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JAMES JOYCE E EZRA POUND, UMA ALIANÇA SELADA EM CARTAS

JAMES JOYCE AND EZRA POUND, AN ALLIANCE SEALED IN LETTERS

Resumo

A importância de Ezra Pound para a carreira literária de James Joyce e inegável. Catalisador de talentos, desde 1913 Pound deslumbrou-se com a escrita joyceana e articulou a sua publicação em todos os periódicos dos quais foi editor ou sobre os quais pode exercer a sua influência. A ajuda de Pound a Joyce se estendeu para além da vida profissional, com ajuda financeira, na mudança da família Joyce para Paris em 1920 e na inclusão de Joyce na cena literária parisiense. Em Paris, os dois autores se encontravam frequentemente, discutiam literatura e trocavam impressões sobre livros. Com a mudança de Pound para Rapallo, Itália, em 1925, os dois autores se distanciaram, mas continuaram a se corresponder até 1938. As cartas trocadas entre Pound e Joyce são fonte de interesse para as pesquisas literárias e de tradução no Brasil. Pretende-se aqui trazer algumas informações sobre a correspondência entre estes autores e sobre a pesquisa que se inicia, que tem por objetivo traduzir para o português do Brasil, comentadas e complementadas com paratextos, as cartas desses dois grandes modernistas.

Palavras-chave
James Joyce; Ezra Pound; Correspondência

Abstract

The importance of Ezra Pound to James Joyce’s literary career is undeniable. Catalyst of talents, from 1913 on, Pound dazzled with the joycean writing and articulated its publication in all journals of which he was an editor or exercised his influence. Pound’s help to Joyce extended beyond professional life, with financial help, in the assistance of Joyce family’s move to Paris in 1920, and in Joyce’s inclusion in the Parisian literary scene. In Paris, the two authors met frequently, discussed literature, and exchanged impressions about books. With Pound’s move to Rapallo, Italy, in 1925, the two authors drifted apart, but continued to correspond until 1938. The letters exchanged between Pound and Joyce are a source of interest for literary and translation research in Brazil. It is intended here to bring some information about the correspondence between these authors and the research that has begun, which aims to translate for Brazilian Portuguese, comment and complement with paratexts, the letters of these two great modernists.

Keywords
James Joyce; Ezra Pound; Correspondence

O poeta estadunidense Ezra Pound (1885-1972)Pound, Ezra. “Patria Mia”. In: Cookson, William (ed). Ezra Pound. Selected Prose 1909-1965. New York: New Directions, 1973. p. 139-141., intelectual polêmico e um dos maiores nomes da poesia moderna do século XX, foi também um descobridor e divulgador de talentos, catalisador das vanguardas e apreciador/criador de uma estética a que se convencionou tomar como sinônima do alto modernismo anglófono. Dentre os escritores a quem ele ajudou a promover e se dedicou pessoalmente a revisar e divulgar as obras estão os modernistas T.S. Eliot (1888-1965), Ernest Hemingway (1899-1961) e James Joyce (1882-1941).

Neste artigo, motivado pela pesquisa recém iniciada da correspondência trocada por décadas entre James Joyce e Ezra Pound, a fim de traduzi-las para o português, temos por objetivo apresentar, por meio de algumas cartas já publicadas em língua inglesa, uma pequena amostra da aliança que se estabeleceu entre os dois autores desde o primeiro contato iniciado por Ezra Pound em dezembro de 1913, e, por fim, informar a respeito da recente pesquisa, que terá como produtos a tradução de uma seleção de cartas comentadas e paratextos sobre os autores e o período pesquisado: dezembro de 1913 a fevereiro de 1938.

Por influência de Pound, as primeiras publicações dos contos e romances de Joyce surgiram na Inglaterra e nos Estados Unidos, após um longo período de várias tentativas, desde a publicação, com a ajuda do crítico, editor e poeta Arthur Symons (1865-1945), de seu livro de poesia, Chamber Music (1907).

