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IMPACTOS DA PANDEMIA COVID-19 NAS AULAS DE INGLÊS

IMPACTS FROM COVID-19 PANDEMIC IN ENGLISH LANGUAGE CLASSROOM

Resumo

Este texto objetiva apresentar os resultados de uma pesquisa que investigou como as aulas de inglês foram ministradas e como os professores reagiram às aulas remotas, em caráter emergencial, provocadas pela pandemia da Covid-19 no primeiro semestre de 2020. Um questionário com onze questões discursivas foi disponibilizado via Google Forms para professores de inglês, em junho de 2020. Vinte e quatro professores atuantes em institutos de idiomas, escolas públicas e particulares de ensino regular de educação básica responderam as questões. Os resultados apontam que o ensino remoto por meio de plataforma digital provocou dificuldades e preocupações com relação ao processo de ensino-aprendizagem como um todo. Por outro lado, os professores afirmam que esse novo formato poderá avançar na promoção do letramento digital, contudo as aulas presenciais devem ser mantidas.

Palavras-Chave
Ensino-aprendizagem on-line; Língua inglesa; Ensino remoto emergencial; Plataforma digital; Covid-19

Abstract

This text aims to present the results of a survey that investigated how English classes were taught and how teachers reacted to emergency remote classes caused by the Covid-19 pandemic in the first half of 2020. A questionnaire with eleven discursive questions was made available via Google Forms for English teachers in June 2020. Twenty-four teachers working in language institutes, public and private schools of regular education in basic education answered the questions. The results show that remote teaching by means of digital platform caused difficulties and concerns regarding the teaching-learning process as a whole. On the other hand, teachers claim that this new format can advance in the promotion of digital literacy, however face-to-face classes must be maintained.

Key-words
Online Teaching-learning; English language; Remote emergency teaching; Digital platform; Covid-19

INTRODUÇÃO

A utilização de diferentes meios de informação, dentre eles o uso de plataformas virtuais de ensino e mídias digitais, para o ensino-aprendizagem de língua inglesa encontra-se preconizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino de Línguas Estrangeiras (PCN) (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação e Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras – PCN Ensino Fundamental. Brasília: MEC; SEMTEC, 1998.) e nos documentos que o seguiram, nomeadamente Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN Ensino Médio. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.), nas Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas (DCE-LEM) (PARANÁ, 2008PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Língua Estrangeira. Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental, Curitiba, 2008.) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016., 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.), para citar alguns. No entanto, uma pesquisa recente (MARCOS, 2020MARCOS, R. A. Percepções de professores sobre o uso de mídias digitais nas aulas de língua inglesa. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Pato Branco, Pato Branco, 2020.) apontou que os professores de inglês de escolas públicas do sudoeste do Paraná ainda pensam que o tempo de preparo e de uso de mídias digitais nas aulas de inglês é um fator restritivo e que muitos se sentem despreparados para fazer uso dessas tecnologias. Nesse sentido e tendo em vista a situação de pandemia causada pela Covid-19, em que as escolas passaram a atuar em caráter remoto emergencial, ou seja, valendo-se de plataformas virtuais e mídias digitais, o presente texto tem por objetivo investigar como as aulas de inglês foram ministradas e como os professores reagiram às aulas remotas, em caráter emergencial, provocadas pela pandemia da Covid-19 no primeiro semestre de 2020.

Este texto está organizado em quatro seções: a primeira refere-se à discussão teórica sobre recursos digitais no ensino e na aprendizagem de língua inglesa; a segunda, a questões metodológicas para a realização da pesquisa; a terceira apresenta uma discussão sobre os dados coletados; e, por fim, a quarta seção traça algumas considerações sobre a temática e o estudo desenvolvido.

1 Recursos digitais no ensino e na aprendizagem de língua inglesa

Nas aulas de língua inglesa, um questionamento tão importante quanto o que ensinar, é como ensinar, ou seja, o professor deve preocupar-se, também, com os meios a serem usados para desafiar, motivar e orientar seus estudantes na construção do conhecimento novo. Nesse contexto, a escolha dos meios digitais e das plataformas virtuais pelo professor, bem como o seu uso guiado, pode extrapolar o livro didático, as folhas impressas com atividades e o quadro, conforme afirmam Botelho e Leffa (2009)BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123..

Vivemos num mundo dinâmico e multimidiático, muito além da bidimensionalidade estática do papel e do quadro-negro; é um mundo em movimento, visual e sonoro, todo ele perpassado pela língua que falamos e que ensinamos. Ignorar esse mundo é reduzir e empobrecer a língua que ensinamos

(BOTELHO; LEFFA, 2009BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123., p. 21).

Esse mundo multimidiático, que nos falam os autores, faz parte do contexto sociocultural dos estudantes de hoje e cabe ao professor auxiliá-los a otimizar o uso dos recursos digitais que já conhecem e utilizam na internet, bem como apresentar outros, orientando-os a acessar informações de forma segura em fontes confiáveis e/ou selecionar as que mais atendam suas necessidades dentre um mar de dados disponíveis na rede mundial de computadores.

Por outro lado, os autores enfatizam que os professores de língua inglesa devem usufruir desse mundo midiático perpassado pela língua inglesa. Dessa forma, o professor de inglês é duplamente beneficiado: pela língua inglesa que permite o acesso a informações na internet sobre qualquer área de conhecimento; e por recursos tecnológicos que podem ajudá-lo a “buscar informação, construir conhecimentos e mobilizar competências e habilidades” (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN Ensino Médio. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002., p. 111).

Com relação à língua inglesa, o inglês é a língua dominante na rede mundial de comunicação, segundo estatísticas encontradas na página Internet World Stats1 1 Disponível em: https://www.internetworldstats.com/stats7.htm. e a grande disponibilidade de recursos que podem ser usados para aprendê-lo têm o potencial de estimular o aprendizado linguístico (CRYSTAL, 2003CRYSTAL, D. English as a global language. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., 2006CRYSTAL, D. Language and the Internet. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.), isto porque há uma aplicação prática da língua e o fato de sabê-la, amplia o acesso às informações.

De fato, a internet disponibiliza um vasto leque de opções de uso de recursos tecnológicos ligados à informática, como sites educacionais, softwares educativos, recursos de hipertexto, dentre outros exemplificados nos PCNEM (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN Ensino Médio. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.) e na BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.), na seção de língua estrangeira.

Como vemos, são muitas as vantagens de se usar recursos digitais para ensinar e aprender a língua inglesa. Dentre elas, Botelho e Leffa (2009)BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123. afirmam que o uso desses recursos pode promover o processo de inclusão, pois “o acesso à língua estrangeira pode aumentar o acesso à rede, que, por sua vez, pode facilitar a aprendizagem da língua” (BOTELHO; LEFFA, 2009BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123., p. 122). Ainda, com relação à aprendizagem da língua inglesa, a BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.) prevê que os alunos do 6o ano do ensino fundamental desenvolvam habilidades e competências usando recursos digitais, como a exploração de ambientes virtuais e/ou aplicativos para construir repertório lexical na língua inglesa e a prática de leitura em ambientes virtuais.

Muito mais do que possibilitar o contato com o conhecimento linguístico, domínio do vocabulário e estruturas da língua, quando o professor de língua inglesa faz uso dos recursos midiáticos em suas aulas, pode haver ganhos como o da interação com outras culturas, que, por sua vez, está abarcada no eixo Dimensão Intercultural da BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.). Nesse sentido, para Paiva (2005, apudSILVA, 2014SILVA, T. T. O uso das novas tecnologias nas aulas de inglês no contexto da escola pública. 2014. Monografia (Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares) – Pró-Reitoria do Ensino Médio, Técnico e Educação a Distância, Universidade Estadual da Paraíba, Guarabira, 2014.), a interação com falantes da língua de outros lugares do mundo favorece a interação entre pessoas de culturas diferentes.

Ainda, a BNCC é enfática ao apontar que, ao final do ensino fundamental, espera-se que os alunos possam “utilizar novas tecnologias, com novas linguagens e modos de interação, para pesquisar, selecionar, compartilhar, posicionar-se e produzir sentidos em práticas de letramento na língua inglesa, de forma ética, crítica e responsável” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016., p. 202). Em síntese, usar a tecnologia em sala de aula pode auxiliar no desenvolvimento de competências, como a de comunicar-se na língua inglesa, por meio do uso variado de linguagens em mídias impressas ou digitais, reconhecendo-a como ferramenta de acesso ao conhecimento, de ampliação das perspectivas e de possibilidades para a compreensão dos valores e interesses de outras culturas e para o exercício do protagonismo social (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016., p. 202).

Contudo, o uso efetivo e adequado da tecnologia em sala de aula requer uma nova competência exigida dos professores: a fluência digital. Não basta conhecer e se familiarizar com as mídias, sobretudo as digitais, ou seja, não basta alfabetizar-se tecnologicamente (SAMPAIO; LEITE, 2001SAMPAIO, M. N.; LEITE, L. S. Alfabetização Tecnológica do Professor. Petrópolis: Vozes, 2001.). Para Silva (2014, p. 22)SILVA, T. T. O uso das novas tecnologias nas aulas de inglês no contexto da escola pública. 2014. Monografia (Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares) – Pró-Reitoria do Ensino Médio, Técnico e Educação a Distância, Universidade Estadual da Paraíba, Guarabira, 2014., o professor “deve ter uma mente aberta para receber as inovações” e, consequentemente, fazer uso pedagógico dessas inovações. Além disso, o professor pode atuar como um tutor e favorecer a criação de novos ambientes de aprendizagem, pois é ele quem pode assumir o papel de guia dos alunos para a execução de tarefas de forma ativa e com uma postura crítica. Ao usar uma abordagem em prol do letramento crítico digital, o professor pode oportunizar aos alunos a construção e a negociação de significados de forma coletiva, de revisão de suas crenças e de questionamento das implicações de suas visões de mundo, conforme defendem Jordão e Fogaça (2007)JORDÃO, C. M.; FOGAÇA, F. C. Ensino de inglês, Letramento Crítico e cidadania: um triângulo amoroso bem-sucedido. Revista Línguas & Letras, v. 8, n. 14, p. 79-105. 2007..

