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ANÁLISE CRÍTICA DE PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS IDEOLÓGICAS MISÓGINAS: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER NA ESFERA JUDICIAL

CRITICAL ANALYSIS OF MISOGYNISTIC IDEOLOGICAL SOCIO-DISCURSIVE PRACTICES: THE INSTITUTIONALIZATION OF GENDER VIOLENCE AGAINST WOMEN IN THE JUDICIAL SPHERE

Resumo

O estudo objetiva compreender de que forma as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, em aspectos fáticos, de uma sentença judicial condenatória, do ano de 2019, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo contribuem para institucionalização da violência de gênero contra a mulher no Sistema Judiciário. Para isso, articulamos aspectos epistemológico-jurídicos, empírico-sociais e teórico-linguísticos nos quais a Análise do Discurso Crítica surge como recurso teórico-metodológico estratégico dos saberes interdisciplinares em Fairclough (2016); Van Dijk (2015) e Thompson (2011) que, dirigido à formulação das categorias de análise, possibilitou detectar as marcas patriarcais de cunho ideológico e misógino presentes na construção discursiva do Poder Judiciário. Ainda, que tais discursos produzidos em contexto de manipulação e abuso de poder incidem, de forma legitimada, na propagação da violência de gênero contra a mulher.

Palavras-chave
Decisão Judicial; Análise Crítica do Discurso; Violência de Gênero; Ideologia; Feminismo

Abstract

The study aims to understand how the misogynist ideological socio-discursive practices, in factual aspects, of a 2019 conviction by the São Paulo State Court of Justice contribute to the institutionalization of gender violence against women in Brazil. Judiciary System. For this, we articulate epistemological-legal, empirical-social, and theoretical-linguistic aspects in which Critical Discourse Analysis emerges as a strategic theoretical-methodological resource of interdisciplinary knowledge in Fairclough (2016); Van Dijk (2015) and Thompson (2011), which, aimed at formulating the categories of analysis, made it possible to detect the patriarchal marks of a misogynistic ideological nature present in the discursive construction of the Judiciary. Also, such discourses produced in the context of manipulation and abuse of power legitimately affect the spread of gender violence against women.

Keywords
Judicial Decision; Critical Discourse Analysis; Gender Violence; Ideology; Feminism

Introdução

O presente artigo visa compreender de que forma práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, “in caso”, em uma sentença judicial proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de 2019, podem contribuir para legitimação e institucionalização da violência de gênero contra a mulher, pelo Sistema Judiciário.

Dito isso, partimos da ideia de que, considerando seus efeitos ideológicos, as práticas discursivas podem ajudar a produzir e reproduzir relações desiguais de poder, tais como entre mulheres e homens, grupos subalternizados e minorias, por meio da forma como representam as coisas e posicionam as pessoas. Assim sendo, Wodak (2002)WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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alerta que o discurso como prática social é socialmente constitutivo, no sentido de que ajuda a sustentar e reproduzir a posição social, assim como contribui para a sua transformação, tendo em vista que constitui e molda situações, identidades sociais e relações entre pessoas, assim como é socialmente condicionado por situações, instituições e estruturas sociais que a enquadram, dando origem a importantes questões de poder.

Nesse sentido, a linguagem constitui um meio de dominação e força social que serve para legitimar as relações de poder, o que na sentença em análise pode ser observado, levando e consideração o espaço institucional em que foi produzida, além do contexto social em que emerge uma cultura machista em que se evidenciam desigualdades entre homens e mulheres. Sendo assim, conforme Wodak (2002)WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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, considerando as variáveis sociológicas, as noções de ideologia, poder, hierarquia e gênero são relevantes para a interpretação de textos, nos quais estão os diferentes discursos institucionais.

Assim, Bardin (2021, p. 16)BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edição revista e actualizada. Lisboa -Portugal: EDIÇÕES 70, 2021. afirma que “por detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar”. Por isso, neste trabalho, a fim de desenvolver uma da Análise Discursiva Textualmente Orientada (ADTO), utilizamos a categoria analítica Ideologia, o que conforme o pensamento de Thompson (2011, p. 16)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., refere-se às maneiras como o sentido (significado), em circunstâncias particulares, serve para estabelecer e sustentar relações de poder sistematicamente assimétricas, isto é, relações de dominação que, amplamente, estão ideologicamente a serviço do poder.

De acordo com Thompson, ideologias se referem a formas e processos sociais dentro e por meio dos quais formas simbólicas circulam socialmente. Em relação à noção de poder, vale destacar que se vincula a relações de diferença e, particularmente, com seus efeitos nas estruturas sociais, a partir do uso da linguagem que se entrelaça no poder social de diversas formas. Por isso, frequentemente, os textos constituem locais de lutas, enquanto que mostram vestígios de diferentes discursos e ideologias, todos lutando pelo seu domínio (WODAK, 2002WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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).

Com isso, a partir do referencial teórico-metodológico, mais especificamente, por meio da Análise do Discurso Crítica (ADC) aplicada à sentença condenatória, analisaremos a decisão judicial a fim de: (1) Identificar as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas em aspectos fáticos de uma sentença judicial condenatória, do ano de 2019, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; (2) Analisar de que forma as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, em aspectos fáticos, contribuem para a institucionalização da violência de gênero conta a mulher no Sistema Judiciário; (3) Verificar como as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, em aspectos fáticos, colaboram para a reprodução, manutenção e transformação de discursos institucionalizados.

Dito isso, ressaltamos que a ADC concebe a linguagem como prática social que surge da relação dialética entre um evento discursivo particular e as situações, instituições e estruturas sociais em que estão inseridas, ou seja, considera essencial o contexto de uso da linguagem em que está inserido o discurso, tanto na fala, quanto na escrita (WODAK, 2002WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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).

Quanto à identificação do objeto de análise, destacamos que o estudo de caso se associa à fundamentação de cunho ideológico contida na sentença judicial, nº. 1020336-41.2019.8.26.0196, da Comarca de Franca, 3ª Vara Cível de Franca do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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).

Além disso, a análise se justifica pelo fato de as decisões judiciais autênticas conterem expressões referenciais sem que haja uma reflexão teórico-metodológica, por parte dos operadores do Direito (CANUTO; COLARES, 2017CANUTO, Sheyla; COLARES, Virgínia. A representação da mulher no sistema jurídico penal. Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 72-88., p. 2).

No que diz respeito ao objeto de análise, trata-se do estudo do caso que ganhou repercussão nacional, após ter sido proferida uma decisão que julgou improcedente os pedidos da petição inicial, em favor da absolvição do médico Matheus Gabriel Braia, em primeira instância, contra a qual foi interposto um Recurso de Apelação, por parte do Ministério Público, em cujo Acórdão, desembargadores concluíram que, mediante o tom de brincadeira, não houve ofensa grave às mulheres, mantendo a absolvição de médico.

Vale destacar que, até o momento, o caso está em andamento, não tendo sido proferida sentença transitada em julgado.

Destacamos que a análise centra-se no campo interdisciplinar do Direito e da Linguística Aplicada, com o propósito de incidir no processo de continuidade e de ruptura dos valores tradicionais que permeiam a concepção de gênero e de violência contra a mulher na esfera do Poder Judiciário. Além disso, contribui para a efetivação e ampliação do discurso feminista visionário, de quebras de paradigmas e de modos de pensar e agir para além nos espaços restritos à elite culta.