O primeiro contato entre Pound e Joyce teve início por carta, em dezembro de 1913, quando Pound organizava uma antologia de poesia de vários autores, que viria a ser publicada em Nova York e em Londres em 1914, sob o título Des Imagistes.Pound, Ezra. Des Imagistes. An Anthology. New York: Albert and Charles Boni, 1914. E-book (não paginado). Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/50782/50782-h/50782-h.htm. Acessado em 10 jun2022.
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Tratava-se de uma publicação de vanguarda, pautada pelos preceitos do Imagismo que Pound ajudara a criar e a difundir, movimento que pregava a o tratamento direto do objeto, a representação clara e precisa da imagem poética, explorando ao máximo o potencial de cada palavra, sem o uso de palavras desnecessárias. O poeta irlandês William Butler Yeats (1865-1939), a quem Pound secretariava naquele inverno em Sussex, sugeriu a Pound o nome de um jovem poeta irlandês, James Joyce, cujos poemas ele apreciava. Yeats sugeriu que Pound escrevesse para Joyce, que naquele momento morava em Trieste, para saber se ele teria algo pronto para ser publicado.

Pound escreveu a Joyce em 13 de dezembro de 1913, apresentando a ele a sua influência para a publicação de textos nos periódicos ingleses The Egoist e Cerebrilist, que, segundo ele, pagavam bem pouco, mas que eram um espaço livre para se publicar escritos marcadamente modernos. Mencionou ainda, que ele também costumava indicar textos para publicação em duas revistas norte-americanas que pagavam muito bem, mas para as quais ele não poderia garantir a publicação. Essas ultimas, The Smart Set e Poetry exigiam histórias e poesia “de primeira,” classificação que ele esclareceu não ser o responsável por determinar. Na mesma carta, Pound se oferece para ler o que Joyce pudesse enviar a ele naquele momento, com vistas à publicação.

Sem ter recebido ainda a resposta de Joyce, alguns dias depois, em 26 de dezembro, Pound escreve novamente a ele pedindo autorização para publicar o poema “I Hear an Army,” poema final de Chamber Music (1907), na antologia que preparava. Yeats havia encontrado o poema, que tanto o impressionara quando o leu, e mostrou-o a Pound, que também o apreciou, e disse sentir ter encontrado um poeta irlandês imagista. Pound ofereceu a Joyce um guinéu pelo poema, e uma participação nos lucros sobre as vendas da antologia. Joyce respondeu a Pound antes do dia 04 de janeiro, pois nesta data Pound escreve uma nova carta de resposta ao irlandês, comentando os assuntos abordados na carta recebida.

Na carta de 04 de janeiro de 1914, Pound agradece a Joyce pela autorização para publicar o poema, informa que já lhe havia enviado o pagamento no dia anterior, e responde sobre os textos que Joyce incluiu junto com a sua carta; esclarece que precisa lê-los antes de comentá-los, mas que tencionava enviar os contos para a revista literária norte-americana Smart Set e o romance para a inglesa The Egoist, já que esta revista o publicaria de forma serializada, o que a Smart Set não aceitaria fazer; em relação à peça de teatro, esta poderia ser encenada no Abbey Theatre, em Dublin, e publicada pela editora The Glebe, que viria a publicar em fevereiro de 1914 Des Imagistes, a antologia de poesia imagista de Pound.

O material recebido por Pound foi o primeiro capítulo do romance A Portrait of the Artist as a Young Man, que Joyce escrevia na época, e algumas histórias que comporiam a coletânea Dubliners. Após a leitura, a sua reação entusiasmada foi expressada em carta à Joyce, escrita entre 17 e 19 de janeiro de 1914, ao dizer que embora não conhecesse muito sobre prosa, considerou o romance muito bom, claro e direto, e que o enviaria para publicação no periódico inglês The Egoist. Quanto aos contos, “An Encounter”, “The Boarding House”e “A Little Cloud”, achou-os bons, mas, segundo ele,

possivelmente muito densos e subjetivos para agradar aos brutos de Nova York [referindo-se aos editores da revista The Smart Set]. Suponho que ‘An Encounter’é impossível [de ser publicado] em uma revista, mas ainda assim enviarei os três contos com a minha recomendação.”

(Read, 1970Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce. New York: New Directions, 1970., p. 24, tradução nossa)1 1 “Possibly too thorough, too psychological, or subjective in treatment to suit that brute in New York. I suppose AN ENCOUNTER is impossible for a magazine still I shall send the three of them with my recommendation.” (Read, 1970, p.24). .

