser contada, e o conhecimento jurídico das etapas processuais, e até mesmo o resultado de punição histórica desses crimes (Freitas Junior & Medeiros, 2018).

Já a justificativa se dá pelos valores do management , ancorada em sua ideologia, que atenuam o caráter imoral de alguns crimes corporativos, descaracterizando-os por meio de comunicação distorcida. Além do mais, sempre existe a racionalização para o cometimento do crime, como já apontamos em Anand et al. (2004)Anand , V. , Ashforth , B. E. , Joshi , M. ( 2004 ). Business as Usual: The Acceptance and Perpetuation of Corruption in Organizations . Academy of Management Executive , 18 ( 2 ), 39 - 53 . doi: 10.5465/AME.2004.13837437 , basta vermos o resultado das ações jurídicas, como por exemplo, apontou Freitas Júnior e Medeiros (2018) sobre a estratégia da racionalização da corrupção sob a ótica das declarações dos acusados.

O sistema capitalista é capaz de se reinventar alterando suas práticas para a manutenção do status quo . Apresenta-se como uma ideologia dominante e que prioriza princípios como a competição, o individualismo e o maior acúmulo possível de capital. Partindo desse princípio, apontamos que o crime corporativo pode se tornar uma ferramenta para o atingimento dos objetivos organizacionais, bem como a sua justificativa perante o sistema.

Em um contexto no qual os resultados financeiros representam a finalidade última da atividade, vemos desenvolverem-se múltiplos “negócios” que ilustram o divórcio crescente entre o business e a moral. A partir do momento em que a ciência gerencial e aqueles que a encarnam se submetem aos interesses e a pressão do capital, vemos o desenvolvimento de discursos que encobrem com intenções louváveis práticas que são menos louváveis ( Gaulejac, 2017Gaulejac , V. ( 2017 ). Gestão social como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social . Aparecida, SP : Ideias & Letras . ).

Alcadipani (2014)Alcadipani , R. ( 2014 ). Corrupção e as empresas . GV Executivo , 13 ( 1 ), 68 . Retrieved from https://bit.ly/3Ubs42z
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salienta que “corporações podem usar seu poder para mudar regras que se mostrem ruins para seus negócios” (p. 68), o que vai ao encontro do que Borges et al. (2016Borges , S. R. P. , Medeiros , C. R. O. , Biase , N. G. & Valadão Júnior , V. M. ( 2016 ). A Opinião Pública sobre Crimes Corporativos: o que Pensam os Estudantes de Cursos de Graduação da Área de Negócios . Administração: Ensino e Pesquisa , 17 ( 1 ), 33 - 72 . doi: 10.13058/raep.2016.v17n1.225 , p. 37) argumentam: “. . . aqueles que praticam o crime corporativo têm posições privilegiadas na sociedade, influenciando, até mesmo, na elaboração e interpretação das leis criminais, diferentemente, daqueles que cometem os crimes de rua”.

A prática do management é uma importante ferramenta do capitalismo que, à medida que a dinâmica do capital vai exigindo uma reinvenção frente à crescente competitividade e à crise social, faz com que o discurso gerencial esteja em constante aperfeiçoamento, propagando-se em todo o contexto social como uma lógica hegemônica e justificada, operando por meio da racionalização capitalista.

Com isso, propõe-se uma forma de entender a lógica de operação de uma ação criminosa das corporações dentro da estrutura econômica-social racionalizada instrumentalmente para a obtenção de lucro:

A corporação como modelo de negócios constitui-se na maior força do capitalismo contemporâneo. O princípio da separação corporativa, o qual prevê que as responsabilidades da corporação e a propriedade dos seus ativos são exclusivos da corporação, portanto, os acionistas não têm responsabilidades sobre seus crimes e má conduta. ( Medeiros, 2019Medeiros , C. R. O. ( 2019 ). Crimes corporativos: o espectro do genocídio ronda o mundo . Revista de Administração de Empresas , 59 ( 6 ), 435 - 441 . doi: 10.1590/S0034-759020190610
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, p. 440)

Gaulejac (2017)Gaulejac , V. ( 2017 ). Gestão social como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social . Aparecida, SP : Ideias & Letras . afirma que “a gestão gerencialista é uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenho e esses desempenhos em custo ou benefícios” (p. 36), o que vai ao encontro do argumento de Chanlat (1999)Chanlat , J.-F. ( 1999 ). Ciências sociais e management: reconciliando o econômico e o social . São Paulo, SP : Atlas . quando este afirma que o managerialismo é “diretamente o produto de uma sociedade de gestores que busca racionalizar todas as esferas da vida social” ( Chanlat, 1999Chanlat , J.-F. ( 1999 ). Ciências sociais e management: reconciliando o econômico e o social . São Paulo, SP : Atlas . , p. 17). Segundo Vizeu:

O modelo de empresa capitalista, por se constituir em função da razão instrumental, também serve de meio de desnaturação da condição humana nas relações sociais, pois condiciona o sentido de comunidade à perspectiva da vantagem econômica, sendo todas as dimensões humanas suplantadas pela esfera econômica. ( Vizeu, 2005Vizeu , F. ( 2005 ). Ação comunicativa e estudos organizacionais . Revista de Administração de Empresas , 45 ( 4 ), 10 - 21 . doi: 10.1590/S0034-75902005000400002
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, p. 11)

Assim, temos que o crime corporativo se relaciona com a própria essência do management na medida em que ambos dizem respeito ao mesmo tipo de interesse: a maximização do ganho econômico.

Assim sendo, a questão central no conceito de crime corporativo é que este é praticado pelo agente da corporação em prol dos interesses e dos objetivos econômicos da empresa. Essa definição é fundamental para que se entenda por que se associa o crime corporativo à dinâmica do management – outro elemento desse estudo para discutir a relação do crime corporativo, caracteriza-se por esforços de cooptação do agente público para atender aos interesses de uma elite econômica, algo marcante na sociedade brasileira desde há muito tempo ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ).

Quando se analisa o desenvolvimento do management no Brasil, pode-se entender que isso não ocorreu da forma como se propõe na situação de liberalismo econômico ( Vizeu, 2018Vizeu , F. ( 2018 ). IDORT e difusão do management no brasil na década de 1930 . Revista de Administração de Empresas , 58 ( 2 ), 163 - 173 . doi: 10.1590/S0034-759020180205
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), e sim que existe uma relação que não se apoia na livre iniciativa de mercado, mas na criação ou na flexibilização de leis para melhor atender aos grandes grupos econômicos ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ).

Verifica-se a relação histórica entre as elites econômicas brasileiras e os agentes públicos que não somente marcou a forma como o management se estabeleceu aqui no país ( Vizeu, 2008Vizeu , F. ( 2008 ). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 ( Tese de Doutorado ). Fundação Getulio Vargas , São Paulo, SP . Retrieved from https://bit.ly/3XAnMod
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), mas que também é um elemento fundamental na elucidação de como o crime corporativo é tratado no contexto nacional.

Essa natureza elitista/promíscua/protecionista da relação entre as empresas e os agentes do poder público não se desconstruiu ao longo dos anos, seguindo a lógica do liberalismo puro. Ao contrário, veio se refinando na lógica de um Estado burguês de direito sobre a base de um capitalismo industrial. Transitou do movimento dos bandeirantes para o latifundismo, o coronelismo, o nacionalismo, o militarismo e a redemocratização, mas permaneceram os privilégios concedidos pelo Estado às empresas de capital ( Luz, 1978Luz , N. V. ( 1978 ). A luta pela industrialização do Brasil . São Paulo, SP : Alfa Ômega . ). Enfim, a estrutura político-social sobreviveu às diversas transformações, porém ainda está em seu âmago a garantia de privilégios, e não de direitos ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ).

Relação do Estado e do management: a minério-dependência

No Brasil, o desenvolvimento da relação das organizações econômicas com as instituições públicas, desde a colonização do país, vigora exercendo protecionismo aos grandes grupos do management . A atuação do Estado é ora sendo financiador, ora consumidor, ora sócio. Ou seja, no Brasil, houve a introdução do capitalismo conduzido pelo Estado, tendo como sustentação a premissa patrimonialista ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ; Vizeu, 2008Vizeu , F. ( 2008 ). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 ( Tese de Doutorado ). Fundação Getulio Vargas , São Paulo, SP . Retrieved from https://bit.ly/3XAnMod
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, 2011aVizeu , F. ( 2011a ). Rural Heritage of Early Brazilian Industrialists: its Impact on Managerial Orientation . BAR. Brazilian Administration Review , 8 , 68 - 85 . doi 10.1590/S1807-76922011000100006 ).

