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Resenha

MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Gabriela Rabuske. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Série Estratégias de ensino. n. 20. 167p

A obra intitulada Produção textual na universidade, de Désirée Motta-Roth e Gabriela Rabuske Hendges, publicada pela editora Parábola, em 2010, é fruto da experiência das autoras no trabalho tanto com a pesquisa sobre gêneros acadêmicos quanto com o ensino de produção textual na universidade. Tal trajetória as autoriza a empreender trabalhos do porte desta obra, o que se reflete no caráter teoricamente claro e eficazmente didático do livro. Com base em pesquisas próprias, realizadas principalmente a partir da teoria sociorretórica de Jonh Swales, e de outros autores reconhecidos na área, as docentes e pesquisadoras abordam gêneros centrais do contexto universitário, quais sejam: resenha, projeto de pesquisa, artigo científico e abstract.

A abordagem não se restringe à apresentação de estruturação textual ou a dicas de gramática, muito comuns em livros afins, mas dá conta da relação entre práticas acadêmicas e configurações genéricas, com ênfase nas estratégias retóricas que legitimam o que por meio desses gêneros é feito no cenário acadêmico. Em cada um dos capítulos é recorrente a organização das seções que vai da discussão das práticas acadêmicas aos aspectos linguísticos, de modo que texto e contexto são tratados na sua relação de mútua constitutividade. Desse modo, Produção textual na universidade se estabelece como um aparato importante tanto para os membros da comunidade científica que pesquisam o assunto quanto, principalmente, para os futuros, ou recentes membros, que almejam participar com sucesso dessa comunidade, para o que o domínio dos gêneros desse contexto é imprescindível, como já apontava Swales (1990SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings. New York: Cambridge University Press, 1990.).

No capítulo 01, provocativamente intitulado "Publique ou pereça", as autoras apresentam temáticas centrais da prática de publicação acadêmica - aspectos organizativos da comunidade científica que têm implicações diretas na prática de publicação. Nesse caso, explicam por que e como se produzem textos acadêmicos no Brasil e no exterior, ressaltando o fato de que a política de publicação no Brasil segue um modelo norte-americano, em que "a produtividade intelectual é medida pela produtividade na publicação" (p. 13). Sem deixar de mencionar as críticas que tal política recebe da comunidade científica brasileira, as autoras reconhecem que "para mudar o sistema, é preciso conhecê-lo e participar dele" (p. 13). Nesse sentido, assumem desde o início da obra uma postura objetiva e responsável diante da necessidade de se ensinar os gêneros acadêmicos como forma de ingresso e sucesso de novos membros na comunidade científica. Ainda nesse capítulo, as autoras apresentam aspectos gerais do processo de preparação e de produção de um texto acadêmico, abordando questões desde a seleção de material para leitura, ressaltando a qualidade das fontes de pesquisa, até o processo de revisão final do artigo. Por fim, as autoras explicam, a título de introdução para os capítulos seguintes, a natureza específica dos gêneros acadêmicos, derivada das diferentes funções que, por meio de cada um deles, se exerce no âmbito da comunidade científica.

O capítulo 02 trata do gênero que o intitula, a saber, a Resenha. Nele, as autoras explicam que o objetivo básico de se escrever uma resenha é avaliar, ou criticar, o resultado de uma produção intelectual, que pode ter diversas formas (filme, pintura etc.), embora seja abordada, nesta obra, apenas a resenha de livro. Explicam ainda que leitor e autor desse gênero têm objetivos convergentes, já que um busca e o outro fornece opinião sobre determinada obra. Além disso, discutem o fato de que, embora haja áreas em que esse gênero seja mais recorrente, como na Linguística, há outras em que não é, como na Química. Feita a discussão acerca das práticas acadêmicas que envolvem a resenha, as autoras apresentam, então, a estrutura retórica básica desse gênero, qual seja: Apresentar > Descrever > Avaliar > (Não) Recomendar o livro. Ao final do capítulo, há ainda uma análise comparativa entre exemplares de resenhas de diferentes áreas, bem como a apresentação de um esquema com os movimentos retóricos básicos acrescidos dos passos recorrentes desse gênero.