Outra forma de o professor atuar como mediador na construção do conhecimento é buscando o equilíbrio entre o currículo e as tecnologias. Para Leffa (1999, p. 21)LEFFA, Vilson José. O ensino de línguas estrangeiras no contexto nacional. Contexturas, APLIESP, v. 4, n. 4, p. 13-24, 1999.,

As novas tecnologias não substituem o professor, mas ampliam seu papel, tornando-o mais importante. A máquina pode ser uma excelente aplicadora de métodos, mas o professor precisa ser mais do que isso. Para usar a máquina com eficiência, ele precisa ser justamente aquilo que a máquina não é, ou seja, crítico, criativo e comprometido com a educação.

Certamente, as tecnologias digitais não podem e nem devem substituir o professor, mas servir de alternativas e meios de tornar seu trabalho em sala de aula mais dinâmico e eficiente e, para tal o professor deve buscar letrar-se digitalmente. Dudeney, Hockly e Pegrum (2016, p. 17)DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. concebem letramento digital como “habilidades individuais e sociais necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito crescente dos canais de comunicação digital”.

Para termos ciência da importância de desenvolver letramento digital no ambiente escolar, Shirky (2010)SHIRKY, C. Does the Internet Make You Smarter? Wall Street Journal, Nova York: 4 jun. 2010. Disponível em: http://www.mmiweb.org.uk/publications/ict/Internet_Smarter.pdf. Acesso em 22 jul. 2021.
http://www.mmiweb.org.uk/publications/ic...
faz uma sábia analogia ao comparar a leitura de livros à leitura no computador. A leitura não é uma habilidade natural. Ao contrário, ela precisa ser aprendida, assim como a escrita. É por isso que “sociedades alfabetizadas se tornam alfabetizadas por investirem recursos extraordinários, todos os anos, treinando crianças para ler. Agora é a nossa vez de descobrir qual a resposta que precisamos para moldar nosso uso de recursos digitais” (SHIRKY, 2010SHIRKY, C. Does the Internet Make You Smarter? Wall Street Journal, Nova York: 4 jun. 2010. Disponível em: http://www.mmiweb.org.uk/publications/ict/Internet_Smarter.pdf. Acesso em 22 jul. 2021.
http://www.mmiweb.org.uk/publications/ic...
, p. 3, tradução nossa2 2 No original: “Literate societies become literate by investing extraordinary resources, every year, training children to read. Now it's our turn to figure out what response we need to shape our use of digital tools” (SHIRKY, 2010, p. 3). ).

A necessidade de criar sociedades letradas perpassa séculos. Martinho Lutero já dizia que a multiplicidade de livros era um grande mal e que não havia limites para aquela febre de escrever (LUTHER, 1857LUTHER, M. The Table Talk of Martin Luther. Londres: H. G. Bohn, 1857.). A diferença é que nossa sociedade agora é multiletrada, cuja relevância pode ser sentida no domínio da linguagem em ambientes digitais e eletrônicos (e.g.: capacidade de fazer uma transação bancária/financeira via plataforma de internet); no conhecimento crítico de acesso à informação (e.g.: capacidade de distinguir falsas informações de informações factuais); na interação pessoal/virtual com culturas diferentes (e.g.: capacidade de comunicar ideias e informações com falantes de língua inglesa como língua adicional), conforme advogam Dudeney, Hockly e Pegrum (2016)DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. 3 3 Dudeney, Hockly e Pegrum (2016) apresentam uma classificação de letramentos digitais em ordem crescente de complexidade com diferentes focos: na linguagem (do letramento impresso ao letramento em codificação); na informação (do caráter classificatório à filtragem); das conexões (pessoal à intercultural); até um remix de todas elas. .

A BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.) trata a questão do letramento de maneira mais ampla, denominando-a multiletramentos, isto porque o mundo digital é multissemiótico e engloba diferentes linguagens, como a verbal, a corporal, a visual e a audiovisual. Para o documento, tal abordagem relaciona-se ao caráter formativo previsto para a língua inglesa que concebe a língua como construção social, na qual “o sujeito interpreta, reinventa os sentidos de modo situado, criando novas formas de identificar e expressar ideias, sentimentos e valores” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016., p. 242).

A partir desses documentos e dos autores mencionados, observamos, então, a grande importância dos recursos tecnológicos e digitais na atualidade, em especial, no ensino-aprendizagem de língua inglesa, que contribui para o letramento crítico e digital tanto de professores quanto de estudantes. Por esse motivo, esta pesquisa se propõe a investigar os impactos do uso desses recursos nas aulas de língua inglesa no primeiro semestre de 2020, bem como as reações dos professores de língua inglesa à situação, conforme delineado na próxima seção.

2. Aspectos Metodológicos

A pesquisa4 4 A pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná sob o Parecer 303284, de junho de 2013. aqui apresentada caracteriza-se por ser qualitativo-interpretativa (DENZIN; LINCOLN, 1998DENZIN, N.; LINCOLN, Y. Collecting and interpreting qualitative materials. Thousand Oaks: Sage Publications, 1998.), uma vez que quer compreender o ensino-aprendizagem de língua inglesa em tempos da pandemia de Covid-19. Teve como objetivo principal investigar como as aulas de inglês foram ministradas e como os professores reagiram às aulas remotas, em caráter emergencial, no primeiro semestre de 2020.

Para a realização da pesquisa, estruturamos e disponibilizamos na internet um questionário por meio do aplicativo de comunicação Google Forms, com onze questões objetivas e discursivas. Primeiramente, o questionário apresentou a opção de registrar o nome e o endereço eletrônico do participante. Na sequência, solicitou informações pessoais e relacionadas à formação acadêmica e, em um terceiro momento, questionou os participantes sobre suas aulas de inglês nas diferentes etapas na sala de aula, os papéis do professor e do estudante, pontos positivos e negativos referentes ao ensino remoto e o legado que o ensino remoto poderia ou não promover. O questionário foi disponibilizado no mês de junho de 2020 e ficou aberto por cerca de quarenta e cinco dias. Para fazer chegar o questionário ao conhecimento dos professores, fizemos convites a partir de nossas listas de e-mails. Vinte e quatro professores de inglês da região sudoeste do Paraná e oeste de Santa Catarina responderam as questões e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes foram nomeados aleatoriamente por duas letras maiúsculas, de forma a preservar suas identidades.

A partir das respostas ao questionário, pudemos traçar o perfil desses participantes de forma mais objetiva. Com relação à formação acadêmica, 54,1% dos participantes possuíam graduação em Letras Português-Inglês; 0,041% possuía graduação em Letras-Inglês; 16,6%, especialização em Letras; e 25% possuíam mestrado em Letras. Já, com relação à experiência profissional, 41,6% deles responderam que atuavam profissionalmente de 1 a 5 anos; 16,6%, de 5 a 10 anos; enquanto que 0,8% tinha experiência de 10 a 15 anos; e 33,3% exerciam a profissão há mais de 15 anos. Dessa forma, foi possível inferir que a maioria dos participantes eram professores jovens. Com relação às escolas nas quais atuavam, 33,3% ministravam aulas de inglês em escolas de idiomas; 29,1% lecionavam em escolas particulares de educação básica; e 37,5% ensinavam em escolas públicas de educação básica.

Com relação ao uso de recursos tecnológicos digitais nas aulas de inglês, todos os participantes afirmaram que já utilizavam alguns recursos em suas aulas de inglês com diferentes objetivos, dentre eles: diversificar e tornar as aulas mais interessantes, promover o interesse dos alunos, acompanhar o desempenho dos alunos (Kahoot), ou mesmo para a realização de atividades (Google Maps).

Para a sistematização dos dados, utilizamos a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016.), entendida como uma forma de análise constituída por um conjunto de procedimentos metodológicos com o objetivo de interpretar e inferir sentido aos dados obtidos. Segundo a autora, a análise constitui-se de três fases: a) a fase de pré-análise; b) a fase de exploração do material; e c) a fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Em nossa pesquisa, na fase de pré-análise, ocorreu o trabalho de compilação e leitura flutuante das respostas do questionário e preparação do material para análise. Na fase de exploração do material, identificamos e separamos o material em três grupos, salvando-os no computador em três pastas de arquivos, a saber: questionários de professores de escolas de idiomas; questionários de professores de escolas particulares de educação básica; e questionários de professores de escolas públicas de educação básica. Na sequência, buscamos codificar o material em temas, que foram, em seguida, categorizados. E, por fim, na fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação, realizamos a análise dos dados à luz de conceitos e pressupostos teóricos relacionados ao objeto de nosso estudo.

Por fim, considerando o caráter ético emancipatório de pesquisas qualitativas (CAMERON et al., 1992CAMERON, D.; FRAZER, E.; HARVEY, P.; RAMPTON, M. B. H.; RICHARDSON, K. Researching Language: Issues of Power and Method. Londres e Nova York: Routledge, 1992.), encaminhamos as análises aos e-mails individuais dos respondentes, solicitando-lhes que se manifestassem sobre nossas interpretações. Dessa forma, procuramos dar a eles mais uma oportunidade de mostrar as suas vozes e incorporá-las no estudo, legitimando o conhecimento construído, bem como a oportunidade de corrigir interpretações não bem formuladas ou desnecessárias em nossas análises. Após alguns dias de nossa solicitação, cerca de 70 % dos participantes responderam nossos e-mails agradecendo o envio das análises e dizendo concordar com elas.