Com a inevitável modernização na virada para o século vinte, a lógica patrimonialista na configuração das relações político-econômicas se mantém, porém, incorporando as referências institucionais do Estado Moderno e da economia industrial. Na verdade, estas últimas são ajustadas a ordem patrimonialista na medida que se subvertem a regra política de garantir privilégios ao estamento burocrático que controla o Estado brasileiro. ( Vizeu, 2008Vizeu , F. ( 2008 ). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 ( Tese de Doutorado ). Fundação Getulio Vargas , São Paulo, SP . Retrieved from https://bit.ly/3XAnMod
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, p. 136)

A relação público-privado se potencializou a partir de 1808, quando houve a chegada da família real portuguesa e da promoção da colônia para Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves ( Luz, 1978Luz , N. V. ( 1978 ). A luta pela industrialização do Brasil . São Paulo, SP : Alfa Ômega . ; Vizeu 2008Vizeu , F. ( 2008 ). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 ( Tese de Doutorado ). Fundação Getulio Vargas , São Paulo, SP . Retrieved from https://bit.ly/3XAnMod
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):

. . . O resultado foi o alvará de 28 de abril de 1809 que não se limitou, porém, aos meios preconizados pelos liberais. Além da isenção de direitos aduaneiros às matérias-primas necessárias às fábricas nacionais, isenção de imposto de exportação para os produtos manufaturados do país e utilização dos artigos nacionais no fardamento das tropas reais, medidas todas essas que não podiam deixar de ser aplaudidas pelos liberais, estabeleciam-se certas concessões que iriam, no decorrer do século, favorecer certos abusos contra os quais protestariam os defensores do liberalismo econômico. ( Luz, 1978Luz , N. V. ( 1978 ). A luta pela industrialização do Brasil . São Paulo, SP : Alfa Ômega . , p. 21)

Há indícios de que o poder público brasileiro se tornou protagonista dos interesses das organizações econômicas uma vez que, desde o início, tem servido aos interesses de outrem, dos indivíduos ao invés do coletivo ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ).

Essa natureza elitista/promíscua/protecionista da relação entre as empresas e os agentes do poder público não se desconstruiu ao longo dos anos, seguindo a lógica do liberalismo puro. Ao contrário, veio se refinando na lógica de um Estado burguês de direito sobre a base de um capitalismo industrial. Transitou do movimento dos bandeirantes para o latifundismo, o coronelismo, o nacionalismo, o militarismo e a redemocratização, mas permaneceram os privilégios concedidos pelo Estado às empresas de capital ( Luz, 1978Luz , N. V. ( 1978 ). A luta pela industrialização do Brasil . São Paulo, SP : Alfa Ômega . ). Enfim, a estrutura político-social sobreviveu às diversas transformações, porém, ainda está em seu âmago a garantia de privilégios e não de direitos ( Faoro, 2001Faoro , R. ( 2001 ). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro ( 3 a ed.). Rio de Janeiro, RJ : Globo . ).

O primeiro fator que caracteriza o caminho gerencial brasileiro é a busca de vantagem competitiva por meio de privilégios obtidos por meio de laços políticos até certo ponto, a persistência da negociação política personalista em empresas industriais compensou a falta de racionalização na produção (seja em termos de adoção de novas tecnologias de produção ou a racionalização da administração). Assim, mesmo sob pressão de padrões externos de competição (dado que os produtos importados estavam disponíveis no mercado brasileiro), o modo característico de enfrentar essa ameaça era o protecionismo, atendendo aos interesses de indivíduos ou pequenos grupos, construídos através das relações com o Estado. Em outras palavras, sempre que uma determinada indústria se sentia ameaçada pela concorrência de um concorrente mais eficiente, seus diretores ativavam sua rede de influência política para minimizar a ameaça. (Vizeu, 2011a, p. 78)

Um bom exemplo dessa relação pode ser visto no setor de mineração no Brasil, onde podemos apontar que a minério-dependência é mais um dos efeitos das corporações operadas pela lógica do management sob os auspícios do Estado, e que tal dependência de seus atingidos pode se tornar um ambiente propício para o cometimento de crime corporativos, tendo em vista que tornam os seus dependentes mais frágeis perante as corporações.

Ao se olhar para a história de desenvolvimento do setor de mineração no Brasil, identifica-se o primeiro grande arranjo econômico-social que demandou uma importante imigração da Metrópole para Colônia. Mas não apenas isso, sucedeu-se um significativo movimento de migração e uma nova composição estrutural do Estado brasileiro, visto que a capital fora transferida de Salvador (BA) para o Rio de Janeiro (RJ) ( Fausto, 2006Fausto , B. ( 2006 ). História do Brasil ( 12 a ed.). São Paulo, SP : Editora da Universidade de São Paulo . ).

Coelho (2018)Coelho , T. ( 2018 ). Minério-dependência em Brumadinho e Mariana . Lutas Sociais , 22 ( 41 ), 252 - 267 . doi: 10.23925/ls.v22i41.46681
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apresenta a minério-dependência em três aspectos (econômico, político e sociológico), de maneira que esse triângulo pauta a realidade de quem vive nesse meio, e destaca o poder da corporação e sua relação promíscua com agentes do Estado. Na dependência econômica, é constituída pela arrecadação de impostos e a geração de emprego e renda, visto que muitos municípios e a população local têm na mineração a sua principal fonte de recursos. Com isso, o sucesso ou o insucesso das empresas desse setor, mais do que outras, atingem diretamente as economias locais.

Na dependência política, há a ação da corporação nas instâncias de Estado para defender seus interesses; é o caso das grandes empresas mineradoras se inserindo no processo deliberativo governamental (câmaras dos vereadores, prefeituras, governos estaduais, órgãos de licenciamento ambiental e de fiscalização, senadores e deputados estaduais e federais etc.) buscando vantagens para suas atividades, como isenções fiscais, flexibilidade nas leis e direcionamento da gestão pública aos seus interesses.

Por fim, na dependência sociológica, os que vivem na minério-dependência renunciam, muitas vezes, aos seus direitos e são coniventes com os desvios das empresas, pois “o desejo de empregos na mineração e o receio da demissão ou fechamento dos postos de trabalho existentes desmobilizam comunidades que vivem diretamente os danos gerados” ( Coelho, 2018Coelho , T. ( 2018 ). Minério-dependência em Brumadinho e Mariana . Lutas Sociais , 22 ( 41 ), 252 - 267 . doi: 10.23925/ls.v22i41.46681
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, p. 256). Com isso, é comum que as vítimas desse setor desenvolvam uma espécie de síndrome de Estocolmo para não paralisar as atividades das empresas.

Coelho, Milanez & Pinto (2016) afirmam que, parte da população de Mariana (MG), defendia a volta imediata das atividades da Samarco, mesmo após o rompimento da barragem que lá ocorrera em 2015, pois argumentavam que o desemprego estava aumentando devido à paralisação de tais atividades. Aliás, os que representam os órgãos ambientais e de fiscalização dos poderes públicos, assim como os comerciantes e os trabalhadores da Vale S/A, mencionam a existência dessa dependência econômica e política dos municípios frente às mineradoras ( Coelho et al., 2016)Coelho , T. P. , Milanez , B. , Pinto , R. G. ( 2016 ). A empresa, o Estado e as comunidades . In M. Zonta , & C. Trocate ( Orgs .) , Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton (pp. 183 - 228 ). Marabá, PA : iGuana . Retrieved from https://bit.ly/3VddPvs
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.

Dessa forma, a minério-dependência é mais um dos efeitos das corporações operadas pela lógica do management , e tal dependência pode constituir um ambiente propício para o cometimento de crime corporativos, tendo em vista que tornam os seus dependentes mais frágeis perante as corporações.

O espaço de fala como um local de espaço de igualdade participativa

Segundo Martins e Carrion (2013)Martins , B. V. , Carrion , R. M. ( 2013 ). A presença da ONG Cidade no planejamento urbano de Porto Alegre . Cadernos Gestão Pública e Cidadania , 18 ( 62 ), 78 - 99 . doi: 10.12660/cgpc.v18n62.4805 , “a esfera pública pode ser entendida como uma rede na qual a comunicação ocorre de maneira fluida, onde são comunicados conteúdos, tomadas posições e formadas opiniões” (p. 83).

Em Habermas (2012)Habermas , J. ( 2012 ). Teoria do agir comunicativo . São Paulo, SP : WMF Martins Fontes . , a comunicação não propicia apenas a troca da informação, e sim uma forma de ação, de modificação, de manutenção do status quo e de emancipação. Para tanto, apresenta a sua consideração sobre as duas ações: a racional comunicativa e a racional instrumental, elucidando como pode ocorrer ou uma comunicação que vise ao consenso ou que seja notoriamente manipulada e sistematicamente distorcida com o objetivo de alcançar objetivos estratégicos da corporação.

De um lado, pratica-se um tipo de comunicação voltado ao entendimento, ao consenso, que pressupõe agentes linguisticamente competentes e, no qual, segundo Vizeu (2005)Vizeu , F. ( 2005 ). Ação comunicativa e estudos organizacionais . Revista de Administração de Empresas , 45 ( 4 ), 10 - 21 . doi: 10.1590/S0034-75902005000400002
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, “a racionalidade [comunicativa] consiste no uso de argumentos válidos, capazes de fundamentar as proposições e os enunciados considerados na interação comunicativa” (p. 4). Por outro lado, é a comunicação instrumental que se vale da manipulação, visto que se torna um meio estratégico para se atingir um fim, com táticas de enganação, tendenciosa e intencionalmente distorcendo o processo comunicativo ( Habermas, 2012Habermas , J. ( 2012 ). Teoria do agir comunicativo . São Paulo, SP : WMF Martins Fontes . ).