Acerca do trabalho interdisciplinar, Wodak (2002)WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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destaca sua importância, a fim de que se compreenda, adequadamente, como a linguagem funciona na constituição e transmissão do conhecimento, na organização de instituições sociais, ou no exercício do poder.

Para tanto, partimos da concepção de linguagem como prática social discursiva de Fairclough (2016)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. 2. ed. Brasília: editora Universidade de Brasília, 2016., pois apresenta a dimensão crítica do olhar sobre a linguagem em comum com a Teoria Social do Discurso, tendo em vista que esta “se propõe a examinar em profundidade o papel da linguagem na reprodução das práticas sociais e das ideologias” com papel fundamental na transformação social (FAIRCLOUGH, 2016FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. 2. ed. Brasília: editora Universidade de Brasília, 2016., p. 11).

Destacamos que, na contemporaneidade, a dominação racional-legal, complexa e dissimulada, representa a normalidade de exercício do mando político, que se impõe à organização do Estado. Isto ocorre em conforme a formatação juridicista, racionalmente rascunhada e mediante leis escritas nas quais a estrutura jurídica das relações sociais representa um dos mecanismos mais eficientes de ocultação do real exercício do poder nas instâncias jurídicas que o detêm (COELHO, 2019COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 5 ed., Curitiba: Bonjuris, 2019., p. 112).

Por isso, compreendemos que, para além da análise das relações de poder e de dominação, é necessário o estudo das funções encobridoras das ideologias. Logo, à luz do pensamento de Thompson (2011)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., articulamos os contributos da Análise do Discurso Crítica (ADC), que se apresenta como ponto central e recurso estratégico para avaliação das construções discursivas de violência contra a mulher no âmbito do Direito.

Para Wodak (2002)WODAK, Ruth. Aspects of Critical Discourse Analysis. ZfAL 36, 2002. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdocdownload?doi=10.1.1.121.1792&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
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, a ADC referente a uma abordagem linguística crítica dos estudiosos que consideram o texto como unidade discursiva básica da comunicação, com interesse particular na relação entre linguagem e poder. Nessa perspectiva, o termo crítico, em sentido amplo, denota a ligação prática do engajamento social e político com a construção sociologicamente informada da sociedade, embora reconhecendo que, em assuntos humanos, as interconexões e as cadeias de causa e efeito podem ser distortas fora da visão.

Dito isso, partimos dos seguintes questionamentos: (1) Quais as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, presentes em aspectos fáticos, de uma sentença judicial condenatória, do ano de 2019, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo? (2) De que forma as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, em aspectos fáticos, contribuem para a institucionalização da violência de gênero conta a mulher no Sistema Judiciário? (3) Como as práticas sociodiscursivas ideológicas misóginas, em aspectos fáticos, colaboram para a reprodução, manutenção e transformação de discursos institucionalizados?

Este estudo apresenta dois tópicos estruturantes: (1) Feminismo: subversão cultural e busca por direitos, em que discutimos, de maneira sucinta, sobre a dimensão histórica do movimento feminista e sobre aspectos, marcadamente circunscritos à sociedade brasileira, relacionados ao Poder, à Cultura do Estupro e à Violência de Gênero; e (2) Dominação e ideologia do discurso judicial: aspectos fáticos e crítico-discursivo, em que apresentamos a dimensão fática do caso escolhido e realizamos uma análise crítica da decisão judicial com ênfase nos modos de operação da ideologia.

Diante disso, destaca-se a relevância social e acadêmica deste estudo, tendo em vista que a academia tem o desafio de tensionar e desvelar esses esquemas de exclusão, além de se responsabilizar eticamente com o sujeito, a fim de intervir na realidade concreta. Dito isso, a ADC, assim como as teorias críticas, servem como guias para a ação humana, tendo em vista buscarem produzir tanto o esclarecimento quanto a emancipação, buscando não apenas descrever e explicar, mas também despertar um posicionamento crítico e erradicar um tipo particular de ilusão.

Ademais, o posicionamento ético em relação ao sujeito assume um caráter de (re)conhecimento do sujeito e responsabilidade em relação a ele, como possibilidade de transformação de uma realidade que o nega. De tal modo, ao invés de assumir uma postura fixa ante a realidade histórica, dá-se lugar à capacidade de perceber a si mesmo, assim como a realidade para poder transformá-la (FREIRE, 2017aFREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017a., p. 21; FREIRE, 2017bFREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017b., p. 101-106).

Por isso, para a ADC a linguagem não é poderosa por si só, mas ganha poder por meio do uso que as pessoas poderosas fazem dela, justificando a análise crítica do uso da linguagem por parte de quem está no poder, os quais são responsáveis pela existência das desigualdades, além de terem os meios e a oportunidade de melhorar as condições de vida dos grupos oprimidos.

Em suma, mediante a importância do sistema judicial na vida dos cidadãos, o estudo contribui para revelar possíveis particularidades que permeiam o discurso jurídico, às escondidas, sob uma pretensa objetividade discursiva.

1. Feminismo: subversão cultural e busca por direitos

Com seus avanços e conquistas, a revolução cultural empreendida pelo feminismo mudou a nossa forma de ver e de nos relacionarmos com o mundo na contemporaneidade. No entanto, as conquistas são constantemente ameaçadas, pois a imposição do papel social a ser desempenhado pela mulher pautado no viés de gênero contribui para a sua estagnação profissional, para a formulação de crenças errôneas sobre o movimento feminista e atribui o aumento da violência doméstica contra a mulher ao pensamento feminista.

Para Hooks (2019)HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. Trad. Rainer Patriota. Apresentação de Cláudia Pons Cardoso. São Paulo: Perspectiva, 2019., as inúmeras críticas ao movimento feminista desaguam na convocação a um retorno aos papéis de gênero definidos em termos sexistas e colocam em risco os ganhos e a contínua luta feminista por um mundo no qual a liberdade e a justiça prevaleçam; um mundo sem dominação (HOOKS, 2019HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. Trad. Rainer Patriota. Apresentação de Cláudia Pons Cardoso. São Paulo: Perspectiva, 2019., p. 20-21).

A partir desse viés, destaca-se que a violência de gênero contra a mulher produz e mantém institucionalmente uma cultura do estupro por meio de um sistema ideológico machista e sexista que torna necessário o desenvolvimento de mecanismos sociodiscursivos capazes de enfrentar e transformar essa realidade opressora.

1.1 O feminismo e a busca por igualdade de gênero

Numa breve revisão crítica dos acontecimentos, guiadas pela luta dos direitos civis na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos da América até o século XIX, as mulheres tomaram consciência da exploração e opressão a que estavam sendo submetidas e foram sendo gradativamente levadas à subversão (COSTA; SARDENBERG, 2008COSTA, Ana Alice Alcantara.; SARDENBERG, Cecilia Maria B.. O feminismo no Brasil: uma (breve) retrospectiva. In: COSTA, Ana Alice Alcantara; SARDENBERG, Cecilia Maria B. (orgs.). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas. Salvador: UFBA/Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 2008.).

A primeira onda da luta pelos direitos das mulheres, mais adiante chamado de movimento feminista, teve início por volta de 1840 com o fervor pela conquista do voto feminino e o ingresso da mulher no mercado de trabalho. A segunda onda começou no final da década de 1960, nos Estados Unidos da América e se espalhou pelo mundo ocidental, foi apontada como uma rebelião coletiva que ficou conhecida como “libertação das mulheres”. Posteriormente, desdobrou-se no movimento feminista que, na contemporaneidade, é considerado umas das mais poderosas frentes de luta por justiça social contra o sexismo (DAVIS, 2017DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. Organização de Frank Barat. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 17).

