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A percepção de jovens aprendizes de segunda língua em relação à prática de revisão por pares em produção escrita

The way second language young learners view peer review in writing

Resumo

Este artigo apresenta dados de uma pesquisa que propôs a prática de revisão por pares de produção escrita em inglês a um 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola com currículo bilíngue no sul do Brasil. A pesquisa investiga a atividade colaborativa em que os alunos se engajam quando revisam as produções de seus pares e o efeito que essas revisões tiveram na reescrita dos textos. O recorte apresentado neste artigo analisa as expectativas dos aprendizes antes, bem como sua avaliação depois da prática de revisão por pares. Os dados foram obtidos através de questionários e entrevistas, e o método utilizado foi o misto (análise qualitativa e quantitativa). Os resultados mostram a abertura dos participantes a essa prática pedagógica e ao trabalho colaborativo, e demonstram o seu otimismo em relação à possibilidade de melhoria dos seus textos após a revisão do colega. Os dados também trazem contribuições em relação ao papel do professor e ao uso da segunda língua na revisão por pares.

Palavras-chave:
Revisão por Pares; Atividade Colaborativa; Produção Escrita

Abstract

This paper presents data from a study that proposed peer review in ESL writing to an 8th year elementary class in a Bilingual School in the South of Brazil. This research aims at analyzing the collaborative activity students engaged in while reviewing each other's texts, highlighting the effects these reviews had in the final versions of the texts. This paper discusses learners' expectations before doing peer review in their writing class and their evaluation after. Data were collected through questionnaires and interviews and were analyzed through the mixed methods approach (qualitative and quantitative). Results show that students were receptive to peer review and to collaborative work and showed optimism regarding the possibility of having better versions of their texts after the peers' feedback. Data also help us understand more about the teacher's role and the use of second language in peer review.

Key words:
Peer Review; Collaborative Activity; Writing

1 Introdução

A prática de revisão por pares de produção escrita em Segunda Língua (L2) costuma gerar controvérsias entre professores e pesquisadores em relação a suas vantagens, desvantagens e sua eficácia para o processo de desenvolvimento da escrita (LIU, 1998LIU, J. Peer review with the instructor: Seeking alternatives in ESL writing. In: RICHARDS, J. (Ed.) Teaching in action: Case studies from second language classrooms. Alexandria: TESOL, 1998, p. 237-240.; LEKI, 1990LEKI, L. Coaching from the margins: Issues in written response. In: KROLL, B. (Ed.) Second language writing: Research insights for the classroom. New York: Cambridge University Press, p. 57-68, 1990.; LIU; HANSEN, 2002; ROLLINSON, 2005ROLLINSON, P. Using peer feedback in the ESL writing class. ELT Journal, 59, 2005, p. 23-30.; HU; LAM, 2009HU, G. W.; LAM, S. T. E. Issue of cultural appropriateness and pedagogical efficacy: exploring peer review in a second language writing class. Instructional Science, v. 38, n. 4, 2009, p. 371-394.). Essa prática envolve diversos fatores, como padrões de colaboração desenvolvidos entre os membros do grupo, aspectos culturais e individuais da personalidade dos aprendizes, nível de proficiência dos mesmos, a participação do professor, a forma como ele prepara os alunos e a sala de aula para que a prática aconteça, dentre outros.

Para este estudo, revisão por pares é entendida como

o uso dos aprendizes como fonte de informação e interação um com o outro, de forma que os aprendizes assumam papeis e responsabilidades que normalmente são assumidas por um professor treinado, tutor ou editor ao comentar e criticar os rascunhos uns dos outros tanto na forma escrita quanto na forma oral no processo de escrita. (LIU; HANSEN, 2002LIU, J; HANSEN, J. Peer response in second language writing classrooms. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002., p. 1, Tradução nossa)1 1 The use of learners as sources of information and interactants for each other in such a way that learners assume roles and responsibilities normally taken on by a formally trained teacher, tutor, or editor in commenting on and critiquing each other's drafts in both written and oral formats in the process of writing

Dentre alguns possíveis benefícios apontados por estudos em relação à prática de revisão por pares, é possível destacar o fato de que os aprendizes são forçados a exercitar sua habilidade de reflexão, construindo um senso crítico necessário para analisar e revisar sua própria produção (LEKI, 1990LEKI, L. Coaching from the margins: Issues in written response. In: KROLL, B. (Ed.) Second language writing: Research insights for the classroom. New York: Cambridge University Press, 1990, p. 57-68.). Dentre algumas restrições discutidas em outros estudos estão a incerteza em relação aos comentários dos revisores, a falta de investimento de alguns aprendizes, os comentários superficiais (por vezes devido a restrições de tempo) e interações não apropriadas ao comentar nos rascunhos dos parceiros (LIU, 1998LIU, J. Peer review with the instructor: Seeking alternatives in ESL writing. In: RICHARDS, J. (Ed.) Teaching in action: Case studies from second language classrooms. Alexandria: TESOL, 1998, p. 237-240.). Ainda dentre os aspectos que podem impactar a eficácia da revisão por pares estão a necessidade de se estruturar e monitorar cuidadosamente as sessões de revisão, os potenciais problemas com os papeis sociais e as diferenças culturais entre pares, assim como o equilíbrio apropriado entre o feedback recebido pelo professor, pelo colega, de si mesmo e de outras fontes (FERRIS, 2013).

Este artigo tem como objetivo apresentar dados que fazem parte de uma pesquisa longitudinal mais ampla, que propôs a prática de revisão por pares de produção escrita em inglês a um 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola com currículo bilíngue português-inglês no Rio Grande do Sul. A pesquisa visa analisar: (1) A atividade colaborativa que ocorreu enquanto os alunos revisavam as produções de seus pares (2) O efeito que essas revisões tiveram posteriormente na reescrita dos textos. No recorte apresentado neste artigo, serão discutidas as expectativas que os aprendizes tinham antes das atividades, assim como as avaliações que fizeram depois de desenvolverem a prática de revisão por pares na aula de produção escrita na segunda língua em questão.2 2 Embora os participantes estejam aprendendo inglês no contexto brasileiro, optamos pelo termo Segunda Língua, em detrimento de Língua Estrangeira, já que se trata de uma escola bilíngue onde os alunos não só aprendem a língua, mas aprendem conteúdos através dela. Tanto o português quanto o inglês são usados como línguas de interação e instrução.

Na seção a seguir, o referencial teórico que embasa esta pesquisa será abordado. Em seguida, serão apresentadas a metodologia da pesquisa e a análise e discussão dos dados.

2 Referencial teórico

2.1 Revisão por pares

A revisão por pares, frequentemente usada tanto em contexto de primeira língua (L1) quanto em contexto de segunda língua (L2), é uma atividade importante que auxilia os aprendizes a dar e receber feedback, bem como a praticar uma variedade de habilidades importantes para o desenvolvimento de língua e da escrita, tais como a interação com os pares e a exposição a diferentes ideias e novas perspectivas sobre o processo de escrita (HANSEN & LIU, 2005HANSEN, J., & LIU, J. Guiding principles for effective peer response. ELT Journal, v. 59, 2005, p. 31-38.; LUNDSTROM & BAKER, 2009LUNDSTROM, K.; BAKER, W. To give is better than to receive: The benefits of peer review to the reviewer's own writing. Journal of Second Language Writing, v. 18, n. 1, 2009, p. 30-43.; MANGELSDORF, 1992MANGELSDORF, K. Peer reviews in the ESL composition classroom: What do the students think? ELT Journal, 46, 1992, p. 274-284.).