Os espaços públicos deveriam ser espaços de fala capazes de incluir todos os participantes necessários e de terem autorregulação de forma que se poderia construir resultados mutuamente aceitos. Deveriam ser locais onde existisse a “situação de fala ideal” e a possibilidade de discussões que visassem ao consenso livre e não à coação dos envolvidos. Assim, tais espaços deveriam ser um campo nivelado que pudesse garantir que todos os falantes tivessem chances equivalentes de agir discursivamente ( Webler & Tuler, 2000Webler , T. , Tuler , S. ( 2000 ). Fairness and Competence in Citizen Participation: Theoretical Reflections from a Case Study . Administration & Society , 32 ( 5 ), 566 - 596 . doi: 10.1177/00953990022019588
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). Por exemplo, é o que se espera de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que deve dar voz a todas as versões e fazer com que essas, em consenso, se tornem uma versão viável pela emancipação.

Para a discussão de espaço público de fala, os estudos que utilizam a base habermasiana vêm trazendo contribuições para o entendimento de sua composição, como em Pinzani e Schmidt (2016)Pinzani , A. , & Schmidt , R. ( Orgs .) . ( 2016 ). Um pensamento interdisciplinar: ensaios sobre Habermas . Florianópolis, SC : Nefiponline . Retrieved from https://bit.ly/3XFO2xq
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, que organizam diversos estudos sobre o uso do autor, bem como Oliveira e Fernandes (2011)Oliveira , L. A. , Fernandes , A. B. ( 2011 ). Espaço público, política e ação comunicativa a partir da concepção habermasiana . Revista Estudos Filosóficos , ( 6 ), 116 - 130 . Retrieved from https://bit.ly/3ihqRcT
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, que discutem o pensamento de Habermas acerca de questões pertinentes ao espaço público. Há também Lima (2021)Lima , C. R. M. ( Org .) . ( 2021 ). Anais XVI Colóquio Habermas e 7º Colóquio de Filosofia da Informação . Rio de Janeiro, RJ : Salute . Retrieved from https://bit.ly/3Vg68og
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, que organizou um colóquio dando destaque aos conceitos centrais na obra do autor.

Com isso, na reflexão de Habermas sobre os espaços públicos de fala, tem-se que um dos primeiros passos para o sucesso dessas arenas discursivas seria identificar quem são as partes potencialmente interessadas e afetadas, as quais deveriam dividir o espaço. Dessa forma, os espaços públicos deveriam ser constituídos como lugares discursivos de pretensão democrática, que oferecessem amplo espaço de igualdade participativa e onde os participantes se reconhecessem como sujeitos que são capazes de explanar seus argumentos no intuito de se chegar a um acordo coletivo ( Vizeu & Bin, 2008Vizeu , F. , Bin , D. ( 2008 ). Democracia deliberativa: leitura crítica do caso CDES à luz da teoria do discurso . Revista de Administração Pública , 42 ( 1 ), 83 - 108 . doi: 10.1590/S0034-76122008000100005 ).

Seria ainda um espaço onde os falantes pudessem expor seus argumentos em busca de verdades, reivindicando a validade de suas afirmações de forma consensual dentro de um amplo debate. Ou seja, cada participante buscaria a sua pretensão de validez no ato da fala, nos mundos objetivo, subjetivo e normativo.

Esses espaços não podem se transformar em apenas lugares que funcionem como uma representação assimétrica, nos quais não haja garantias de sua formação equilibrada. Indo além, a simetria não deve ser somente do espaço, mas também da participação (Aguiar, Heller, & Melo, 2012). Em outras palavras, esses espaços devem estar desarmados de suas intenções, porém, por conta de quem o organiza, os interesses individuais podem calar vozes e ocupar o espaço ao seu interesse, justificando-o para um amplo debate, porém, o sendo como um verdadeiro house of cards .

A organização dos espaços de fala deve ter como princípio que a informação sirva a todos, que todos se sintam parte do processo e conheçam como funciona o espaço. Este espaço perde a sua legitimidade mediante o desinteresse, a desconfiança ou o descrédito de seus participantes ( Tongo & Behr, 2020Tongo , E. L. , Behr , R. R. ( 2020 ). Limites à participação: uma crítica à (des)construção do planejamento estratégico em uma instituição pública de ensino superior . Revista Gestão & Planejamento , 21 ( 1 ), 70 - 86 . doi: 10.21714/2178-8030gep.v.21.4256
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). Isso porque “a falta de informação diminui as possibilidades de argumentação e, por consequência, inibe os atores de expressarem suas pretensões de validade num processo democrático de formação da opinião e da vontade” ( Tongo & Behr, 2020, pTongo , E. L. , Behr , R. R. ( 2020 ). Limites à participação: uma crítica à (des)construção do planejamento estratégico em uma instituição pública de ensino superior . Revista Gestão & Planejamento , 21 ( 1 ), 70 - 86 . doi: 10.21714/2178-8030gep.v.21.4256
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, p. 82).

Ainda nesse espaço de participação, em sua organização, deve-se inibir a ação estratégia de manipulação por meio de influências entre os grupos participantes, ou seja, não é permissível que exista a coesão, muito menos, a troca de favores, benesses etc. ( Martins & Carrion, 2013Martins , B. V. , Carrion , R. M. ( 2013 ). A presença da ONG Cidade no planejamento urbano de Porto Alegre . Cadernos Gestão Pública e Cidadania , 18 ( 62 ), 78 - 99 . doi: 10.12660/cgpc.v18n62.4805 ). Portanto, deve-se analisar se, de fato, os participantes tiveram espaço para deliberar livremente sobre todas as questões que consideram pertinentes ao que está sendo discutido, pois apenas fazer-se presente não é garantia de participação e nem de representação de suas intenções discursivas.

Nos espaços das arenas discursivas, há o que Habermas (1997)Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . denominou esfera ou espaço público, que representa uma complexa rede onde são produzidos os debates e discussões acerca dos mais diversos assuntos de ordem pública. Tais conversas ocorrem por meio do compartilhamento intersubjetivo dos mundos da vida de seus participantes.

Com isso, os espaços públicos de fala são os que privilegiam o lugar do sujeito como o que “reconhece a igualdade política e se vale da busca pela significação em todas as suas esferas possíveis, inclusive buscando a inteligibilidade” ( Vizeu & Bin, 2008Vizeu , F. , Bin , D. ( 2008 ). Democracia deliberativa: leitura crítica do caso CDES à luz da teoria do discurso . Revista de Administração Pública , 42 ( 1 ), 83 - 108 . doi: 10.1590/S0034-76122008000100005 , p. 94). Esses são os espaços onde os falantes podem opinar, divergir e, com isso, sentirem-se participando de fato das decisões, pois estão em um ambiente legítimo com uma oportunidade real de manifestação.

Para Habermas (1997)Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . , tal espaço público deve ser autônomo, um local que não se constitua apenas como um espaço aos fins estratégicos de alguns grupos de interesse, mesmo que estejam representando atores de grande influência política, econômica ou social, que é o que se espera de uma CPI. Vizeu e Bin (2008Vizeu , F. , Bin , D. ( 2008 ). Democracia deliberativa: leitura crítica do caso CDES à luz da teoria do discurso . Revista de Administração Pública , 42 ( 1 ), 83 - 108 . doi: 10.1590/S0034-76122008000100005 , p. 90) ressaltam que “a igualdade é concebida exclusivamente sob o ponto de vista político, já que pressupõe as diferenças naturais da individualidade dos sujeitos participantes”. Com isso, esse é um espaço limitador dos grandes interesses instrumentais, sem a abertura para as ações de cunho coercitivo ou dominadoras, sendo que é o espaço que visa garantir a autonomia do mundo da vida.

Partindo da premissa habermasiana de que o entendimento mútuo no espaço público se forma pelo debate argumentativo de diferentes (e divergentes) vozes, uma CPI pode ser caracterizada como um espaço público de fala na medida em que visa ser um espaço democrático em relação aos envolvidos e diretamente interessados no evento sob investigação. Para tanto, a CPI deve ter por diretriz escutar a todos os envolvidos, considerar todas as versões e argumentos, e ser um espaço onde todos tiveram iguais condições de expressão e fala, sem nenhum tipo de constrangimento ou dificuldade previamente estabelecida. Por isso, da mesma forma que denominaram Vizeu e Bin (2008)Vizeu , F. , Bin , D. ( 2008 ). Democracia deliberativa: leitura crítica do caso CDES à luz da teoria do discurso . Revista de Administração Pública , 42 ( 1 ), 83 - 108 . doi: 10.1590/S0034-76122008000100005 , instâncias plurais de debate público patrocinadas pelo estado democrático de direito deveriam ser configuradas como um espaço público onde se estabelece a democracia deliberativa, no sentido habermasiano.

Para se identificar os aspectos contextuais relevantes que caracterizaram a CPI como um espaço público de fala, faz-se necessário entender como a comissão é formada, como são definidas as atividades e diligências, como são escolhidos os depoentes, como são definidos os textos oficiais e relatórios conclusivos. Também buscou-se compreender as questões legais para o funcionamento dessas comissões. Partimos da premissa de que uma CPI é um espaço democrático e prima pelo princípio jurídico da oportunidade da plena defesa, constituindo-se, em tese, como um espaço de fala livre para o debate argumentativo – inclusive levando em consideração os interesses e a intencionalidade dos responsáveis em sua constituição e operacionalização.