Em observação a esse conciso percurso histórico, é importante afirmar que as reformas liberais promoveram mudanças positivas na vida das mulheres, o que não pode ser confuso, contudo, com a erradicação do sistema de dominação (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 51).

A partir desse contexto, em sua base, o feminismo caracteriza-se como um movimento plural e um constante processo de ações coletivas que buscam, por meio de crítica e denúncia das injustiças existentes na sociedade patriarcal, operar a emancipação política e a conquista de direitos que resultam no empoderamento das mulheres.

Nesse sentido, um dos aspectos mais afirmativos do movimento feminista são a formação de um ambiente intelectual pautado em trocas dialéticas e críticas, o que é fundamental para qualquer política de transformação. Com efeito, assim como as vidas estão sempre mudando, a teoria feminista deve permanecer fluída, aberta e permeável ao novo, o que a leva a ser considerada por muitos como “provocativa” e “desconcertante” (HOOKS, 2019HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. Trad. Rainer Patriota. Apresentação de Cláudia Pons Cardoso. São Paulo: Perspectiva, 2019., p. 18-19).

Desse modo, a partir de um discernimento acerca das estruturas sociais em geral e das relações de poder, poderemos examinar os abusos, a fim de entendermos como o poder é distribuído desigualmente em nossa sociedade (VAN DIJK, 2012VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. Org. Hoffnagel, Judith e Falcone, Karina. Trad. Judith Hoffnagel e Karina Falcone, 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2012., p. 27). Isso será feito com base na Análise Crítica do Discurso (doravante ADC), como uma perspectiva atual para a abordagem dos temas relacionados a problemas sociais, o que “permite introduzir uma forma aberta e explícita à dimensão política, quer na definição e interpretação dos fenômenos estudados, quer na forma como são abordados” (NOGUEIRA, 2001NOGUEIRA, Conceição. Um novo olhar sobre as relações sociais de gênero: feminismo e perspectivas críticas na psicologia social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001., p. 89).

1.2 Poder, cultura do estupro e violência de gênero

Ainda pouco utilizada no Direito, a expressão “cultura do estupro”, conforme Sousa (2017, p. 984)SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. In: Revista Estudos Feministas [online], vol. 25, n. 1, 2017, p. 09-29. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2017000100009&lng=en&nrm=iso. Acesso: 25 ago. 2020.
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, tem sido explorada no ativismo feminista para referir-se a um conjunto de comportamentos e ações que toleram o estupro praticado contra mulheres em nossa sociedade, ou seja, violências simbólicas que viabilizam legitimação, tolerância e estímulo à violência sexual.

No início da década de 1970, o movimento antiestupro refutou a ideia de que a vítima de estupro é moralmente responsável pela prática do crime. Tal pensamento se sustentava no mito generalizado de que, se a mulher não apresenta resistência, está implicitamente pedindo que seu corpo seja violado. Argumentava-se que as mulheres conseguiam controlar se seus corpos seriam ou não violados durante o ato de violência (DAVIS, 2017, p. 44DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. Organização de Frank Barat. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Sobre isso, Sousa (2017)SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. In: Revista Estudos Feministas [online], vol. 25, n. 1, 2017, p. 09-29. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2017000100009&lng=en&nrm=iso. Acesso: 25 ago. 2020.
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contrapõe que “haveria uma cultura do estupro porque a sociedade estimula e encoraja, ao ensinar homens e mulheres, natural e normal uma relação sexual envolver comportamento agressivo dos homens” (SOUSA, 2017SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. In: Revista Estudos Feministas [online], vol. 25, n. 1, 2017, p. 09-29. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2017000100009&lng=en&nrm=iso. Acesso: 25 ago. 2020.
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, p. 984).

Para Davis (2017)DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. Organização de Frank Barat. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2017., “o estupro tem relação direta com todas as estruturas de poder existentes em determinada sociedade”. Logo, essa relação não é simplista, pois envolve construções complexas que refletem a opressão de raça, gênero e classe. Devemos, assim, compreender a violência sexual como sendo mediada pela violência e poder raciais, classistas e governamentais, para podermos desenvolver estratégias que permitam expurgar da sociedade a violência misógina opressiva (DAVIS, 2017DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. Organização de Frank Barat. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 49).

Vale ressaltar que o discurso como prática ideológica faz com que as ideologias embutidas nas práticas discursivas sejam muito eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem a posição de ‘senso comum’. Sendo assim, a luta por ‘transformação’ aponta o embate ideológico como dimensão da prática discursiva, a fim de que sejam remoldadas, no contexto da reestruturação ou da transformação das relações de dominação e poder (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 117).

Além disso, para haver pluralidade democrática, é necessária a garantia de um espaço livre da violência e do constrangimento sistemático à autonomia de parte dos indivíduos, assim como das desigualdades que acentuam a efetivação da autoridade de alguns e a vulnerabilidade de outros. Entretanto, para Miguel; Biroli (2014, p. 46-50)MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., a justiça-liberal não tem conseguido assimilar valores e perspectivas morais que caracterizariam a visão das mulheres; somente a vivência específica nas relações sociais lhes daria essa experiência, focada nas interconexões e reconhecida como “a linguagem do discurso moral das mulheres”.

De tal modo, a ADC apresenta-se como um espaço crítico cujo objetivo é identificar, discursivamente, os problemas que, por conta de formas particulares da vida social, as pessoas enfrentam, a fim de desenvolver recursos para que elas possam superá-los (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 185).

Diante desse panorama, a prática social, onde está inserida a sentença judicial que será analisada, confirma a ideia de que o aparato estatal incorpora o ponto de vista masculino, constituindo a ordem social, por meio de normas, formas, relação com a sociedade e políticas subversivas legitimadoras.

2. Ideologia no discurso judicial e dominação: aspectos fáticos e crítico-discursivos

No Brasil, a função normatizadora do discurso jurídico busca a manutenção de práticas opressoras que submetem algumas mulheres, em que uma “justificativa biológica”, ou um processo ideológico de naturalização/objetificação tem potencial para legitimar diferenças de poder supostamente naturais/essenciais entre “mulheres” e “homens” e faz com que os homens tenham poder sobre os corpos das mulheres, por meio da legitimação do estupro ou da violência de gênero -como no caso em estudo (VIEIRA, 2019VIEIRA, Viviane Cristina. Perspectivas Decoloniais Feministas do discurso na Pesquisa sobre Educação e Gênero-Sexualidade. In: RESENDE, Viviane de Melo. (Org.) Decolonizar os estudos críticos do discurso. Campinas, SP, Editora: Pontes, 2019., p. 95).

Acerca de aspectos fáticos, o episódio que resultou no processo judicial ocorreu em 4 de fevereiro de 2019, dia em que foi realizado um “trote universitário” com intuito de constranger as calouras, que deveriam repetir frases previamente formuladas, assumindo o “compromisso” de submissão ao comando do médico recém-formado Matheus Gabriel Braia:

Eu prometo nunca entregar meu corpo a nenhum invejoso, burro, frouxa, filho da puta da Odonto ou da FACEF (Centro Universitário de Franca). Repudio totalmente qualquer tentativa deles se aproveitarem e me reservo totalmente à vontade dos meus veteranos e prometo sempre atender aos seus desejos sexuais. Compreendo que namoro não combina com faculdade e a partir de hoje sou solteira, estou à disposição dos meus veteranos. (...) Juro solenemente nunca recusar a uma tentativa de coito de veterano (inaudível...) mesmo que ele cheire cecê (sic) vencido e elas, a perfume barato (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 4).

