Acessibilidade / Reportar erro

UM PROJETO DE TRADUÇÃO EM TRUPE DE OBRAS DRAMATÚRGICAS DE THOMAS BERNHARD

A TROUP TRANSLATION PROJECT OF THREE PLAYS BY THOMAS BENHARD INTO BRAZILIAN PORTUGUESE

Resumo

Este artigo aborda o projeto de tradução colaborativa de três obras dramáticas do escritor austríaco Thomas Bernhard: O presidente, Uma festa para Boris e Immanuel Kant. O projeto foi realizado por um grupo de cinco estudantes da área de tradução e coordenado pela professora Ruth Bohunovsky. As obras decorrentes do trabalho começaram a ser publicadas em 2020. Além de comentários sobre o processo colaborativo e a tradução, discutem-se a escolha de traduzir as peças pensadas como livros, as dificuldades impostas pela linguagem dramatúrgica de Bernhard e os resultados do processo como um todo.

Palavras-chave
Thomas Bernhard; Tradução de Teatro; Tradução colaborativa

Abstract

This paper discusses the collaborative translation project for three dramatic works by the Austrian writer Thomas Bernhard: The President, A party for Boris and Immanuel Kant. The project was carried out by a group of five translation students and coordinated by Professor Ruth Bohunovsky, with the publication of the first book in 2020. In addition to comments on the collaborative translation process, the choice of translating the pieces in book format and the difficulties imposed by Bernhard’s dramaturgical language and the results of the process as a whole are also discussed.

Keywords
Thomas Bernhard; Drama Translation; Collaborative Translation

Introdução

Há cerca de três anos, um grupo de estudantes da área de tradução do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, sob orientação e coordenação da professora Ruth Bohunovsky, passou a se reunir para traduzir três textos dramatúrgicos do autor austríaco Thomas Bernhard: O presidente (no original: “Der Präsident”), Uma festa para Boris (no original: “Ein Fest für Boris”) e Immanuel Kant, com o objetivo de publicá-los pela Editora UFPR, no âmbito da coleção “Dramas e Poéticas”. As obras escolhidas eram parte do escopo do projeto de pesquisa de Bohunovsky “Traduzir o teatro e o cômico: dramas de Thomas Bernhard, Elfriede Jelinek e Wolfgang Bauer em versão brasileira” (em seu nome atual). O projeto se destaca não apenas por traduzir textos dramatúrgicos importantes e (quase) inéditos no Brasil1 1 Em 1980 o Instituto Goethe de Porto Alegre, em parceria com o de Curitiba, publicou uma tradução de O Presidente, com Adelaide Rudolph como tradutora responsável e distribuição restrita. Já as outras duas peças mencionadas aqui não têm traduções publicadas no Brasil. , mas também por publicá-los em edições críticas, que fornecem contextualização histórica, literária e tradutória das peças, por meio de paratextos de especialistas em dramaturgia e na obra de Bernhard.

Para um autor de língua alemã, a recepção da obra de Bernhard é relativamente ampla no Brasil. No campo da prosa, o autor é publicado por editoras brasileiras desde os anos de 1990, e até o momento já foram traduzidos e publicados oito títulos, como O Náufrago (2006) e O imitador de vozes (2009), incluindo publicações recentes de Mestres Antigos (2021) e Derrubar Árvores - uma irritação (2022). Entre seus tradutores estão nomes como Ana Maria Scherer, Hans Peter Welper, José Laurenio de Melo, José Marcos Mariani de Macedo, Lya Luft e Sergio Tellaroli. A partir dos anos 2000, Bernhard passou a ser publicado pela editora Companhia das Letras, o que contribuiu para a disseminação de sua obra no país. Porém, apenas muito recentemente sua obra dramatúrgica passou a ser publicada no Brasil. Em 2017, a Editora Perspectiva publicou o livro Thomas Bernhard, o fazedor de teatro e a sua dramaturgia do discurso e da provocação, um estudo da dramaturgia bernhardiana acompanhado de uma tradução da peça O fazedor de teatro. Já no começo de 2020 a Editora Temporal publicou uma tradução de uma das peças mais conhecidas de Bernhard: Praça dos Heróis (2020).2 2 É necessário relativizar esta afirmação. Esse número de publicações não quer dizer que a dramaturgia de Bernhard não tenha circulado no Brasil. Além da publicação de O Presidente pelo Instituto Goethe de Porto Alegre e de Curitiba, Bohunovsky (Caetano & Bohunovsky, 2018, p. 498) apurou também uma série de traduções e adaptações não publicadas de textos do autor, realizadas para fins de encenação. Podemos citar, a título de exemplo, a tradução/adaptação de Marcos Damaceno do texto de Árvores abatidas, a tradução de O poder do hábito, de Nehle Franke, e também a tradução de Ludwig e suas irmãs, de Alessandra Vannucci. A publicação das três traduções tematizadas neste artigo se somará a esses esforços de divulgação do drama bernhardiano. Tal cenário demonstra o interesse editorial tanto por textos dramáticos quanto pela obra em prosa de Bernhard no Brasil.

A dinâmica de trabalho deste projeto foi organizada da seguinte forma: o grupo de alunos foi dividido em duplas, que ficaram responsáveis pela tradução de peças diferentes. Uma primeira versão da tradução era revisada em grupo e/ou com a professora. A primeira experiência se deu com uma nova tradução da peça O presidente (Der Präsident), publicada pela Editora UFPR em 2020. Além dessa primeira, foram traduzidas mais duas peças de Bernhard: Uma festa para Boris (Ein Fest für Boris), publicada também pela Editora UFPR em 2022, e Immanuel Kant, que já passou por um processo de leitura e revisão e está no prelo, com previsão de publicação pela mesma editora.

Este artigo – que assim como as traduções citadas acima, é fruto de várias mãos – descreve e discute o processo tradutório coletivo das peças, considerando discussões recentes sobre tradução coletiva, e faz uma breve exposição dos textos em questão, para então apresentar o projeto de tradução e descrever o processo tradutório. Por fim, serão debatidas brevemente algumas aproximações e diferenças estilísticas entre as peças e discutidas algumas questões tradutórias de cada obra.