Habermas (1997)Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . explana que o espaço de fala se constitui em um espaço de mediação entre o Estado e as demandas da sociedade, sempre em torno das discussões argumentativas de temas oriundos do mundo da vida que, em um dado momento, se constitui em um problema ou um interesse da sociedade.

É nesse lugar que se encontram os espaços de fala dos envolvidos nos mais diversos processos. Ele se caracteriza como uma arena de vozes múltiplas com intuito para uma formação representativa, como os fóruns e os palcos. São os locais onde os sujeitos podem deliberar de forma natural em busca do consenso, onde se dá sentido às pretensões de validez do ato da fala ( Habermas, 1997Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . ).

Podem ser fóruns, conselhos, audiências e comissões parlamentares. Parte-se da premissa de que o espaço público é o lócus do estabelecimento da verdade dos fatos. Já no que se refere aos espaços de investigação, estes também são da reparação de danos.

Espaços como as CPI podem ser considerados espaço de fala. São uma extensão das atividades do parlamento para a defesa dos interesses da sociedade, um instrumento de representação popular, visto que buscam ser múltiplos tanto em suas investigações, quanto em suas oitivas – realizadas para chegar à verdade dos mais diversos fatos que podem originar uma CPI.

Metodologia

O presente estudo constitui uma pesquisa segundo as lógicas qualitativas, com o enfoque descritivo e com o uso de pesquisa bibliográfica, tendo no nível de análise, a organização; na unidade de análise, o discurso e, por fim, a temporalidade seccional. Tendo como objetivo de pesquisa analisar como foi construída as condições de produção de versões do crime corporativo relacionado ao rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG), optou-se por fazê-la por meio dos materiais oriundos do Relatório Final da CPI Bruma, que ocorreu em âmbito federal e foi realizada pela Câmara dos Deputados.

Tal escolha se deve ao fato de que, nesse documento, seria possível encontrar a constituição do espaço de fala com as múltiplas vozes dos diversos interessados no evento: a empresa, o governo, os representantes das vítimas, as pessoas economicamente afetadas etc.

A CPI Bruma elaborou seu relatório final em cinco de novembro de 2019 e enviou-o para 28 instituições, dentre elas o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG). Este, por sua vez, denunciou a Vale S/A por sete crimes e pediu o indiciamento de 22 pessoas físicas e duas empresas. A Justiça Estadual de Minas Gerais aceitou, em 14 de fevereiro 2020, a denúncia do MPMG, que usa, dentre vários elementos de sua investigação, o relatório final da CPI Bruma.

Formulamos três perguntas de pesquisa, visando alcançar o objetivo deste estudo: analisar como foram construídas as condições de produção de versões do crime corporativo relacionadas ao rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG) a partir da análise do relatório final da CPI Bruma. As perguntas de pesquisa são as que seguem:

  1. Como se articularam os múltiplos discursos construídos em torno do evento?

  2. Como ocorreu a produção de versões e de gestão do espaço de fala estabelecido no relatório final da CPI da Câmara dos Deputados?

  3. Como ocorreu a distorção discursiva no uso do espaço público de fala e na produção de versões sobre o crime corporativo no relatório final da CPI da Câmara dos Deputados.?

A proposta consiste compreender, pela análise do crime corporativo da Vale S/A em Brumadinho (MG), a dinâmica dos discursos que constroem versões em torno de crimes corporativos. Nesse caso, foi necessário apreender como se manifestam as dinâmicas do management nas ações cotidianas que moldaram as práticas criminosas e como se compuseram discursos para interpretar e reinterpretar o crime corporativo.

Para a coleta das informações, optamos pelo uso de dados secundários de acesso público. Isso porque tal tática forneceria inúmeras informações e o cruzamento delas apresentaria ampla potencialidade para a construção de um corpus textual robusto. Dessa forma, a opção de coleta de dados é a de domínio público, indo ao encontro de Spink quando afirma que:

Os documentos de domínio público refletem duas práticas discursivas: como gênero de circulação, como artefatos do sentido de tornar público, e como conteúdo, em relação àquilo que está impresso em suas páginas. São produtos em tempo e componentes significativos do cotidiano; complementam, completam e competem com a narrativa e a memória. ( Spink, 2013Spink , P. ( 2013 ). Análise de documentos de domínio público . In M. J. P. Spink ( Org .) , Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas . Rio de Janeiro : Centro Edelstein de Pesquisas Sociais . , p. 81)

Outrossim, o relatório da CPI Bruma traz consigo diversos elementos narrativos, como o inquérito da Polícia Civil, os trabalhos do Ministério Público, a comissão e as audiências públicas que as antecederam.

A coleta das informações se deu entre os dias 25 de janeiro de 2019 e 30 de maio de 2020 no acompanhamento de ações após a justiça aceitar a denúncia do MPMG contra as pessoas envolvidas no rompimento da barragem.

Partiu-se da premissa de que no corpus escolhido seria possível estudar como se construíram as condições de produção de versões sobre o crime corporativo, a dinâmica discursiva em torno do crime corporativo da Vale S/A em Brumadinho (MG). Assim, por meio de uma análise das pretensões de validez do ato de fala, compreendemos como se configuraram as estratégias argumentativas na constituição do discurso do crime, em especial, dos aspectos da relação entre agentes públicos e privados.

Uma primeira leitura possibilitou-nos caracterizar todo o processo investigativo, identificando-se os atores que participaram da CPI, bem como compreender como a Comissão se constituiu e funcionou como um espaço público de fala. Dessa forma, estruturamos a análise dos dados a partir de duas etapas: (a) levantamento de aspectos contextuais da CPI enquanto espaço público de fala e o papel dos atores envolvidos e (b) a análise do corpu s textual propriamente dita, identificando e qualificando os diferentes discursos a partir dos pressupostos teóricos do modelo habermasiano.

Definido o corpus textual, procedemos à análise de discurso segundo a perspectiva habermasiana, tendo como foco as pretensões de validez do ato de fala propostas por Vizeu (2011a).

Apresentação e análise de dados

Ao utilizarmos as perspectivas teóricas de Habermas (2012)Habermas , J. ( 2012 ). Teoria do agir comunicativo . São Paulo, SP : WMF Martins Fontes . para este estudo, objetivamos demonstrar que as práticas comunicativas podem ser distorcidas intencionalmente em benefício de um grupo e em detrimento de outro, bem como os espaços de públicos de fala podem ser cooptados para interesses dos grupos dominantes. Com isso, analisamos os múltiplos discursos sob as premissas das pretensões de validez do ato de fala.

No sentido de compreender a CPI como uma arena de debate, um espaço de múltiplas falas tal qual preconiza Habermas (1997)Habermas , J. ( 1997 ). Direito e democracia: entre facticidade e validade (vol. II ). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro . ou, ainda, um espaço de debate dialógico, empreendemos o levantamento dos atores que participaram da CPI em questão. A tabela 2 sintetiza a operacionalização e a manipulação dos dados/análises.

Tabela 2
: Operacionalização e manipulação dos dados/análises

A partir da leitura preliminar do Relatório Final da CPI da Câmara dos Deputados, a CPI Bruma, elaborou-se a estratégia de análise, que consistiu, inicialmente, em compreender como funciona uma CPI e na pesquisa da biografia de cada um dos deputados que a compuseram. Nesse sentido, buscamos apontar as possíveis intencionalidades.

O levantamento de dados dos parlamentares incluiu nome, partido, base eleitoral, função na CPI, formação profissional, mandato em que se encontrava e se recebeu ou não doações diretamente ou indiretamente da Vale S/A. Tal análise possibilitou entender a composição e as intencionalidade da comissão e os supostos interesses dos responsáveis pela estruturação do espaço de fala. Nesse levantamento, pudemos apontar que, em 2014, último ano em que a doação de campanha por pessoa jurídica foi permitida, a Vale S/A doou R$ 60.263.010,40 aos políticos e/ou aos partidos que constituíram a CPI de Bruma. Essa atuação da empresa em campanhas eleitorais é fundamental para compreender a postura dos agentes públicos na CPI, como será observado mais adiante.

O passo seguinte foi identificar e caracterizar todos os que tiveram voz na CPI Bruma, bem como os locais onde ocorreram as reuniões, as datas, os participantes e a divisão do espaço de fala entre os públicos interessados para entender como se deu a dinâmica da CPI no que se refere à atuação dos grupos de interesse. Com essas informações, julgamos haver elementos suficientes para retratar como se articularam os múltiplos discursos construídos em torno do evento.

Dessa forma, foi possível caracterizar como se estruturou essa CPI como espaço público de fala, ou seja, a gestão do espaço de fala estabelecido segundo o relatório final da comissão. O passo seguinte foi analisar as estratégias discursivas, principalmente, quanto à manipulação em torno dos desdobramentos pós-rompimento. Nessa questão, observamos os argumentos dos grupos sob as pretensões de validez do ato de fala: (a) verdade (mundo objetivo); (b) sinceridade (mundo subjetivo); (c) retidão (mundo normativo) e (d) inteligibilidade.