Questões fundamentais em relação à prática de revisão por pares incluem aspectos como a necessidade de treinamento dos participantes (BERG, 1999BERG, E. C. The effects of trained peer response on ESL students' revision types and writing quality. Journal of Second Language Writing, v. 8, 1999, 215-241.; HANSEN; LIU, 2005HANSEN, J., & LIU, J. Guiding principles for effective peer response. ELT Journal, v. 59, 2005, p. 31-38.; MIN, 2006MIN, H. T. The effects of trained peer review on EFL students' revision types and writing quality. Journal of Second Language Writing, 15, 2006, p. 118-141.), os critérios de formação das duplas ou grupos e os padrões de colaboração desenvolvidos pelas mesmas (ROLLINSON, 2005ROLLINSON, P. Using peer feedback in the ESL writing class. ELT Journal, 59, 2005, p. 23-30.; STORCH, 2002STORCH, N. Patterns of interaction in ESL pair work. Language learning, v. 52, n. 1, 2002, p. 119-158.; VILLAMIL; GUERRERO, 1996VILLAMIL, O. S.; GUERRERO, C. M. Peer revision in the L2 classroom: social-cognitive activities, mediating strategies, and aspects of social behavior. Journal of Second Language Writing, v. 5, n. 1, 1996, p. 51-75.), assim como os métodos a serem utilizados (ROLLINSON, 2005). As muitas possibilidades disponíveis aos professores quando estabelecendo a revisão por pares em sua sala de aula podem causar confusão, especialmente devido ao fato de que o melhor método irá variar de acordo com a situação (LUNDSTROM; BAKER, 2009LUNDSTROM, K.; BAKER, W. To give is better than to receive: The benefits of peer review to the reviewer's own writing. Journal of Second Language Writing, v. 18, n. 1, 2009, p. 30-43., p. 30).

Ao revisar a literatura referente à prática de revisão por pares, não surpreende o fato de que aprendizes de diferentes contextos demonstram sentimentos e opiniões diferentes. De acordo com Liu e Hansen (2002LIU, J; HANSEN, J. Peer response in second language writing classrooms. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002., p. 15), suas preferências irão depender da experiência que já tiveram ou terão com a prática, em termos de dinâmica de grupo e qualidade dos comentários recebidos pelos pares, bem como em relação à quantidade de exposição que tiveram à revisão por pares. No entanto, a percepção dos aprendizes só nos será significativa e nos auxiliará a avaliar sua eficácia se analisadas junto a outras informações oferecidas pelo contexto em que está situada. Considerando o contexto desta pesquisa, é possível observar com mais clareza como os aprendizes formaram ou modificaram sua percepção em relação à revisão por pares ao longo do tempo e como suas experiências anteriores - ou a falta de experiência anterior - foram relacionadas à nova experiência.

2.2 A prática de revisão por pares em uma perspectiva sociocultural

O trabalho em duplas fornece aos aprendizes a oportunidade de co-construir textos, de unir seus recursos linguísticos provendo andamento coletivo e compondo textos linguisticamente mais complexos e gramaticalmente mais precisos (STORCH, 2005______. Collaborative writing: Product, process, and students' reflections. Journal of second language writing, v. 14, n. 3, 2005, p. 153-173.).

A revisão por pares pode ser vista como uma forma de mudança de foco do ensino-aprendizagem centrado no professor (teacher-centered) para o ensino-aprendizagem focado no aluno (student-centered). Especificamente na questão da produção escrita, o estudante passa a ter mais controle na tomada de decisões, como afirma Hyland (2000HYLAND, K. Disciplinary discourses: Social interactions in academic writing. London: Longman, 2000., p. 35, Tradução nossa):

Revisão por pares é vista como uma forma de dar mais controle aos aprendizes, já que lhes permite que tomem decisões ativas sobre fazer ou não uso dos comentários de seus pares em contraponto à confiança passiva na revisão de professores.3 3 Peer feedback is seen as a way of giving more control to students since it allows them to make active decisions about whether or not to use their peers' comments as opposed to a passive reliance on teachers' feedback

Ao ter mais controle na tomada de decisões sobre sua produção escrita através da prática de revisão por pares, o estudante torna-se um leitor mais crítico e um escritor mais confiante (ROLLINSON, 2005ROLLINSON, P. Using peer feedback in the ESL writing class. ELT Journal, 59, 2005, p. 23-30.).

A socialização dentro da sala de aula, proporcionada pela revisão por pares, também é benéfica à aprendizagem, já que o professor, por vezes, não tem condições de interagir com todos os alunos devido à quantidade de alunos na sala de aula. Ao mencionar as vantagens da revisão por pares, Foster afirma que

ela aumenta a quantidade de tempo de aula disponível para que um aprendiz pratique falar na língua-alvo, ela diminui a quantidade de tempo que os alunos dispensam ouvindo (ou não ouvindo) os outros membros da turma interagir com o professor, ela previne a ansiedade e a autoconsciência que impedem que alguns alunos falem na frente da turma toda e permite que o professor tenha mais oportunidade para instrução individual. (FOSTER, 1998FOSTER, P. A classroom perspective on the negotiation of meaning. Applied Linguistics, v. 19, n. 1, 1998, p. 1-23., p. 1, Tradução nossa) 4 4 It increases the amount of class time available to an individual student to practise speaking the target language, it decreases the amount of time students spend listening (or not listening) to other class members interacting with the teacher, it avoids the anxiety and self-consciousness that prevent some students from speaking up in front of the whole class, it allows the teacher more opportunity for individual instruction.

Isso não quer dizer que ouvir o professor não seja benéfico à aprendizagem, mas sim que esta não deve ser a única fonte de insumo e interação. A revisão por pares passa a ser outra possibilidade, e tanto a interação com o professor quanto com os colegas são complementares. Ela poderá ser útil não só para o desenvolvimento da habilidade escrita, mas para o aperfeiçoamento de tantas outras habilidades exercitadas a partir da socialização e da interação. Ela envolverá o exercício do diálogo colaborativo como construção conjunta de língua ou conhecimento sobre a língua. O diálogo colaborativo é o que permite que a performance ultrapasse a competência e é onde o uso da língua e a aprendizagem da língua ocorrem conjuntamente (SWAIN, 1997SWAIN. M. Collaborative dialogue: its contribution to second language learning. Revista Canaria de Estudios Ingleses. n. 34, 1997, p. 115-132., p. 117). É através do diálogo colaborativo que acontecerá o andamento, através do qual, na interação social, um participante poderá criar, através da fala, condições de apoio nas quais o outro aprendiz poderá participar e estender seu conhecimento (DONATO, 1994DONATO, R. Collective scaffolding in second language learning. In J. P. LANTOLF; APPEL, G. (Eds.). Vygotskian approaches to second language research. Norwood, NJ: Ablex, 1994, p. 33-56.).

Existem vários estudos que investigam as dimensões sociais da interação entre os pares durante a revisão, como por exemplo de que forma a postura dos participantes afeta a atividade (LOCKART; NG, 1995), como as dimensões sociais afetam a interação do grupo (NELSON; MURPHY, 1992NELSON, G. L.; MURPHY, J. M. An L2 writing group: Task and social dimensions. Journal of Second Language Writing, v. 1, n. 3, 1992, p. 171-93.), como participantes se autorregulam e regulam parceiros durante a interação (GUERRERO; VILLAMIL, 1994GUERRERO, M. C. M., & VILLAMIL, O. S. Social-cognitive dimensions of interaction in L2 peer revision. Modern Language Journal, v. 78, 1994, p. 484-496.) e que aspectos de comportamento social caracterizam a revisão por pares (VILLAMIL; GUERRERO,1996).