O capítulo 03, intitulado Projeto de pesquisa, aborda aspectos não só da textualização de um projeto, mas das práticas que envolvem o planejamento e desenvolvimento de uma pesquisa, já que "conhecer as práticas de pesquisa da área de conhecimento em questão e refletir sobre como um texto pode reconstruir essas práticas é fundamental para propor um estudo inovador" (p. 53). Desse modo, as autoras definem o projeto como "um planejamento do que vamos fazer para investigar um determinado problema" (p.55), salientando que as informações incluídas nesse gênero podem variar de acordo com a área do conhecimento, a instituição de pesquisa, o tipo de abordagem etc. Ao longo do capítulo, as autoras se dedicam a explicar cada um dos tópicos que compõem um projeto de pesquisa, a saber: i) identificação; ii) problemas, hipóteses e perguntas; iii) justificativa; iv) objetivos; v) síntese da literatura relevante; vi) metodologia; vii) resultados e/ou impactos esperados; viii) cronograma; ix) orçamento e x) bibliografia. Além disso, são apresentados exemplos de documentos importantes no desenvolvimento de determinadas pesquisas, como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e Termo de Confidencialidade, por exemplo.

No capítulo 04, as autoras iniciam a abordagem do gênero artigo acadêmico, descrito na obra como sendo "um documento escrito por um ou mais pesquisadores para relatar os resultados de uma atividade de investigação" (p. 66). Sendo um gênero central para a comunidade acadêmica, as estudiosas dedicam a ele a maior parte da obra, de modo que o artigo acadêmico é tratado, em cada uma das suas partes constitutivas, em todos os capítulos da sequência. Nesse sentido, iniciam a abordagem no capítulo 4 com foco na introdução do artigo acadêmico. Para tanto, as autoras analisam um exemplar da área de medicina com base no modelo CARS (Create a Research Space), empreendido por Swales (1990SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings. New York: Cambridge University Press, 1990.) para dar conta justamente da introdução de artigos científicos no ensino de inglês para fins específicos. Além disso, discutem-se ainda aspectos contextuais da divulgação científica, como a função desta prática tanto no meio acadêmico quanto na sociedade em geral e ressalta-se também o papel do mapa semântico e sua relação com as palavras-chave no processo de geração de ideias. Fecha o capítulo a apresentação, com base em NATTINGER e DE CARRICO (1992NATTINGER, J. R.; DE CARRICO, J. S. Lexical Phrases and Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1992.), de expressões características de introdução de artigos científicos norte-americanos, bem como quadros com dicas gerais sobre o processo de escrita, desde a geração de ideias para o artigo até sua revisão final.

No capítulo 05, as autoras tratam da revisão de literatura do artigo acadêmico. Para tanto, elas introduzem o tema, sugerindo que escrever uma boa seção de revisão bibliográfica vai além de dominar normas técnicas de citação, embora não prescinda destas. Motivo pelo qual essas normas não são discutidas a fundo na obra, dando lugar a uma discussão detida sobre aspectos modalizadores dos verbos de citação, por exemplo, e orientação argumentativa do uso de determinadas construções linguísticas. Além disso, as autoras explicam neste capítulo também os propósitos da revisão de literatura, enfatizando que o domínio do que já fora escrito sobre o tema que se pretende tratar é um "'traço definidor' (FEAK; SWALES, 2009FEAK, C. B.; SWALES, J. M. Telling a Research Story: Writing the Literature Review. Michigan: The University of Michigan Press, 2009., p. 2) da pesquisa e da redação acadêmica desde os primórdios da ciência" (p. 90), já que tal competência, além de indicar a familiaridade com a área e a legitimidade de quem escreve, indica ética do escritor diante do que foi produzido antes dele. Na sequência, semelhantemente ao que se faz nos capítulos anteriores, as autoras apresentam a estrutura retórica da revisão de literatura. A partir disso, ao fim do capítulo, abordam-se mais detidamente características linguísticas como os diversos formatos de citações (integrais e não integrais) e os critérios funcionais de classificação de verbos (verbos relacionados a processos investigativos, verbais e cognitivos), que sugerem um quadro de possibilidades em que aspectos retóricos podem estar objetiva e explicitamente articulados com as escolhas linguísticas.