Tabela 3
: Pretensões de validez do ato de fala proposta por Vizeu (2011)

Por meio de uma análise das pretensões de validez do ato de fala, torna-se possível a verificação dos argumentos dos múltiplos discursos construídos em torno do evento sob o prisma dos mundos objetivo, subjetivo e normativo, ou seja, as pretensões de verdade, de sinceridade, de normatividade e a inteligibilidade, confrontando-se os argumentos versus os fatos concretos descobertos pela CPI.

Para melhor entender os diferentes interesses envolvidos no evento e manifestados do debate argumentativo da CPI, organizamos uma seção para apresentação dos atores envolvidos no processo. Estes foram associados a três diferentes grupos de interesse: (a) a empresa denunciada por ser a responsável pela barragem, a Vale S/A; (b) os agentes do poder público responsáveis pelo inquérito e/ou pela fiscalização das atividades da mineradora e (c) os representantes das vítimas ou outros interessados com os efeitos do evento (grupos ambientalistas, por exemplo).

Figura 2
Caracterização dos grupos de interesses no processo

A formação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

As CPI podem, em seu funcionamento, realizar investigações, determinar diligências, fazer busca e apreensão, deslocar-se a qualquer lugar do território nacional, intimar testemunhas, realizar acareações, determinar quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal e, em algumas circunstâncias, até mesmo decretar a prisão em circunstâncias específicas, como em flagrante delito. Nesse sentido, os poderes de uma CPI se equiparam aos das autoridades do sistema judiciário.

Na composição da CPI de Bruma, observamos a intenção de representatividade múltipla, refletindo a articulação que ocorre em tantas outras comissões na Câmara do Deputados. Portanto, em uma CPI, há espaço para as seguintes lideranças: o líder do governo, o líder da maioria, o líder da minoria e o líder da oposição. Os 513 legisladores, divididos em seus grupos/partidos, buscam seu espaço procurando se posicionar em relação a interesses que representam diferentes setores e demandas da sociedade, muitas vezes, contraditórios entre si.

É para verificar o cumprimento dessa essência de ser um espaço de representação de diferentes interesses da sociedade brasileira que se buscou investigar a CPI de Bruma como uma arena discursiva de debate, um espaço dialógico de fala dos envolvidos no evento motivador de sua criação. Assim sendo, é um espaço público, a priori, visto que qualquer cidadão deve, teoricamente, ter acesso ao funcionamento, às informações, aos direcionamentos e a todas as questões que possam envolver os interesses da sociedade e de seus grupos de interesse constituintes.

É importante notar que, dos 33 membros titulares, 24 deputados da comissão são do estado de Minas Gerais. Adicionando-se a essa composição os membros suplentes, a representatividade de deputados mineiros chega a 73%.

Desses parlamentares, entre os titulares, treze deputados estão em seu primeiro mandato; dezoito foram eleitos em 2014 e reeleitos em 2018 e dois concorreram ao cargo na eleição em 2014, mas perderam. Já entre os suplentes, seis deputados estão em seu primeiro mandato; quatro foram eleitos em 2014 e reeleitos em 2018 e apenas um candidatou-se na eleição em 2014 e perdeu. A relevância desses dados se dá pelo fato de que a eleição de 2014 foi o último pleito em que as empresas puderam realizar doações oficiais para as campanhas eleitorais.

Dos legisladores que receberam doações de forma direta ou por repasse das empresas do Grupo Vale S/A, dez parlamentares tornaram-se membros da CPI. O montante da doação para estes foi de R$ 706.792,97. Outro fator a se destacar nesta questão é que não apenas a Vale S/A realizou doações de campanha, mas também o setor de mineração como um todo. Os partidos que fizeram parte da CPI Bruma receberam em doações do setor o montante de R$ 101.569.127,40.

Dos partidos que não receberam doações das empresas mineradoras, destaca-se o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e os partidos Rede e Novo, ambos porque não existiam em 2014. Todos os outros partidos receberam recursos de campanha da Vale S/A e/ou do setor de mineração. Considerando que esses partidos que negociaram a participação de seus membros na CPI Bruma, qual a verdadeira isenção desses agentes? Não seria um indício de que a CPI seria montada apenas para justificar o crime, por mais que o seu relatório final apontasse o contrário?

Ao julgar os prováveis atos irregulares praticados pelos representantes da empresa, como garantir que o financiamento de campanha não foi um fator a influenciar a condução dos trabalhos? No campo do direito, quando há um relacionamento prévio entre o julgador e os envolvidos no processo, deve-se alegar impedimento para garantir a isenção; no caso da CPI, os próprios partidos e deputados beneficiados diretamente com doações escolheram atuar neste inquérito, o que nos pode indicar uma inclinação da Vale S/A para usar desse espaço para justificar o seu discurso de acidente/fatalidade.

Este é o primeiro ponto a ser considerado no campo das condições equânimes entre os interessados. Na perspectiva habermasiana, os espaços públicos de fala não apenas devem ser construídos dentro da legalidade no seu ato de funcionamento, mas também de maneira que distribuam de forma igualitária diretos e poderes aos que neles atuam ( Martins & Carrion, 2013Martins , B. V. , Carrion , R. M. ( 2013 ). A presença da ONG Cidade no planejamento urbano de Porto Alegre . Cadernos Gestão Pública e Cidadania , 18 ( 62 ), 78 - 99 . doi: 10.12660/cgpc.v18n62.4805 ). Nesse sentido, não encontramos nenhuma informação sobre os critérios de escolha dos membros da CPI Bruma nas atas de reuniões e nas notas taquigráficas, fato este que, somado a suspeição apontada sobre o financiamento de campanha de partidos e membros, dá margem a questionar se foram garantidas as condições ideais para o debate argumentativo justo e livre.

A composição da CPI Bruma, segundo o seu relatório final, permite visualizar que a organização, a agenda e a disponibilização das informações ficaram a cargo dos deputados que a constituíram.

Em sua grande maioria, esses parlamentares foram beneficiados financeiramente pela Vale S/A na eleição em 2014. Segundo o relatório final, o espaço de fala dado às empresas foi de 53% e, aos afetados, de apenas 17%, de maneira que: (a) não houve amplo espaço de igualdade participativa; (b) os participantes, por parte das vítimas, não se reconhecessem como sujeitos que são, inclusive não sendo nominados corretamente com e suas versões não tendo espaço na arena discursiva; e ainda (c) esses mesmos grupos de representante das vítimas não foram capazes de explanar seus argumentos com o intuito de chegar a um acordo coletivo, e se foram na audiência, não há documentos que comprovem essa condição, assim, já podemos apontar os indícios de como se controlar coloniza um espaço de fala, em detrimento de outras partes falantes, dando um ar de “espaço de fato”, por conta de sua legitimidade como CPI, mas não um “espaço real”, com as condições reais de representatividade.

A manipulação do discurso: crime versus acidente

Tendo como referência as pretensões de validez do ato da fala e o discurso da Vale S/A na CPI Bruma, podemos afirmar que a empresa agiu intencionalmente para distorcer o sentido de seus atos criminosos e apontou-os como fatalidade. Em outras palavras, a empresa se utilizou de seu espaço de fala para atenuar a sua culpabilidade na CPI, manipulando estrategicamente o discurso principalmente pela omissão de informações e pela ininteligibilidade. E essa distorção possui as características estratégicas apontadas por Anand et al. (2004)Anand , V. , Ashforth , B. E. , Joshi , M. ( 2004 ). Business as Usual: The Acceptance and Perpetuation of Corruption in Organizations . Academy of Management Executive , 18 ( 2 ), 39 - 53 . doi: 10.5465/AME.2004.13837437 e Freitas Júnior & Medeiros (2018).

A Vale S/A invocou uma Declaração de Estabilidade – conforme o mundo normativo habermasiano – para atenuar a sua culpabilidade dolosa sobre o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, quando existiam elementos suficientes para apontar que a empresa, após um cálculo utilitário de consequências (comum nas empresas operadas pela lógica do management ), decidiu por continuar suas ações operacionais na barragem.

Conforme diversos depoimentos a esta CPI Bruma, desde 2017, pelo menos, já se sabia que o fator de segurança da barragem estava abaixo de 1,3, valor recomendado internacionalmente, habitualmente aceito pela Vale e considerado seguro para condições não drenadas. Os estudos da Potamos, coordenados pela consultora Maria Regina Moretti, demonstraram valores do fator de segurança da B1 em torno de 1,06, mesmo quando se utilizavam diferentes metodologias de cálculo. (Câmara dos Deputados, 2019, p. 31)

Na CPI, uma postura que se evidencia em todas as manifestações oficiais dos representantes da Vale S/A foi a estratégia de descaracterizar a culpabilidade da empresa pela ocorrência do evento. Entretanto, mediante a impossibilidade de evitar que a companhia fosse responsabilizada, seus representantes buscaram, então, atenuar a reparação que deveria ser realizada.

Em uma primeira apreciação do relatório da CPI e de outras declarações oficiais da empresa, prevalece o argumento de que o rompimento da barragem foi uma fatalidade, um acontecimento sobre o qual a companhia não tinha controle nem conhecimento para que adotasse qualquer tipo de ação preventiva.