Conforme apurado no inquérito civil que embasou a petição inicial da ação, Matheus Braia, por ser ex-aluno da UNIFRAN e ex-integrante da Atlética do curso de Medicina da mesma instituição, foi convidado a participar e comandar o trote. Todavia, a repercussão do caso gerou polêmica nacional pelo seu caráter marcadamente machista, sexista e pornográfico, o que levou o Ministério Público de São Paulo (MPSP) a ajuizar uma ação civil pública, em face dos atos de Matheus Gabriel Braia, postulando a condenação por dano moral coletivo na quantia de 40 salários mínimos, bem como o pagamento de “indenização por dano social”, uma vez que se propagou discriminação e a violência abalando, a tranquilidade e a segurança social (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 1).

Ratificamos que o processo encontra-se em andamento, não tendo sido proferida sentença transitada em julgado. Ao passo que, em 16 de setembro de 2021, foi publicado a Acórdão referente a um Recurso de Apelação interposto contra a sentença de fls. 1175/1184, que julgou improcedente os pedidos da petição inicial, cuja parte autora, ora apelante, sustenta, em síntese: (i) que a sentença deve ser anulada por cerceamento do direito de produção de provas, tendo em vista que não foi dada a oportunidade para a oitiva das testemunhas arroladas; (ii) que, embora os autos tenham sido instruídos com provas colhidas no inquérito civil, foi violado o devido processo legal, por falta de fundamentação do julgado; assim como parcialidade do Juízo “a quo” e, (iii) no mérito, pleiteia a procedência nos termos da inicial, ante a existência de dano moral coletivo e dano social, por conta do juramento entoado pela parte ré, em trote universitário, de conteúdo ofensivo às calouras, às alunas de outros cursos e outras instituições de ensino e a todas as mulheres coletivamente.

Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a absolvição do médico Matheus Gabriel Braia, proferida em sentença na primeira instância pela juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, da 3ª Vara Cível de Franca (SP), que julgou a ação improcedente, por meio do já referido acórdão, dado em resposta a um recurso do Ministério Público, onde a maioria dos desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado do TJ entendem que, apesar do conteúdo machista, não houve dano moral coletivo nem ofensa séria diante da participação voluntária dos calouros e do tom de brincadeira dos dizeres.

Antes de apresentarmos, efetivamente, a análise ideológica da sentença judicial, destaca-se que, em sua abordagem tridimensional do discurso, Fairclough (2008, p. 95)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão). apresenta três conceitos essenciais que devem ser considerados para a compreensão do referencial teórico-linguístico utilizado no presente estudo: i) estruturas sociais, ou seja, “entidades sociais” que neste estudo representam a justiça, as classes sociais e a própria linguagem; ii) práticas sociais - articulações de elementos sociais relacionados a áreas específicas como o Judiciário; e iii) eventos sociais - o fazer concreto dos agentes sociais, materializados em forma de textos - no caso, a decisão judicial.

2.1 Modos de operação da ideologia na sentença judicial analisada

Thompson (2011)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011. sustenta o conceito de ideologia como útil e importante, não podendo ser tão facilmente afastado de seu sentido negativo, mas tomado como um aspecto que deve ser retido e desenvolvido criativamente, pautado na concepção crítica da ideologia e se relacionado aos problemas de sentido (significado) e poder (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 15-16).

Em sua proposta, o autor apresenta cinco modos de operação não exaustiva da ideologia - legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação, suas estratégias típicas de operação ideológica de construção simbólica e esclarece que tais modos não são as únicas formas de operacionalização da ideologia (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 9).

Segundo Thompson (2011)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., nenhuma estratégia é essencialmente ideológica; para isso, depende de como a forma simbólica, construída por meio dela, é usada e entendida em circunstâncias particulares e do fato de servir para manter ou subverter, estabelecer ou minar relações de dominação. Ao serem examinadas, as estratégias típicas de construção simbólica podem alertar para algumas formas de como o sentido do mundo social tem sido mobilizado consonante a operação da ideologia (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 82). No que se segue, analisaremos os modos de operação da ideologia (Quadro 1), conforme são mobilizados na sentença judicial em estudo.

Quadro 1
Modos de Operação Ideológica.

Comecemos pela LEGITIMAÇÃO, a qual estabelece e sustenta as relações de dominação como dignas de aceitação. As formas de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas como justas e de apoio. Já a representação de dominação pode ser vista como uma exigência de legitimação, baseada em fundamentos e expressa em certas formas simbólicas relativamente efetivas (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 82).

Nesse sentido, para além de defender a “herança cultural de trotes em nossas universidades”, a juíza estrutura uma argumentação onde referiu-se a diversos autores e obras, o que pode ser entendido como uma estratégia de legitimação, conforme o seguinte trecho:

É pública e notória a prática, nas universidades, de recepção aos recém-aprovados, marcada por festas e comemorações, que muitas vezes ferem o bom senso e a moral, como no caso em questão. Apesar de vulgar e imoral, o discurso do requerido não causou ofensa à alegada coletividade das mulheres, a ensejar a pretendida indenização (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 4).

Notamos que a operação ideológica “legitimação” se caracteriza pela validação de certo fundamento, sendo suas principais formas estratégicas de atuação a racionalização e a universalização. Nesse sentido, a juíza utiliza-se das três estratégias típicas de construção simbólicas apontadas por Thompson (2011)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011.: a racionalização, a universalização e a narrativização.

Quanto à racionalização, trata-se de uma estratégia peculiar, onde a forma simbólica é construída por meio de uma cadeia de raciocínio, a fim de defender ou justificar um conjunto de relações e persuadir uma audiência de que tal argumento é digno de apoio. Além disso, consideramos que o objetivo da magistrada consiste em desqualificar e deslegitimar a luta feminista por meio do uso de outros textos, marcados ou sugeridos por traços na sua superfície (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 82).

Por conseguinte, quanto à universalização, trata-se de uma estratégia por meio do qual os acordos institucionais servem aos interesses individuais, como se servissem aos interesses de todos (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 83). Tal constatação pode ser percebida quando a magistrada afirma que “o consentimento de todos os participantes do evento e o ânimo de brincadeira afastam a ilicitude civil e penal, no caso concreto” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 2).

Por fim, a estratégia da narrativização recorre ao passado, a tradições para legitimar crenças, identidades e situa o presente como parte de uma tradição eterna e aceitável. Muitas vezes, inventa-se a história, a fim de criar um sentido que pertença a uma comunidade e transcenda ao conflito, à diferença, à divisão. Ademais, serve para justificar o exercício de poder por parte de quem o possui e, diante dos outros, que eles não têm poder (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 83).

Desse modo, constata-se que, no decorrer do texto da sentença, a juíza faz uso constante da estratégia da narrativização, pois retoma e reconta os acontecimentos que deram causa à denúncia, desenvolvendo uma linha de raciocínio com base na recontextualização, para legitimar, credibilizar e justificar as ações do acusado.

Notamos que outro modo de operação ideológica também utilizada pela juíza na construção de sua decisão diz respeito à DISSIMULAÇÃO. Como modus operandi da ideologia, essa estratégia faz com que as relações de dominação possam ser ocultadas, negadas ou obscurecidas, para serem estabelecidas e sustentadas, por meio do desvio de nossa atenção ou por passarem por cima de processos existentes. Além disso, pode ser expressa por meio de formas simbólicas ou estratégias - como o deslocamento de determinado objeto ou pessoa para se referir a outro, fazendo com que as conotações positivas e/ou negativas sejam transferidas de um para outro (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 83).