3. Análise e discussão de dados

Esta seção tem como objetivo analisar os dados gerados por meio do questionário sobre como as aulas de inglês foram ministradas e como os professore reagiram ao ensino remoto emergencial no primeiro semestre de 2020. Está estruturada em cinco subseções: “3.1 Panorama geral do uso de recursos tecnológicos antes e durante a pandemia da Covid-19”; “3.2 Análise das respostas de professores de inglês de escolas de idiomas”; “3.3 Análise das respostas de professores de inglês de escolas particulares de educação básica”; “3.4 Análise das respostas de professores de inglês de escolas públicas de educação básica”; e “3.5 Síntese das análises”.

3.1 Panorama geral do uso de recursos tecnológicos antes e durante a pandemia da Covid-19

O Quadro 1, a seguir, sintetiza os recursos tecnológicos e digitais utilizados nas aulas antes da pandemia da Covid-19.

Quadro 1
Recursos tecnológicos e digitais nas aulas de inglês antes da pandemia da Covid-19

Alguns recursos tecnológicos, mostrados no quadro acima, eram utilizados em maior ou menor proporção e frequência pelos participantes. Dois professores afirmaram ter falta de recursos em suas escolas, no entanto um deles, mesmo com essa falta, afirmou que utilizava o laboratório de informática para fazer uso de tecnologias durante as aulas. Também é importante dizer que todos os participantes afirmaram que com o início das medidas de isolamento social, impostas pela pandemia, todas as escolas passaram a trabalhar remotamente, em caráter emergencial, valendo-se obrigatoriamente de plataformas e mídias digitais sem diferenças significativas entre elas, exceto nas escolas públicas do Paraná que passaram a ter as aulas das diferentes disciplinas vídeo-gravadas e exibidas pela televisão. O Quadro 2, abaixo, apresenta um panorama geral dos recursos tecnológicos e digitais usados nas aulas, após o início da pandemia.

Quadro 2
Recursos tecnológicos e digitais nas aulas de inglês após o início da pandemia da Covid-19

Observando o Quadro 2, comparado ao Quadro 1, podemos afirmar que a pandemia gerou grande impacto nas aulas de língua inglesa. De forma geral, constatamos o aumento e a diferenciação de recursos técnicos e tecnológicos digitais utilizados nas aulas, bem como a mudança de função de alguns recursos. Por exemplo, recursos que antes eram usados para tornar as aulas mais atraentes; na pandemia, passaram a ser usados para a apresentação de conteúdos, dar explicações e feedbacks e até mesmo para realizar avaliações. Dessa forma, o ensino remoto emergencial teve como principal característica a mediação pela tecnologia que, por sua vez, se deu pelo “uso de plataformas educacionais ou destinadas para outros fins, abertas para o compartilhamento de conteúdos escolares” (MORAIS et al., 2020MORAIS, I. R. D.; GARCIA, T. C. M.; RÊGO, M. C. F. D.; ZAROS, L. G.; GOMES, A. V. Ensino Remoto Emergencial: orientações básicas para elaboração do plano de aula [recurso eletrônico]. Natal: SEDIS/UFRN, 2020., p. 5).

A seguir, passamos para as análises das respostas discursivas dos professores respondentes dos três diferentes contextos de ensino.

3.2 Análise das respostas de professores de inglês de escolas de idiomas

O percentual de participantes da pesquisa que eram professores em escolas de idiomas correspondeu a 33,3%, ou seja, oito dos professores respondentes do questionário, nomeadamente CS, IZ, AB, JD, PS, TH, AS e MC. De acordo com suas respostas ao questionário elaborado, foi possível perceber que a maioria deles apresentava uma visão otimista/positiva acerca do ensino remoto. Eles citaram que as aulas ocorreram de maneira similar ao ensino presencial, não havendo interferências quanto ao nível de interação entre alunos e professores e que o percentual de uso de língua materna e estrangeira utilizado durante as aulas se manteve, como podemos observar nos comentários a seguir.

Professora IZ: As aulas continuaram normalmente com a interação ao vivo entre professor e turma [...] O percentual de uso da língua materna continua o mesmo, de acordo com os níveis de cada turma.

Professor MC: as aulas acontecem similarmente às aulas presenciais (mesma carga horária, metodologia etc.) [...] e a forma de apresentar os conteúdos não diverge das aulas presenciais. [...] a interação com os alunos não é afetada [...].

Para o professor MC, a forma de apresentar os conteúdos se manteve nas aulas remotas, o que nos leva a deduzir que ele já fazia uso das tecnologias em suas aulas, facilitando a adaptação à nova realidade decorrente da pandemia.

Já com relação à realização de atividades durante as aulas, apesar de algumas adaptações, elas puderam ser mantidas.

Professora IZ : no ensino das crianças foi preciso adaptar alguns momentos das aulas que envolvem trabalhos manuais em sala, colocando novas atividades, além de tentarmos manter o interesse mesmo sentados em frente ao computador.

Considerando que as crianças gostam de usar o computador, a ressalva da professora IZ é pertinente, uma vez que as crianças têm muita energia física e o foco de atenção na realização de atividades formais de aprendizagem é curto (ROCHA, 2007ROCHA, C. H. O ensino de línguas para crianças no contexto educacional brasileiro: breves reflexões e possíveis provisões. D.E.L.T.A. v. 23, n. 2, p. 273-319, 2007. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-44502007000200005.
https://doi.org/10.1590/S0102-4450200700...
). Neste caso, atividades on-line devem ser planejadas com duração de poucos minutos a fim de que as crianças consigam manter o foco de atenção exigido pela atividade e aprender.

Ainda sobre a questão de adaptação, os professores AB, AS e PS afirmaram que, para as aulas remotas serem bem sucedidas, é necessário que o professor adapte as atividades antes realizadas de forma presencial para atividades on-line, por exemplo, “com atividades diferenciadas e mais divertidas” (AB), uma vez que “a interação entre os alunos fica mais difícil” (TH). Já para PS é importante que o professor planeje cuidadosamente suas aulas, visto que para ela: “o on-line depende da minha capacidade em me preparar antes da aula acontecer”. A professora descreve detalhadamente como faz as adaptações permitindo-nos claro entendimento de como as mudanças ocorreram em sua sala de aula.

Professora PS: monto uma apresentação de Power Point com tudo o que vou precisar e irei trabalhar naquela aula. Como temos o livro digital, eu faço “print” da tela do livro e colo na apresentação, passo a passo, creio ser melhor para o aluno visualizar e também me dá a opção de destacar as partes que quero dar ênfase do que simplesmente compartilhar a tela do livro. Incluo perguntas extras, tudo o que quero que eles visualizem e entendam no slide. Como se fosse a aula presencial, porém sem os slides. Em sala de aula presencial, eu trabalhava com grupos em quase todas as atividades, no caso da plataforma Zoom ainda posso fazer, pois há a opção de separar os alunos on-line em grupos de trabalho. É uma estratégia muito boa, os alunos aguardam ansiosos por esse momento da aula. Quanto ao uso do inglês em sala, usamos bastante, os alunos interagem bem, bem como a forma de dar feedback. Em meu caso, damos feedback individualmente para cada aluno, agora no on-line isso também é possível do mesmo jeito em que se fazia em sala. Com a ferramenta de grupos posso deixar a turma realizando uma atividade e, assim, posso “me encontrar” com cada aluno individualmente e repassar o feedback daquele mês.

O relato da professora PS nos possibilita perceber que tanto ela quanto seus estudantes conseguiram se adaptar ao formato das aulas on-line, de forma que todos interagiam e se encontravam motivados para seguir aprendendo. Ela cita as estratégias visuais das quais faz uso, para exemplificar o conteúdo, objetivando sua compreensão e apreensão de maneira mais fácil para os estudantes. É perceptível, em sua descrição, as mudanças ocorridas no novo formato de aulas: antes da pandemia, aulas presenciais com o uso do livro didático digital, porém sem slides; no novo formato, houve a necessidade de criar apresentações em Power Point com destaques para alguns aspectos do conteúdo, intensificando o trabalho de preparação e organização das aulas sobremaneira, além do trabalho de procurar por ferramentas dentro da plataforma utilizada (Zoom) que permitissem uma adaptação ao trabalho que acontecia em sala de aula. Tais fatores apontam para o interesse da professora em fazer seus estudantes aprenderem o novo idioma, bem como de mantê-los motivados para isso. A motivação dos estudantes pelo estudo é fundamental para que a aprendizagem ocorra e, principalmente, durante períodos mais críticos, “deve-se criar condições para que se aprenda com eficiência” (ZOLNIER, 2007ZOLNIER, M. C. A. P. Língua Inglesa: expectativas e crenças de alunos e de uma professora do ensino fundamental. 2007. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007., p. 12). Ademais, a professora PS relatou que o uso da língua inglesa em suas aulas se manteve e que com algumas adaptações foi possível dar feedbacks individualmente aos seus estudantes.

As atividades avaliativas também sofreram mudanças no ensino remoto. Alguns professores substituíram os testes escritos por orais, outros enviaram os testes impressos para que os estudantes realizassem as atividades em casa e, em seguida, entregassem na escola, outros, ainda, ao perceberem que seus alunos tinham dificuldades com a prova escrita, abriram espaço em suas aulas mediando a construção de respostas. O professor JD, relatou que “as avaliações são realizadas com câmeras ligadas: projeto a imagem da avaliação, os alunos a resolvem e fotografam seus resultados, enviando a foto para a correção”.