Os contos são rejeitados pela revista, e em 14 de fevereiro, Pound remete o parecer dos editores a Joyce, pedindo que leia e devolva a ele, pois na semana seguinte Pound pediria ajuda ao editor Frank Harris para a publicação, já que este teria saído da prisão a que fora condenado por desacato no tribunal, ao responder a uma ação de difamação movida contra ele e à sua revista Modern Society, em razão de um artigo sobre um caso de divórcio. (Read, 1970Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce. New York: New Directions, 1970.). Somente no ano seguinte, em maio de 1915, “The Boarding House” e “A Little Cloud” foram publicadas na revista The Smart Set; foram os primeiros textos de Joyce publicados nos Estados Unidos.

Em 15 de junho de 1914, a coletânea completa com quinze contos, intitulada Dubliners, foi publicada pela editora londrina Grant Richards. No mês seguinte, em 15 de julho, um ensaio de Pound tecendo elogios ao estilo do autor foi publicado na revista The Egoist, na seção de “Ensaios Literários.” Neste ensaio, Pound elogia o cuidado de Joyce com a escrita, a representação realista da cidade moderna e os seus efeitos na mente, na emoção e na forma de compreender o mundo. Ele conclui o ensaio recomendando enfaticamente ao público a leitura de Joyce:

De qualquer forma, esses contos e o romance, que agora aparece em forma serializada, são tais para garantir ao Sr. Joyce um lugar definitivo entre os escritores ingleses contemporâneos de prosa; não apenas um lugar na coluna ‘Romances da Semana.’ Os nossos autores de prosa boa e clara são tão poucos, que não podemos confundir ou não prestarmos atenção neles.

(Read, 1970Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce. New York: New Directions, 1970., p.30, tradução nossa)2 2 “At any rate, these stories and the novel now appearing in serial form are such as to win Mr. Joyce a very definite place among English contemporary prose writers, not merely a place in the ‘Novels of the Week’ column, and our writers of good clear prose are so few that we cannot afford to confuse or to overlook them.” (Read, 1970, p.30). .

Pound sempre valorizou a clareza e o tratamento objetivo do assunto usados por Joyce, desde os seus poemas até o seu romance Ulysses, especialmente na sua primeira metade. Para Pound, Joyce havia conseguido transpor os preceitos do Imagismo, da poesia para a prosa de ficção. É por esta razão que Pound, anos mais tarde, vai criticar a obra Finnegans Wake, que considerou obscura.

Em 1915, Joyce tentava publicar o romance A Portrait of the Artist as a Young Man com Grant Richards, que já havia publicado Dubliners, e Pound tentava ajudá-lo com o editor. Joyce também pediu a Pound para entrevistar o agente literário James Brand Pinker, que havia oferecido os seus serviços para a publicação da prosa de ficção de Joyce. Com a aprovação de Pound, Pinker tornou-se o agente de Joyce até o seu falecimento em 1922.

O romance A Portrait of the Artist as a Young Man foi publicado em vinte e cinco episódios na revista The Egoist, de fevereiro de 1914 a setembro de 1915. A publicação por editoras britânicas foi difícil, mas Pound conseguiu que a editora norte-americana B.W. Huebsch publicasse o romance em dezembro de 1916. A editora The Egoist Press republicou o romance em fevereiro de 1917.

Pound se tornou uma espécie de patrono de Joyce, dedicando-se a promover a obra joyceana, buscando agentes literários, patrocinadores, e muitas vezes ajudando Joyce financeiramente, repassando a ele prêmios recebidos, conseguindo o apoio de pessoas influentes para garantir bolsas, como Yeats para o auxílio da Royal Literary Fund e da British Civil List, e patrocinadores como Harriet Shaw Weaver, editora e financiadora da revista inglesa The Egoist, da qual Pound Havia sido editor, que viria a se tornar a principal patrocinadora de Joyce por toda a vida; Pound também apresentou Joyce a seus contatos no meio literário, como a livreira parisiense Sylvia Beach, da Shakespeare & Company, que publicaria a famosa primeira edição de Ulysses em 1922. Pound chegou até mesmo a vender peças de sua coleção pessoal de arte para ajudar o escritor.