Traduzir juntos, traduzir em trupe

Nas últimas décadas, as discussões sobre a autoridade do tradutor estão se tornando mais frequentes, com muitos pesquisadores defendendo que tradutores têm um estatuto de autoridade sobre a obra semelhante ao do autor, sobretudo quando se pensa em tradução literária. A demanda por visibilização do tradutor, preconizada por autores como Lawrence Venuti (2021)Venuti, Lawrence. A invisibilidade do tradutor: uma história da tradução. Tradução de Biondo, Valéria; Pellegrin, Laureano; Marcelino Villela, Lucinéia & Dias Esqueda, Marileide. São Paulo: Editora Unesp, 2021., é contemporânea ao processo de institucionalização do campo dos Estudos da Tradução, sendo parcialmente fruto dessa institucionalização. Além disso, pode-se citar, nessa seara, o entendimento de Henri Meschonnic (2010)Meschonnic, Henri. Poética do Traduzir. Tradução de Jerusa Pires Ferreira & Suely Fenerich. São Paulo: Perspectiva, 2010. de que a prática de tradução é também uma produção literária. Apesar de o reconhecimento da capacidade criativa do tradutor ser algo recente, isso está relacionado a um longo processo de valorização da autoria individual iniciado no Renascimento, conforme informam Anthony Cordingley & Céline Frigau Manning na introdução do livro Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age (2017), organizado por eles. Nesse sentido, a ideia do tradutor solitário decorre dos “mitos da singularidade” (Cordingley & Manning, 2017Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau. “What is Collaborative Translation?” In: Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau (Orgs.). Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age. Londres: Bloomsbury, 2017. p. 4-12.) que têm seu epítome no gênio romântico. Já há algumas décadas, o estatuto da autoria vem sendo questionado ao redor do mundo3 3 Cf., entre outros, Barthes (2004). , bem como o mito da singularidade autoral sobre o processo criativo4 4 Cf., entre outros, Bassnett & Bush (2006). . No mesmo sentido, a imagem do tradutor solitário é posta em questão correntemente por traduções coletivas ou colaborativas, organizadas e realizadas de diferentes maneiras.

Por sua vez, Cordingley & Manning (2017)Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau. “What is Collaborative Translation?” In: Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau (Orgs.). Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age. Londres: Bloomsbury, 2017. p. 4-12. argumentam que, de uma perspectiva da sociologia relacional, toda tradução é colaboração, isto é, há uma combinação de “labores” para que haja a tradução, e.g. revisão, preparação, edição, busca de financiamento etc. Isso não significa que todos os atores envolvidos nessa colaboração sejam tradutores, mas que a tradução é, em si, uma realização colaborativa. Assim, “tradução colaborativa” seria um termo guarda-chuva para identificar as diferentes relações de colaboração existentes dentro do processo tradutório, incluindo-se aí o que Cordingley & Manning (2017, p. 24)Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau. “What is Collaborative Translation?” In: Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau (Orgs.). Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age. Londres: Bloomsbury, 2017. p. 4-12. chamam de “co-tradução”, as traduções a quatro ou mais mãos, que os autores consideram melhor expositoras das “dimensões estilísticas, retóricas e técnicas” que atravessam a tradução, na medida em que essas dimensões são menos evidentes no foco do tradutor singular, que não tem de confrontar outras mãos que não as suas. Os demais artigos do livro exploram várias noções e experiências, desde traduções feitas com colaborações de seus autores como a colaboração entre tradutores de uma mesma obra para línguas diferentes, que poderiam se configurar como atos de tradução coletiva.

A “co-tradução” também pode ser chamada de tradução coletiva. Alguns artigos do dossiê Traduire ensemble pour le théâtre, publicado em 2016 na revista francesa La main de Thôt, trabalham com essa noção. Um deles é o artigo de Hilda Inderwildi sobre o coletivo de tradutores HERMAION, que se dedica à tradução de textos em alemão para o francês, ao passo que constrói, por meio dessa prática, uma teoria da tradução coletiva. Inderwildi, um de seus expoentes, acredita, inclusive, que a era digital inaugura um momento da tradução inclinado a um viés participativo, o que ela chama de “oitava época [saison]” da tradução, a partir da cronologia proposta por Dieter Hornig (Inderwildi, 2016Inderwildi, Hilda. “Le collectif HERMAION. Enjeux, méthode et idéologie”. La main de Thôt, 4, p. 1-15, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558. Acesso em: 22 dez. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
, p. 4). O HERMAION tem extenso trabalho de tradução de peças de teatro e para Inderwildi o coletivo é “uma condição a priori” (Inderwildi, 2016Inderwildi, Hilda. “Le collectif HERMAION. Enjeux, méthode et idéologie”. La main de Thôt, 4, p. 1-15, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558. Acesso em: 22 dez. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
, p. 5) quando se fala de teatro. Nesse sentido, a tradução coletiva – ou o “traduzir juntos” [traduire ensemble], nas palavras de Inderwildi, seria uma forma particularmente interessante à tradução teatral, na medida em que se pode ouvir mais vozes e performances a fim de lapidar o texto traduzido (cf. Peguinelli, 2015Peguinelli, Andrea. “A tradução do teatro enquanto colaboração: Um caso em questão no drama britânico contemporâneo”. Tradução de Andreza Sara Caetano de Avelar Moreira. Cadernos de Tradução, 35(1), 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35n1p252
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v3...
). Além disso, o grupo poderia se familiarizar com “diferentes facetas da mediação cultural”, nas palavras de Inderwildi (2016, p. 8)Inderwildi, Hilda. “Le collectif HERMAION. Enjeux, méthode et idéologie”. La main de Thôt, 4, p. 1-15, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558. Acesso em: 22 dez. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
, e ensejar uma tradução mais polivalente (2016, p. 15), feita em um meio coletivo semelhante àquele da performance teatral. Essa ideia se assemelha à de Cordingley & Manning em termos de que o envolvimento de outras pessoas no trabalho de finalização de um texto, mesmo que não seja num trabalho exclusivo de tradução, já faz com que a tradução seja um ato coletivo.

No mesmo dossiê, Agnès Surbezy, coordenadora da coleção Hespérides Théâtre, série de traduções dramáticas realizadas de maneira coletiva, chega a conclusões semelhantes às de Inderwildi ao refletir sobre seu projeto tradutório, adicionando ainda os elementos do “prazer de estar juntos” e da “polifonia tradutora”, que repercute a polifonia cênica, presentes na tradução coletiva (Surbezy, 2016Surbezy, Agnès. “De deux à... : déclinaisons de la traduction collective dans la collection nouvelles scènes – espagnol”. La main de Thôt, 4, p. 1-12, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=605. Acesso em: 22 dez. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
, p. 8-9). Já Charlotte Bomy, tradutora com vasta experiência em coletivos de tradutores, defende a tradução coletiva como uma potente experiência pedagógica, e lembra, por sua vez, que “a trupe é a forma de organização mais comum do teatro profissional” (Bomy, 2016Bomy, Charlotte. “Traduire le spectacle vivant : surtitrage, traduction simultanée et autres dispositifs”. La main de Thôt, 4, p. 1-7, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=648. Acesso em: 16 nov. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
, p. 2).