A partir do exposto sobre as avaliações nas aulas remotas, percebemos que os professores usaram os recursos digitais como ferramentas de interação apenas, mantendo o paradigma da avaliação convencional, cuja característica principal refere-se à avaliação como mensuração por meio de prova de conteúdos estáveis e memorizáveis (DUBOC, 2007DUBOC, A. P. M. A avaliação da aprendizagem de língua inglesa no contexto do letramento crítico. Entretextos, Londrina, v. 7, n. 1, p. 211-228, jan./dez, 2007.). Ademais, o foco é o produto final, deixando de lado a oportunidade de avaliar o processo de aprendizagem e, dessa forma, ressignificar a avaliação por meio do uso de plataformas e mídias digitais. Na perspectiva de letramento digital e, portanto, constitutiva do letramento crítico, a avaliação da língua inglesa deve ser “distribuída, colaborativa, situada e negociada, em concordância com a própria concepção de conhecimento emergente (DUBOC, 2007DUBOC, A. P. M. A avaliação da aprendizagem de língua inglesa no contexto do letramento crítico. Entretextos, Londrina, v. 7, n. 1, p. 211-228, jan./dez, 2007., p.219, grifos da autora), uma vez que

Uma “avaliação distribuída e colaborativa” abarcaria, por exemplo, a possibilidade de alunos e professores compartilharem suas apreciações e deliberações, tornando-as mais públicas e menos verticalizadas, em detrimento dos momentos avaliativos formais no modelo convencional de ensino. Quanto à sua natureza situada e negociada, referimo-nos à priorização do conceito de verdades provisórias e a ideia de validade móvel, a qual passaria a emergir do próprio contexto no qual os sujeitos se inserem.

(DUBOC, 2007DUBOC, A. P. M. A avaliação da aprendizagem de língua inglesa no contexto do letramento crítico. Entretextos, Londrina, v. 7, n. 1, p. 211-228, jan./dez, 2007., p. 219).

Ao mencionar o “contexto no qual os sujeitos se inserem”, a autora parece referir-se ao contexto marcado pelas novas tecnologias de informação no qual a sociedade pós-tipográfica ou pós-moderna que atualmente vivemos (DUBOC, 2015DUBOC, A. P. M. A avaliação da aprendizagem de línguas e os multiletramentos. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 26, n. 63, p. 664-687, set./dez., 2015. DOI: https://doi.org/10.18222/eae.v26i63.3628.
https://doi.org/10.18222/eae.v26i63.3628...
) está inserida, ou seja, a um contexto social no qual as mídias sociais estão presentes na vida das pessoas. Esse novo contexto que prima pela colaboração, negociação e transparência, dentre outros atributos, também requer uma nova postura dos professores diante da avaliação. Um exemplo de atividade que pode servir também de avaliação refere-se à “atividade social” proposta por Liberali (2009)LIBERALI, F. C. Atividade social nas aulas de língua estrangeira. São Paulo: Moderna, 2009.. Baseada na Teoria da Atividade Histórico-Social (ENGESTRÖM, 1999 apudLIBERALI, 2009LIBERALI, F. C. Atividade social nas aulas de língua estrangeira. São Paulo: Moderna, 2009.) a atividade social permite que o professor oriente seus estudantes a realizar colaborativamente uma atividade que “focaliza o estudo das atividades que os sujeitos estão em interação com outros contextos culturais determinados historicamente dependentes” (LIBERALI, 2009LIBERALI, F. C. Atividade social nas aulas de língua estrangeira. São Paulo: Moderna, 2009., p. 12). Essas atividades sociais (e.g.: ir ao cinema, participar de uma entrevista de primeiro emprego etc.) são constituídas por agentes (sujeitos) que percebem suas necessidades e são motivados para um propósito (objeto), o qual é mediado por artefatos (instrumentos), por meio de uma instrução entre indivíduos (comunidade), que se constitui por regras e divisão detrabalho.Dessa maneira o professor, juntamente com seus estudantes, deve planejar e organizar a atividade, preparar materiais, distribuir funções para os pares (quem irá ao cinema, quem pesquisará os filmes que estão em cartaz e conduzirão a decisão por um filme ou outro, quem comprará os ingressos, quem comprará ou venderá pipoca etc.).

Outra questão posta aos professores participantes da pesquisa refere-se ao papel do professor no ensino remoto emergencial. Nessa questão, alguns professores expressaram opiniões favoráveis ao ensino remoto, afirmando que o papel do professor tanto nas aulas presenciais quanto nas aulas remotas é o de mediar a construção de conhecimentos novos, bem como o de proporcionar espaço para “usar e treinar a língua inglesa e aprender nesse processo” (CS) ou “conduzir atividades de conversação, instruí-los aos exercícios” (MC), “mantendo o interesse dos alunos, além de orientá-los no uso dos artefatos tecnológicos (microfones, conexão com a internet etc.)” (IZ).

Concernente ao papel do estudante, os professores apontaram que esses se tornaram mais responsáveis pela busca de conhecimento, uma vez que tomaram maior consciência sobre o processo de aprendizagem. Os professores PS e MC mencionaram:

Professora PS: vejo muito crescimento nos alunos [...] autonomia dos alunos talvez seja um ponto [positivo], [...] o aluno se sente mais responsável por seu aprendizado [...] torna-se mais independente.

Professor MC: agora há mais self-learning.

Vemos que, na opinião dos professores mencionados, a autonomia (self-learning) do estudante tem emergido fortemente com as aulas no formato on-line.

Os professores também foram questionados sobre os pontos positivos e negativos do trabalho remoto, ao que responderam que tanto eles quanto estudantes se sentem impactados negativamente com as mudanças derivadas do ensino on-line. Os professores AS e AB citaram as dificuldades encontradas em decorrência do uso exclusivo da tecnologia para ministrar as aulas.

Professor AS: o trabalho docente aumentou muito [...] pais mandando mensagens de madrugada e querendo respostas instantâneas [...] a interação entre eles [estudante-estudante] fica mais difícil. A vergonha em se expressar é potencializada [...]. Os alunos ficam mais distraídos, não possuem autonomia para realizar as atividades sozinhos e não prestam atenção às aulas.

Professor AB: tenho tentado buscar atividades diferenciadas [...] para fazer com que os alunos interajam mais [...]. As aulas nesse formato são bem cansativas, todos estão cansados [...] não tem sido fácil para eles, o que infelizmente reflete no desempenho [...] por estarem cansados, nem sempre interagem tanto quanto em sala de aula [presencial].

Os professores sentem-se cansados com a sobrecarga de trabalho e com a preocupação com a aprendizagem de seus estudantes e, consequentemente, em proporcionar um ensino eficiente. Já os estudantes parecem estar desmotivados para com o estudo, adotando uma postura de desinteresse durante as aulas que pode afetar a aprendizagem.

A distração dos estudantes nas aulas e a vergonha em se expressar diante de uma câmera de computador na modalidade remota fazem com que retomemos a questão de interação em sala de aula. De maneira geral, a falta de interação física dificulta a percepção dos professores com relação ao desenvolvimento de seus estudantes.

Professora IZ: muitas vezes, percebemos que o aluno tem dúvidas por sua expressão corporal e isso pode se perder no modo remoto.

Professora CS: para mim, a maior desvantagem é a distância física do aluno. Sinto falta de estar perto e demonstrar aos alunos que seu processo de aprendizagem é importante, em estar presente acompanhando seus passos, podendo auxiliar mais facilmente esse desenvolvimento.

Refletindo acerca desse tópico, o professor MC aprofunda suas considerações.

Professor MC: Outro aspecto negativo é a falta de interação pessoal. Ensinar determinados conteúdos pode ser mais fácil utilizando a linguagem corporal ou criando situações, atividades lúdicas e “role-plays” na sala. Essa interação fica limitada nas aulas remotas. Por último, nas aulas presenciais o professor possui uma maior percepção daquilo que está acontecendo em sala. O humor do aluno; se está assimilando determinado conteúdo ou se está confuso, se está realizando as atividades. Desse modo, a aula on-line pode se tornar um produto embalado, mecanizado, sem a naturalidade da interação humana, que é essencial ao se aprender um idioma.

Esse professor deixa clara sua preocupação sobre como a forma virtual pode, em um futuro próximo, afetar negativamente o ensino dependendo de como for conduzido. Sua preocupação principal refere-se a um ensino como “produto embalado, mecanizado, sem a naturalidade da interação humana” (MC). Tal preocupação de MC nos parece pertinente, uma vez que “avança o debate sobre o ensino hibrido para o pós-pandemia, com práticas de substituição de professores por robôs [para correção de exercícios] e turmas lotadas no ensino remoto”, conforme a matéria Ensino híbrido e robotização do ensino: devemos nos alertar? (CUGLER; YUJI, 2021CUGLER, E.; YUJI, C. Ensino híbrido e robotização do ensino, devemos nos alertar? GGN O jornal de todos os Brasis, 2 jun. 2021. Disponível em: https://jornalggn.com.br/destaque-secundario/ensino-hibrido-e-robotizacao-do-ensino-devemos-nos-alertar-por-caio-yuji-e-ergon-cugler/ Acesso em: 8 jul. 2021.
https://jornalggn.com.br/destaque-secund...
). Ademais, o professor MC enfatiza que a naturalidade/espontaneidade provocada pela “interação humana é essencial” na aprendizagem de uma nova língua, como forma de criticar o distanciamento entre interlocutores (professor e estudantes) e língua, que ocorre no ensino on-line.