Com isso, houve a intensão de racionalizar o ocorrido, pelo menos como a negação da responsabilidade, a negação do dano, o apelo a lealdades elevadas e a postura cínica. Para fundamentar esse argumento, a Vale S/A alegou possuir os documentos legais que atestavam a seguridade da barragem, passando a adotar a estratégia discursiva de responsabilizar os agentes públicos ou terceiros que emitiram os laudos. Ou seja, o posicionamento discursivo da empresa é de que estava trabalhando dentro da legalidade. Voltaremos a essa questão mais à frente, após uma breve consideração sobre a Vale S/A e sua relação com o poder público.

Conforme apresentamos em nossa revisão teórica, historicamente, as empresas no Brasil adotam estratégias de aproximação personalista com os agentes do poder pública. Nesse sentido, considerando-se que até 2014 era legalmente permitido que as empresas fizessem doações para as campanhas políticas, a Vale S/A se valia desse mecanismo para se aproximar de agentes públicos do executivo e legislativo, tornando-se uma das maiores doadoras dos mais diversos partidos e candidatos.

As doações eram feitas para todos os níveis de cargos eletivos (municipal, estadual e federal) e não somente no Brasil, mas também para políticos de outros países. Sobre as doações de campanha no Brasil, o jornal O Estado de São Paulo , em 1 de setembro 2019, por meio dos repórteres Cecília do Lago e Marco Antônio Carvalho, publicou a seguinte matéria: “Com R$ 82 mi em doações eleitorais, Vale espalhou influência em 25 Estados e no Congresso”.

Esse é o primeiro ponto a ser considerado no campo das condições equânimes entre os interessados. Na perspectiva habermasiana, os espaços públicos de fala não apenas devem ser construídos dentro da legalidade no seu ato de funcionamento, mas também de maneira que distribuam de forma igualitária diretos e poderes aos que neles atuam ( Martins & Carrion, 2013Martins , B. V. , Carrion , R. M. ( 2013 ). A presença da ONG Cidade no planejamento urbano de Porto Alegre . Cadernos Gestão Pública e Cidadania , 18 ( 62 ), 78 - 99 . doi: 10.12660/cgpc.v18n62.4805 ). Nesse sentido, não encontramos nenhuma informação sobre os critérios de escolha dos membros da CPI Bruma nas atas de reuniões e nas notas taquigráficas, fato que, somado à suspeição apontada sobre o financiamento de campanha de partidos e membros, dá margem a se questionar se foram garantidas as condições ideais para o debate argumentativo justo e livre.

No caso de seu uso da fala na CPI Bruma, a Vale S/A invocou, como justificativa para o que seus principais executivos afirmou ser uma fatalidade, uma Declaração de Estabilidade – conforme o mundo normativo habermasiano – para atenuar a sua culpabilidade dolosa sobre o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão; há elementos suficientes para apontar que a empresa, após um cálculo utilitário de consequências (comum nas empresas operadas pela lógica do management ), decidiu por continuar suas ações operacionais na barragem.

Constata-se a intenção da Vale S/A em manipular o discurso do crime nos mundos objetivo, subjetivo e normativo, atuando explicitamente no sentido de se abster do dolo. Para isso, alega que possuía todos os requisitos legais para a operação, invoca o desconhecimento das informações de instabilidade e simula perplexidade com o rompimento da barragem. Com isso, negou a sua responsabilidade e de dano, visto que, possuía um documento atestando a segurança da barragem.

O sr. Fábio Schvartsman, em audiência na Câmara dos Deputados, arrazoa que a Vale S/A é “uma joia brasileira que não pode ser condenada por um acidente que aconteceu em sua barragem, por maior que tenha sido a tragédia” (Lis, 2019, n.p.). O que podemos encontrar os elementos de postura cínica, visto que como CEO, e conforme apontado na investigação, ele tinha total conhecimento e controle da situação.

A seguir, o trecho do relatório no qual se apresenta a estratégia empregada no depoimento do CEO:

Ao revés, o depoente insistiu em culpar “laudos de estabilidade”, sem mencionar os responsáveis pela elaboração e pelo recebimento dos tais “laudos”, como se “laudos” fossem produtos de geração espontânea e não produzidos por seres humanos:

“Não havia, nem da minha parte, nem da de meus antecessores, qualquer tipo de informação sobre risco com relação ao posicionamento daquele escritório. Por que que não havia? Porque existiam laudos de estabilidade que diziam que a barragem não tinha nenhum risco ou que o risco era perfeitamente aceitável, dentro das condições normais.” (Câmara dos Deputados, 2019, p. 31)

Explicita-se a intenção de distorcer a comunicação no mundo objetivo ao afirmar veementemente que desconhecia os problemas estruturais que levaram ao rompimento da barragem. Isso não condiz com a realidade dos fatos apontados pelas CPIs, visto que, como CEO da empresa, detentor do maior cargo de gestão, tinha acesso ao Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM), bem como aos resultados das discussões que ocorreram no Painel Independente de Especialistas para Segurança e Gestão de Riscos de. Estruturas Geotécnicas (PIESEM). Sua ação pode estar ancorada no que preconizam Schnatterly et al. (2018)Schnatterly , K. , Gangloff , K. A. , Tuschke , A. ( 2018 ). CEO Wrongdoing: A Review of Pressure, Opportunity, and Rationalization . Journal of Management , 44 ( 6 ), 2405 - 2432 . doi: 10.1177/0149206318771177
https://doi.org/10.1177/0149206318771177...
, visto que a Vale S/A pagava um tipo de bônus por segurança.

Houve a ação estratégica e criminosa empresarial de ignorar seus equipamentos e funcionários de escalão inferior. Já se apontou que, se a barragem fosse paralisada, poderia haver danos financeiros à Vale S/A perante seus acionistas, bem como culminar no recebimento de um bônus de menor valor ao sr. Cesar Grandchamp pelo não atingimento das metas de segurança. O depoimento do sr. Felipe Rocha, que era funcionário do Setor de Gestão de Riscos Geotécnicos da empresa, na CPI do Senado Federal revela que:

No que se refere ao cumprimento de metas para recebimento de bônus, o depoente fez um importante corte, explicitando que apenas a partir do nível de gerência há metas individuais: “Funcionários e engenheiros do meu cargo não possuem metas individuais. As metas são metas da gerência e da gerência executiva. ( Senado Federal, 2020Senado Federal . ( 2020 ). Relatório: CPI de brumadinho e outras barragens . Retrieved from https://bit.ly/3APfRKe
https://bit.ly/3APfRKe...
, p. 110)

Na CPI do Senado Federal, o sr. Gerd Poppinga afirma que sua remuneração variável também levava em conta os indicadores de segurança. Essa reunião, especificamente, parecia que seria como as demais, com os depoentes negando e eximindo qualquer diretor de culpa, com afirmações genéricas a respeito da autonomia e da responsabilidade do corpo técnico. No entanto, quando o Senador Jorge Kajuru indagou a respeito da remuneração variável do depoente, se seria relacionada somente a lucros ou também à segurança. Ele respondeu afirmativamente, conforme comprovam trechos da CPI: “O senhor pode responder quais eram as metas relacionadas à segurança e em que anos, por gentileza, elas foram atingidas totalmente ou parcialmente?”

A resposta – na verdade, uma surpreendente confissão – foi a seguinte: “Nós tivemos uma fatalidade que me botou esse indicador de zero.” Ninguém esperava que o depoente confessasse ter obtido nota zero no quesito segurança. O senador Jorge Kajuru, surpreso, perguntou novamente: “Zero?”. O depoente respondeu: “Zero.”

A surpresa com a confissão foi demasiada. O senador Jorge Kajuru repetiu a pergunta: “Zero?” O depoente respondeu: “Sim”. Indagando o sr. Gerd Poppinga se o presidente afastado da Vale, sr. Fábio Schvartsman, também havia sofrido penalização no quesito segurança, obteve-se a afirmativa: “Ele também foi penalizado.”

Nesse momento, ficou clara a razão pela qual o sr. Gerd Poppinga não poderia afirmar a inocência do presidente afastado da Vale, sr. Fábio Schvartsman: as metas de segurança estabelecidas pela própria Vale para seus diretores e para o presidente simplesmente não estavam sendo atingidas. No caso do depoente, a nota fora um estridente zero. Após a confissão, o depoente voltou ao discurso usual: “O nosso Norte, a nossa âncora sempre foi o tal do laudo de estabilidade.”

No discurso em que define sua atuação no evento, a empresa busca atribuir uma pretensão de validez ao seu ato de fala que não faz sentido. Em outras palavras, ao analisar o seu lugar de fala nos relatórios das CPIs, encontram-se evidências de que não houve uma ação da empresa no sentido de evitar o rompimento.

É impressionante a quantidade de anomalias (sintomas) que a B1 apresentou nos seus últimos períodos de vida, enquanto a Vale deliberadamente minimizava esses indicativos. A minimização desses indicativos por parte da Vale fica patente nos depoimentos de seus funcionários, quando estes afirmam, categoricamente, que não havia sinais que indicassem instabilidade para a B1. ( Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados . ( 2020 ). Relatório Final da CPI . Retrieved from https://bit.ly/3u6rA38
https://bit.ly/3u6rA38...
, p. 181)

Foi exatamente essa Declaração de Estabilidade que a empresa usou para legitimar sua atuação e amenizar a sua culpa. O sr. Fábio Schvartsman atribuiu à equipe técnica e a TÜV SÜD as possíveis falhas no processo que ele afirmava, mais uma vez, desconhecer.