Nesse sentido, pensamos que a tradução coletiva de peças de teatro pode funcionar como uma atividade de trupe. Isso porque a reunião em torno do texto dramático gera um espaço de convivência e de trocas que transcende os limites do texto escrito, emulando, ainda que de maneira diferida, o espaço de convivência e co-criação do grupo de teatro. As reuniões de nossa “trupe” tradutória, por exemplo, eram realizadas em diferentes espaços e, por vezes, englobavam algum público (não apenas do âmbito do teatro), para o qual apresentávamos nossas escolhas tradutórias. Assim, traduzir juntos pode ser também traduzir em trupe, ainda que o nosso palco seja o da escrita.

As peças

Foi então que, partindo do trabalho em equipe (ou trupe), começamos a trabalhar com três peças de Thomas Bernhard, que serão apresentadas a seguir.

O presidente (Der Präsident), primeira peça a ser publicada pelo projeto em questão, foi encenada pela primeira vez em Viena em 1975 e é uma das peças mais políticas de Bernhard. A obra mostra os bastidores do mundo dos poderosos – nesse caso, um presidente autoritário e sua primeira-dama – prestes a entrar em colapso. Com todos os grandes acontecimentos ocorrendo fora de cena, temos longos monólogos do presidente e da primeira-dama, permeados por algumas respostas breves, que mostram suas crenças de mundo e como elas estão sendo abaladas pelos anarquistas. A tradutora Gitta Honegger resume a obra da seguinte forma: “O presidente e sua esposa [...] são movidos (com toda a razão) pelo medo de assassinos, provavelmente sob a liderança de seu próprio filho, enquanto se divertem em relações extraconjugais” (Honegger, 2014Honegger, Gitta. “O estranho por trás da palavra: das peças de Thomas Bernhard ao teatro anatômico de Elfriede Jelinek”. In: Konzett, Matthias (Org.). O artista do exagero: a literatura de Thomas Bernhard. Organização da tradução de Ruth Bohunovsky. Curitiba, Editora UFPR, 2014. p. 203-218., p. 205).

As cenas, que mostram situações banais, como o casal tomando banho e se aprontando para um funeral ou o presidente em um bar com outros chefes de Estado enquanto dá uma escapadela com a amante, revelam justamente as crenças pessoais mais íntimas das personagens, com detalhes que normalmente não aparecem nos ambientes públicos.

Uma festa para Boris (Ein Fest für Boris), primeira peça (longa) do autor, escrita e montada pela primeira vez em 1970, no Deutsches Schauspielhaus Hamburg, foi a segunda obra traduzida pelo grupo. A Bondosa, uma aristocrata de requintes tirânicos que perdeu as pernas no mesmo acidente que tirou a vida de seu antigo marido, é a protagonista da ação. A personagem vive nas redondezas de um asilo para “aleijados”, todos também com as pernas amputadas. Joana é sua empregada e cuidadora, e Boris, um ex-interno do asilo, seu novo marido, para quem A Bondosa planeja uma festa de aniversário.

A peça é dividida em três partes – Prelúdio, Segundo Prelúdio e A Festa. Os dois prelúdios se passam em um quarto vazio com janelas e portas altas (em contraste com a protagonista cadeirante) e consistem em monólogos d’A Bondosa, repletos de ordens e acusações contra Joana, quase sempre também em cena, em que se explicita a diferença hierárquica entre as duas. O segundo prelúdio acontece após um baile à fantasia da alta sociedade, ao qual A Bondosa vai vestida de rainha e Joana de porco, e é também somente aqui que somos apresentados a Boris. Por fim, a festa de aniversário de Boris é encenada no último ato: trata-se de uma longa sequência de nonsense bernhardiano, em que estão presentes, além d’A Bondosa, Joana e Boris, treze internos do asilo, designados apenas por características físicas genéricas como “Aleijado mais velho” ou “Aleijado mais novo”. Nessa cena, o monólogo é substituído por um entrecruzamento de falas que não constituem um diálogo, mas sim recortes de alucinações fragmentárias e sons de timbale, que apenas cessam com uma misteriosa morte. A peça compartilha com O presidente o fim trágico, mas aqui em um tom mais absurdo. Como notam alguns críticos, o texto se aproxima do teatro do absurdo de Beckett e da filosofia existencialista (qtd. in Hackl, 2018Hackl, Wolfgang. “Ein Fest für Boris”. In: Huber, Martin & Mittermayer, Manfred (Orgs.). Bernhard-Handbuch. Stuttgart, 2018. p. 194-197.).

Por fim, a última peça traduzida neste projeto é Immanuel Kant, que estreou no ano de 1978, no Staatstheater Stuttgart. Na voz de Bernhard, o filósofo iluminista Immanuel Kant se torna um velho demente, causando não apenas riso, mas algum escárnio frente a certa tradição filosófica. A peça se divide em quatro atos: os três primeiros nomeados segundo partes do navio (Conveses da Proa, Central e da Popa) em que se encontram as personagens, e o último, Desembarque, que, além de ser o momento de atracagem, faz as vezes de um epílogo.

Kant é um velho à beira da cegueira que viaja para os Estados Unidos da América a fim de receber um título de doutor honoris causa da Universidade de Columbia e também um tratamento de vista, uma vez que um glaucoma o deixara praticamente cego, fazendo-o perder sua Augenlicht (uma brincadeira linguística que faz Kant perder a “iluminação” dos olhos). O filósofo viaja acompanhado de sua mulher, de seu inseparável papagaio Frederico e de seu empregado, Ernesto Ludovico, enquanto produz diversos monólogos maquiados de diálogo. Outras personagens arquetípicas se encontram no navio, como a Milionária, o Cardeal e o Capitão, para quem Kant faz palestras incompreensíveis e com quem divide a mesa durante a Festa da Lanterna, no terceiro ato. Durante a peça se percebe que os fatos ocorrem no século XX, seja por críticas a Lênin ou por rótulos de espumantes, e no epílogo Kant é recebido na América por uma “comitiva de acadêmicos”, curiosamente vestidos como funcionários de um hospital psiquiátrico, momento em que se percebe que aquele não é, de fato, o famoso filósofo alemão. Um traço incontestável desta obra é seu humor, sendo considerada pela crítica a primeira peça definitivamente engraçada de Thomas Bernhard (Dittmar, 1990Dittmar, Jens. Thomas Bernhard Werkgeschichte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.).

Projeto e processos de tradução

Tal qual este artigo, o nosso projeto de tradução é, antes de tudo, um projeto coletivo coordenado por Ruth Bohunovsky. A ideia de laboratório de tradução não é novidade na tradutologia brasileira, sendo uma proposta metodológica antiga e muito replicada em diferentes espaços e contextos. No início dos anos 1960, escrevia Haroldo de Campos:

O problema da tradução criativa só se resolve, em casos ideais, a nosso ver, com o trabalho em equipe, juntando para um alvo comum linguistas e poetas iniciados na língua a ser traduzida. É preciso que a barreira entre artistas e professores de língua seja substituída por uma cooperação fértil, [...].