Além disso, também foram mencionados os problemas técnicos e de distração dos estudantes, em decorrência do formato on-line. Os professores apresentam preocupações com qualidade de ensino, uma vez que não conseguem monitorar as atividades e orientar os estudantes tão bem quanto em sala de aula, em alguns casos com desistências, como podemos ver nas respostas dos professores JD, PS e MC.

Professora JD: não há como monitorar os alunos [...] quando não há resposta do outro lado da tela, não há como saber o que está acontecendo e não há diálogo estabelecido.

Professora PS: os problemas de tecnologia [...] muitas vezes acabam sendo uma ‘desculpa’ para que o aluno não queira mais aprender e desista.

Professor MC: as limitações acontecem, casualmente, devido a problemas técnicos ou falta de postura dos alunos [...] os problemas técnicos podem afetar o planejamento e execução das aulas [...] [como também] frustram os alunos e comprometem sua concentração e assimilação dos conteúdos. Além disso, fora de um ambiente controlado, os alunos acabam se distraindo com atividades domésticas, pessoas passando [...] e o próprio computador/celular.

Podemos perceber, através das respostas elencadas acima, que os problemas ocorrem, em parte, pela falta de contato e de interação presencial com os estudantes. De forma contundente, o professor AS afirma que o ensino “virtual poderia ser um complemento, mas não deveria jamais substituir o presencial”. Por outro lado, diante da pandemia que se alastra por mais de um ano, acometendo milhares de vítimas fatais5 5 Segundo a página do Ministério da Saúde (https://covid.saude.gov.br/), em 6 de março de 2021, o Brasil registrava 224.325 mortes em decorrência da Covid-19. , o ensino remoto tem se mostrado uma alternativa.

É também importante que destaquemos aqui algumas falas dos respondentes de forma a ilustrar alguns dos impactos positivos do ensino remoto.

Professor MC: Os pontos positivos são a possibilidade de usar aparatos tecnológicos com mais facilidade (antes limitados pela constituição física e disponibilidade de equipamentos), assim como ferramentas e conteúdos on-line.

As mídias digitais se tornam, assim, instrumentos lúdicos possibilitando novas formas de interação, gerando novas experiências e expectativas em estudantes e professores, fazendo com que a aula fique mais interessante.

Com relação ao legado da pandemia da Covid-19 no ensino de inglês, os professores de institutos de idiomas abordaram as novas possibilidades de trabalho com as mídias digitais, das quais tomaram conhecimento em decorrência das aulas no formato on-line, como novas possibilidades de interação e comunicação com os estudantes, como, por exemplo, o uso do WhatsApp para tirar dúvidas; a maior interação entre aluno e tecnologia no sentido de praticar o idioma; a exploração de novas atividades e metodologias, além do ensino híbrido (misturando-se aulas on-line e presenciais). O professor MC sumariza esses pensamentos ao dizer que:

Seria mais aberto a utilizar algumas ferramentas digitais em sala e oferecer mais suporte remoto aos alunos. Além de aulas presenciais, propor atividades que usem a interação tecnológica como mídias sociais, afinal o uso do idioma está em toda parte e existem temas e expressões que são exclusivas destes meios.

Analisando as formas como os professores encaram o ensino pós-pandemia e as reflexões que trouxeram em suas respostas sobre sua prática e a forma como as aulas ocorreram, levam-nos a perceber o desenvolvimento dos próprios professores durante esse período. O uso de novas tecnologias e a necessidade de sua adaptação às aulas virtuais foram ferramentas impulsionadoras de novas práticas pedagógicas e/ou formas alternativas de se ensinar e aprender, isto é, de introdução ao letramento digital nas aulas de língua inglesa.

A discussão apresentada até aqui, leva-nos a sistematizar os impactos positivos e negativos percebidos pelos respondentes de escolas de idiomas no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3
Impactos positivos e negativos nas aulas de língua inglesa abordados pelos professores de escolas de idiomas

O Quadro 3 mostra impactos significativos nas aulas de inglês de institutos de idiomas tais como a inserção inevitável dos recursos digitais integrados às aulas de inglês, o letramento digital de alunos e professores, a descoberta de inúmeros aplicativos e plataformas que podem facilitar o contato entre alunos e professores assim como possibilitar a distribuição de materiais de forma otimizada etc. Essas mudanças influenciaram não apenas a forma de disponibilizar e acessar a matéria, mas, por afetar a interação entre professores, alunos e conteúdo, impactou diretamente as estratégias de ensino utilizadas pelos professores, exigindo que se reinventassem para conseguirem alcançar seus alunos mais eficazmente, da mesma forma que exigiu dos alunos mais autonomia e responsabilidade pelo seu próprio aprendizado, uma vez que o professor agora não possui acesso fácil ao aluno para acompanhar de perto seu desenvolvimento.

3.3 Análise das respostas de professores de inglês de escolas particulares de educação básica

Nesta seção, analisamos a visão dos professores de inglês de escolas particulares, cujo percentual de participantes correspondeu a 29,1%, ou seja, sete dos professores respondentes do questionário, nomeadamente, as professoras LR, AS, LC, MR, CM, RA e SC.

As respostas neste grupo com relação à nova forma de ensino e como as aulas de inglês foram ministradas mencionam os recursos e aplicativos tecnológicos utilizados tais como Google Meet, Zoom, Plataforma Sponte, YouTube, jogos on-line, vídeos, Kahoot, Lyricstraining etc. Em geral, as explicações são feitas de forma tradicional, com slides de Power Point para apresentações dos conteúdos, atividades realizadas no livro didático ou aplicativo do livro dos alunos, como o interactive board.

A professora LC nos traz uma forma interessante e proativa de conduzir as atividades.

Professora LC: Os alunos pesquisam os tópicos pedidos pelo professor e durante a aula conectada explicam as pesquisas que fizeram, em inglês, fazendo com que os alunos tenham mais facilidade de estar em contato com a língua inglesa.

Temos, no excerto acima, um exemplo de atividade centrada no aluno (SELWYN, 2011SELWYN, N. Schools and schooling in digital age: a critical analysis. Abingdon: Routledge, 2011.), ou seja, ao passar a responsabilidade de pesquisar tópicos para os estudantes, a professora LC está procurando desenvolver no estudante seu protagonismo social, bem como autonomia e responsabilidade na aprendizagem da língua inglesa, conforme protagonizado na BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.).

Com relação ao percentual de uso de língua inglesa nas aulas, as respostas não são uniformes. A professora AS diz que, em geral, 95% das explicações eram feitas em inglês. As professoras LC e RA mesclaram 50% de português e 50% de inglês para explicações de atividades orais e escritas, ao que RA apresentou uma grande preocupação em usar uma ou outra língua, usando a língua inglesa para atender a aprendizagem dos estudantes e a portuguesa para atender os pais que acompanham seus filhos para fazer as aulas on-line.

Professora RA: Nos vídeos, cumprimento os alunos em inglês e explico o que será estudado naquele capítulo/naquela aula. No decorrer do vídeo, mesclo português e inglês 50 a 50%, principalmente porque minha preocupação é que os alunos tenham contato com a pronúncia correta dos vocábulos, mas que, por outro lado, os pais que não entendem inglês tenham a compreensão suficiente para auxiliar seus filhos/suas filhas.

Já para a professora SC, o predomínio do uso da língua inglesa nas aulas pode prejudicar os estudantes que ainda não apresentam domínio suficiente de compreensão para acompanhar a fala da professora.

Professora SC: não costumo usar a língua inglesa durante as aulas, pois ao mesmo tempo em que alguns alunos sabem MUITO, outros não conhecem quase nada da língua. E on-line é ainda mais difícil de me expressar em inglês, pois não consigo dar a ênfase correta e, o áudio ruim pode ajudar os alunos a não entenderem minha fala.

A preocupação da professora SC nos leva a tratar sobre a importância da interação verbal presencial, da linguagem corporal e facial para a compreensão oral do estudante. Embora, a professora e o estudante estejam frente a frente por meio da tela do computador ou do telefone celular, em comunicação síncrona, ambos estão em contextos sociais diferentes que não permitem sentir a presença do outro ou visualizar o outro por inteiro, bem como ter uma visão panorâmica do ambiente, tornando possível visualizar e perceber manifestações outras que não a fala. Na interação presencial, “todas as manifestações verbais estão, por certo, ligadas aos demais tipos de manifestações e de interação de natureza semiótica, à mímica, à linguagem gestual, aos gestos condicionados etc.” (VOLOCHINOV; BAKHTIN, 1976VOLOCHINOV, V. N.; BAKHTIN, M. M. Discurso na vida e na arte: sobre a poética sociológica. Tradução do inglês de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza, para uso didático, 1976., p. 43).

Ainda com relação à interação presencial professor-estudante na realização de atividades orais, a professora LC afirma:

Professora LC: Não acredito que os alunos aprendam tanto quanto no presencial, pois muitos alunos não participam ou não gostam de falar em frente a outros colegas, durante as aulas presenciais quando acontecia de algum aluno não participar tanto, sempre tentava conversar com eles em particular para estimulá-los a falar em inglês e isso fica difícil durante as aulas on-line pelo fato de que, na maioria das vezes, os alunos não respondem quando pedimos algo a eles no chat. Ou quando chamamos eles durante a chamada on-line, alegam algum problema e acabam não participando.