Verifica-se que a Vale S/A atuava no sentido de garantir as documentações de âmbito legal e de gestão, mas não estava comprometida com ações práticas para evitar o rompimento. Evidencia-se a distorção comunicativa no sentido de manipular o discurso de modo a mitigar sua culpa. A estratégia da empresa se constituiu em comprovar sua atuação nos parâmetros da legalidade, mas, na prática, tais documentos apenas serviam para cumprir as formalidades.

À pretensão da empresa de minimizar a sua punibilidade, soma-se à de se posicionar como vítima da sua equipe técnica e da TÜV SÜD, ainda que haja evidências de que a Vale S/A agiu diretamente para obter suas Declarações de Estabilidade.

A Vale S/A evidentemente elabora uma narrativa que desfigura sua responsabilidade no crime corporativo, mas este é reflexo de sua ética utilitarista da obtenção do lucro. Desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), poucas ações práticas foram tomadas. Nenhum funcionário diretamente envolvido no rompimento de 2015 foi detido ou mesmo demitido, o que reforça a tese de que os funcionários apenas seguem as diretrizes da empresa.

Claramente, a estratégia da empresa era desqualificar sua ação dolosa, na qual “a negativa do Sr. Fábio Schvartsman em apontar os responsáveis pela segurança das barragens, afirmando que de nada sabia, pode ser uma estratégia da defesa” (Senado Federal, 2019, p. 70). Sendo que:

É impressionante a quantidade de anomalias (sintomas) que a B1 apresentou nos seus últimos períodos de vida, enquanto a Vale deliberadamente minimizava esses indicativos. A minimização desses indicativos por parte da Vale fica patente nos depoimentos de seus funcionários, quando estes afirmam, categoricamente, que não havia sinais que indicassem instabilidade para a B1. ( Câmara dos Deputados, 2020Câmara dos Deputados . ( 2020 ). Relatório Final da CPI . Retrieved from https://bit.ly/3u6rA38
https://bit.ly/3u6rA38...
, p. 181)

O relatório evidencia a intenção discursiva da Vale S/A de narrar o rompimento da barragem como fatalidade, apontando as declarações de estabilidade em sua defesa para minimizar sua responsabilidade. Porém, ao se analisar o relatório e as provas apresentadas, verifica-se que tal discurso da empresa não encontra sua pretensão de validade nos mundos objetivo, subjetivo e nem normativo, não coaduna a realidade dos fatos.

Considerações finais

Demo (1995)Demo , P. ( 1995 ). Metodologia científica em ciências sociais ( 3a ed.). São Paulo, SP : Atlas . é veemente ao afirmar que o objetivo de se conhecer os problemas sociais é no sentido de enfrentá-los. Levando em consideração essa afirmação, este estudo objetivou analisar como foram construídas as condições de produção de versões do crime corporativo relacionado ao rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG) a partir da análise do relatório final da CPI Bruma.

A Vale S/A afirmou que o ocorrido foi uma fatalidade, um acidente, visto que a barragem possuía as certificações legais para funcionar. Porém, diante das provas apresentadas, não apenas na CPI, mas em outras investigações como a do Ministério Público e da Polícia Civil, essa intenção discursiva da Vale S/A, de tornar o rompimento da barragem uma fatalidade, não encontra sua pretensão de validade nos mundos objetivo, subjetivo e nem no normativo. E, em seu intento de buscar a validade, a empresa fez uso de estratégias de racionalização do crime, afirmando que não pode ser responsabilizada por uma fatalidade.

A Vale S/A integra o grupo de corporações que age pela lógica do management, visto que, mesmo sabendo que possuía uma Declaração de Estabilidade inverídica, utilizou-a para justificar e atenuar a sua culpabilidade no evento que culminou no rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão. Lá foram despejados 13 milhões de m3de rejeitos de minério, levando 260 pessoas à morte, cujos corpos ou partes deles foram localizados, e ainda há seis pessoas desaparecidas1 1 . Em 4 de junho de 2022. .

Por exemplo, evidenciou-se que a Vale S/A possuía a prática de bonificação aos seus funcionários a partir dos indicadores de segurança, os quais foram levados em consideração em seus atos criminosos e que culminaram no rompimento da barragem. Porém, não se pode ater-se nas ações individuais, visto que o fundamento de gestão do management se dá pela dinâmica que impõe a lógica econômica e a ética utilitarista como únicas referências de conduta gerencial e, nesse caso, tudo se subordina a esse pensamento instrumental de natureza econômica.

Tendo o management desenvolvido um amplo aparato gerencialista que visava à maximização do ganho do capital, não é de se estranhar que este fizesse uso de manipulação discursiva para encobrir os seus rastros de ações criminosas. Existem diversas ferramentas de gestão que compõem a estrutura das corporações, sendo algumas delas camufladas, mascaradas, encobertas. Em outras palavras, a distorção comunicativa é intencional para desconfigurar as ações criminosas.

As imposições de uma racionalidade instrumental nas ações da empresa levaram aos mais diversos eventos como o rompimento do Dreno horizontal profundo (DHP) 15 que, por sua vez, resultou no rompimento da barragem. A racionalidade instrumental também permeou as ações da empresa no pós-rompimento, visto que se intencionava que o crime não fosse configurado como tal.

Com base de suas práticas a ética econômica, as corporações agem também por um lado sombrio, no qual o cálculo utilitário de consequências é a base para a tomada de decisões ( Lima & Medeiros, 2020Lima , A. F. M. & Medeiros , C. R. O. ( 2020 ). Imagens do necrocapitalismo no Brasil: a indústria mineradora de nióbio . Revista Brasileira de Estudos Organizacionais , 7 , 461 - 477 . doi: 10.21583/2447-4851.rbeo.2020.v7n2.387 ). Além disso, transpõem valores que deveriam ser unicamente humanos em indicadores ponderados na relação custo-benefício, objetivando a maximização dos ganhos econômicos (Vizeu, 2011b).

Conforme apresentamos na figura 1 , que embasa o nosso recorte para a compreensão do crime corporativo, a Vale S/A, com a motivação de aumentar os seus lucros, frente aos seus acionistas pressionando seus principais gestores por resultados, inclusive os bonificando, justificou que o que ocorreu no caso de Brumadinho foi uma fatalidade, justificando assim, sob um prisma do management e fazendo uso de racionalização estratégica para justificar os seus atos, principalmente com a anuência de um Estado frágil para fiscalização de seus atos.

As grandes corporações exercem enorme influência nas ações do Estado, muitas vezes passando a agir como este para atender aos seus interesses. No crime corporativo da Vale S/A, houve a participação dos agentes do poder público ou, no mínimo, sua omissão, visto que a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela fiscalização da barragem, estava operando sem o mínimo de recursos materiais e humanos. Os dados do estudo comprovam que a Vale S/A tinha consciência dessa incapacidade da fiscalização.

A “linguagem” do management é o retorno. A estratégia de aliciamento do agente público para atender aos interesses de uma elite econômica faz parte da cultura política brasileira. É mais barato para o executivo assumir o risco do processo legal do crime, pois, historicamente, há uma conformação dos agentes públicos aos interesses das elites econômicas. Tem-se também que o discurso do desemprego e das perdas econômicas servem de justificativa para que os agentes do poder público atenuem os impactos do crime corporativo. De Mariana a Brumadinho, nenhuma pessoa foi condenada ou está presa; todavia, parte das vítimas dessa tragédia foram condenadas à morte. O que podemos compreender a estratégia da metáfora do equilíbrio ( Anand et al., 2004Anand , V. , Ashforth , B. E. , Joshi , M. ( 2004 ). Business as Usual: The Acceptance and Perpetuation of Corruption in Organizations . Academy of Management Executive , 18 ( 2 ), 39 - 53 . doi: 10.5465/AME.2004.13837437 ), bem como a tática do esquecimento ( Coraiola & Derry, 2020Coraiola , D. M. , Derry , R. ( 2020 ). Remembering to Forget: The Historic Irresponsibility of US Big Tobacco . Journal of Business Ethics , 166 ( 2 ), 233 - 252 . doi: 10.1007/s10551-019-04323-4 ), afinal, infelizmente, em um país como o Brasil, as manchetes se substituem de forma rápida, e na atualidade pouco se fala sobre esse caso que ceifou centenas de vidas.

Do ponto de vista teórico, os crimes corporativos são ações de sujeitos inseridos na lógica management , ancorados na racionalidade do sistema capitalista de mercado e na premissa de que se deve maximizar os ganhos financeiros aos detentores do capital. Conforme a premissa de que existe um princípio regulador da vida, o Estado é conivente, operador e, muitas vezes, advogado que ora assegura, ora protege tais práticas das corporações.

Segundo o relatório final da CPI Bruma, houve crime corporativo da Vale S/A, e a sua maior ação criminosa foi a manipulação do Fator de Segurança (FS) da barragem para que fosse obtida a Declaração de Condição de Estabilidade. Porém, pouca ação prática ocorreu após essa conclusão da CPI.

