Acessibilidade / Reportar erro

THE EARLIE KING & THE KID IN YELLOW: UMA VERSÃO PÓSAPOCALÍPTICA DA IRLANDA

THE EARLIE KING AND THE KID IN YELLOW: A POSTAPOCALYPTIC VERSION OF IRELAND

Resumo

The Earlie King & The Kid in Yellow (2018), de Danny Denton, narra o mito da destruição da Irlanda através do fogo e o colapso digital após o país enfrentar anos de chuvas ininterruptas causadas pela catástrofe ambiental deixada principalmente pela indústria farmacêutica. O propósito deste artigo é investigar como essa obra coaduna e desafia ao mesmo tempo a tradição ecocrítica e distópica produzida na língua inglesa dos centros hegemônicos e a tradição literária de seu próprio país. Para tanto eu utilizo quatro divisões didáticas: 1) breve resumo de como o Antropoceno tem sido representado na literatura de língua inglesa; 2) a contribuição da distopia para representação das alterações climáticas na literatura; 3) panorama histórico da literatura da Irlanda e 4) contextualização da obra de Denton em análise. Nesta última parte, arremato com a observação de que o romance não propõe alternativa para solucionar os problemas do Antropoceno, mas alerta para o colapso que estamos na iminência de vivenciar.

Palavras-chave
pós-apocalipse; Irlanda; Antropoceno; distopia; ecocrítica

Abstract

The Earlie King & The Kid in Yellow (2018), by Danny Denton, narrates the myth of Ireland’s destruction through fire and the digital collapse after the country faces years of uninterrupted rains caused by the environmental catastrophe left mainly by the pharmaceutical industry. The purpose of this article is to investigate how this work matches and challenges both the ecocritical and dystopian tradition produced in the English language of the hegemonic centers and the literary tradition of its own country. For that I use four didactic divisions: 1) brief summary of how the Anthropocene has been represented in English-language literature; 2) the contribution of dystopia to the representation of climate change in literature; 3) historical overview of Irish literature, and 4) contextualization of Denton’s work under analysis. In this last part, I conclude with the observation that the novel does not propose an alternative to solve the problems of the Anthropocene, but warns of the collapse that we are about to experience.

Keywords
post apocalypse; Ireland; Anthropocene; dystopia; ecocriticism

Ao fazer o levantamento das críticas acerca do romance de estreia de Danny Denton, The Earlie King and The Kid in Yellow, temos dificuldade de encontrar análises acadêmicas. Contudo, resenhas escritas na ocasião de seu lançamento para diferentes jornais estrangeiros são facilmente encontradas. A maioria delas mostram o romance como uma distopia de caráter pós-apocalíptico. Nem por isso, seus respectivos autores defendem ser essa a temática principal da obra. Grace Keane, jornalista da RTÉ, por exemplo, reduz o livro a uma historinha de amor clássica, já contada diversas vezes (KEANE, 2018KEANE, Grace. Reviewed: The Earlie King and The Kid in Yellow. RTÉ, 2018. Disponível em: < https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945176-reviewed-the-earlie-king-the-kid-in-yellow/>. Acesso: 22 abr. 2022.
https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945...
). Fred Melnyczuk, do Financial Times, se refere à obra como um conto de fadas distópico (MELNYCZUK, 2018MELNYCZUK , Fred. Short Review: The Earlie King & the Kid in Yellow by Danny Denton. Financial Times, 2018. Disponível em: <https://www.ft.com/content/10e8fa7 0-372a-11e8-8b98-2f31af407cc8>. Acesso: 15 jun. 2023.
https://www.ft.com/content/10e8fa7 0-372...
). Essas opiniões parecem compreender que o caos estabelecido na obra serve apenas como pano de fundo para o que vem ser a história principal: um adolescente que se apaixona e engravida a filha do rei do crime e, em nome de seu amor, enfrenta o pai dela para ter a posse da criança que lhe é negada. Esse rapaz imberbe, inicialmente sem nome e conhecido apenas por Yellow graças à cor da sua vestimenta, está na posição mais inferior da escala de importância entre os subalternos do rei, oportunamente intitulado Earlie King após ter assassinado o Last King e ocupado seu lugar. A suposta princesa é sempre referida como T. e morre ao parir uma menina (babba) depois de doze sofridos meses de gestação.

Embora concorde, em parte, com as resenhas mencionadas sobre o romance de Denton, julgo necessário apesentar minha análise detalhada, a qual será discutida em quatro partes. De início, apresento um breve resumo de como o Antropoceno tem sido representado na literatura de língua inglesa. Em seguida, exponho a contribuição dos estudos sobre a distopia para esse contexto e mostro como a tradição literária da Irlanda está relacionada a sua peculiaridade política ao longo de sua história para então pensar a proposta literária de Denton de acordo com seu próprio contexto e a tradição literária de seu país, contrapondo-a com a tradição ecocrítica e distópica dos centros hegemônicos.