Como visto, a professora LC aponta a interação presencial como crucial para a aprendizagem, uma vez que os professores conseguem perceber melhor tanto a dificuldade natural dos estudantes para falar a língua que estão aprendendo quanto conhecer as razões que os levam a não participar e, a partir desse conhecimento, motivá-los para a realização das tarefas. Na interação presencial, o professor experiente procura baixar o filtro afetivo do aprendiz (KRASHEN, 1985KRASHEN, S. D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Hoboken: Prentice-Hall International, 1985.), entendido como “um bloqueio mental” que inibe os aprendizes a falarem e a compreenderem a nova língua, por meio de uma postura mais afetuosa e humanizada. Para a professora, essa atitude tem sido mais difícil de ser tomada quando as aulas acontecem remotamente. O relato da professora CM também aponta para a dificuldade de interagir com seus estudantes:

Professora CM: alguns alunos têm participado superbem e outros quase nada [...] alguns têm sido ótimos e participativos e outros me ignoram completamente.

Sobre as avaliações, essas eram realizadas de forma similar à forma que o grupo de professores de escolas de idiomas mencionou, ou seja, por meio de envio de roteiros com atividades para os estudantes resolverem em casa e uso de aplicativos tecnológicos para postagem de atividades. Também as devolutivas eram realizadas de forma on-line, pela maioria das professoras pesquisadas. Diferentemente, a professora RA relatou que em uma turma, nas aulas on-line, usou anonimamente algumas respostas dos alunos às questões abertas, discutindo possibilidades de reescrita com os estudantes. Ao utilizar essa forma de feedback, a professora mostra uma postura menos convencional e mais crítica sobre a avaliação, conforme preconizado por Duboc (2007)DUBOC, A. P. M. A avaliação da aprendizagem de língua inglesa no contexto do letramento crítico. Entretextos, Londrina, v. 7, n. 1, p. 211-228, jan./dez, 2007. e discutido na seção anterior.

No entanto, as opiniões das professoras com relação aos resultados das avaliações e do processo de ensino-aprendizagem como um todo se diferem, como vemos a seguir.

Professora SC: as avaliações tiveram bons resultados [...] as avaliações on-line contam com o livro próximo ao aluno, e ele pode consultar o mesmo em qualquer hora. E, isso não auxilia na aprendizagem, pois eles acabam “colando”.

A professora SC, porém, adverte que apesar do resultado positivo nas avaliações, a aprendizagem pode não ter ocorrido, visto que os estudantes podem ter copiado as respostas do livro texto. Voltando à questão, outras professoras apontam para uma generalização dos resultados das avaliações dos estudantes dedicados ao estudo de forma satisfatória à boa.

Professora LR: os estudantes que se dedicam ao processo de aprendizagem conseguem fixar o conteúdo.

Professora MR: o resultado de quem participou e interagiu foi bom.

Professora AS: o processo de ensino-aprendizagem tem sido satisfatório.

Diretamente relacionado à interação em sala de aula, estão os papeis do professor e do estudante no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa. Concernente ao papel do professor com o uso de mídias digitais no primeiro semestre de 2020, algumas professoras destacaram como esse processo de adaptação para o meio digital influenciou em suas percepções sobre ser professor.

Professora CM: tenho tentado me adaptar a cada semana.

Professora AS: as aulas on-line exigiram maior preparo [...] [mas] abriram a possibilidade do uso de diversas ferramentas que se mostraram excelentes para o auxílio do ensino na disciplina [...] as aulas on-line, bem como a gravação de vídeos tem sido satisfatória para a manutenção do vínculo com os alunos e para o seu desempenho nas aulas de inglês [...] temos inovado no uso de novas ferramentas, o que tem despertado o interesse dos alunos.

Professora LC: tivemos [os professores] que nos adaptar e mudar nosso pensamento quanto à tecnologia. Por conta dela nos redescobrindo como professores e mediadores de conhecimento.

Professora SC: É extremamente difícil dar aula olhando apenas para a câmera e, na maioria das vezes, os alunos não correspondem, então a aula vira um monólogo. O papel do professor, neste momento, é procurar incentivar os alunos a continuarem estudando como era no presencial. Ajudá-los a compreender que não podemos desistir e que a dedicação sempre terá resultado bom. Também, o professor precisa deixar sua aula mais lúdica e de fácil compreensão, pois remotamente a explicação torna-se mais árdua.

Conforme os relatos das professoras CM, AS, SC e LC, as dificuldades apresentadas pela pandemia parecem vir ao encontro da necessidade dos professores refletirem sobre suas práticas pedagógicas, ressignificando-as, ou seja, elas percebem a necessidade de desenvolverem a “fluência digital” necessária para atuar como mediadores na construção do conhecimento de seus estudantes em ambientes virtuais. Nesse sentido, observamos a tomada de consciência desses professores sobre a importância do letramento crítico digital, uma vez que cabe ao professor, por ser o par mais experiente na sala de aula, orientar e motivar seus estudantes para a realização de tarefas por meio do uso de ferramentas tecnológicas de forma ativa, responsável e crítica, conforme preconizam Sampaio e Leite (2001)SAMPAIO, M. N.; LEITE, L. S. Alfabetização Tecnológica do Professor. Petrópolis: Vozes, 2001., Jordão e Fogaça (2007)JORDÃO, C. M.; FOGAÇA, F. C. Ensino de inglês, Letramento Crítico e cidadania: um triângulo amoroso bem-sucedido. Revista Línguas & Letras, v. 8, n. 14, p. 79-105. 2007. e Silva (2014)SILVA, T. T. O uso das novas tecnologias nas aulas de inglês no contexto da escola pública. 2014. Monografia (Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares) – Pró-Reitoria do Ensino Médio, Técnico e Educação a Distância, Universidade Estadual da Paraíba, Guarabira, 2014.. Ademais, conforme a professora SC, cabe também ao professor tornar suas aulas atraentes para que seus estudantes se sintam confortáveis e atentos às explicações e atividades solicitadas, uma vez que a falta de interação humana física, no ambiente virtual, possa ser compensada.

Com relação ao papel do estudante, os professores do grupo de escolas particulares também mencionam que seus estudantes têm se mostrado mais autônomos com relação ao estudo, entretanto, com algumas ressalvas.

Professora CM: Já fiz vídeos, já fiz blogs, já disponibilizei meu número privado, e a cada acontecimento vejo que por mais pensadas que sejam as atividades, existem situações que fogem ao nosso alcance [...] alguns [alunos] têm sido ótimos e participativos e outros me ignoram completamente. Isso resulta em atraso e frustração.

Professora AS: o aluno é protagonista deste processo, de forma que sua participação influencia diretamente nos resultados do processo de ensino-aprendizagem. Nem todos os alunos se sentem confortáveis em participar das aulas on-line, mas grande parte deles tem conseguido superar essa barreira e têm demonstrado iniciativa.

Professora AR: no Ensino Médio, muitos [alunos] assumem as atividades com a autonomia que se requer, mas outros não se motivam a ir atrás [...] e parecem ter grande dificuldade para organizar um plano de estudos extra aulas on-line.

De acordo com os relatos das professoras CM, AS e AR, alguns estudantes demonstraram interesse e fizeram as atividades, cumprindo com suas responsabilidades, enquanto outros não tiveram a mesma autonomia e precisaram da orientação do professor para a realização das tarefas solicitadas. Podemos inferir aqui o forte legado deixado pelo uso de metodologias tradicionais nas aulas de língua inglesa ao longo de mais de meio século, nas quais os estudantes esperam passivamente que o professor repasse o conhecimento. Contrariamente, neste novo contexto multimidiático (BOTELHO; LEFFA, 2009BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123.), o professor precisa se posicionar em um espaço intermediário entre os imperativos externos e internos (SELWYN, 2011SELWYN, N. Schools and schooling in digital age: a critical analysis. Abingdon: Routledge, 2011.). Em outras palavras, o professor deve fazer uso da tecnologia de forma a agregar qualidade ao seu ensino ao mesmo tempo em que, ao manter os estudantes no centro do processo ensino-aprendizagem, motiva-os a desempenhar um papel ativo e crítico, contribuindo para a construção de conhecimento linguístico e intercultural, conforme defendido pela BNCC (BRASIL, 2016).

Em suma, os excertos acima mostram as percepções dos professores sobre o ensino remoto emergencial, concernentes ao trabalho de preparação das aulas e aos papéis dos estudantes, bem como evidenciam sentimentos contraditórios desses estudantes: alguns são apáticos, sentem-se desmotivados, enquanto outros se sentem confortáveis e resilientes, procurando superar as dificuldades encontradas pelo ensino emergencial e “demonstrando iniciativa” na busca pelo conhecimento.

Convergindo com as percepções dos professores de escola de idiomas apresentadas na seção anterior, quando questionados sobre o legado do ensino remoto emergencial, todos os professores de escolas particulares mencionaram que os recursos tecnológicos digitais estarão mais presentes em suas aulas, conforme podemos ver nos excertos abaixo.

Professora LF: acredito que tudo será diferente após a pandemia [...] algumas coisas mudariam nas minhas aulas, a utilização desses aplicativos poderia continuar depois da pandemia. E as plataformas também continuariam sendo usadas para trabalhos e atividades.

Professora CM: além de ser preciso buscar cada vez mais a autonomia dos alunos.

Ainda com relação ao legado pós-pandemia, a professora SC relata suas incertezas e preocupações com relação às consequências que esse período de tempo e essa forma de ensino apresentarão futuramente.

Professora SC: acredito que o ensino remoto pode deixar uma lacuna ENORME no aprendizado dos alunos. Porém, se há dedicação dos alunos é possível que eles consigam absorver o máximo de aprendizado. Acredito que a volta às aulas será extremamente difícil em todas as escolas, confesso que tenho medo de como tudo vai funcionar.