Pelos dados que examinamos, constatamos que a Vale S/A agiu de forma estratégica ao pressionar a empresa TÜV SÜD para que esta assinasse o laudo de estabilidade, fazendo uso de chantagem e ameaçando-a de perder outros contratos, o que, do ponto de vista de uma lógica de compliance , seria algo totalmente descabido. Porém, tal método é comum entre as estratégias de operação e justificativa da corrupção, visto que a Odebrecht possuía um setor destinado apenas a pagar propina a entes públicos (Freitas Junior & Medeiros, 2018), cujo nome era lúdico: Departamento de Operações Estruturadas.

Analisando as divisões de espaço de fala e o resultado da CPI Bruma, não detectamos a intenção de culpabilizar a empresa, e sim o ensejo de personificar culpados. Isso pode representar que ali foram operados mecanismos de coerção e dominação que impediram que a CPI servisse como uma arena discursiva autônoma e plural, focando no alcance do consenso deliberado entre os participantes. Isso demonstra como o espaço de fala pode ser cooptado a fim de interesses de grupos, no caso do estudo, da colusiva relação entre o management e o Estado, nos casos de crimes corporativos.

Constatamos aspectos contraditórios inerentes ao processo de investigação da culpabilidade, sendo o seu maior feito a personificação de culpados, cujos indiciamentos constam do relatório final. Em outras palavras, pela forma como foi articulada, a CPI não se constituiu como uma arena de debate capaz de dar espaço de fala a múltiplas vozes. Isso porque, na análise da CPI como um espaço de fala, a versão dos atingidos foi suprimida dos anexos do relatório final. Não há gravação dos seus depoimentos para que se possa auferir o uso da fala. Todavia, seus posicionamentos foram registrados nas notas taquigráficas que, aliás, nessas situações, são feitas a posteriori.

Constam, no relatório final da CPI Bruma, os nomes de sessenta pessoas, sendo que dessas 53% eram das empresas envolvidas e que, provavelmente, estavam ali para atenuar a sua culpa e a possível reparação. 30% eram agentes do poder público e apenas 17% pertenciam ao grupo dos afetados. Porém, quando se analisam as notas taquigráficas – que não estavam disponíveis na página destinada a elas –, identifica-se que, no total, foram ouvidas 102 pessoas. Nesse novo parâmetro, o espaço de fala das empresas cai para 35%, o dos agentes do poder público diminui para 28% e o dos atingidos aumenta para 37%, ainda que essas vozes tenham sido omitidas do relatório final sem que se apresentasse nenhuma justificativa.

A questão norteadora da suspeição sobre a gestão do espaço de fala não se dá por uma métrica quantitativa de uso do espaço, e sim sobre a forma pela qual ele foi gerido, já que muitos argumentos do grupo atingido (suas versões), bem como o dado trato a esses atores, foram suprimidos do relatório final. Seus argumentos não foram gravados, e muitos depoentes foram indicados apenas pelo prenome. Em alguns casos, resta dúvida sobre quem fez o uso da fala, como ocorre na audiência de 16 de setembro de 2019, cujo registro indica que a depoente foi “Dona Neiva Ferreira ou Andresa Rocha Caldeiras” e “Patrícia Barbosa Rocha ou Soraia”.

Diante da supressão dessas vozes do relatório final, identificamos uma assimetria nas condições de produção de versões sobre o crime corporativo que ali estava sendo discutido e entendemos que se pode considerar que o espaço de fala da CPI Bruma também se apresenta como um espaço colonizado pelas pressões do mundo sistêmico. Isso traz implicações teóricas em como se pode analisar a constituição dos espaços públicos de fala, onde se deve caracterizar a constituição da arena discursiva, seus falantes, seus espaços de fala e suas consequências práticas.

Ao analisarmos os dados do relatório da CPI Bruma para compreender como ocorreu a distorção comunicativa em torno dos desdobramentos pós-rompimento, comprovamos que a Vale S/A irremissivelmente pautou a sua estratégia em apresentar a ocorrência de fatalidade, asseverando, por meio de seus principais dirigentes, que não possuía nenhum conhecimento prévio das circunstâncias que levaram ao rompimento da barragem. E, para tal, usou de estratégia de racionalização de seus atos, eximindo-se de sua responsabilidade por ter um laudo fraudulento e um Estado omisso.

A escolha do discurso como categoria analítica resultou da nossa compreensão de que o discurso molda as relações e a sociedade, pois os crimes corporativos, muitas vezes, ocorrem em “condições legais”, visto que a Vale S/A possuía um laudo de estabilidade da barragem. Outrossim, quando ocorrem os crimes, os atores se abraçam em jogos discursivos, como o uso de palavras atenuantes. Ou seja, não se fala em crime ambiental, fala-se em “incidente”’. Enfim, entendemos que os crimes corporativos são transvestidos pelo discurso, em outras palavras, devemos compreender como os crimes corporativos podem ser manipulados discursivamente em espaços públicos de fala.

A manipulação da linguagem para minimizar o dolo e atenuar as obrigações de reparação apresenta elementos discursivos racionalizados de justificação para seus atos, conforme nos apontam Anand et al. (2004)Anand , V. , Ashforth , B. E. , Joshi , M. ( 2004 ). Business as Usual: The Acceptance and Perpetuation of Corruption in Organizations . Academy of Management Executive , 18 ( 2 ), 39 - 53 . doi: 10.5465/AME.2004.13837437 . Com isso, evidencia-se a negação de responsabilidade , de maneira a fazer crer que as ações adotadas pela empresa eram as únicas possíveis. No caso da Vale S/A, os seus principais gestores ainda sustentaram que desconheciam as instabilidades na barragem, que não poderiam agir de forma diferente, visto que a barragem se apresentava segura por conta de sua Declaração de Estabilidade.

Salienta-se também a negação de dano , mesmo que, nesse caso, não se verifique a negação direta, mas a afirmação da empresa de que o que ocorrera ali fora uma fatalidade. Por exemplo, a empresa Vale S/A argumentou que os animais que podiam voar foram menos atingidos pelo rompimento da barragem.

No que se refere à negação de vítima , esse elemento está presente na fala do sr. Fábio Schvartsman ao afirmar que qualquer pessoa poderia apontar a insegurança da barragem se assim o soubesse. Quanto às ponderações sociais, a Vale S/A afirma que houve outros acidentes e que a empresa não pode ser condenada por esse motivo. Tais declarações são compreendidas pela postura cínica.

Com este estudo, ao tratarmos a temática de forma inteligível, intentamos a emancipação da sociedade ao possibilitar uma postura de maior cobrança quanto às práticas políticas e às ações criminosas das empresas. Ou seja, que esse debate chegue aos sujeitos e esses possam influenciar as políticas do Estado, pois verificamos um aprisionamento da sociedade em uma teia ideológica e contraditória das práticas de management . Contudo, uma vez percebida essa teia, abrem-se as possibilidades de articulação contra as contradições e de compreender que o que houve em Brumadinho foi um crime corporativo, e não um acidente com uma “joia brasileira”.

Por fim, sobre o crime corporativo, este estudo traz uma particular contribuição ao apresentá-lo como o crime do management , no qual a dinâmica das organizações operadas sob esta lógica influencia as práticas criminosas à medida que pressiona por resultados econômicos a qualquer custo. Isso inclui a estratégia de aliciamento do agente do poder público para atender aos seus interesses. O resultado é que nos parâmetros de uma ética utilitária, por meio de um cálculo utilitário de consequências, é menos custoso para o executivo assumir o risco do processo legal do crime pois, historicamente, há uma conformação dos agentes públicos aos interesses das elites econômicas.

Assim, a lógica do management de maximização do ganho do capital cria mecanismos sofisticados de legitimação de ações criminosas, sendo uma delas a manipulação discursiva.

Este artigo não esgota toda a potencialidade dos estudos sobre o crime corporativo, estimulado pela lógica de funcionamento do management . Tal lógica se justifica na medida em que traz retorno econômico para os acionistas e somente isto. Todos os outros fatores que balizam as ações no contexto corporativo são relativizados para esse fim.

Agradecimentos

O autor agradece a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por ter sido beneficiado pelo programa PROSUP-CAPES.

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Notas

  • 1
    . Em 4 de junho de 2022.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: O autor não recebeu apoio financeiro para a pesquisa, autoria ou publicação deste artigo.
Editora Associada: Cintia Rodrigues
Autoria
Elizeu Barroso Alves
Doutor em Administração pela Universidade Positivo. Pesquisador do Grupo de Pesquisa de Práticas de Gestão em Contexto Organizacional (PEGO-UNINTER). Professor do Centro Universitário Internacional Uninter. Professor visitante da Escola de Administração Pública - Cidade de Curitiba. Seus interesses de pesquisa são Racionalidades, Empreendimentos de Economia Solidária, Pragmática da Linguagem, Formação do Egresso em Administração, Crimes Corporativos, Accountability, Compliance, Gestão Pública, Mercadologia e Inovação nas Organizações. E-mail: elizeu.balves@hotmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2022
  • Aceito
    19 Out 2022
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