De acordo com Villamil e Guerrero (1998______. Assessing the impact of peer revision on L2 writing. Applied Linguistics, v. 19, n. 4, 1998, p. 491-514.), o aporte teórico fornecido por Vygotsky (1978VYGOTSKY, L. S. Mind in society: The development of higher psychological processes. Cambridge, MA. Harvard University Press, 1978.) nos auxilia na compreensão de como a interação social e a colaboração na sala de aula podem contribuir para o desenvolvimento das habilidades necessárias para a produção escrita. Alguns autores chegam a afirmar que a natureza dessa interação será um fator determinante na tomada de decisões por parte do escritor em relação à incorporação ou não das sugestões recebidas ao texto (NELSON; MUPRHY, 1993NELSON, G. L.; MURPHY, J. M. Peer response groups: Do L2 writers use peer comments in revising their drafts? TESOL Quarterly, v. 27, n. 1, 1993, p. 135-41.). Esses autores afirmam ainda que as revisões feitas nas produções poderiam ser indicativas do efeito que a regulação por outro (assistência do par) teria na autorregulação (performance independente) (VILLAMIL; GUERRERO, 1998______. Assessing the impact of peer revision on L2 writing. Applied Linguistics, v. 19, n. 4, 1998, p. 491-514.), sendo que autorregulação aqui se refere à habilidade de realizar atividades com o mínimo de suporte externo (LANTOLF; THORNE, 2007LANTOLF, J. P.; THORNE, S. L. Sociocultural theory and second language learning. In: VAN PATTEN, B.; WILLIAMS, J. Theories in second language acquisition. Mahwah, NJ: Erlbaum, 2007, p. 201 - 224.).

Uma característica da teoria sociocultural que embasa esta pesquisa é uma visão mais contemporânea da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). A definição de Vygotsky afirma que a ZDP é a diferença entre o que a pessoa consegue alcançar quando agindo sozinha e o que ela é capaz de alcançar com o suporte de outra pessoa ou objeto/artefato cultural (VYGOTSKY, 1978VYGOTSKY, L. S. Mind in society: The development of higher psychological processes. Cambridge, MA. Harvard University Press, 1978.).

Derivando da teoria de Vygotsky, alguns pesquisadores têm assumido que a ZDP necessariamente envolve interação entre um participante mais experiente e um menos experiente, em que o mais experiente provê andaimento no desenvolvimento de uma habilidade ao menos experiente através da interação. Já Lantolf (2000LANTOLF, J. P. Introducing sociocultural theory. In: Sociocultural Theory and Language Learning. LANTOLF, J. P. (Ed.), New York: Oxford, 2000, p. 1-25.) afirma que pessoas trabalhando de forma conjunta são capazes de co-construir contextos onde a experiência irá surgir como uma característica do grupo, ou seja, a ZDP seria mais bem definida como a construção colaborativa de oportunidades para o desenvolvimento dos indivíduos. Assim sendo, a ZDP consiste em um local dinâmico de aprendizagem existente entre os sujeitos, construído na interação do aprendiz com seu parceiro (HALL, 2001HALL, J. K. Methods for teaching foreign languages: creating a community of learners in the classroom. New Jersey: Merrill Prentice Hall, 2001.). Desta forma, poder-se-ia dizer que a experiência não será mensurada entre aprendiz mais ou menos experiente, mas será compartilhada no esforço conjunto da dupla em colaborar e realizar a tarefa. Em contexto de aprendizagem de L2, uma série de estudos conduzidos com adolescentes e adultos observou que, mesmo em pares onde não é possível identificar um indivíduo mais experiente, os participantes foram capazes de prover andaimento um ao outro e avançar na aprendizagem (cf. KOWAL; SWAIN, 1994KOWAL, M.; SWAIN, M. Using collaborative language production tasks to promote students' language awareness. Language Awareness, v. 3, n. 2, 1994, p. 73-93.; OHTA, 2001).

2.3 A pesquisa qualitativa na revisão por pares

Quando falamos na prática de revisão por pares no meio escolar, é possível perceber que vários professores se mostram apreensivos e incertos de sua eficácia para o aperfeiçoamento da produção escrita de seus alunos. De acordo com Rollinson (2005ROLLINSON, P. Using peer feedback in the ESL writing class. ELT Journal, 59, 2005, p. 23-30.), muitos professores e aprendizes de L2 não estão convencidos de que a revisão por pares seja útil para a sua situação em particular. Desta forma, muitos estudos já foram e vêm sendo realizados no sentido de tentar observar se a prática de revisão por pares pode ser eficaz e melhor entender o que a torna eficaz em alguns contextos e não em outros. Muitos desses estudos investigaram aprendizes de L2 em nível de graduação ou em idade adulta (CAULK, 1994CAULK, N. Comparing teacher and student responses to written work. TESOL Quarterly, v. 28, n. 1, 1994, 181-88.; HU; LAM, 2009HU, G. W.; LAM, S. T. E. Issue of cultural appropriateness and pedagogical efficacy: exploring peer review in a second language writing class. Instructional Science, v. 38, n. 4, 2009, p. 371-394.; ROLLINSON, 2005ROLLINSON, P. Using peer feedback in the ESL writing class. ELT Journal, 59, 2005, p. 23-30.) e alguns poucos estudos investigaram aprendizes em idade escolar (SULTANA, 2009SULTANA, A. Peer correction in the ESL classrooms. BRAC University Journal, v. 6, 2009, p. 11 - 19.).

O método qualitativo de análise é o mais utilizado para se investigar a expectativa de aprendizes antes, bem como a sua avaliação depois de terem participado da prática de revisão por pares, já que a pesquisa qualitativa tenta alcançar um entendimento de como as pessoas interpretam o que vivenciam, delineando o processo (ao invés do produto) de construção do sentido (MERRIAN, 2009, p. 14).

De acordo com Sato (2013SATO, M. Beliefs about peer interaction and peer corrective feedback: efficacy of classroom intervention. The Modern Language Journal. v. 97, n. 3, 2013., p. 611), um desencontro entre as crenças de professores e aprendizes em relação aos resultados de uma atividade pedagógica pode resultar em efeitos negativos na aprendizagem. Uma forma de se entender melhor essa relação pode ser através de questionários que irão apontar aos professores quais são as expectativas dos alunos. Os questionários trazem dados ao pesquisador que, combinados com outras formas de geração de dados, irão enriquecer a análise de certo fenômeno ou prática pedagógica (DÖRNEY & TAGUCHI, 2010DÖRNEY, Z. & TAGUCHI, T.Questionnaires in Second Language Research: Construction, Administration, and Processing. 2 ed. New York: Routledge, 2010.).

Entendidas as crenças, faz-se necessário avaliar a experiência, a fim de se entender como os participantes interpretam a prática vivenciada. Para tal, o uso de entrevistas como ferramenta de pesquisa se faz adequado, pois o objetivo da entrevista em pesquisas de cunho qualitativo não é o de testar hipóteses, mas de avaliar e entender a experiência vivida por outros e sua interpretação dessa experiência (SEIDMAN, 2013SEIDMAN, I. Interviewing as qualitative research: A guide for researchers in education and the social sciences. New York: Teachers college press, 2013., p. 9).

3 Metodologia

O recorte apresentado neste artigo é resultado de uma pesquisa de cunho majoritariamente qualitativo, que busca entender como os participantes reagem à prática de revisão por pares e responder às seguintes perguntas:

  • Quão receptivos são os participantes, antes de iniciar a prática, à possibilidade de ter um colega revisando seu texto?

  • Após ter vivenciado a prática, como os participantes avaliam a experiência?

3.1 Participantes e local

Os participantes da prática de revisão por pares foram 25 alunos de uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental em uma escola bilíngue português-inglês da Região Metropolitana de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Os 25 alunos responderam a um questionário antes da pesquisa e, posteriormente, esses alunos foram agrupados em duplas por duas professoras da turma. Ao formar as duplas, as professoras observaram os níveis de proficiência dos alunos. Para determinar o nível de proficiência dos alunos, suas interações em aula foram observadas por suas professoras (a pesquisadora e uma colega) que, também considerando as notas nas aulas em Língua Inglesa, chegaram a um acordo em relação ao modo como os participantes poderiam ser agrupados, observando os critérios desejados (ver Tabela 1).

Do total de duplas, oito foram selecionadas para análise, cada uma representado um perfil como apresentado na tabela a seguir. Em três duplas os participantes apresentavam nível de proficiência semelhante um ao outro (alto, baixo ou médio, em relação à média da turma da qual fazem parte) e uma dupla foi composta de participantes com nível de proficiência diferente (misto), sendo um aluno mais experiente em relação à Língua Inglesa do que o outro.