As reflexões expressas pelos professores em resposta aos impactos na educação pós-pandemia dialogam com as dificuldades apresentadas pelos professores com as aulas on-line, ou seja: alguns alunos estão sendo mais autônomos e assumindo suas responsabilidades de estudos, outros não, alguns professores conseguiram se adaptar a essa forma de ensino e outros não, algumas capacidades de linguagem estão sendo melhor trabalhadas que outras.

No Quadro 4, podemos observar os impactos positivos e negativos abordados pelos professores de escolas privadas de educação básica dos níveis ensino fundamental II e ensino médio.

Quadro 4
Impactos positivos e negativos abordados pelos professores de escolas privadas

Dentre os pontos positivos relatados por esses professores, encontramos, em primeiro lugar, o descobrimento das possibilidades de facilidade no que tange ao trabalho com a língua inglesa que as plataformas virtuais e mídias digitais podem proporcionar, pois quase todos os professores mencionaram esse fator como um ponto positivo para o trabalho das competências da linguagem. Além disso, destacaram a praticidade que algumas ferramentas proporcionam e também como essas têm auxiliado no engajamento dos estudantes, tornando as aulas mais agradáveis e dinâmicas. No entanto, os professores participantes deste estudo também apontaram grandes dificuldades enfrentadas no ensino on-line, tais como sobrecarga de trabalho, cansaço dos estudantes e dos professores, defasagem na aprendizagem, falta de acesso à internet etc.

3.4 Análise das respostas de professores de inglês de escolas públicas de educação básica

O percentual dos respondentes que eram professores de escolas públicas de educação básica correspondeu a 37,5%, ou seja, nove dos professores respondentes do questionário, nomeadamente, os professores LJ, EG, SV, DA, LD, TS, RF, PO e TB.

De acordo com suas respostas ao questionário disponibilizado, as experiências dos professores de escolas públicas estaduais e municipais se mostraram muito diferentes dos dois grupos anteriores, devido à geração de diferentes formatos das aulas de todas as disciplinas, dentre elas a de inglês, cujo objetivo foi o de atender a estudantes com acesso à internet, como também aos que não têm esse acesso. A seguir, expomos um excerto bastante explicativo da professora DA, da rede estadual, sobre o formato de suas aulas no primeiro semestre de 2020.

Professora DA: o sistema que a SEED providenciou para que as aulas remotas aconteçam é uma espécie de combo que consiste em: salas de aula no Google Classroom [...], um canal no YouTube chamado Aula Paraná onde ficam alojadas todas as videoaulas. Tais aulas são disponibilizadas diariamente, de acordo com a carga horária de cada disciplina. Para abranger os itens citados, há o aplicativo Escola Paraná [...]. Há também um canal de TV aberta que tenciona atingir os que não têm acesso à internet. As aulas são gravadas por professores da Rede de ensino que se candidataram e passaram por seleção [...]. Cada post das disciplinas contém: uma atividade obrigatória que vale presença (que consiste em um formulário do Google), o link para a videoaula no YouTube e o link do material usado pelo professor para explicar a aula (apresentação de Powerpoint). As atividades enviadas pela SEED, até por volta da metade de junho, eram passíveis de edição pelos professores, agora não mais [...]. Essas não são corrigidas por nós, não temos mais acesso direto aos erros e acertos dos alunos [...]. Sendo assim, temos que acessar o Power Bi para vermos os acertos e erros e depois temos que devolver o resultado aos alunos via grupos de WhatsApp. Desde que as aulas iniciaram nesse formato houve uma redução considerável no número de atividades. Embora haja uma para cada aula, consiste apenas em uma pergunta [...]. Todos os dias e de acordo com o horário da nossa escola, somos obrigados a escrever um recado no mural do Google Classroom para cada turma. Caso o recado não seja escrito, levamos falta [...]. A interação com alunos é mínima.

Os relatos dos professores TB, EG, SV e LD convergiram com o relato da Professora DA. As videoaulas eram administradas via dispositivos tecnológicos (Aula Paraná no canal no YouTube e Google Classroom) para possibilitar o acesso dos estudantes. Essas aulas foram gravadas por professores da rede pública estadual selecionados pela Secretária Estadual de Educação (SEED). Nesse sentido, as aulas não foram mais ministradas pelos professores regentes de turmas, porém as atividades são postadas pelos professores regentes de turmas, mesmo que remotamente. Tudo isso gerou preocupações e descontentamento nos docentes, conforme relatos a seguir:

Professora EG: não tenho certeza de nada sobre o aprendizado.

Professora TB: a escola não oferece os recursos favoráveis para o uso das TI e recursos digitais.

Os outros quatro professores deste grupo, LJ, PO, TS e RF, trabalhavam em áreas periféricas e em contextos rurais e indígenas, nos quais o acesso à internet era bastante limitado. Dessa forma, embora fizessem uso de alguns dispositivos tecnológicos como WhatsApp e telefone celular, majoritariamente as atividades e avaliações eram preparadas de acordo com seus planejamentos e livro didático e disponibilizadas na escola semanalmente. Os estudantes iam até as escolas e recebiam as atividades pelas mãos das pedagogas, levavam as atividades para casa, respondiam-nas e as retornavam para a escola, e assim sucessivamente. Em “casos específicos de alunos com dificuldades”, como diz o professor RF, um encontro de orientação com o professor era agendado na escola.

Todos os professores foram unânimes ao afirmar que o formato de ensino remoto emergencial é bastante limitado e desmotivador tanto para os estudantes quanto para os professores, comprometendo, assim, o ensino e a aprendizagem.

Professor RF: O processo de ensino-aprendizagem neste período se apresenta muito limitado [...], pois uma vez que o canal de intermediação entre saberes é majoritariamente via orientações e intermediação do professor em sala de aula, a não existência desse espaço torna a aprendizagem um processo mais dificultoso para os alunos que não encontram respostas específicas para seus questionamentos no momento da realização das atividades.

Professora TS: Nada supre a necessidade de acompanhar de perto o desenvolvimento de nossos alunos, por distância não temos a real noção disso.

Professora DA: o planejamento feito de acordo com os princípios da BNCC no EF e no EM de acordo com as DCE foi praticamente todo desmantelado. As aulas tratam de gramática. Os gêneros textuais são misturados. Usam textos soltos [...]. Eu não creio que esteja havendo realmente aprendizagem. Há [...] um repasse de conteúdos.

Professora EG: Eles afirmam que estão aprendendo, porém, as dúvidas vão se somando [...] alguns professores têm tido resposta dos e-mails, mas, a maioria não responde.

Professor LD: o processo exige do aluno disciplina e autocontrole. Nossos alunos na escola pública nunca foram treinados para esse tipo de ensino. Uma minoria está conseguindo se sair bem.

Professora PO: muito limitado, ainda mais quando os pais não ajudam.

Como vimos, as dificuldades enfrentadas pelos professores nesse tempo de pandemia, se referem tanto a questões físicas e técnicas como falta de aparato tecnológico e redução de práticas orais nas aulas de língua inglesa, quanto a questões subjetivas e sociais envolvendo dificuldades de aprendizagem, falta de interação professor-estudante, falta de autocontrole dos estudantes e falta de orientação dos pais na realização das tarefas.

Com relação ao papel do professor, via ensino remoto, alguns professores apresentaram uma visão positiva, vendo nesta situação uma oportunidade de se reinventarem.

Professora TS: me encontro em um processo de reavaliar meu papel enquanto professora [...] a tecnologia está em nossas vidas como forma de auxiliar e/ou simplificar algumas atividades. Acho interessante essa oportunidade de todos aprendermos a lidar com essa nova ferramenta e novas formas de explorar o ensino/aprendizagem.

Professora PO: estou inovando e aprendendo maneiras novas de chegar até os alunos.

Professora LJ: pesquiso de maneira mais cuidadosa e ciente dos desafios que professores e alunos compartilham neste momento ímpar.

Professora SM: estou aprendendo a fazer e dando o meu melhor. Passo dia e noite na internet. Estudando, lendo, pesquisando.

Professor RF: os recursos encontrados visam a manter os alunos aprendendo, mesmo dentro das limitações existentes, professores, equipe pedagógica, secretaria da educação, estão todos se adaptando, aprendendo e buscando dar o seu melhor em conjunto para permitirem que o ensino continue acontecendo.

A busca pela ressignificação e reinvenção de práticas pedagógicas essencialmente presenciais para práticas inovadoras mediadas pelo uso de novas tecnologias de informação se faz necessária para a classe dos professores, pois atualmente vivemos no mundo multimidiático (BOTELHO; LEFFA, 2009BOTELHO, G.; LEFFA, V. J. Por um ensino de idiomas mais includente no contexto social atual. In: LIMA, D. C. (Org.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p. 113-123.), mas essas práticas ainda não conseguiram entrar nas salas de aula para mudar a forma de ensinar. Assim, o letramento digital não deve se tornar apenas uma ferramenta para ser usada em aula, mas um caminho de redescoberta dos professores dentro da profissão, contribuindo para sua formação docente. Conforme já mencionado, o letramento digital requer o desenvolvimento tanto de habilidades individuais quanto de habilidades em interação com o outro, ou seja, sociais. Neste caminho, os professores precisam compreender e conduzir o processo que ocorre via canais de comunicação digital, atribuindo-lhe sentido de forma eficaz (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.).

Para outros professores, no entanto, o formato remoto nas aulas de língua inglesa trouxe descontentamento e muita apreensão.

Professora DA: não estou exercendo minha função de professora nessas aulas remotas, estou sendo administradora das minhas turmas monitorando se as atividades estão sendo devolvidas, se não estão, por que não estão, entrando em contato com os alunos para resolver problemas de conexão ou de acesso.

Professora LL: me senti meramente coadjuvante do processo [...]. Não gosto dos agendamentos prévios da SEED e materiais, acredito que cada professor deveria cumprir sua carga horária e produzir o seu material.