(Campos, 2013Campos, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Tápia, Marcelo & Médici Nóbrega, Thelma (Orgs.). Haroldo de Campos – Transcriação. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 1-18., p. 17).

Resolvida a questão metodológica, tínhamos de decidir como traduzir o teatro de Thomas Bernhard. Há diversos modos possíveis de se traduzir um texto dramático. Bohunovsky (2019)Bohunovsky, Ruth. “Traduções no teatro, feitas para publicar, encenar ou legendar: uma tipologia possível”. Urdimento, 2(35), p. 129-148, 2019. DOI: https://doi.org/10.5965/1414573102352019129
https://doi.org/10.5965/1414573102352019...
qualifica a tradução de teatro como heterogênea e complexa, perfazendo um movimento constante entre oralidade e escrita. Distintas traduções decorrem de distintas intenções, que podem ou não estar manifestas em projetos tradutórios específicos. Inicialmente, em meados de 2017, decidimos que as traduções seriam feitas para encenação por um grupo teatral curitibano. Nesse primeiro momento, trechos das peças em questão já começaram a ser traduzidos. Por motivos externos, a produção das peças ficou em segundo plano e o projeto mudou de foco e se concentrou na tradução para publicação em livro (o projeto de tradução das três peças foi aceito em abril de 2018 pela Editora UFPR). A partir desse momento, as duplas começaram a trabalhar com mais afinco em suas traduções. A mudança na finalidade das traduções foi um dos motivos de discussão no grupo, que acreditou que existem diferenças na prática de tradução para palco e tradução para publicação. A tradução para o palco, por exemplo, permitiria referências mais imediatas a acontecimentos locais à produção e ao momento de exibição da peça, características descartadas pelo grupo para a tradução para publicação.

Assim, nosso projeto tradutório começou de fato a tomar corpo quando decidimos que as peças comporiam uma coleção editorial voltada a textos dramáticos, ou seja, as peças seriam publicadas em formato de livro. Escolhemos, com isso, descartar a ideia de fazer as traduções para montagens específicas, conjuntamente a uma companhia de teatro específica. Ao mesmo tempo, nosso projeto de tradução recepcionou a ideia de Jiří Veltrusky (2011)Veltruský, Jiří. “El drama como obra literaria y como representación teatral”. Literatura: teoría, historia, crítica, 13(1), p. 349-360, 2011. de que o texto dramático também tem função de obra literária, podendo ser lido individualmente em experiência distinta do palco. Segundo Bohunovsky (2019, p. 136)Bohunovsky, Ruth. “Traduções no teatro, feitas para publicar, encenar ou legendar: uma tipologia possível”. Urdimento, 2(35), p. 129-148, 2019. DOI: https://doi.org/10.5965/1414573102352019129
https://doi.org/10.5965/1414573102352019...
,

[a] característica mais marcante de traduções literárias de textos dramáticos é que elas não precisam levar em consideração fatores relacionados a uma eventual performance frente a um público [...]. Seguindo a terminologia de Christiane Nord, trata-se geralmente de traduções “documento”, ou seja, pensadas para oferecer ao leitor um acesso a uma determinada “situação comunicativa do passado” e, eventualmente, também a seu contexto original, e não necessariamente para “funcionar” como texto dramático na língua-alvo. Como aponta Aaltonen, traduções desse tipo procuram “escrever o texto de partida com as palavras da língua-alvo” (2000, p. 32), ainda que, obviamente, “sempre reescrev[am] o texto de partida” e “nunca po[ssam] ser uma réplica exata” deste.

Ademais, além de encararmos o texto dramático como texto literário em nosso projeto, sabíamos que as nossas traduções estariam acompanhadas de textos críticos que fariam a contextualização e algum debate sobre as peças. Desse modo, e em consonância com Bohunovsky, nosso projeto de tradução também tem a função suplementar de constituir material crítico para futuras montagens. Em casos de ausência de contato direto entre tradutor e companhia de teatro, como é o nosso caso, a tradução de textos teatrais em livro, enquanto complexo que engloba peça e crítica, serve como meio indireto de comunicação entre processos criativos distintos e complementares.

A primeira peça, O presidente5 5 A partir deste ponto, iremos nos referir às peças apenas pelo título traduzido. , foi traduzida integralmente por uma das duplas em 2018. Os tradutores trabalharam juntos na maior parte do processo, com eventuais trechos sendo traduzidos por apenas um dos dois e revisados pelo outro. Este trabalho de cerca de quatro meses resultou em uma primeira versão da tradução, que em seguida foi lida e discutida por um grupo maior (composto por Angélica Neri, Cristiane Gonçalves Bachmann, Hugo Simões e Luiz Carlos Abdala Junior), com orientação de Bohunovsky. Esse processo crítico, realizado presencialmente durante o segundo semestre de 2018, foi relevante para criar uma homogeneização dos termos da peça, identificar incoerências e, claro, testar o aspecto cômico do texto em sua tradução – ainda que não se trate de uma comédia, Bernhard apela para exageros e absurdos para causar um efeito cômico. A leitura crítica foi essencial para determinar se a tradução funcionava nesse sentido e, quando não, criar ajustes.

Essa crítica coletiva rendeu aos tradutores uma versão anotada do texto, contendo desde identificação de problemas a sugestões de soluções. A dupla trabalhou então com esse material para chegar a uma segunda versão, enviada à Editora UFPR em março de 2019. Nesse mesmo intervalo de tempo, começaram a ser produzidos os textos de apoio desta edição, sendo que o prefácio é assinado por Ruth Bohunovsky e o posfácio é assinado por Walter Lima Torres Neto. Dentro do processo editorial, o material passou pela revisão de Alan Santiago Norões Queiroz, essencial para padronização linguística. O texto, em uma versão mais madura, passou por mais uma leitura – dessa vez uma leitura dramática, realizada pelos atores Angela Stadler, Janaína Fukushima, Thiago Dominoni, Val Salles e Vinicius Medeiros. Essa última leitura permitiu que os tradutores fizessem os últimos ajustes: como a opção pelo termo minha filha, como o apelido carinhoso (e paternal) que o presidente usa ao falar com sua amante. Minha pequena, que havia sido a escolha até então, foi rejeitada pelos tradutores por acharem que ela não se adequava tão bem ao tom de fala do presidente da peça. Esse processo mostra o quanto a tradução colaborativa e a leitura crítica, feita em várias etapas, foi valiosa para o resultado final publicado. Foi então que, um pouco mais de dois anos depois do início da tradução, foi possível chegar à versão do texto publicada pela Editora UFPR em 2020.