As duplas foram organizadas dessa forma, a fim de se analisar como cada perfil de dupla se desenvolveu em termos de padrões e estratégias de colaboração. Essas estratégias não serão analisadas neste artigo, mas entender a organização das duplas pode ser relevante para melhor compreender o posicionamento de alguns participantes nas entrevistas.

Tabela 1
Participantes

Os oito participantes falam português como primeira língua e esta é a sua língua dominante. Todos foram expostos ao inglês desde a Educação Infantil ou desde o 1º ano do Ensino Fundamental, e nunca viveram em um país onde o inglês é a língua oficial.

A escola onde estudam oferece currículo bilíngue, o que significa que os participantes receberam, desde seu ingresso na Educação Infantil ou no 1º ano, 10 horas/aula semanais de instrução através da Língua Inglesa (LIC) - ou seja, eles não têm apenas aula de/sobre LI; eles têm aulas de conteúdos variados (Geografia, História, Ciências, etc) em LI, o que é diferente de ter apenas uma carga-horária maior de aula de Inglês. Desta forma, dessa carga-horária de 10 horas/aula semanais, uma parte é dedicada ao ensino da língua em si e outra parte ao ensino de conteúdos através da língua (CLIL -Content and Language Integrated Learning).

A prática de revisão por pares proposta para esta pesquisa foi realizada dentro de um módulo preparatório para a prova de Cambridge - First Certificate for Schools (FCE for schools)5 5 O exame de Cambridge FCE for schools (First Certificate in English for schools) é uma qualificação em inglês em nível intermediário superior (Upper Intermediate), equivalente ao nível B2 do Quadro Comum Europeu. Trata-se de uma versão do exame FCE, com conteúdos e tópicos direcionados aos interesses e experiências de aprendizes em idade escolar. -, que os alunos prestam no 9º ano do Ensino Fundamental, quando concluem seus estudos no Currículo Bilíngue.

3.2 Procedimentos e geração de dados

Como dito anteriormente, para o recorte da pesquisa que apresentamos neste artigo, os dados foram gerados através de questionários e entrevistas.

Os 25 alunos da turma participante responderam a um questionário que teve como objetivo investigar suas expectativas em relação ao trabalho em duplas, a ter um colega revisando seu texto antes da revisão do professor, ao uso da LI durante o trabalho em duplas e ao papel do professor na revisão das produções.

Posteriormente ao preenchimento do questionário, as duplas foram formadas pela professora-pesquisadora com o auxílio de uma colega. A prática de revisão por pares começou a ser implementada, primeiro através de uma fase de sensibilização para a prática, depois em uma fase de preparação e experimentação, para que, enfim, os participantes iniciassem a revisão em si.

Os participantes escreveram, revisaram e comentaram cinco produções textuais no período de junho a setembro do mesmo ano letivo. Essas produções variaram em relação ao gênero textual, de acordo com as opções oferecidas ao candidato do FCE for schools. Dessa forma, foram escritas uma resenha de filme, uma história, um e-mail, uma carta e uma redação escolar.

Cada prática de revisão por pares consistiu em uma lição sobre o gênero textual, a escrita do texto, a troca de textos entre membros da dupla, a revisão com comentários no texto e na lista de revisão, a interação da dupla comentando as sugestões dadas (gravado em áudio e vídeo), a reescrita do texto e a entrega das duas versões do texto para a professora-pesquisadora. É importante ressaltar que os participantes foram encorajados a interagir através da L2 durante as sessões de revisão, dispondo da L1 como um recurso disponível em situações de necessidade da dupla.

Posteriormente às sessões de revisão, os oitos participantes foram entrevistados individualmente em entrevistas semiestruturadas com o objetivo de obter informações sobre a avaliação que os participantes fizeram da experiência da revisão por pares e de contrastar essa avaliação com as expectativas constatadas a partir dos questionários.

4 Análise dos dados

4.1 Análise dos Questionários

O questionário inicial, realizado com os 25 alunos da turma, foi constituído de sete perguntas de múltipla escolha, cujo conteúdo poderá ser compreendido a partir da breve análise das respostas a seguir.

Das respostas obtidas no questionário, 84% dos participantes responderam que gostam muito de trabalhar em duplas e se sentem bem desta forma; 64% dos participantes disseram que gostariam que um colega lesse e revisasse seu texto; 84% dos participantes afirmaram que gostariam, ou não se importariam, de revisar o texto de um colega; 76% dos alunos acharam que seus textos poderiam melhorar com a revisão de um colega; 92% dos participantes responderam que a revisão feita pelo professor é essencial, enquanto outros 8% responderam que a revisão do professor poderia ser complementada pela do colega - nenhum participante respondeu que a revisão do colega poderia substituir a do professor.

Em relação ao uso da L2 para a interação enquanto fazem a prática de revisão por pares, somente 16% dos participantes prefeririam usar a Língua Portuguesa enquanto falassem sobre seus comentários e sugestões. Os outros 84% não se importariam em falar inglês ou não demonstram preferência por uma língua em relação à outra.

4.2 Entrevistas

Os oito participantes observados durante a prática de revisão por pares foram entrevistados posteriormente à prática em entrevistas semiestruturadas e constituídas de oito perguntas norteadoras, que foram gravadas em áudio e vídeo, transcritas e analisadas qualitativamente. Os participantes foram entrevistados em português, a fim de permitir que expressassem suas opiniões sem enfrentar obstáculos que pudessem surgir devido a questões de proficiência.

Apresentamos a seguir as perguntas norteadoras, bem como amostras de respostas dadas pelos diferentes participantes. Essa amostragem foi selecionada pela clareza com que ilustra a visão dos participantes.

a) O que você achou de ter seu texto revisado por um colega? Como você se sentiu?

Os oito participantes gostaram da experiência e acharam, em suas palavras, "bom," "legal" e "divertido".

Ângelo: Ahm... achei que é bom para ver como que os outros escrevem e para ver se os outros escreveram alguma coisa que tu não escrevia antes, para tu aprimorar a escrita também e ver os erros comuns. Talvez tenha os mesmos erros que o outro tem.

Leonardo: No início, como era o Diego, eu fiquei meio assim, só que daí foi começando a melhorar assim e ele começou a corrigir mais meus textos e eu corrigir mais o dele e nossas notas foram aumentando e aí eu achei bem legal.

b) Você acha que com a revisão do seu colega seus textos ficaram melhores? Por que ou por que não? E, caso afirmativo, que características do texto sofreram mais mudança?

Os oito participantes acharam que seus textos melhoraram e listaram aspectos diferentes da prática de escrita que sofreram mudança.

Nathan: Bom, eu usava muitas vezes certas palavras e daí isso meio que era ruim.

Fátima: Às vezes os tempos, sabe, tipo passado, presente e futuro eu errava, assim, umas coisas... ou na hora de formular a frase eu não consigo me expressar direito, aí a Jéssica lia e via o que eu tinha feito errado e daí ela me ajudava a ver o que eu tinha errado.

Bruno: Aham, bastante (...) Mais por diminuir assim, não deixar tão cansativo, tirar mais palavras que eu não sabia dizer em poucas e eu tinha que explicar bastante...

Bruno acha que o auxílio do colega foi benéfico, pois, algumas vezes, por desconhecer o vocabulário mais apropriado para a situação, acabava explicando sua ideia em mais palavras, deixando seu texto cansativo de se ler.

c) O que você achou de ter tido a oportunidade de revisar o texto do colega? Acha que com essa prática você pode ter aprendido e desenvolvido a sua escrita? Por que ou por que não?

Somente um participante (Nathan) achou que a oportunidade de revisar o texto de seu colega não ajudou o mesmo a desenvolver sua escrita, pois considera que o texto do colega já estava bom o suficiente antes da sua revisão. Os outros sete acharam a experiência útil.