Na visão de Pound, o relacionamento entre patrono e artista deveria ser um tipo de associação: “ambos trabalhamos juntos para a arte, que é maior e está além de nós.”3 3 “We both work together for the art which is bigger and outside of us.” (Pound & Spoo, 1988, p.10) (Pound & Spoo, 1988Pound, Omar; Spoo, Robert. Ezra Pound and Margaret Cravens: A Tragic Friendship, 1910-1912. Durham, NC: Duke University Press, 1988. p.10-11., p.10, tradução nossa). Inspirado pela Academia Americana em Roma, instituição que oferecia programas de residência e de financiamento, para que dez artistas e estudiosos se dedicassem à arte e à pesquisa sem grandes preocupações financeiras, ele desenvolve em seu ensaio “Patria Mia” (1913) a ideia da criação de um super instituto, em uma cidade grande estadunidense, Nova York ou Chicago, em que uma centena de artistas criativos, escolhidos por outros artistas, formariam uma classe que pudesse se manter focada em seu potencial criativo e artístico, sem precisar de um emprego que roubasse horas de seu dia, para sobreviver. Pound sugeria a quantia de mil dólares por ano ao artista cuja obra fosse reconhecida como sendo de valor para a comunidade. Quando o artista se estabelecesse em seu meio, deveria repassar o auxílio para outro artista talentoso; caso não pudesse abrir mão do auxílio em vida, deveria fazer constar em seu testamento quem passaria a receber o subsídio.

A concepção de mecenato e patronagem para Pound foi sendo desenvolvida desde cedo, e para ele, a arte estava acima das questões cotidianas, como a necessidade de se trabalhar com a arte ou não, para se manter e à uma família. A esse respeito, quando Pound se tornou editor estrangeiro da revista estadunidense The Little Review, em maio de 1917, ele começou a distribuir o patrocínio anual de cento e cinquenta libras ofertado por John Quinn, advogado, colecionador e patrocinador de arte, entre os autores que participavam da revista. Joyce, por exemplo, recebeu cinquenta libras pela publicação em série de treze episódios inteiros e parte do décimo-quarto capitulo de Ulysses, que circulou no periódico, com algumas interrupções, de março de 1918 a dezembro de 1920, quando a revista foi impedida de continuar as publicações por conta da “obscenidade” do episódio treze, “Nausikaa”. A revista inglesa The Egoist chegou a publicar cinco pequenas seleções de quatro episódios em 1919, mas as gráficas inglesas impediram o prosseguimento das publicações na Inglaterra.

Pound também buscava, desde 1915, quando escreveu um ensaio intitulado “Mr James Joyce and the Modern Stage,”Pound, Ezra. Mr James Joyce and the Modern Stage. A Play and some Considerations. Scholar Select. US: AndesitePress, 2017. interessados em publicar e encenar a peça de teatro Exiles, sem sucesso. Pinker fazia circular os manuscritos na Inglaterra, e John Quinn, que comprara o manuscrito, nos Estados Unidos. A peça, finalmente, foi publicada pela Grant Richards em maio de 1918. No mesmo mês, Pound escreveu um ensaio na sua coluna “Books Current” na revista Future, em que expressava a sua admiração pelo talento literário de Joyce. Àquela altura, a obra de Joyce estava toda publicada, com exceção ainda da totalidade de Ulysses. Uma segunda edição de A Portrait of an Artist as a Young Man (1917) e de Chamber Music (1918) foram publicadas, e Pound anunciou isto em sua coluna de novembro. Desde então, Joyce vinha sendo lido e podia viver de sua escrita; passou a receber regularmente uma pequena quantia pelos livros, e também o estipêndio mensal de mil francos oferecido pela socialite americana Edith Rockfeller McCormick (1872-1932), que disponibilizou a quantia, de março de 1918 a setembro de 1919, interrompendo a ajuda quando Joyce se negou a ser analisado pelo psiquiatra e psicanalista Carl Gustav Jung (1875-1961), a quem Edith ajudou a disseminar a prática e os escritos.