A tradução de Uma festa para Boris teve início sincronicamente à de O presidente, em 2017, por outra dupla. As primeiras falas traduzidas de Uma festa para Boris foram igualmente analisadas pelo grupo já mencionado de alunos e artistas. Quando se tornou incerta a proposta de encenação das peças, a tradução de Uma festa para Boris foi temporariamente abandonada. O projeto retornou apenas em 2019, com uma reformulação da dupla original. O novo processo de tradução iniciou em janeiro de 2019, quando, depois de 3 semanas de encontros quase diários entre os tradutores, uma tradução da primeira versão do texto foi finalizada e entregue à professora supervisora da tradução. A peça foi revisada no primeiro semestre de 2020 e reenviada a Bohunovsky, que, por sua vez, revisou o texto novamente. Em seguida, todos os envolvidos no processo tradutório se reuniram em encontros virtuais para uma última revisão. Nessas últimas reuniões, o texto passou não apenas por últimas correções ortográficas e estilísticas, mas também por testes de vocalização, que suscitaram ainda alguns ajustes. Assim, nos encontros com a supervisora foram definidas questões importantes da tradução, como a decisão pelo uso dos pronomes de segunda e terceira pessoa, os nomes das personagens em português, o tom da linguagem das personagens em certas passagens, os modos da recriação dos efeitos cômicos e/ou absurdos do original, assim como a avaliação do nível de oralidade do texto traduzido, isto é, questões de ordem rítmica, sonora e performática. A versão final do texto foi enviada a Flávio Stein, artista e pesquisador de artes dramatúrgicas, e Manfred Mittermayer, diretor do arquivo literário de Salzburg e especialista na obra de Bernhard, responsáveis pelos textos críticos que fazem parte da publicação de Uma festa para Boris. Após o recebimento dos textos e tradução do paratexto de Mittermayer, o projeto do livro foi enviado à Editora da UFPR, em que foi realizada nova revisão e preparação do texto para a publicação em novembro de 2022.

Immanuel Kant foi a última peça a ser traduzida deste primeiro ciclo de traduções dramáticas do grupo. A tradução teve início em 2018, com a pesquisa monográfica de um dos membros da equipe. Em pouco tempo, outra integrante, que já havia trabalhado com a tradução do cômico em Bernhard em seu trabalho de conclusão de curso em Letras, ingressou no projeto de tradução, que foi refundado e realizado integralmente a quatro mãos. Ao contrário das outras duas peças, Immanuel Kant não contou com nenhuma leitura de todo o grupo de tradutores, que não pôde se encontrar por motivos práticos, embora eventualmente conversássemos sobre as traduções informalmente uns com os outros. De todo modo, parte da peça foi testada com um artista de teatro, Ricardo Nolasco, da Selvática Ações Artísticas, que leu a primeira tradução do primeiro ato. Uma primeira tradução integral da peça foi finalizada entre os meses finais de 2018 e início de 2019, pouco antes do retorno do projeto de Uma festa para Boris. Como Kant foi o último projeto a ser enviado para a Editora da UFPR, a tradução foi deixada em espera, até que fossem finalizados os outros projetos. Imediatamente após a finalização de Uma festa para Boris, os tradutores iniciaram, sob supervisão da mesma professora, os processos de revisão e primeiros testes de leitura de Immanuel Kant, concluídos no final de agosto de 2020. Em setembro de 2020, trechos do texto foram lidos pelos tradutores em apresentação de Bohunovsky no evento Poiésis: caminhadas literárias, da UFPR. Helmut Gollner, um dos autores de Áustria: uma história literária: Literatura, cultura e sociedade desde 1650 (Zeyringer & Gollner, 2019Zeyringer, Klaus & Gollner, Helmut. Áustria: uma história literária: Literatura, cultura e sociedade desde 1650. Tradução e adaptação de Ruth Bohunovsky. Curitiba: Editora UFPR, 2019.), assina um dos textos críticos que acompanha a edição. O nome do autor do segundo paratexto ainda não foi definido. Com a recente publicação de Uma festa para Boris, é provável que em breve a fase final de tradução da peça Immanuel Kant seja concluída.

Por fim, cabe também citar que a professora foi responsável por negociar o projeto com a Editora da UFPR, obter os direitos de publicação da obra do Bernhard no Brasil e convidar os autores dos paratextos.

Resultados

Muito se fala, sobre a obra de Bernhard, dos mecanismos de repetição; não só de palavras, conceitos, e construção narrativa, mas também da temática. Os heróis bernhardianos não são heróis comuns, no sentido de personagens que compõem um arco narrativo com final feliz; ao contrário, estão fadados, assim como os protagonistas das tragédias gregas, a um destino terrível. O processo de tradução colaborativa nos permitiu acessar diferentes Bernhards, percebendo contrastes e semelhanças entre as peças. Um fator central do desenvolvimento das traduções foi a coordenação e supervisão da professora orientadora, que ligou os três trabalhos, trazendo perspectivas presentes em outras peças e textos do autor, além de problemas e soluções encontrados por cada dupla de tradutores, o que enriquecia nossas traduções e nos mantinha em permanente relação, enquanto um grupo de tradutores que produzia um projeto coletivo de tradução.

A linguagem das três peças é tipicamente bernhardiana: além de repetitiva, é exagerada e irônica, composta pelo vocabulário singular ao autor, como os famosos naturgemäß [consoante à natureza] e immer [sempre], e também é marcada por uma sintaxe fragmentada. Quase não há pontuação nas peças e as rubricas e falas são quebradas “em versos”, gerando, assim, quebras sintáticas de muitas frases – uma marca estilística de Bernhard que cria uma pluralidade de possibilidades interpretativas de seus textos dramáticos. A ausência de pontuação cria suspenses e ambiguidades, já que nem sempre se identifica com total clareza a qual oração pertence determinado sintagma. Essa forma narrativa de Bernhard se mostrou uma das maiores dificuldades na tradução das três peças.