Nathan: Não muito, mas é bom ter uma companhia. Melhor do que ficar sozinho pensando. (...) Não, ele tava sempre quase perfeito, o texto.

Bruno: Ajudou, porque eu percebia as palavras que ele usava e o jeito que ele criava o texto. Percepção de cada parágrafo.

Fátima: Eu via que muitas coisas que ela fazia errado eu também fazia errado e daí eu via que eu tava fazendo errado. Então, se ela tava fazendo assim e eu tava achando que ela tava fazendo errado, então eu também tinha que mudar o meu jeito de escrever. Aí melhorou, eu acho, na minha opinião.

Jéssica: Aquilo que eu vi no texto dela que eu achei interessante, que eu possa trazer para o meu e melhorar cada vez mais o meu resultado.

d) Você sentiu falta da revisão do professor? Por que ou por que não?

Ângelo, durante a entrevista, disse ter sentido falta da revisão do professor mas acabou, no decorrer de sua resposta, mudando de ideia, dizendo que estava bem sem a revisão do professor. Três participantes afirmaram não sentir falta da revisão do professor e os outros quatro participantes informaram sentir um pouco de falta ou somente às vezes.

Interação entre Ângelo e pesquisador durante entrevista

Ângelo: Ah, senti porque ainda tinha coisas que tavam erradas depois dele corrigir, mas não eram muitas.

Ângelo: Sim

Pesquisador: Sim. Mas ao mesmo tempo, às vezes, quando o professor corrige e devolve, ahm... vocês não tiveram aquele tempo para conversar e trocar ideias...

Ângelo:: Tu fica meio sabendo... não sabendo o que mudou, direito.

Bruno: Eu acho que a revisão do colega foi até melhor porque, sei lá, ele tem mais uma amizade contigo que o professor e ele pode te dizer certas coisas.

Leonardo: Ah... porque o professor, assim, às vezes ajuda mais que o colega, só que o professor não ajuda tanto quanto o colega, mas ajuda sim uma ajuda melhor.

Diego: Não... eu acho que ele me ajudou bastante e eu acho que não ia fazer tanta diferença o professor, porque eu acho que ele me ajudou muito.

A partir da análise desses depoimentos, podemos perceber que os participantes, que nas entrevistas viam a revisão do professor como essencial, mudaram sua percepção em relação à revisão feita pelo professor, vendo-a como complementar à do colega e destacando as vantagens da revisão feita pelo colega. O participante Bruno, por exemplo, enfatizou que a amizade que se tem com o colega tem um impacto positivo na revisão. Já o participante Ângelo destacou que, mesmo depois da revisão do colega, ainda havia aspectos a ser corrigidos; no entanto, ao longo da entrevista, voltou para essa questão dizendo que quando o professor corrige, o aluno pode não saber o que mudou no texto. Ou seja, ele teria certeza de que tudo foi corrigido, mas nem toda correção faria a mesmo sentido, já que não foi discutida, como acontece quando revisa com o colega.

e) Você acha que com outro/a colega você poderia ter aproveitado mais essa prática para sua aprendizagem? E se tivesse trocado de colega a cada sessão de revisão?

Os oito participantes disseram que preferiram ficar com o mesmo par durante mais sessões de revisão. Sobre trabalhar com um colega diferente do que o colega com quem trabalharam, os participantes não estavam tão seguros de sua opinião, mas é possível perceber que pensam que dependeria de quem esse outro colega seria.

Ângelo: Eu acho que seria melhor trabalhar com o mesmo, porque daí ele já estaria acostumado com minha forma de escrita e as outras coisas. (...) Uhm... não sei... depende, porque o Bruno, ele é bom no inglês.

Nathan: Sim, mas depende quem. Tem uns que não conseguem fazer muito bem o texto, eu consigo notar isso. Mas já o Ângelo não, ele praticamente quase não precisa de mim.

Pedro: Porque quando eu fico perto das pessoas que são muito amigas, talvez o resultado seja melhor, mas se tu pegar pessoas que não são tão tua amiga, o resultado pode ser pior, porque elas podem discordar.

Diego: É, eu acho que teria sido pior, porque nosso primeiro texto não foi muito bom, a gente não se ajudou, mas daí o segundo a gente mais ou menos e daí agora a gente tá se ajudando mais, então a gente pega esse jeito da dupla, assim, um jeito de se ajudar.

Fátima: Tu cria uma confiança com a pessoa que ela não vai te dizer uma coisa errada, sabe? Que tu tá confiando nela, que ela vai te dizer para tu melhorar e daí se eu fosse trocar várias vezes, eu ia ficar sempre em uma insegurança, "Ah, será que ela corrigiu certo?" e daí eu ia sempre tentar ler meu texto de novo para ver se era mesmo errado, sabe?

Jéssica: Eu acho que com certeza teria sido diferente porque cada colega pensa de um jeito completamente diferente. Os meninos pensam de um jeito, as meninas pensam de outro. Então poderia ter piorado, de certo modo, porque eu poderia ter feito o trabalho com outra pessoa que não tivesse tanto domínio, pode-se dizer, sobre textos e outras coisas, e eu poderia ter ajudado outras pessoas. Daí a gente fica em um impasse: poderia ter melhorado e poderia ter piorado. Tem os dois lados.

De acordo com os participantes, permanecer com o mesmo par por um período mais longo teve um impacto positivo no modo como a dupla trabalhou e colaborou junta, bem como no resultado das reescritas, conforme sugerido por Ferris (2003FERRIS, D. Response to student writing: implications for second language students. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2003.). Como afirmado por Ângelo, o colega já estaria acostumado com a sua forma de escrita ou, de acordo com Fátima, "tu cria uma confiança com a pessoa".

Quando questionados sobre a possibilidade de ter tido outro colega como seu par, muitos se mostraram preocupados com a dúvida sobre quem essa pessoa seria e se ela seria "boa" em inglês ou "inteligente". É possível perceber que o nível de proficiência é uma preocupação dos aprendizes ao receberem os comentários do revisor. Leonardo contribui sobre esse aspecto quando afirma que primeiro estava preocupado em trabalhar com Diego, que tem as mesmas dificuldades que as suas, mas que com o passar do tempo, eles passaram a desenvolver uma atitude mais colaborativa e isso foi positivo. Diego concorda com Leonardo quando diz que, no início, não se ajudaram muito, mas que quando "pegaram o jeito" da dupla, a parceria funcionou melhor. De acordo com esses participantes, mesmo quando ambos os membros da dupla têm suas dificuldades, se levarem a prática de revisão por pares a sério, é possível que se beneficiem dela.

Todavia, nem todos os participantes compartilham da mesma opinião em relação à revisão por pares. Nathan apresentou um ponto de vista diferente. Ele não se considerou útil ao ajudar o colega Pedro que, de acordo com Nathan, "estava quase sempre perfeito" e praticamente quase não precisa dele. Nathan era o membro menos experiente da dupla com habilidade linguística mista. Seu posicionamento sobre não ser útil ao colega nos faz refletir sobre as duplas em que participantes apresentam proficiência diferente e se essa formatação de dupla seria sempre benéfica a ambos enquanto revisam. Aparentemente, de acordo com Nathan, esse pode não ser sempre o caso. Neste estudo, pares com nível de proficiência semelhante engajaram-se realmente mais colaborativamente na prática de revisão. Desta forma, padrões de colaboração podem não estar relacionados a níveis de proficiência. Uma posição mais conclusiva em relação a esse aspecto, contudo, ainda não é possível, já que ainda estamos finalizando a análise de alguns dados em relação aos padrões de colaboração.

f) Você pensa que se tivesse interagido em português, ao invés de em inglês, o resultado do trabalho em duplas teria sido diferente? Por que ou por que não?

Quatro participantes disseram que não acham que teria havido um resultado diferente se tivessem interagido em português ao invés de inglês. Três disseram que preferiam falar inglês e somente Nathan disse que teria preferido falar português.

Ângelo: ...tem coisas que a gente precisa falar em inglês, para falar do texto, precisa ser alguma coisa em inglês que a gente escreveu.