Ressalatamos que a ideologia como dissimulação também pode ser expressa pelo tropo, ou seja, a fim de dissimular relações de poder, utiliza-se de estratégias referentes ao uso figurativo da linguagem; de formas simbólicas cujos usos mais comuns são a sinédoque, a metonímia e a metáfora. Nesse sentido, expressões utilizadas pela magistrada como “engenharia social e subversão cultural”, “panfletagem feminista” se configuram como exemplos de dissimulações de poder (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 84).

Ao recontar o fato ensejador da denúncia, o requerido, na figura de seu representante legal, assim como a juíza, utiliza-se também da estratégia simbólica da eufemização, por meio do modo como ações, instituições e relações sociais são descritas ou redescritas. Com o uso dessa estratégia, na maioria das vezes, se desperta uma valoração positiva de forma sutil, pois se aproveita do fato de que entre as palavras que usamos existe um espaço vago, aberto e indeterminado, em que tal processo pode ocorrer por meio de uma pequena ou imperceptível mudança de sentido (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 84).

É por meio dessa estratégia simbólica que se operacionaliza o modo da dissimulação, ou seja, a ideologia é utilizada para ocultar relações de dominação, uma vez que sejam suavizados os fatos, dando-lhes um caráter positivo para amenizar seus efeitos. Tais táticas auxiliam na construção do poder hegemônico por meio de um discurso estrategicamente manipulado, produzido para conseguir a adesão e a aceitação do público. Assim, é por intermédio da utilização de táticas discursivas que o discurso sexista, machista e patriarcal contemporâneo circula e chega à população.

Além disso, consegue dissimular relações sociais, por meio de sua representação ou pela representação de indivíduos e de grupos nelas implicados, como se fossem possuidores de características que não possuem, o que faz com que algumas características sejam intensificadas, em detrimento de outras, impondo sobre elas um sentido positivo ou negativo (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 85).

Um exemplo é o uso do uso de “nós” e “eles” que confere um forte caráter evocativo que se reveste por meio da construção de uma imagem que negligência ou não dá atenção às circunstâncias processuais modificadoras e subjacentes à atualidade (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 85). Tais construções podem ser observadas no trecho onde a juíza faz o uso das expressões “tais mulheres” e “outras”, no texto a seguir:

Seriam tais mulheres incapazes de entender o caráter dos fatos e de determinar-se de acordo com tal entendimento? Ou, se as mulheres que lá estavam são plenamente capazes e concordaram com a brincadeira infeliz, por que precisam de um ente estatal para falar em nome de uma “coletividade” da qual, em tese, fazem parte, mas de cujas ideias discordam? Seriam tais mulheres menos capazes que as outras? (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 09).

Nesse sentido é que convém retomar a formulação de Fairclough (2008, p. 95)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão). quando observa que o discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção do que, invariavelmente, é referido como “identidades sociais” e “posições de sujeito” para os “sujeitos” sociais e para os tipos de “eu”. Do mesmo modo, colabora para construir as relações sociais entre as pessoas, bem como para a construção de sistemas de crenças (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 95).

A ideologia também opera pela UNIFICAÇÃO, utilizada para estabelecer e sustentar relações de poder no nível simbólico, independente das diferenças e divisões que possam separá-las de uma unidade que interliga os indivíduos em uma unidade coletiva (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 86). Nesse caso, se evidencia um exemplo de tal recurso na afirmação de que o “consentimento de todos os participantes do evento e o ânimo de brincadeira afasta a ilicitude civil e penal, no caso concreto” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 2).

Thompson (2011)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011. aponta outro modo de operação da ideologia, a FRAGMENTAÇÃO, que consiste em prover meios para que as relações de dominação possam ser mantidas, sem que pessoas sejam unidas em uma coletividade. Há, na verdade, a segmentação de indivíduos e de grupos dirigindo forças de oposição potencial em direção a um alvo projetado como mal, perigoso ou ameaçador (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 87).

Desenvolve-se, mais especificamente, por meio da estratégia do expurgo do outro, que envolve a construção de um inimigo retratado como mau, perigoso e ameaçador, interno ou externo, contra o qual os indivíduos são chamados para resistirem coletivamente ou para expurgá-lo; diante do qual as pessoas devem se unir, a exemplo do que se faz com as feministas (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 86). Nessa acepção, a magistrada alega que “diante dos usos e costumes instalados na sociedade, promovidos pelo próprio movimento feminista, entender ofensivo o discurso do requerido é, no mínimo, hipocrisia” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 8).

A ideologia para fragmentação pode ser identificada na segmentação, na segregação de grupos ou de indivíduos que possam representar um desafio, uma ameaça aos grupos dominantes, ou seja, uma ameaça à própria hegemonia. Assim, as forças de oposição potencial (diferenciação) são orientadas em direção a um alvo (o outro) projetado como mau, perigoso, que deve ser combatido (expurgo do outro) (FERNANDES, 2014FERNANDES, Alessandra Coutinho. Análise de discurso crítica: para leitura de textos da contemporaneidade. Curitiba: Intersaberes, 2014., p. 131-132). A utilização de tal modo de operação ideológica pode ser encontrada no seguinte trecho da sentença judicial:

A verdadeira identidade do movimento feminista, portanto, é de engenharia social e subversão cultural e não de reconhecimento dos direitos civis femininos. Estamos vivendo a degradação moral e a subversão das identidades, de onde advém comportamentos como aquele descrito na inicial (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 7).

No excerto acima, verificamos que a magistrada identifica e reduz o movimento feminista como uma mobilização subversiva, em nada relacionado ao reconhecimento de direitos das mulheres, da luta antirracista e/ou anticapitalista. Para além da igualdade de direitos, o feminismo é um movimento político, filosófico e social que critica o lugar que a sociedade impôs para a mulher. Sendo assim, confronta o sistema de dominação patriarcal, a exploração capitalista e propõe a transformação social. Além disso, há manifesta utilização da estratégia de inversão pela juíza, onde as vítimas (as mulheres) figuram como as agressoras, responsáveis pela “degradação moral e subversão das identidades”.

Por fim, constatamos que o modo de operação da REIFICAÇÃO, o qual envolve a eliminação ou a ofuscação do caráter sócio-histórico. Nesse sentido, as relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas por meio da retratação de uma situação transitória, histórica, como se ela fosse permanente, natural e atemporal, em que processos são tratados como coisas ou acontecimentos (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 87-88).

Esse modo de operação simbólica pode ser expresso por meio da estratégia da naturalização, em que um estado de coisas, criação social e histórica, pode ser tratado como um acontecimento natural ou resultado inevitável de características naturais - a exemplo da inferioridade da mulher em relação ao homem, ou questões de gênero que em nossa sociedade são tratadas como sendo um resultado de características fisiológicas nos sexos ou entre os sexos (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 88).

Em determinado trecho da sentença, a juíza afirma que “as mulheres acharam que para ser livres e iguais precisavam fazer as mesmas coisas que os homens. Subiram aos cargos mais elevados, mas também adquiriram os seus vícios mais baixos” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 6). A magistrada segue sua crítica ao mencionar as palavras da feminista Shulamith Firestone, segundo a qual, as mulheres, por meio de uma revolução sexual, precisam se libertar da imposição biológica reprodutiva. Ainda, na sentença (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 7), a magistrada apresenta como um exemplo dos “citados vícios mais baixos”, “a liberação das mulheres da tirania da sua biologia reprodutiva por todos os meios disponíveis e a ampliação da função reprodutiva e educativa a toda a sociedade globalmente considerada”.