FRAU KANTMein Mann hat in der Nachteine zweite Bettdecke verlangtaber kein Mensch hat ihmeine zweite Bettdecke gebrachtEr leidet seit seinem sechsten LebensjahrDampfpfeifen pfeifenan Verkühlungen6 SENHORA KANTDurante a noite o meu maridosolicitou um segundo cobertormas ninguém lhe trouxeum segundo cobertorEle vem sofrendo desde seu sexto ano de vidaApitos-a-vapor apitamcom resfriados7

A falta de pontuação exigiu dos tradutores atenção especial aos momentos em que as personagens fazem perguntas. Na língua alemã, o sinal gráfico de interrogação nem sempre é imprescindível para se compreender que se trata de uma frase interrogativa, pois nessas o verbo pode inverter de posição sintática com o sujeito da frase nos casos em que não há um advérbio ou outro elemento interrogativo. Como, em português, tal efeito sintático não ocorre e as frases interrogativas são marcadas pelo sinal gráfico e pela entonação, sem a inversão, as soluções encontradas para resolver a questão sem utilizar o sinal gráfico foram diversas. Nas passagens mais ambíguas, a solução mais utilizada foi adicionar a rubrica “perguntando” ou “em tom de pergunta”, como nesta passagem de Uma festa para Boris:

DIE GUTE zu BorisSiehst du das AsylWillst du wieder in das AsylBoris verneint8 A BONDOSA, para Boris, perguntandoEstá vendo o asiloVocê quer voltar para o asiloBoris nega com a cabeça9

Em outros momentos, quando apenas o uso do advérbio interrogativo “por que” (warum), ou de outros advérbios como “onde” (wo) ou “como” (wie), já resolvia a possível ambiguidade, optamos por não marcar com a rubrica, como nesta passagem de uma fala d’A Bondosa:

LügenLügen von LügenWarum lüge ichAlle diese Lügen sind Verfinsterungendaß alles wahr ist und wirklichschreiendWarum verbieten Sie mir denn nichtBriefe zu schreiben10 MentirasMentiras de mentirasPor que é que eu mintoTodas essas mentiras são ofuscamentosque tudo é real e verdadeiroaos berrosPor que é que você não me proíbede escrever cartas11

Outra decisão que perpassou a tradução das três peças foi a questão pronominal, por exemplo, no que se refere à diferença entre formal e informal presente no alemão (entre os pronomes du e Sie). Em O presidente, optou-se pelas formas “você” e “o senhor/a senhora” para marcar a diferença e até um certo distanciamento entre personagens poderosas e seus subordinados; em Uma festa para Boris o pronome “a senhora” é apenas utilizado quando as personagens “aleijadas” se dirigem à Bondosa, ou quando esta ordena que Joana transmita uma mensagem da sua “senhora” (isto é, a própria Bondosa) para Boris. Buscou-se, a partir das discussões em grupo, pensar em como essas opções em português poderiam ser usadas para enfatizar as relações propostas por Bernhard, de acordo com a nossa interpretação das relações hierárquicas em cada peça. Ainda, optou-se por pouca utilização ou supressão de pronomes oblíquos de terceira pessoa (no caso das falas da primeira-dama de O presidente, personagem que apresenta mais desvios, assim como também d’A Bondosa, de Uma festa para Boris) para produzir um desvio do padrão normativo da língua que marca a oralidade, característica presente na obra de Bernhard.

Präsidentin zu sichGanz deutlichhabe ich gesehensein Gesichtim Gebüschim Traum12 a Primeira-Dama para si mesmaEu vi eleclaramenteo rosto deleno matonum sonho13

Nesse sentido, a tradução colaborativa permitiu vários momentos de leitura em voz alta e espaços de debate que permitiram que as duplas chegassem a opções que parecessem mais orais para a maioria dos participantes.

Outro elemento típico em Bernhard são personagens que acreditam ser gênios e passam a vida buscando a perfeição na arte, filosofia, ciência e no final são levados à loucura. O Kant de Bernhard é um desses casos; na verdade, não se sabe se ele enlouquece por achar que é o filósofo iluminista, ou se ele passa a viver nesse universo kantiano em busca da razão filosófica que, por fim, o deixa louco e cego. O mesmo acontece com O presidente, em que a sede de poder e a autoconfiança exagerada fazem com que o Presidente crie o cenário de sua própria ruína.

Em Kant, os tradutores tiveram que se deparar ainda com outro fator: as citações de obras de Immanuel Kant. Na peça, seguindo os rastros da personagem que passa a vida ensaiando sua grande obra prima, Kant percorre os atos ensaiando ou rememorando resquícios de um discurso que só parece se consolidar no epílogo. No entanto, nem todas as citações evocadas pela personagem são devidamente excertos das obras do Kant real; por vezes, o que Bernhard faz é criar um rearranjo entre termos kantianos aleatoriamente orquestrados nos monólogos da personagem Kant no navio:

KANTMeine Frau liest mirzwischen ein und zwei Uhr frühmeine Neue Schätzung der lebendigen Kräfte vorEine Absurditätauf Hoher Seeaber dadurch ertrage ich die Turbinen besserDiese Vorlesestunde ist unentbehrlich gewordenDie Gesetze gelten nichtüber alle Bewegungenohne Betrachtung ihrer Geschwindigkeit ruft ausExzentrikerLuxusfanatiker14 KANTMinha mulher lê para mimentre uma e duas horas da manhãmeu novo Valor das Forças Vivasum absurdoem alto marmas assim suporto melhor as turbinasEste momento de leitura se tornou indispensávelAs leis não se aplicama todas as instâncias de movimentosem a consideração de sua velocidadeexclamaExcêntricoFanático do luxo

A questão dos nomes próprios, que é debatida amplamente, como mostra Couto (2018)Couto, Laisa Ribeiro de. “A tradução do nome próprio: o caso de Stranger Things à luz da concepção derridiana de intraduzibilidade”. Língua, Literatura e Ensino, 15, p. 40-50, 2018., também foi tema de discussão entre o grupo. Em O presidente, as personagens são identificadas pela sua profissão ou função: Presidente, Primeira-dama, Capelão e assim por diante, com a exceção de Frau Frölich (sendo que Frau é o equivalente a “senhora” ou “dona” e Frölich é uma corruptela de fröhlich, feliz ou alegre). Frau Frölich é a empregada ou ajudante da Primeira-dama e, apesar de ter uma presença frequente no palco, tem poucas falas. Seu nome, porém, é repetido inúmeras vezes pela primeira-dama, o que muitas vezes tem um impacto sonoro grande – o que levou os tradutores a optarem por manter seu nome como no original. Em Uma festa para Boris e Immanuel Kant, todavia, os nomes que aparecem nas peças foram quase integralmente traduzidos, como é exemplo o curador de arte Raiodessol (Sonnenschein) que faz parte da tripulação em Immanuel Kant. Uma festa para Boris, inclusive, encontrou nos nomes das personagens uma interessante questão tradutória: os nomes dos internos do asilo que festejam no último ato com A Bondosa, Boris e Joana, remetem a figuras obscuras (arquiduques e toda uma nobreza menor) da família Habsburgo, contando sempre com nomes compostos, forma pouco comum na Áustria atual e, frequentemente, associada a certa comicidade sonora. Bernhard potencializa o fator cômico desses nomes ao juntá-los em palavras compostas intencionalmente exageradas:

DIE GUTE[...]Die Pauke ist von ErnstludwigKrüppel nicktDie Klarinette ist von ErnstaugustKrüppel nicktDie Papierschlange ist von KarlernstKrüppel nicktDie Ratsche ist von ErnstludwigaugustKrüppel nicktDie Flasche Met ist von KarlludwigviktorKrüppel nickt15[...] A BONDOSA[...]O tímpano é do Ernestoludovicoaleijado assenteO clarinete é do Ernestoaugustoaleijado assenteA bandeirola é do Carlosernestoaleijado assenteA matraca é do Ernestoludovicoaugustoaleijado assenteA garrafa de hidromel é do Carlosludovicovictoraleijado assente16[...]