Além disso, a editora Harriet Shaw Weaver, a quem Pound apresentou Joyce e convenceu-a da importância e talento do escritor, fazia doações anônimas a Joyce, até que, em julho de 1919, revelou a ele a sua identidade e tornou-se não só financiadora de sua obra, mas também uma pessoa amiga, envolvida não apenas nas questões profissionais, mas também pessoais de Joyce. O relacionamento dos dois ficou estremecido pelo estilo de vida perdulário de Joyce e pelo conteúdo de Finnegans Wake, que Weaver julgava ser um desperdício do talento de Joyce. Os dois pouco se encontraram depois de 1934, mas Weaver manteve a ajuda até a publicação do livro, em 1939. Foi ela também quem pagou as despesas do funeral de Joyce em 1941 e assumiu a responsabilidade pelos manuscritos de Joyce, que em vida já a designara para a função de inventariante. Weaver administrou o espólio de Joyce e enviou regularmente à família de Joyce os pagamentos devidos dos direitos autorais de sua obra.

Em relação a Pound, após anos de correspondência, foi apenas em junho de 1920 que os dois autores se encontraram pela primeira vez, a convite de Pound, na cidade de Sirmione, na Italia, cuja beleza de seu Lago Di Garda era muito apreciada e inspirava Pound, que gostaria que Joyce conhecesse o encanto daquele local. Conhecendo as dificuldades financeiras de Joyce, Pound arcou com mil liras para as despesas de viagem do escritor e de seu filho Giorgio. Em julho, já em Paris desde o início do mês, e tendo a sua mudança com a família providenciada por Pound, Joyce quis restituir parte dos valores a ele, que não os aceitou. Em carta de 2 de agosto, Pound escreveu que seria muito pouco amistoso da parte de Joyce lhe devolver a quantia; além disso, em três semanas ele acabaria por precisar do dinheiro novamente; para finalizar, disse que gostaria de contribuir para que Joyce pudesse continuar a escrita de Ulysses sem essa preocupação.

A correspondência trocada entre James Joyce e Ezra Pound por décadas traz assuntos pessoais mesclados a questões literárias, políticas e econômicas. Ezra Pound comenta os manuscritos datilografados que Joyce lhe envia e expressa suas opiniões em ensaios e resenhas, que viriam a se constituir nas primeiras críticas literárias à obra joyceana. Joyce, por outro lado, não parece se entusiasmar com a poesia de Pound ou comentá-la em profundidade; ao contrário, seus comentários são esparsos e protocolares. O que ele enfatiza quando menciona Pound é a generosidade, não a sua contribuição para a literatura. No entanto, ambos os autores expressam suas visões e discutem obras de outros artistas, escritores e músicos, o que enriquece as possibilidades de estudo dessa correspondência.

A ideia de publicar a correspondência de Joyce data da década de 1940, quando Harriet Weaver começa a organizar as centenas de cartas, telegramas e cartões postais enviados pelo autor. O amigo de Joyce, Stuart Gilbert (1883-1969)Gilbert, Stuart (ed). Letters of James Joyce. New York: Viking Press, 1957. se envolve na tarefa, edita e publica o livro The Letters of James Joyce (1957). Richard Ellmann (1918-1987), biógrafo de Joyce, compilou a correspondência disponível na época, e publicou dois volumes de cartas, Letters II e III, em 1966. In 1975, Ellmann editou o livro Selected Letters of James Joyce, com algumas adições ao corpus inicial. Por décadas, cartas avulsas foram publicadas em livros e periódicos, por estudiosos da obra de Joyce. Coleções importantes da correspondência joyceana tem sido encontradas e expostas em bibliotecas e centros de estudo de universidades.

O acadêmico Dr.Robert Spoo, professor da Universidade de Tulsa e um dos editores da edição digitalizada da correspondência de Joyce, disponível no site “James Joyce’s Correspondence”, informa a respeito da coleção digitalizada da correspondência entre Joyce e Pound, que está disponibiliza, até agora, oitenta e duas cartas, telegramas e cartões postais ainda não publicados, escritos por Joyce para Pound, além de cinco cartas e telegramas ditados por Joyce para a esposa e a filha e endereçados a Pound, também não publicados.

Segundo Spoo, até o momento, sabe-se da existência de duzentas e quatro cartas trocadas entre Ezra Pound e James Joyce, sem contar as escritas para outros membros da família de Joyce. Cartas não conhecidas podem ainda estar mantidas em coleções privadas ou ainda não descobertas em outros arquivos. As cartas digitalizadas no site contém notas e comentários, o que, sem dúvida, contribui com os pesquisadores desse material.