Leonardo: Acho que não mudaria muito, assim. Acho que poderia ter sido melhor, mas acho que inglês é mais legal porque a gente se concentra para não falar português e tenta falar mais inglês.

Fátima: Ah, não acho que teria afetado tanto, sabe... Mas eu acho que teria sido mais difícil para eu entender o ponto de vista [do texto] em inglês, porque eu taria pensando em português [na conversa de revisão] e daí para mim entender [o texto] em inglês ia ser mais difícil.

Interação entre pesquisador e Nathan durante a entrevista

Nathan: Sim. Porque quando tinha uma palavra que a gente não sabia falar, a gente tentava explicar com gestos.

Pesquisador: Português teria sido mais fácil?

Nathan: Aham.

Pesquisador: Tu acha que teria tido um resultado diferente?

Nathan: Aham. Ia ter sido sim.

Pesquisador: Um pouco melhor?

Nathan: Aham.

Nathan foi o único participante que afirmou que teria sido melhor para sua dupla se pudessem ter usado o português, porque, às vezes, teve que usar gestos para explicar algo que não sabia. É possível que Nathan pense dessa forma porque essa dupla fez um grande esforço para evitar o uso da L1 na interação, enquanto outras duplas não viram problemas em recorrer à Língua Portuguesa quando essa se tornava uma ferramenta para a execução da tarefa, como é possível perceber nas gravações em áudio e vídeo. O participante Diego, por exemplo, menciona em sua entrevista que sua dupla usou o português quando necessário. De fato, através das transcrições, é possível perceber que ele foi o participante que usou a L1 mais frequentemente.

Diego: Às vezes eu não sei, daí eu falo em português... daí eu me confundo... mas é que... eu não falei algumas palavras em inglês porque eu não sabia, daí eu falei em português e daí ele me falou em inglês...

g) Você acha que, depois de ter realizado essa prática, você se tornou um revisor mais atento e crítico do texto dos seus colegas e dos seus próprios textos? Por que ou por que não?

Sete participantes responderam que acharam que se tornaram revisores melhores. Somente Nathan acha que ainda é difícil para ele ver quando algo não está bom o suficiente em seu próprio texto e, assim sendo, ele acha que não se tornou um revisor melhor de seu próprio texto e não tem certeza sobre o texto do colega.

Interação entre pesquisador e Nathan durante a entrevista

Nathan: Olha, na leitura... Porque eu penso que o meu tá bom, eu sempre reviso, eu leio tudo de novo para ver se está em ordem as palavras que eu escrevi e daí não sei, o dos colegas não sei.

Pesquisador: Então tu acha que não, tu acha que tu continua lendo e achando que tá bom e daí depois tu vê que não tá tão bom quanto tu achava?

Nathan: É.

Ângelo: Eu acho que eu presto mais atenção nas coisas, porque na hora de corrigir tu precisa ver como é que é e... é isso.

Bruno: Eu observo bem na parte de vocabulário e formação da frase que antes eu lia e só imaginava, assim...

Fátima: Sim, eu acho que eu presto mais atenção nas coisas que eu errava antes e que agora eu tô acertando ou que o colega fez errado e eu, "olha só, tu fez errado".

Jéssica: Sim, a gente lê com um olhar completamente diferente, porque a gente aprendeu mais sobre gramática, sobre vocabulário, sobre spelling, porque geralmente a gente nunca lê o texto de outro colega, só quando a pessoa pede, "ah, lê aqui e vê se tá bom". Então, agora que eu já tenho uma prática de ler o texto dos outros, eu presto mais atenção em coisas que eu não prestava.

Assim, a maioria dos participantes reconhece a prática de revisão por pares como benéfica ao desenvolvimento de suas produções escritas em L2 e também de sua autonomia como escritor e revisor de seu próprio texto, como destacado por Leki (1990LEKI, L. Coaching from the margins: Issues in written response. In: KROLL, B. (Ed.) Second language writing: Research insights for the classroom. New York: Cambridge University Press, p. 57-68, 1990.) quando afirma que através da revisão por pares os aprendizes são forçados a exercitar sua habilidade de reflexão, construindo um senso crítico necessário para analisar e revisar sua própria produção.

h) O quão preparado você se sente para as propostas de produção escrita da prova de proficiência que irá realizar no ano que vem (FCE)? De que forma acha que essa prática ajudou ou não?

Os oito participantes acham que as práticas os ajudaram a melhorar, dizendo que se sentem mais bem preparados, mas que ainda é necessário mais prática, como vemos a seguir.

Ângelo: Ajudou bastante, porque daí a gente tem uma noção de como é que é a forma de cada texto... os genres, né... cada um é diferente e é bom conhecer para na hora saber o que escrever.

Bruno: Bem mais preparado. Porque antes eu não tinha nem noção, o que era formação de parágrafo ou frase dessa forma de e-mail e carta...

Nathan: Ajudou bastante, porque revisando várias vezes é óbvio que eu vou conseguir.

Diego: Eu acho que isso me ajudou, porque se eu fazer a prova de Cambridge, depois eu vou corrigir e vou pensar sobre as coisas que o Leo falou para mim e que me ajudou e eu acho que eu vou melhorar meu texto.

Pedro: Eu me sinto bem para a prova se precisar fazer um texto.

5 Discussão

A partir da análise quantitativa descritiva (através dos percentuais provenientes da análise dos questionários) é possível perceber que os participantes, em geral, parecem receptivos à ideia de realizar a prática de revisão por pares antes de tê-la vivenciado, e otimistas de que seus textos possam melhorar a partir dos comentários dos colegas. É possível que tenham essas expectativas devido ao fato de já estarem acostumados ao trabalho colaborativo em sala de aula e de virem estudando juntos há bastante tempo - fato este que confere um certo senso de confiança já consolidado dentro do grupo, o que diferencia este estudo de outros estudos em que os participantes se mostram resistentes à prática ou não consideram seus pares fontes confiáveis como recursos para a aprendizagem de língua (cf. LEKI, 1990LEKI, L. Coaching from the margins: Issues in written response. In: KROLL, B. (Ed.) Second language writing: Research insights for the classroom. New York: Cambridge University Press, p. 57-68, 1990.; NELSON; MURPHY, 1992NELSON, G. L.; MURPHY, J. M. An L2 writing group: Task and social dimensions. Journal of Second Language Writing, v. 1, n. 3, 1992, p. 171-93.; CARSON; NELSON, 1996CARSON, J. G.; NELSON, G. L. Chinese students' perceptions of ESL peer response group interaction. Journal of Second Language Writing, v. 5, 1996, 1-19.; TSUI; NG, 2000TSUI, A. B. M., & NG, M. Do secondary L2 writers benefit from peer comments? Journal of Second Language Writing, v. 9, 2000, p. 147-170.).

Outra possível explicação para a aceitação dos participantes poderia estar ligada à cultura pedagógica da escola pesquisada, onde a aula é baseada na co-construção de conhecimento desde o início do Ensino Fundamental. Outros estudos realizados com participantes de outras culturas pedagógicas, nas quais a sala de aula é centrada no professor, não encontraram a mesma aceitação por parte dos alunos (CARSON; NELSON, 1994CARSON, J. G.; NELSON, G. L. Writing groups: Cross-cultural issues. Journal of Second Language Writing, v. 3, 1994, 17-30., 1996; HYLAND; HYLAND, 2006HYLAND, K.; HYLAND, F. Feedback on second language students' writing. Language Teaching, v. 39, 2006, p. 83-101.; HU, 2002; NELSON; MURPHY, 1992).