Conclusão

Pensar a tradução enquanto processo colaborativo, construído a partir de diferentes perspectivas, significa empreender um projeto que considera tanto as singularidades de cada olhar nas escolhas tradutórias quanto um constante diálogo entre tradutores. Ainda que esses recortes proporcionados por cada olhar sejam relevantes para o processo de tradução, o encargo de tomar decisões é responsabilidade dos tradutores, assim como em qualquer outra tradução configurada nos moldes de um projeto individual.

Se Haroldo de Campos via na cooperação entre artista e professor de língua a resolução do problema da tradução criativa, o projeto de traduzir as peças de Bernhard contou com a colaboração de tradutores falantes maternos do português e uma tradutora falante materna do alemão austríaco, o que contribuiu para a incessante troca interpretativa, linguística e criativa ao longo das traduções, e aproximou-se da ideia de um laboratório de texto, no qual equipes trabalham nas etapas de uma versão tradutória. Neste artigo apontamos para as possibilidades de um projeto colaborativo, discutindo os desdobramentos dessas traduções quando lidas em conjunto e delineando as especificidades de cada obra e de cada tradução. Nesse sentido, concluímos que o projeto de traduções colaborativas se mostrou produtivo para os tradutores envolvidos, por permitir que a correspondência entre eles fosse acompanhada por reflexões meta-tradutórias, que enriqueceram tanto o fazer individual de cada tradutor, quanto o fazer do grupo como um todo. A divisão do trabalho permitiu que cada dupla de tradutores se concentrasse em seus respectivos textos, ao mesmo tempo em que a coordenação de Bohunovsky interligou os trabalhos dentro das coordenadas do projeto e possibilitou que os tradutores não perdessem de vista o que outros tradutores, do mesmo grupo, estavam fazendo. Isso, além de conservar o diálogo fecundo entre os envolvidos, também aperfeiçoou a coerência entre as traduções.

Questiona-se atualmente se reconhecer aspectos colaborativos do processo tradutório (Cordingley & Manning, 2017Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau. “What is Collaborative Translation?” In: Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau (Orgs.). Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age. Londres: Bloomsbury, 2017. p. 4-12.) ou realizar a tradução de um modo coletivo (Inderwildi, 2016Inderwildi, Hilda. “Le collectif HERMAION. Enjeux, méthode et idéologie”. La main de Thôt, 4, p. 1-15, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558. Acesso em: 22 dez. 2022.
https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindetho...
) não seria enfraquecer o reconhecimento criativo do tradutor enquanto indivíduo. Contudo, a nossa experiência mostra que cada vez que o texto era lido e debatido por outros, seja no trabalho entre as duplas, com a professora supervisora do projeto ou com os demais integrantes do grupo, eram percebidas novas potencialidades e perspectivas, que se incorporam a um trabalho mais forte e diverso. Como muitas trupes, nossa trupe também era móvel, e contou com a participação de diversas pessoas: além dos participantes que traduziram os textos e da professora supervisora, de colegas que participaram de partes do projeto, da equipe da editora, de autores dos paratextos de cada edição, atores e eventualmente até de algum público que reagiu às nossas traduções. E cada um teve sua parte nesse projeto.

  • 1
    Em 1980 o Instituto Goethe de Porto Alegre, em parceria com o de Curitiba, publicou uma tradução de O Presidente, com Adelaide Rudolph como tradutora responsável e distribuição restrita. Já as outras duas peças mencionadas aqui não têm traduções publicadas no Brasil.
  • 2
    É necessário relativizar esta afirmação. Esse número de publicações não quer dizer que a dramaturgia de Bernhard não tenha circulado no Brasil. Além da publicação de O Presidente pelo Instituto Goethe de Porto Alegre e de Curitiba, Bohunovsky (Caetano & Bohunovsky, 2018Caetano, José A. Palma & Bohunovsky, Ruth. “Portugal und Brasilien”. In: Huber, Martin & Mittermayer, Manfred (Orgs.). Bernhard-Handbuch. Stuttgart, 2018. p. 497-499., p. 498) apurou também uma série de traduções e adaptações não publicadas de textos do autor, realizadas para fins de encenação. Podemos citar, a título de exemplo, a tradução/adaptação de Marcos Damaceno do texto de Árvores abatidas, a tradução de O poder do hábito, de Nehle Franke, e também a tradução de Ludwig e suas irmãs, de Alessandra Vannucci.
  • 3
    Cf., entre outros, Barthes (2004)Barthes, Roland. “A morte do autor”. In: Barthes, Roland. O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 57-64. .
  • 4
    Cf., entre outros, Bassnett & Bush (2006)Bassnett, Susan & Bush, Peter (Orgs.). The Translator as Writer. Nova York: Continuum, 2006..
  • 5
    A partir deste ponto, iremos nos referir às peças apenas pelo título traduzido.
  • 6
    Bernhard (1988b, p. 255-256)Bernhard, Thomas. Stücke 2 – Der Präsident. Die Berühmten. Minetti. Immanuel Kant. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988b..
  • 7
    A tradução da peça Immanuel Kant ainda está no prelo e, por esta razão, seus trechos citados ao longo do artigo não estão acompanhados da paginação.
  • 8
    Bernhard (1988a, p. 43)Bernhard, Thomas. Stücke 1 - Ein Fest für Boris. Der Ignorant und der Wahnsinnige. Die Jagdgesellschaft. Die Macht der Gewohnheit. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988a..
  • 9
    Bernhard (2022, p. 89)Bernhard, Thomas. Derrubar Árvores – uma irritação. Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Todavia, 2022..
  • 10
    Bernhard, 1988aBernhard, Thomas. Stücke 1 - Ein Fest für Boris. Der Ignorant und der Wahnsinnige. Die Jagdgesellschaft. Die Macht der Gewohnheit. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988a., p. 12
  • 11
    Bernhard (2022, p. 41-42)Bernhard, Thomas. Uma festa para Boris. Organização Ruth Bohunovsky. Tradução de Hugo Simões & Luiz Carlos Abdala Jr. Curitiba: Editora UFPR, 2022..
  • 12
    Bernhard (1988b, p. 22)Bernhard, Thomas. Stücke 2 – Der Präsident. Die Berühmten. Minetti. Immanuel Kant. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988b..
  • 13
    Bernhard (2020, p. 38-39)Bernhard, Thomas. O presidente. Tradução de Gisele Eberspächer & Paulo Rogério Pacheco. Supervisão da tradução de Ruth Bohunovsky. Curitiba: Editora UFPR, 2020..
  • 14
    Bernhard (1988b, p. 260)Bernhard, Thomas. Stücke 2 – Der Präsident. Die Berühmten. Minetti. Immanuel Kant. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988b..
  • 15
    Bernhard (1988a, p. 66)Bernhard, Thomas. Stücke 1 - Ein Fest für Boris. Der Ignorant und der Wahnsinnige. Die Jagdgesellschaft. Die Macht der Gewohnheit. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988a..
  • 16
    Bernhard (2022, p. 128)Bernhard, Thomas. Derrubar Árvores – uma irritação. Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Todavia, 2022..