Para Firestone (1970)FIRESTONE, Shulamith. A dialética do sexo: um estudo da revolução feminista. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976 [1970]. a opressão deve ser compreendida nas dimensões econômica, cultural, política, sendo que a autora se coloca no posto de feminista radical enquanto defende a ideia de revolução como alternativa de superação da opressão sofrida pelas mulheres (FIRESTONE, 1976FIRESTONE, Shulamith. A dialética do sexo: um estudo da revolução feminista. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976 [1970]., p. 11). Para essa autora, a capacidade reprodutiva das mulheres é o aspecto responsável por fundar a primeira forma de divisão do trabalho na sociedade. Por este motivo, considera a constituição da família biológica como um poder de distribuição das desigualdades sexuais que leva à divisão do trabalho, universaliza a família biológica e subordina às mulheres.

Também identificamos, na sentença, a estratégia de eternalização, em que fenômenos sócio-históricos, ao serem apresentados como sendo permanentes, imutáveis e recorrentes, são esvaziados de seu caráter histórico, a exemplo de costumes, tradições e instituições que, indefinidamente, parecem prolongar-se em direção ao passado, a ponto de sua origem ser perdida.

Sendo assim, o questionamento acerca da sua finalidade desses fenômenos é inimaginável, uma vez que adquirem uma rigidez que não pode ser quebrada facilmente, pois se cristalizam na vida social. Seu caráter aparentemente histórico é afirmado por meio de formas simbólicas que eternalizaram o contingente por intermédio de sua construção e repetição (THOMPSON, 2011THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 88). Assim, servindo-se do argumento de autoridade de um antropólogo inglês do início do século XX, a juíza afirma:

Um estudo do antropólogo inglês Joseph Daniel Urwin que analisou oitenta sociedades não civilizadas e grandes civilizações antigas e modernas -babilônios, sumérios, romanos, gregos, anglo-saxões, etc - com o intuito de compreender a relação entre normas sexuais de cada sociedade e o grau de civilização, concluiu que “quanto mais fortes forem as restrições sexuais, tanto mais elevado será o nível de civilização; e quanto menos restrições sexuais, mais baixo o nível de civilização” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 6).

Contudo, destacarmos que se trata de um estudo datado dos anos 1930 - cuja importância para a época não questionamos. Não obstante, a tentativa de sustentar este antigo argumento do autor (que a própria realidade social atual revogou em face das diversas conquistas civilizatórias), nos oferece pistas não apenas da estratégia simbólica de eternalização, mas da utilização de um pensamento retrógrado dirigido à desconstrução das conquistas históricas.

Verificamos, assim, que as estratégias de construções simbólicas são instrumentos de mobilização de sentidos, com os quais as formas simbólicas podem ser reproduzidas, servindo para sustentar relações de dominação ou subvertê-las, promover indivíduos ou grupos poderosos, ou miná-los. Entretanto, esse modo de operação, como bem destaca Thompson (2011, p. 89)THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 9 ed. Trad. P. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2011., somente pode ser determinado por meio do exame de como essas formas simbólicas são utilizadas em circunstâncias sócio-históricas particulares, ou seja, como são usadas e percebidas pelas pessoas que as produzem e as recebem nos contextos sociais estruturados da vida cotidiana.

2.2 Ideologia e ‘Antifeminismo’ na decisão judicial

A partir de agora, analisaremos a dimensão ideológica da sentença judicial consoante os subsídios da teoria crítica feminista. Com efeito, na fundamentação e decisão da sentença, ao alegar que “apesar de vulgar e imoral, o discurso do requerido não causou ofensa à alegada coletividade das mulheres” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 5), a magistrada desconsidera a alegação do requerente, ao afirmar que, quando o requerido, ao utilizar as “expressões de conteúdo machista, misógino, sexista e pornográfico”, reforçou “o machismo e colocou a mulher em posição de inferioridade”. Ademais, a juíza ignorou que “o requerido reproduziu ideias que remetem à cultura do estupro, estimulando agressão e violência” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 1-2). Com isso, confirma-se a ideia de que o sexismo é a mais resistente forma de segregação, mais uniforme, certamente a mais durável, e que forneceria o conceito mais fundamental de poder (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 91).

Diante disso, percebemos que essas formas de violência são toleradas socialmente, podendo ser entendidas como uma prática social e não individual. Além de possuírem caráter sistêmico, pois são dirigidas a membros de um determinado grupo, simplesmente por serem componentes daquele agrupamento. Ainda, a violência do estupro surge como um processo consciente de intimidação, por meio do qual os homens mantêm as mulheres em estado constante de medo, por meio do qual a “vulnerabilidade à violência se torna parte da experiência compartilhada do grupo” (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 113).

Constatamos, também, a busca pela deslegitimação da luta feminista por parte da magistrada, mediante a afirmação de que “apesar disso, a assim chamada ‘luta das mulheres’ foi uma luta coletiva e não individual. Lutou-se pela emancipação ‘das mulheres’, e não por cada mulher em particular”. Assim, “ao coletivizar a luta, ela automaticamente torna-se política” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 5). Porém, uma vez que o feminismo trata de lutar pela igualdade (entre homens e mulheres), destacamos que a “emancipação” está atrelada à inclusão das mulheres na relação de produção. Logo, se ocupa da “libertação” das mulheres e, como base de sua complementaridade nas relações humanas, de todas as pessoas oprimidas.

Além disso, sendo a teoria feminista “política”, tendo em vista que, no feminismo, dá-se início à compreensão de que os limites convencionais da política não são suficientes para apreender a sua dinâmica real, como uma corrente plural e diversificada.

Ademais, ao investigar a organização social, tendo como ponto de partida as desigualdades de gênero, a teoria feminista evidencia os limites das instituições vigentes que, a despeito de suas louváveis aspirações democráticas e igualitárias, naturalizam e reproduzem assimetrias e relações de dominação, além de naturalizar os limites das teorias políticas tradicionais (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 7).

Podemos igualmente perceber uma referência ao indivíduo “abstrato” do liberalismo no discurso judicial, ao caracterizar as mulheres como “os indivíduos do sexo feminino” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 5). A crítica ao pensamento liberal, contudo, é recorrente na elaboração teórica vinculada às demandas por emancipação dos grupos dominados, como o feminismo e a inclusão das mulheres na relação de produção, que mantém uma relação tensa com esse pensamento liberal e com os supostos direitos que se definem a partir das premissas dele.

Nesse sentido, não procede à alegação da juíza ao afirmar que o “requerido não se dirigiu ‘às mulheres’, em geral, mas àquele grupo restrito de pessoas mencionado expressamente” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 5). Posto que o pertencimento a um grupo social a partir de um aspecto determinado da identidade dos indivíduos não determina isoladamente a posição desses indivíduos, mas o que define é a interação entre os diferentes traços e vários elementos das suas trajetórias e pertencimentos desses sujeitos.

Além disso, o conhecimento da juíza acerca da luta feminista mostra-se inconsistente e simplório, enquanto afirma que “as mulheres acharam que para ser livres e iguais precisavam fazer as mesmas coisas que os homens” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 6). Na verdade, em muitas frentes feministas, exigiu-se cidadania igual para homens e mulheres, o que implicava ir além da isonomia legal, lutando por reais condições de existência por meio do questionamento a premissas básicas das hierarquias sociais e do funcionamento das instituições (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 35).