O capítulo 06 trata da seção de metodologia do artigo acadêmico, que é basicamente "uma narrativa das ações desenvolvidas na pesquisa" (p. 117) e tem por objetivo "apresentar materiais e métodos (participantes ou sujeitos, instrumentos, procedimentos, critérios, variáveis/categorias de análise etc.) a serem adotados" (p. 114). Esse capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, as autoras inauguram a discussão retomando pontos sobre o desenvolvimento de pesquisa, tratados no capítulo 3. Na segunda parte, apresenta-se a estrutura retórica da metodologia, e talvez seja esse capítulo o lugar em que mais se explicitou a influência das diferentes áreas de pesquisa sobre a estruturação do fazer científico, já que são apresentados e discutidos três esquemas diferentes de organização retórica - um para cada uma das três áreas apresentadas: medicina, bioquímica e administração.

O capítulo 07 trata da seção de análise e discussão de resultados do artigo científico. Para tanto, as autoras organizam-no em quatro partes. Na primeira, explicam que nessa seção há uma focalização não apenas na apresentação de dados, mas principalmente na sua interpretação, lembrando que "a discussão é mais do que um sumário de resultados" (p. 126). Na segunda parte do capítulo, a estrutura retórica básica da seção em pauta é apresentada. Nesse sentido, embora se reconheçam as disparidades derivadas das diferentes áreas de pesquisa, tem-se uma estrutura retórica básica em que, entre movimentos (M) obrigatórios e opcionais, se faz: a recapitulação de informação metodológica (M1); a declaração dos resultados (M2); a explicação do final (in) esperado (M3); a avaliação da descoberta (M4); a comparação da descoberta com a literatura (M5); a generalização (M6); o resumo (M7) e a conclusão (M8). Na terceira parte do capítulo, são discutidas duas formas possíveis de organização da discussão de resultados, intituladas de a) ponto a ponto e b) totalidade de pontos de um/de outro. Por fim, a quarta parte trata das características linguísticas, fornecendo inúmeros exemplos de sintagmas lexicais comuns aos tópicos discutidos (resultados, discussão, conclusão), bem como uma análise detalhada de expressões utilizadas em um dos exemplares apresentados no capítulo.

O capítulo 8, que encerra a obra, é intitulado Abstract/Resumo acadêmico. Bem articulado com os capítulos anteriores, não é à toa que o abstract é o último item tratado na obra, já que "é um texto que encapsula a essência do artigo" (p.152), de modo que geralmente carrega aspectos organizativos muito próximos aos que organizam o artigo acadêmico. No entanto, embora seja relacionado ao artigo, o abstract possui funções específicas, tendo como objetivo "sumarizar, indicar e predizer, em um parágrafo curto, o conteúdo e a estrutura do texto integral que segue" (p. 152), buscando ainda persuadir o leitor a ler o texto integral. Ademais, conforme as autoras mostram a partir de pesquisas anteriores, o abstract pode variar como variam os tipos de artigos. Assim, as pesquisadoras analisam exemplares de diferentes tipos, apresentando como estrutura retórica do abstract empírico/experimental: Situar a pesquisa (M1); Apresentar a pesquisa (M2); Descrever a metodologia (M3); Sumarizar os resultados (M4) e Discutir a pesquisa (M5). Por fim, ao final do capítulo, abordam-se características linguísticas com foco nos marcadores metadiscursivos que caracterizam cada tipo de informação na redação do gênero em pauta.

Além dos apontamentos feitos ao longo da apresentação, pode-se afirmar que, de modo geral, a obra se configura num material rico para os que objetivam estudar os gêneros acadêmicos. Um ponto positivo é a quantidade de exemplos que de fato circulam no meio acadêmico e a qualidade da análise deles, feita ponto a ponto e com recursos didáticos eficientes, que dão à obra um caráter ainda mais profícuo ao que se propõe. As atividades sugeridas ao final de cada capítulo também são um ponto positivo relevante, já que tornam a obra um material eficiente no dia-a-dia do ensino de produção textual na academia. Enfim, sendo bem-sucedido no alinhamento entre uma base teórica reconhecida e produtiva no estudo dos gêneros acadêmicos e uma estratégia de prática didática consistente, o livro consegue, "com dinamismo e leveza", contribuir para que estudantes de graduação e pós-graduação enfrentem e vençam as dificuldades de produção textual na academia.

Referências

  • FEAK, C. B.; SWALES, J. M. Telling a Research Story: Writing the Literature Review. Michigan: The University of Michigan Press, 2009.
  • NATTINGER, J. R.; DE CARRICO, J. S. Lexical Phrases and Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1992.
  • SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings. New York: Cambridge University Press, 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2016
  • Aceito
    01 Ago 2016
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