Referências

  • Barthes, Roland. “A morte do autor”. In: Barthes, Roland. O rumor da língua Tradução de Mário Laranjeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 57-64.
  • Bassnett, Susan & Bush, Peter (Orgs.). The Translator as Writer Nova York: Continuum, 2006.
  • Bernhard, Thomas. Derrubar Árvores – uma irritação Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Todavia, 2022.
  • Bernhard, Thomas. Mestres Antigos Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
  • Bernhard, Thomas. O imitador de vozes Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  • Bernhard, Thomas. O Náufrago Tradução de Sergio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • Bernhard, Thomas. O presidente Tradução de Gisele Eberspächer & Paulo Rogério Pacheco. Supervisão da tradução de Ruth Bohunovsky. Curitiba: Editora UFPR, 2020.
  • Bernhard, Thomas. O Presidente. Tradução do Instituto Goethe de Curitiba. Tradutora responsável: Adelaide Rudolph. Porto Alegre: Instituto Goethe, 1980.
  • Bernhard, Thomas. Praça dos Heróis Tradução de Christiane Röhrig. São Paulo: Temporal, 2020.
  • Bernhard, Thomas. Stücke 1 - Ein Fest für Boris. Der Ignorant und der Wahnsinnige. Die Jagdgesellschaft. Die Macht der Gewohnheit Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988a.
  • Bernhard, Thomas. Stücke 2 – Der Präsident. Die Berühmten. Minetti. Immanuel Kant Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988b.
  • Bernhard, Thomas. Thomas Bernhard, o fazedor de teatro e sua dramaturgia do discurso e da provocação. Organização e tradução de Sigmar Signeu. São Paulo: Perspectiva, 2017.
  • Bernhard, Thomas. Uma festa para Boris Organização Ruth Bohunovsky. Tradução de Hugo Simões & Luiz Carlos Abdala Jr. Curitiba: Editora UFPR, 2022.
  • Bohunovsky, Ruth. “Traduções no teatro, feitas para publicar, encenar ou legendar: uma tipologia possível”. Urdimento, 2(35), p. 129-148, 2019. DOI: https://doi.org/10.5965/1414573102352019129
    » https://doi.org/10.5965/1414573102352019129
  • Bomy, Charlotte. “Traduire le spectacle vivant : surtitrage, traduction simultanée et autres dispositifs”. La main de Thôt, 4, p. 1-7, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=648 Acesso em: 16 nov. 2022.
    » https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=648
  • Caetano, José A. Palma & Bohunovsky, Ruth. “Portugal und Brasilien”. In: Huber, Martin & Mittermayer, Manfred (Orgs.). Bernhard-Handbuch Stuttgart, 2018. p. 497-499.
  • Campos, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Tápia, Marcelo & Médici Nóbrega, Thelma (Orgs.). Haroldo de Campos – Transcriação São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 1-18.
  • Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau. “What is Collaborative Translation?” In: Cordingley, Anthony & Manning, Céline Frigau (Orgs.). Collaborative Translation: From Renaissance to the Digital Age. Londres: Bloomsbury, 2017. p. 4-12.
  • Couto, Laisa Ribeiro de. “A tradução do nome próprio: o caso de Stranger Things à luz da concepção derridiana de intraduzibilidade”. Língua, Literatura e Ensino, 15, p. 40-50, 2018.
  • Dittmar, Jens. Thomas Bernhard Werkgeschichte Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.
  • Hackl, Wolfgang. “Ein Fest für Boris”. In: Huber, Martin & Mittermayer, Manfred (Orgs.). Bernhard-Handbuch Stuttgart, 2018. p. 194-197.
  • Honegger, Gitta. “O estranho por trás da palavra: das peças de Thomas Bernhard ao teatro anatômico de Elfriede Jelinek”. In: Konzett, Matthias (Org.). O artista do exagero: a literatura de Thomas Bernhard. Organização da tradução de Ruth Bohunovsky. Curitiba, Editora UFPR, 2014. p. 203-218.
  • Inderwildi, Hilda. “Le collectif HERMAION. Enjeux, méthode et idéologie”. La main de Thôt, 4, p. 1-15, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558 Acesso em: 22 dez. 2022.
    » https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=558
  • Meschonnic, Henri. Poética do Traduzir Tradução de Jerusa Pires Ferreira & Suely Fenerich. São Paulo: Perspectiva, 2010.
  • Peguinelli, Andrea. “A tradução do teatro enquanto colaboração: Um caso em questão no drama britânico contemporâneo”. Tradução de Andreza Sara Caetano de Avelar Moreira. Cadernos de Tradução, 35(1), 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35n1p252
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35n1p252
  • Surbezy, Agnès. “De deux à... : déclinaisons de la traduction collective dans la collection nouvelles scènes – espagnol”. La main de Thôt, 4, p. 1-12, 2016. Disponível em: https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=605 Acesso em: 22 dez. 2022.
    » https://revues.univ-tlse2.fr/lamaindethot/index.php?id=605
  • Veltruský, Jiří. “El drama como obra literaria y como representación teatral”. Literatura: teoría, historia, crítica, 13(1), p. 349-360, 2011.
  • Venuti, Lawrence. A invisibilidade do tradutor: uma história da tradução Tradução de Biondo, Valéria; Pellegrin, Laureano; Marcelino Villela, Lucinéia & Dias Esqueda, Marileide. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
  • Zeyringer, Klaus & Gollner, Helmut. Áustria: uma história literária: Literatura, cultura e sociedade desde 1650. Tradução e adaptação de Ruth Bohunovsky. Curitiba: Editora UFPR, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2022
  • Aceito
    10 Dez 2022
  • Publicado
    Mar 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br