A citação do livro “Feminismo: perversão e subversão”, segundo o qual “a evolução e a identidade do movimento feminista, que teve início, antes mesmo da Revolução Francesa”, desemboca “na terceira onda, que milita em favor da subversão das identidades, passando pela degradação moral” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 6), revela ideias da magistrada relacionadas à ideologia liberal corroborada pelo Estado e que na visão de Campagnolo (2019)CAMPAGNOLO, Ana Caroline. Feminismo: perversão e subversão. Editora: Vide Editorial, 2019. o feminismo é um movimento político que contribui para o desentendimento, a crescente amargura entre os sexos, acelera a desagregação familiar, induz à eterna insatisfação e à libertinagem sexual. Além disto, trata-se de um movimento de desvirtuamento da moral e que desvia a mulher de seus reais valores familiares: a de boa esposa e mãe.

Nesse aspecto, há a imposição de padrões morais dominantes ao entender como subversiva a autonomia dos indivíduos na definição de sua identidade. Porém, a afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais, apresentando uma estreita relação com o poder (SILVA, 2011SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.); HALL, Stuart; WOODWARD; Kathryn. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011., p. 81). Ora, se faz necessária à garantia de um espaço livre da violência e do constrangimento sistemático à autonomia de parte dos indivíduos, assim como das desigualdades que acentuam a efetivação da autoridade de alguns e a vulnerabilidade a subordinação de outros (MIGUEL, BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 46).

Ademais, a magistrada também fundamenta a decisão com base em um artigo escrito, pelo Juiz Alexandre Semedo de Oliveira, no blog Movimento Magistrados para a Justiça, o qual deslegitima o discurso da feminista Shulamith (1976) ao afirmar que “as mulheres nada têm a perder a não ser a sua biologia”, além de defender a ideia de que “a gravidez é coisa bárbara” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 08
). Observam-se desacordos com as ideias do movimento feminista, o qual rejeita a relação determinista entre biologia e opressão, com base no entendimento de que os fatos biológicos (como gravidez, parto ou amamentação) são ressignificados, conforme a ordem social, ou seja, não possuem um sentido fixo (MIGUEL; BI-ROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 66).

No mais, percebe-se um interesse da magistrada em desqualificar parte da crítica feminista que reage à valorização abstrata dos laços familiares, em detrimento dos direitos individuais e da liberdade de gênero, cujo foco recai sobre a família moderna, ou seja, modelos familiares que se tornaram referência normativa, com o surgimento do mundo burguês (MIGUEL, BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 48).

Por outro lado, a fundamentação também apresenta a obra Política Sexual (1970)MILLETT, Kate. Política Sexual. Trad. Alice Sampaio, Gisela da Conceição e Manuela Torres, Nova York: Dom Quixote, 1970., de Kate MillettMILLETT, Kate. Política Sexual. Trad. Alice Sampaio, Gisela da Conceição e Manuela Torres, Nova York: Dom Quixote, 1970., autora feminista que “busca demonstrar como o feminismo está visceralmente atrelado a uma modificação dos comportamentos sexuais”, além de fazer menção a “feministas críticas”, as quais “atestam que a decadência de uma civilização é marcada pelo descontrole moral, pela ode pública à corrupção sexual” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
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, p. 6).

Com efeito, revela-se com isso grande resistência às reivindicações dos movimentos feministas acerca do controle da mulher sobre o próprio corpo mediante a regulação da sexualidade feminina, contrariando o direito de acesso dos homens ao corpo das mulheres, para manter a dominação masculina. Vale ressaltar que até mesmo o pensamento liberal estabelecia a soberania sobre o corpo como sendo um requisito básico para o acesso à cidadania, isto é, o “ser dono de si mesmo” (MIGUEL, BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 66-67).

Ademais, ao afirmar que “a questão da liberdade apenas as tornou mais dependentes da regulada vida social e cumpriu o sonho de Rousseau: entregar os filhos aos cuidados do Estado para uma condução (supostamente) autônoma da vida” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 6), a magistrada revela o entendimento da igualdade reivindicada como a busca pela inserção em uma universalidade liberal, visto que neutraliza a compreensão do impacto que as desigualdades concretas têm sobre a autonomia dos diferentes indivíduos.

No entanto, desde as primeiras manifestações de inconformidade com a dominação feminina, as mulheres reivindicam acesso a liberdades iguais às que os homens desfrutam, onde a igualdade de direitos baseia-se na afirmação da igualdade fundamental entre homens e mulheres, que vai de encontro a visões que, de Aristóteles a Rousseau, legitimavam a inferioridade feminina, apoiando-se numa visão de uma menor capacidade natural (MIGUEL, BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 63-64).

No mesmo contexto, nota-se um apelo a certos mitos e tradições, ao afirmar que “a revolução sexual das mulheres é a mancha da segunda onda do movimento, que começou pedindo direitos políticos e melhores condições sociais e terminou, para chegar lá, gritando por pílulas anticoncepcionais e abortivas; por liberação sexual e aceitação pública da degradação de seus corpos e almas” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 6). Ora, a “revolução sexual” estabelece a relação entre a reivindicação feminista e o direito ao corpo, o que é de fato polêmico, mas o que se questiona é a impossibilidade de a mulher expressar uma sexualidade “autêntica” e livre, o que não acontecerá enquanto existirem estruturas sociais de dominação.

Assim, a decisão é fundamentada no discurso que valoriza a diferença entre homens e mulheres e estrutura o comportamento das mulheres. Trata-se de um discurso antifeminismo, o qual contribui para apresentar a posição subalterna das mulheres na sociedade, em consequência de suas escolhas autônomas. Tal ideia permite a percepção de que as posições ocupadas por homens e mulheres não são reflexo da dominação, mas de inclinações diversas, naturais de um e de outros sexos (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 8).

Com isso, constatamos que a prática social em que está inserida a sentença em análise confirma a ideia de que o aparato estatal incorpora o ponto de vista do patriarcado, constituindo a ordem social por meio de normas, formas, relação com a sociedade e políticas subversivas legitimadoras, no interesse dos homens como gênero, onde o Estado garante seu caráter masculino, ao negar legitimidade às demandas das mulheres (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 96).

Outrossim, o discurso como prática ideológica faz com que as ideologias embutidas nas práticas discursivas sejam muito eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem a posição de ‘senso comum’. E é bem nesse sentido que a luta por ‘transformação’ aponta a luta ideológica como dimensão da prática discursiva, a fim de que sejam remoldadas, no contexto da reestruturação ou da transformação das relações de dominação e poder (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 117), entendidas como propriedade das relações entre grupos, instituições ou organizações sociais (VAN DIJK, 2012VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. Org. Hoffnagel, Judith e Falcone, Karina. Trad. Judith Hoffnagel e Karina Falcone, 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2012., p. 87).

Ao final de sua fundamentação, a magistrada reafirma a ideia de que “não se pode presumir que o comportamento do requerido, dirigido a um grupo específico de pessoas, seja uma agressão dirigida a todos os indivíduos do sexo feminino” para, por fim, decidir com “rigor” pela “improcedência da ação, sob a justificativa de que não houve ofensa à pretensa coletividade de mulheres” (BRASIL, 2019BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-juiza-franca-cpc-mp-sp.pdf. Acesso: 28 ago. 2020.
https://www.conjur.com.br/dl/decisao-jui...
, p. 9). Desse modo é que as estruturas de opressão podem ser ocultadas por meio da ênfase em experiências singulares dos indivíduos (MIGUEL, BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 115).