Embora seja possível perceber essa aceitação e o otimismo nos questionários, os participantes consideraram que a revisão realizada pelo/a professor/a é essencial ao processo de prática da escrita, já que nenhum participante respondeu em seu questionário que a revisão do par poderia substituir a do professor. Isso vai ao encontro do resultado de outros estudos em que os participantes também afirmam que a revisão do professor não pode ser substituída ou que ela é 'de qualidade melhor' que a do par (LEKI, 1991LEKI, L. The preferences of ESL students for error correction in college-level writing classes. Foreign Language Annals, v. 24, 1991, p. 203-218.; ZHANG, 1995ZHANG, S. Reexamining the affective advantage of peer feedback in the ESL writing class. Journal of Second Language Writing, v. 4, n. 3, 1995, p. 209-22.; NELSON; CARSON, 1998CARSON, J. G.; NELSON, G. L. ESL students' perceptions of effectiveness in peer response groups. Journal of Second Language Writing, v. 7, n. 2, 1998, 113-131.; TSUI;NG, 2000TSUI, A. B. M., & NG, M. Do secondary L2 writers benefit from peer comments? Journal of Second Language Writing, v. 9, 2000, p. 147-170.).

Ainda em relação aos questionários, outro aspecto a ser destacado é o fato de que interagir em inglês não é considerado um problema ou uma dificuldade a ser enfrentada, e a maioria dos participantes não se importa de interagir em inglês. Uma preocupação expressa em alguns estudos em relação à eficácia da revisão por pares diz respeito ao nível de proficiência dos participantes (L2 factor, HU; LAM, 2009HU, G. W.; LAM, S. T. E. Issue of cultural appropriateness and pedagogical efficacy: exploring peer review in a second language writing class. Instructional Science, v. 38, n. 4, 2009, p. 371-394.) que poderia impedi-los de identificar problemas nos textos dos colegas ou de comentá-los através da língua-alvo, já que esses aprendizes da L2 ainda estão no processo de dominar a língua e suas convenções retóricas (VILLAMIL; GUERRERO, 2008; ZHU, 2001ZHU, W. Interaction and feedback in mixed peer response groups. Journal of Second Language Writing, v. 10, 2001, p. 251-276.). No caso deste estudo, a proficiência realmente não pareceu ser um problema.

Ao comparar os questionários antes de passar pela prática de revisão por pares com as entrevistas realizadas depois de terem vivido a experiência, é possível perceber que algumas expectativas que os participantes tinham foram confirmadas, como a expectativa de que iam gostar de ler os textos dos colegas e que não se importariam que os colegas lessem e comentassem seus textos.

Porém, como percebemos acima, o aspecto com relação à revisão por parte do professor diferiu. Conforme análise do questionário, ela era considerada essencial e que não poderia ser substituída pela revisão feita pelo colega. Após ter vivenciado a prática de revisão por pares, nas entrevistas, alguns participantes mudaram de ideia, afirmando que não sentiram falta da revisão do professor ou sentiram falta somente em alguns aspectos.

De acordo com Storch (2013______. Collaborative writing in L2 classrooms. v. 31. Multilingual Matters, 2013., p. 39), na revisão fornecida pelo professor geralmente há poucas oportunidades de discutir e negociar feedback, já que o mesmo é apresentado ao aprendiz no texto escrito. Pudemos perceber isso, por exemplo, na entrevista de Leonardo (vide as respostas à pergunta "d", apresentada na seção anterior). Ele acredita que a correção feita pelo professor tem mais acurácia (nas palavras do participante, "uma ajuda melhor"), mas o colega oferece uma ajuda de mais qualidade no sentido de que dispensam tempo juntos para discutir, negociar e chegar a um entendimento mais concreto da correção.

Essas observações feitas pelos participantes em relação aos papeis do professor e do colega no processo de escrita precisam ser consideradas quando do planejamento do ensino-aprendizagem da escrita. A correção do professor pode ser mais precisa, como Leonardo afirmou, mas dependendo de como é conduzida pode não fazer o mesmo sentido para o aprendiz, como afirmado por Ângelo. Os aprendizes podem não perceber o que foi mudado pelo professor ou não entender o motivo pelo qual algo está inapropriado ou incorreto e, dessa forma, a revisão por pares seria mais informativa que a revisão fornecida pelo professor (CHAUDRON, 1984CHAUDRON, C. The effects of feedback on students' composition revisions. RELC Journal, v. 15, 1984, 1-16.; LOCKHART; NG, 1995LOCKHART, C.; P. NG. Analyzing talk in peer response groups: Stances, functions, and content. Language Learning, v. 45, 1995, p. 605-55.; PAULUS, 1999PAULUS, T. M. The effect of peer and teacher feedback on student writing. Journal of Second Language Writing, v. 8, n. 3, 1999, p. 265-89.). Um dos benefícios da revisão por pares, que é o desenvolvimento da autonomia do escritor e de sua consciência crítica, reduzindo a dependência no professor, pode não ser desfrutado pelos aprendizes se o professor simplesmente leva os textos de seus alunos para casa, corrige e devolve. (TSUI; NG, 2000TSUI, A. B. M., & NG, M. Do secondary L2 writers benefit from peer comments? Journal of Second Language Writing, v. 9, 2000, p. 147-170.; GUERRERO; VILLAMIL, 1994GUERRERO, M. C. M., & VILLAMIL, O. S. Social-cognitive dimensions of interaction in L2 peer revision. Modern Language Journal, v. 78, 1994, p. 484-496.; LIU; SADLER, 2003LIU, J.; SADLER, R. W. The effect and affect of peer review in electronic versus traditional modes on L2 writing. Journal of English for Academic Purposes, v. 2, 2003, p. 193-227.).

A prática de revisão por pares demanda tempo da aula, mas se o objetivo é que os alunos reflitam sobre a língua, parece ser essa prática, de acordo com os participantes desta pesquisa, uma opção válida. E ela não precisa substituir a revisão feita pelo professor, mas pode ser complementar a essa (CAULK, 1994CAULK, N. Comparing teacher and student responses to written work. TESOL Quarterly, v. 28, n. 1, 1994, 181-88.; HU, 2005HU, G. W. Using peer review with Chinese ESL student writers. Language Teaching Research, v. 9, 2005, p. 321-342.; JACOBS et al., 1998JACOBS, G. M.; CURTIS, A.; BRAINE, G.; HUANG, S. Y. Feedback on student writing: Taking the middle path. Journal of Second Language Writing, v. 7, n. 3, 1998, p. 307-317.; VILLAMIL; GUERRERO, 1998______. Assessing the impact of peer revision on L2 writing. Applied Linguistics, v. 19, n. 4, 1998, p. 491-514.). Nesse sentido, o papel do professor também precisa ser negociado com a turma no momento de implementação da revisão por pares.

Uma das possibilidades é que, além de monitorar o trabalho colaborativo de perto e fazer intervenções quando possível e necessário, o professor possa ser visto como um recurso disponível aos estudantes, quando não conseguem resolver um problema linguístico com seu par, mesmo depois da negociação. Os aprendizes precisam estar conscientes de todas as ferramentas que estão à sua disposição e usá-las para co-construir conhecimento, conforme sugerido pelo conceito de ZPD:

Aplicado à aprendizagem de língua, o conceito de ZDP une todas as partes relevantes da situação de aprendizagem de língua, incluindo o professor, o aprendiz, suas histórias sociais e culturais, seus objetivos e motivações, bem como os recursos disponíveis a eles, incluindo aqueles que são construídos dialogicamente juntos (ALJAAFREH; LANTOLF, 1994, p. 468 apud NASSAJI; SWAIN, 2010NASSAJI, H.; SWAIN, M. Vygotskian perspective on corrective feedback in L2: the effect of random versus negotiated help on the learning of English articles. Language Awareness, v. 9, n. 1, 2010, p. 34-51., p. 36, Tradução nossa).6 6 Applied to language learning, the concept of ZPD brings together all of the relevant pieces of the language learning situation including, the teacher, the learner, their social and cultural history, their goals and motives, as well as the resources available to them, including those that are dialogically constructed together.