A pesquisa que ora se inicia, tem por objetivo examinar as cartas disponíveis, publicadas e não publicadas, entre os dois autores, comentá-las a partir do estudo do contexto histórico em que foram elaboradas, traduzi-las para que pesquisadores e interessados no tema possam ter acesso a esse material em língua portuguesa e criar paratextos que permitam uma melhor compreensão da confluência do relacionamento entre os autores e aspectos de seus processos criativo e estético.

Inicialmente, a pesquisa consiste em um levantamento de dados sobre a correspondência trocada entre Joyce e Pound no período de dezembro de 1913 a fevereiro de 1938, com a busca de informações sobre cartas publicadas e não publicadas, repositórios em que se encontram e bibliografia pertinente. Após esse levantamento, passa-se à organização, catalogação e leitura das cartas e seleção do material relacionado a questões nelas verificadas. O recorte temporal do conteúdo permitirá compreender tensões e aspectos da literatura anglófona no contexto do modernismo e selecionar a documentação para estudo.

O próximo passo será a analise textual das cartas e o início do processo tradutório a partir da leitura e releitura dos originais e as leituras colaterais do contexto e dos autores, para depois recortar passagens significativas nos originais (Berman, 1995Berman, Antoine. Pour une critique des traductions: John Donne. Paris: Gallimard, 1995.) e estabelecer o projeto tradutório a ser seguido.

  • 1
    “Possibly too thorough, too psychological, or subjective in treatment to suit that brute in New York. I suppose AN ENCOUNTER is impossible for a magazine still I shall send the three of them with my recommendation.” (Read, 1970Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce. New York: New Directions, 1970., p.24).
  • 2
    “At any rate, these stories and the novel now appearing in serial form are such as to win Mr. Joyce a very definite place among English contemporary prose writers, not merely a place in the ‘Novels of the Week’ column, and our writers of good clear prose are so few that we cannot afford to confuse or to overlook them.” (Read, 1970Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce. New York: New Directions, 1970., p.30).
  • 3
    “We both work together for the art which is bigger and outside of us.” (Pound & Spoo, 1988Pound, Omar; Spoo, Robert. Ezra Pound and Margaret Cravens: A Tragic Friendship, 1910-1912. Durham, NC: Duke University Press, 1988. p.10-11., p.10)

Referências

  • Berman, Antoine. Pour une critique des traductions: John Donne Paris: Gallimard, 1995.
  • Ellmann, Richard (ed). Letters of James Joyce. Vol II New York: Viking Press, 1966.
  • Ellmann, Richard (ed). Letters of James Joyce. Vol III New York: Viking Press, 1966.
  • Ellmann, Richard (ed). Joyce: Selected Letters. London: Penguin Group, 1975.
  • Gilbert, Stuart (ed). Letters of James Joyce New York: Viking Press, 1957.
  • Joyce, James. The Complete Works. James Joyce Bauer Books, 2022.
  • Pound, Ezra. “Patria Mia”. In: Cookson, William (ed). Ezra Pound. Selected Prose 1909-1965 New York: New Directions, 1973. p. 139-141.
  • Pound, Ezra. Des Imagistes An Anthology New York: Albert and Charles Boni, 1914. E-book (não paginado). Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/50782/50782-h/50782-h.htm Acessado em 10 jun2022.
    » https://www.gutenberg.org/files/50782/50782-h/50782-h.htm
  • Pound, Ezra. Mr James Joyce and the Modern Stage. A Play and some Considerations Scholar Select. US: AndesitePress, 2017.
  • Pound, Omar; Spoo, Robert. Ezra Pound and Margaret Cravens: A Tragic Friendship, 1910-1912 Durham, NC: Duke University Press, 1988. p.10-11.
  • Read, Forrest (ed). Pound/Joyce. The Letters of Ezra Pound to James Joyce, with Pound’s Essays on Joyce New York: New Directions, 1970.
  • James Joyce’s Correspondence. Disponível em https://jamesjoycecorrespondence.org/index.html Acesso em 10 jun.2022.
    » https://jamesjoycecorrespondence.org/index.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    24 Nov 2022
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