Nesse sentido, podemos observar um contexto de manipulação, porque envolve não apenas poder, mas especificamente o abuso de poder, como dominação, onde a manipulação implica o exercício de uma forma de influência legitimada, por meio do discurso (VAN DIJK, 2012VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. Org. Hoffnagel, Judith e Falcone, Karina. Trad. Judith Hoffnagel e Karina Falcone, 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2012., p. 234). Ainda, compreenderemos que a ideologia manipulada, consciente ou inconscientemente pelos grupos hegemônicos, oculta o estado de sujeição, facilita o consenso e serve como base para a legitimidade da violência de gênero.

Vale ressaltar que as abordagens críticas diferem das abordagens não-críticas não apenas pela descrição das práticas discursivas, mas também por mostrarem como o discurso é moldado por relações de poder e ideologias. Essas abordagens críticas, também salientam os efeitos construtivos que o discurso exerce sobre identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença, nenhum dos quais sendo normalmente aparente para os participantes do discurso (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 32-33). Tudo isso faz com que um projeto de mudança social não seja óbvio (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014., p. 151).

Por isso, uma análise crítico-discursiva, além de desvendar as conexões e as causas ocultas no discurso e seus efeitos em lutas hegemônicas (reflexos da articulação, desarticulação e rearticulação, por meio da dialética do discurso, envolvendo relações assimétricas de poder) também promove mudanças favoráveis àqueles que estejam em desvantagens (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 28).

Considerações finais

A representação da identidade de gênero feminino na sociedade do século XXI ainda passa por enfrentamentos constantes, sugerindo a urgência da discussão em diversos espaços públicos e privados.

A isso, acrescentam-se as relações de poder, inerentes às sociedades patriarcais e a apresentação de discursos (como o analisado neste artigo) que visam minimizar a figura feminina de diversas maneiras, suprimindo a potencialidade das conquistas realizadas por pessoas que se identificam com o gênero feminino.

O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as relações de poder e como prática ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados de mundo que emergem de diferentes posições nas relações de poder, sendo, portanto, a negação do ato violento (como verificado) algo problemático. Em diversas situações, pessoas comuns, em maior ou menor grau, são alvos passivos de textos orais e escritos, de chefes, professores e autoridades, tais como oficiais de polícia, juízes, burocratas da previdência social ou auditores fiscais, que podem dizer em quem (ou não) acreditar ou o que podem (ou não) fazer.

Nas últimas décadas, a literatura filosófico-jurídica publicada apenas tratou exaustivamente, de aspectos epistemológicos, de superação dos paradigmas tradicionais da ciência jurídica de natureza prescritiva e que não decorrem dos dados analisados. De tal modo, quando comparado a outras disciplinas do social, deve-se repensar o Direito a fim de aplainar o seu anacronismo sociodiscursivo, a fim de superar a naturalização dos processos de prática da violência em relação à mulher atrelada aos discursos e a ideologia de gênero existente na sociedade.

Em suma, assumir uma postura crítica das teorias jurídicas significa afiançar que a crítica não se exaure no mero comprometimento com a verdade, no sentido dicotômico certo/científico ao errado/ideológico, a partir da lógica, mas contempla um compromisso mais profundo com a denúncia histórica.

Logo, na articulação dos diversos planos em que se manifesta a teoria jurídica, com os traços que constituem o real concreto, vinculados ao histórico, político e econômico - requerendo uma interdisciplinaridade sincrônica comprometida com a efetivação de problemas sociais de base histórica.

Notas

  • 1
    BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Franca. Foro de Franca. 3ª Vara Cível. Processo Digital nº: 1020336-41.2019.8.26.0196. Classe. Assunto: Ação Civil Pública Cível. Indenização por Dano Moral. Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Requerido: Matheus Gabriel Braia. Juíza de Direito: Dra. Adriana Gatto Martins Bonemer. Data da sentença: 5 nov. de 2019. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg. Acesso em: 10 out. de 2020.
  • 2
    Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do estado de São Paulo em face de ex-aluno da Faculdade de medicina de Franca que, em trote universitário, teria entoado juramento aos calouros de teor machista, sexista e misógino, ofendendo a dignidade das mulheres, o qual foi divulgado nas redes sociais e ganhou repercussão nacional de repúdio ao ato, pleiteando sua condenação em dano moral coletivo e social.
  • 3
    BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP). Apelação Cível: AC 1020336 - 41.2019.8.26.0196. Registro: 2021.0000665485. Publicação: 16 set. de 2021. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1282217981/apelacao-civel-ac-10203364120198260196-sp-1020336-4120198260196/inteiroteor-1282218037. Acesso em: 09 jun. de 2022.
  • 4
    O termo sexista (do inglês sexism) é utilizado em sentido mais abrangente do que machismo, ou seja, como um conjunto de ações, ideias, concepções que privilegiam um determinado gênero em relação a outro, sendo, na maior parte das vezes, a ação empreendida por sujeitos que privilegiam o gênero masculino em detrimento do feminino. Nesse sentido, gênero é utilizado no sentido de ser compreendido como uma repetição de atos normativos, caracterizados, inicialmente, como anteriores à existência do sujeito, mas aqui entendidos como um construto social, e não necessariamente relacionado a fatores biológicos (BUTLER, 2021BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar , 21 ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.).
  • 5
    Sobre as ondas do feminismo, sugere-se ver o recente estudo de Siqueira e Bussinguer (2020)SIQUEIRA, Carolina Bastos de; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo. As ondas do feminismo e seu impacto no mercado de trabalho da mulher. In: Revista Thesis Juris – RTJ, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 145-166, jan./jun. 2020. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/thesisjuris/article/view/14977/8270. Acesso: 28 set. 2020.
    https://periodicos.uninove.br/thesisjuri...
    .
  • 6
    Empoderamento “é o mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir e criar e gerir”. Em um viés feminista, pode-se dizer ser através do empoderamento que as mulheres produzem força para exigir novas relações, tornando-se protagonistas das suas próprias histórias (conforme SILVA; CAMURÇA, 2010, p. 07).
  • 7
    BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP). Apelação Cível: AC 1020336 - 41.2019.8.26.0196. Registro: 2021.0000665485. Publicação: 16 set. de 2021. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1282217981/apelacao-civel-ac-10203364120198260196-sp-1020336-4120198260196/inteiroteor-1282218037. Acesso em: 09 jun. de 2022.
  • 8
    Shulamith Firestone, em A dialética do sexo: um estudo da revolução feminista, 1976[1970].
  • 9
    Ana Caroline Campagnolo, em Feminismo: perversão e subversão, 2019.
  • 10
    OLIVEIRA, Alexandre Semedo de. Blog Movimento Magistrados para a Justiça. Disponível em: https://mmjusblog.wordpress.com/2018/04/11/o-mundo-idealde-shulamith/. Acesso em: 06 jan. de 2022.
  • 11
    Entende-se que estruturas sociais são entidades muito abstratas. Desse modo, pode-se pensar em uma estrutura social (tal como uma estrutura econômica, uma classe social, um sistema de parentesco ou uma língua) em termos da definição de um potencial, um conjunto de possibilidades (FAIRCLOUGH apud SILVA, 2010, p. 111).
  • 12
    Vale ressalvar aqui a definição de discurso de Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., importante para compreensão dos efeitos sociais da sentença judicial em análise: “Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. O que implica, primeiro ser, o discurso, um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representações” (...). “Segundo, implica uma relação dialética entre discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira” (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. (reimpressão)., p. 90-91).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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