De acordo com Liu e Hansen (2002LIU, J; HANSEN, J. Peer response in second language writing classrooms. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002., p. 90, Tradução nossa),

O professor pode, por vezes, participar da atividade de revisão por pares como participante-observador, contribuindo para a discussão como membro de um grupo, confirmando incertezas e respondendo a perguntas sempre que apropriado.7 7 The teacher sometimes can participate in peer response activities as a participant-observer, contributing to discussion as a member of the team and confirming uncertainties and answering questions whenever appropriate.

Assim sendo, o professor envolvido na revisão por pares precisa tomar decisões sobre seu papel no que diz respeito ao seu nível de participação. Em relação a este estudo, a professora foi um recurso disponível aos aprendizes conforme sugerido por Liu e Hansen (2002LIU, J; HANSEN, J. Peer response in second language writing classrooms. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002.), confirmando e respondendo questões quando apropriado e contribuindo a partir de suas observações. A participação da professora, dessa forma, pode ter contribuído para a mudança de opinião dos participantes que antes da prática achavam que a revisão do professor era essencial e depois da prática acharam que não era necessária ou que poderia ser complementar à do colega, já que vivenciando a prática perceberam que a professora continuava sendo um recurso que estava à disposição sempre que necessário.

Outra dúvida que acompanha a implementação da prática de revisão por pares diz respeito à forma como os alunos devem ser agrupados e se as duplas (ou grupos) devem permanecer as mesmas por um período mais longo ou se devem mudar a cada nova escrita, proporcionando aos alunos a chance de trabalhar com colegas diferentes cada vez que escrevem um novo texto. Os participantes responderam em suas entrevistas que permanecer com o mesmo par por um período mais longo teve um impacto positivo no modo como a dupla trabalhou e colaborou junta, bem como no resultado das reescritas, conforme sugerido por Ferris (2003FERRIS, D. Response to student writing: implications for second language students. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2003.).

Ainda em relação às entrevistas, os participantes confirmaram a expectativa do questionário de que falar inglês não seria um problema a ser enfrentado, possivelmente porque esses participantes têm estudado em escola com Currículo Bilíngue desde a Educação Infantil ou desde o 1º ano. Interagir através da língua-alvo faz parte de seu dia a dia e eles são fluentes o suficiente para a demanda da tarefa. Após a prática, alguns perceberam que falar em português sobre os textos que foram redigidos em inglês poderia até ser mais difícil, pois estariam falando de um código e usando o outro.

Com a análise é possível perceber que o trabalho em duplas não só foi benéfico para aperfeiçoar a escrita, mas também proporcionou aos participantes a chance de praticar a habilidade oral enquanto interagiam.

6 Considerações finais

A prática de revisão por pares de produção escrita em L2 vem sendo investigada há algum tempo por pesquisadores que já conseguiram consolidar uma base de evidência a respeito desse tema de pesquisa e dessa prática pedagógica. No entanto, ela ainda não deixou de ser controversa, já que estudos realizados em diferentes épocas e em diferentes contextos apresentam resultados diversos - e professores que já aplicaram a revisão por pares em sua prática pedagógica também demonstram opiniões diferentes.

As características do presente estudo permitiram olhar para as expectativas de jovens participantes antes de participarem da prática de revisão por pares, mostrando que a maioria desses jovens estava disposta a vivenciar a prática e otimista de que a mesma poderia ser útil para que aperfeiçoassem sua escrita. O estudo também nos permitiu olhar para a avaliação feita pelos jovens depois de cinco sessões de revisão por pares em que se engajaram, confirmando suas expectativas de que gostariam de participar desse tipo de prática e de que seus textos poderiam ficar melhores. Esse olhar para as expectativas antes e a avaliação que foi feita após a atividade precisam ser considerados ao se implementar qualquer nova prática pedagógica na sala de aula.

De acordo com Bernaus e Gardner (2008BERNAUS, M.; GARDNER, R. C. Teacher motivation strategies, student perceptions, student motivation, and English achievement. The Modern Language Journal, v. 92, n. 3, 2008, 387-401., p. 399), os professores podem usar qualquer estratégia com a qual se sintam confortáveis e que seja de valor para seus alunos, mas para que as mesmas sejam eficazes e motivem os alunos, elas precisam ser vistas como eficazes pelos aprendizes. Dessa forma, os autores recomendam que os professores avaliem a percepção que seus alunos têm de qualquer nova estratégia que decidem utilizar em sala de aula. Na mesma direção, Gardner (2007GARDNER, R. C. Motivation and second language acquisition. Porta Linguarum, v.8, 2007, p. 9-20.) sugere que a motivação em sala de aula pode explicar o porquê de haver diferentes resultados em diferentes contextos ou em um mesmo contexto, mas com indivíduos diferentes.

Este estudo ainda contribui para ajudar a preencher uma lacuna na literatura ao investigar a percepção de jovens aprendizes em idade escolar, já que, conforme mencionado, a maioria dos estudos sobre a prática de revisão por pares tem como participantes estudantes em nível universitário ou adultos aprendizes de L2. Desta forma, este estudo tem implicações pedagógicas para a prática de escrita na L2 no Ensino Fundamental e Médio e aponta para a viabilidade da mesma, se considerados o contexto, os participantes, sua motivação, bem como a forma como a prática é implementada. Holliday (1994HOLLIDAY, A. Appropriate methodology and social context. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1994.) clama por uma pedagogia que vá ao encontro das necessidades dos aprendizes em um dado contexto. Em outras palavras, Littlewood (2010LITTLEWOOD, W. Chinese and Japanese students' conceptions of the 'ideal English lesson'. RELC Journal, v. 41, n. 1, 2010, p. 46-58., p. 46) afirma que não há uma fórmula que funcione para todos os contextos e é necessário que cada contexto específico seja entendido.

Para o contexto desta pesquisa, os participantes conseguiram perceber seus colegas como recursos de aprendizagem e perceberam a utilidade de revisão por pares para a escrita de versões melhores de seus textos. Com isso, forneceram evidências a pesquisadores e professores de que essa pode ser uma prática eficaz para o processo de escrita em segunda língua se forem consideradas as expectativas e as motivações dos aprendizes, o contexto em que estão inseridos, o papel assumido pelo professor e o treinamento oferecido aos participantes.

Referências

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  • 1
    The use of learners as sources of information and interactants for each other in such a way that learners assume roles and responsibilities normally taken on by a formally trained teacher, tutor, or editor in commenting on and critiquing each other's drafts in both written and oral formats in the process of writing
  • 2
    Embora os participantes estejam aprendendo inglês no contexto brasileiro, optamos pelo termo Segunda Língua, em detrimento de Língua Estrangeira, já que se trata de uma escola bilíngue onde os alunos não só aprendem a língua, mas aprendem conteúdos através dela. Tanto o português quanto o inglês são usados como línguas de interação e instrução.
  • 3
    Peer feedback is seen as a way of giving more control to students since it allows them to make active decisions about whether or not to use their peers' comments as opposed to a passive reliance on teachers' feedback
  • 4
    It increases the amount of class time available to an individual student to practise speaking the target language, it decreases the amount of time students spend listening (or not listening) to other class members interacting with the teacher, it avoids the anxiety and self-consciousness that prevent some students from speaking up in front of the whole class, it allows the teacher more opportunity for individual instruction.
  • 5
    O exame de Cambridge FCE for schools (First Certificate in English for schools) é uma qualificação em inglês em nível intermediário superior (Upper Intermediate), equivalente ao nível B2 do Quadro Comum Europeu. Trata-se de uma versão do exame FCE, com conteúdos e tópicos direcionados aos interesses e experiências de aprendizes em idade escolar.
  • 6
    Applied to language learning, the concept of ZPD brings together all of the relevant pieces of the language learning situation including, the teacher, the learner, their social and cultural history, their goals and motives, as well as the resources available to them, including those that are dialogically constructed together.
  • 7
    The teacher sometimes can participate in peer response activities as a participant-observer, contributing to discussion as a member of the team and confirming uncertainties and answering questions whenever appropriate.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2015
  • Aceito
    15 Out 2015
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