Percebemos nos relatos que as professoras se sentem deslocadas de suas funções. Não se sentem mais protagonistas do processo de ensinar, e sim “coadjuvantes” desse processo. Portanto, deslocando-se de suas identidades docentes, uma vez que o que as caracteriza como professoras é o agir docente na interação/embate com seus estudantes em sala de aula, conforme nos diz Scoz (2011, p. 48)SCOZ, B. J. Identidade e subjetividade de professores: sentidos do aprender e do ensinar. Petrópolis: Vozes, 2011., que os professores produzem “sentidos em seus processos de aprender e de ensinar, nos quais se integram suas condições sociais e afetivas, seus pensamentos e emoções”.

Ainda sobre identidade, é sempre importante mencionar que segundo Hall (1996)HALL, S. Modernity: An introduction to modern society. Hoboken: Blackwell Publishing, 1996., a identidade é continuamente re-formulada ou transformada em relação às formas e papéis que o sujeito representa ou exerce para atender aos sistemas culturais que o cercam. Nesse sentido, o novo formato de ensino está até certo ponto transformando a identidade dos professores, como também dos estudantes, uma vez que uma forma diferente de agir docente e discente está sendo deles exigida. Conforme as professoras DA e EG o novo formato é bastante exigente e difícil para os estudantes.

Professora DA: os alunos estão com muitas dificuldades de entendimento. Muitas vezes repassam as respostas uns aos outros, vão à casa de amigos(as) para se ajudarem [...]. Não conseguiram se disciplinar em relação a horários e prazos [...] devem estar enfrentando altos níveis de ansiedade pelo volume de informações que estão sendo submetidos diariamente.

Professor EG: “acuados”. Eles têm vergonha de aparecer na tela, nos meetings, eles tentam chamar a atenção escrevendo coisas absurdas nos formulários, mandam e-mail: teacher, I’m here! (parece apelo).

Como vemos, as dificuldades dos estudantes em se organizar nos estudos e se expressar por meio remoto foram percebidas e mexeram com os sentimentos das professoras. Sem o contato direto com o estudante e o pouco apoio dos pais, conforme mencionado nas seções anteriores, os estudantes parecem se sentir “perdidos”.

Em especial, pelo depoimento da professora DA de que os estudantes “devem estar enfrentando altos níveis de ansiedade pelo volume de informações que estão sendo submetidos diariamente”, podemos inferir que as videoaulas ofertadas pela SEED/Paraná seguem uma abordagem convencional, centrada no professor, tendo como objeto de ensino conteúdos gramaticais, e, dessa forma, contrariando os próprios princípios teóricos observados nas Diretrizes Curriculares Estaduais de Línguas Estrangeiras (PARANÁ, 2008PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Língua Estrangeira. Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental, Curitiba, 2008.). Diante dessa constatação, nos perguntamos sobre as consequências desse formato de ensino no desenvolvimento das capacidades linguísticas e culturais de nossos estudantes.

Outro ponto a destacar, refere-se ao fato de que embora alguns professores que atuavam nas periferias das cidades ou em áreas indígenas tenham encontrado dificuldades com as aulas nesse formato, devido ao acesso restrito dos estudantes à internet, eles entenderam a importância do acesso às mídias digitais para o desenvolvimento do letramento digital dos estudantes.

Professor RF: o acesso aos recursos e atividades no ambiente digital pode avançar na promoção do letramento digital [...] aumentou o contato dos alunos com ambientes virtuais de aprendizagem e com novos gêneros vinculados a essa esfera digital.

Conforme afirma o professor RF, o acesso à internet promove o letramento crítico (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001CERVETTI, G.; PARDALES, M. J.; DAMICO, J. S. A Tale of Differences: Comparing the Traditions, Perspectives, and Educational Goals of Critical Reading and Critical Literacy.Reading On-line, v. 4, n. 9, abr., 2001.), dentre esses o digital, e os multiletramentos (ROJO, 2009ROJO. R.Letramentos múltiplos: escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.) com o contato com novos gêneros de texto, conforme já prescrito na BNCC (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3. ed. Brasília: MEC, 2016.), o uso de novas tecnologias com novas linguagens e modos de interação no ensino-aprendizagem de língua inglesa bem como o trabalho com gêneros digitais como chats, blogs, tweets, memes. Portanto, podemos notar que o ensino de língua inglesa é prescrito por meio de diferentes gêneros de texto (impressos ou digitais) e que se espera que o professor inove na sua metodologia a fim de atender às novas demandas sociais, sem, contudo, deixar de ser presencial, para que haja contato e interações entre todos os envolvidos nesse processo, mas as tecnologias como recursos didáticos e pedagógicos agora devem se tornar mais presentes.

Professora LL: Com certeza a inserção de um ensino híbrido vai acontecer. Acredito que ao voltarmos a ter contato com os estudantes, tudo vai melhorar. Poderemos ensinar de fato (ao vivo) como usar as ferramentas e intervir mais frequentemente. O ensino presencial na educação básica não deixará de existir (e nem pode) nem suprimir sua carga horária. O ensino híbrido deve ser um PLUS para complementar o estudo (não a carga horária).

A seguir, apresentamos o Quadro 5, como síntese das questões discutidas nesta subseção.

Quadro 5
Impactos positivos e negativos abordados pelos professores de escolas públicas

Dentre os aspectos apontados no Quadro 5, destacamos como principais impactos positivos, a promoção do letramento digital para professores e alunos e as reflexões dos professores sobre seu papel. Já com relação aos impactos negativos, destacamos a retirada da autonomia dos professores por parte da SEED, ferindo os sentimentos dos professores com relação ao trabalho docente, como também a incerteza desses professores sobre o aprendizado de seus estudantes.

3.5 Síntese das análises

Em suma, as análises das percepções dos professores de inglês dos três contextos de ensino, nomeadamente escolas de idiomas, escolas regulares de educação básica e escolas públicas de educação básica, apontam que o primeiro semestre de 2020 foi um período marcado por muitas incertezas, apreensões e aprendizagens para os professores de inglês, provocadas pela necessidade de romper abruptamente com o sistema de ensino presencial e de adotar o formato de ensino remoto emergencial, com a utilização de recursos tecnológicos digitais, impactando positiva e negativamente tanto o ensino como a aprendizagem de seus estudantes.

Levando em consideração as mudanças ocorridas durante a pandemia nos campos social, econômico, cultural, político e educacional como um todo, foi necessário que os professores participantes deste estudo, indiferente do contexto de ensino nos quais estavam inseridos, fizessem mudanças em suas aulas de forma a adaptá-las para o sistema remoto com o uso da tecnologia virtual e mídias digitais.

Tendo apresentado a análise e discussão dos dados, passamos para a seção 4, expondo algumas considerações a respeito deste trabalho.

4 Algumas considerações

Retomando o objetivo deste estudo que foi o de investigar como os professores ministraram as aulas de língua inglesa no ensino remoto emergencial, via utilização de plataformas virtuais e mídias digitais, na pandemia causada pela Covid-19, no primeiro semestre de 2020, e observando os resultados referentes aos impactos positivos e negativos evidenciados nos Quadros 3, 4 e 5, consideramos que o uso de novas tecnologias de informação e comunicação nas aulas de língua inglesa requer mais preparo dos professores das diferentes escolas investigadas, contribuindo diretamente para o melhoramento das aulas. Ademais, o legado que o ensino remoto emergencial, imposto pela pandemia, deixa é que as aulas devem permanecer no formato presencial, para que haja contato e interações entre todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, embora as tecnologias como recursos didáticos e pedagógicos se farão mais presentes no período pós-pandêmico.

Neste período em que o mundo todo pensa em como será o “novo normal”, pode-se esperar que haja o que Selwyn e Jandrić (2020, p. 14)SELWYN, N.; JANDRI?, P. Postdigital Living in the Age of Covid-19: Unsettling What We See as Possible. Postdigital Science and Education, v. 2, p. 989-1005, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s42438-020-00166-9.
https://doi.org/10.1007/s42438-020-00166...
chamam de “aceleração de lógicas pré-existentes”, quando práticas que vinham sendo discutidas há anos, como o ensino personalizado, o ensino híbrido, a sala de aula invertida e demais metodologias ativas, se tornam mais rapidamente incorporadas. Afinal, um novo cenário mundial requer atualização e mudanças em tempo recorde em todas as áreas de atuação humana. Na educação, não poderia ser diferente.

Notas

  • 1
  • 2
    No original: “Literate societies become literate by investing extraordinary resources, every year, training children to read. Now it's our turn to figure out what response we need to shape our use of digital tools” (SHIRKY, 2010SHIRKY, C. Does the Internet Make You Smarter? Wall Street Journal, Nova York: 4 jun. 2010. Disponível em: http://www.mmiweb.org.uk/publications/ict/Internet_Smarter.pdf. Acesso em 22 jul. 2021.
    http://www.mmiweb.org.uk/publications/ic...
    , p. 3).
  • 3
    Dudeney, Hockly e Pegrum (2016)DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. apresentam uma classificação de letramentos digitais em ordem crescente de complexidade com diferentes focos: na linguagem (do letramento impresso ao letramento em codificação); na informação (do caráter classificatório à filtragem); das conexões (pessoal à intercultural); até um remix de todas elas.
  • 4
    A pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná sob o Parecer 303284, de junho de 2013.
  • 5
    Segundo a página do Ministério da Saúde (https://covid.saude.gov.br/), em 6 de março de 2021, o Brasil registrava 224.325 mortes em decorrência da Covid-19.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2021
  • Aceito
    16 Jun 2021
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