1 O Antropoceno na ficção de língua inglesa

Mas o que é o Antropoceno, afinal? Como ele influencia e é representado nas obras literárias? Antropoceno é um termo geológico proposto pelos cientistas Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer, nos anos 2000, para designar a atual era geológica da Terra. A proposta surge depois de um grupo de geologistas liderados por Crutzen ter observado os impactos ambientais da ação humana no planeta e notado o tamanho da destruição. O termo, no entanto, já havia sido cunhado por Stoermer na década de 1980. De acordo com o entendimento dos proponentes no famoso artigo em que eles apresentam a necessidade de renomear o momento atual, o período Holoceno, que compreende os últimos 11.700 anos, aproximadamente, chegou ao fim (----TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 40).

Sonia Torres (2017)TORRES, Sonia. “O Antropoceno e a Antropo-cena Pós-humana: narrativas de catástrofe e contaminação” (2017). Ilha do Desterro, v. 70, n. 2, p. 093-105. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175-8026-ides-70-02-00093.pdf> . Acesso: 22 mar. 2022.
http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175...
cita o atual presidente do Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno (Working Group on the Anthropocene – WGA), Jan Zalasiewicz (2008)ZALASIEWICZ, Jan et al. Are We Now Living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4-8, Fev. 2008. doi: 10.1130/GSAT01802A.1
https://doi.org/10.1130/GSAT01802A.1...
, para nos alertar que, embora o termo “Antropoceno” tenha se popularizado a partir dos anos 2000, ele estava sendo utilizado de maneira informal e especulativa, de modo que a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) designou à Comissão Internacional de Estratigraia (ICS) a criação do grupo de trabalho mencionado para verificar se de fato justificava-se a necessidade de denominar uma nova idade geológica. A esse respeito já existiram duas votações, uma em 2016 e outra em 2019, e em ambas a maioria dos votos do grupo mencionado concordou com a oficialização desse novo tempo geológico da Terra, mas em nenhuma delas os votos foram unânimes. De todo modo, o presidente do WGA está convicto de que a definição de Antropoceno é “inequívoca” (TORRES; PENTEADO, 2021TORRES, Sonia.; PENTEADO, Marina P. Literatura e arte no antropoceno: conceitos e representações. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2021., p. 11, 12).

Marcar o início dessa Era, porém, não é tarefa fácil. De acordo com Adam Trexler,

Datar o Antropoceno ainda é controverso. As datas possíveis incluem a invenção da máquina a vapor por James Watt em 1784, o aumento de radiação de fundo dos testes nucleares da Guerra Fria na década de 1950 e o início da agricultura humana de dez a doze mil anos atrás1 1 No original: Dating the Anthropocene remains contentious. Possible dates includes James Watt’s invention of the steam engine in 1784, the increase in background radiation from Cold War nuclear tests in the 1950s, and the beginning of human agriculture ten to twelve thousand years ago.

(TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 41 – minha tradução).

De qualquer forma, os processos antrópicos têm implicado em efeitos planetários pessimistas e ameaçado a própria perpetuação humana na Terra. As alterações climáticas, a degradação da qualidade do ar, do solo e da água e a redução da biodiversidade são inquestionáveis e esses são apenas os prejuízos mais conhecidos. Por isso o termo escolhido para renomear a era presente faz uso do prefixo Antropo, originário de anthropo que, em grego (ἄνθρωπος), significa humano. A palavra completa remete, portanto, à época da dominação humana. Boes e Marshal (apud TORRES, 2017TORRES, Sonia. “O Antropoceno e a Antropo-cena Pós-humana: narrativas de catástrofe e contaminação” (2017). Ilha do Desterro, v. 70, n. 2, p. 093-105. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175-8026-ides-70-02-00093.pdf> . Acesso: 22 mar. 2022.
http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175...
, p. 4), entretanto, chamam atenção para o pós humano subjacente no termo, pois se o ser humano está a degenerar o planeta a ponto de deixar sua marca nas rochas e condenar a sobrevivência de sua própria espécie, a preocupação com o futuro se manifesta no presente e, naturalmente, a preocupação com esse assunto tem se estendido para além da esfera geológica.

Sonia Torres (2017, p. 2-3)TORRES, Sonia. “O Antropoceno e a Antropo-cena Pós-humana: narrativas de catástrofe e contaminação” (2017). Ilha do Desterro, v. 70, n. 2, p. 093-105. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175-8026-ides-70-02-00093.pdf> . Acesso: 22 mar. 2022.
http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175...
apoia-se em Zalasiewicz (2008)ZALASIEWICZ, Jan et al. Are We Now Living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4-8, Fev. 2008. doi: 10.1130/GSAT01802A.1
https://doi.org/10.1130/GSAT01802A.1...
e Latour (2014)LATOUR, Bruno. Anthropology at the Time of the Anthropocene – a personal view of what is to be studied. American Association of Anthropologists, Washington, Dec. 2014 (drat for comments). Disponível em: <www.bruno-latour.fr/sites/default/files/139-AAA- Washington>. Acesso: 22 mar. 2022.
www.bruno-latour.fr/sites/default/files/...
para alertar que a humanidade precisa se defrontar com as consequências organizacionais que urgem repensar o que ela chama de “princípios holocênicos”, isso porque o momento não é apenas geológico, mas também histórico e cultural. Anderson Soares GomesGOMES, Anderson S. Subjetividade verde: ficção e identidade em The Overstory. Porto das Letras, Porto Nacional, v.6 n.4, 146-167. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/10369> Acesso: 22 mar. 2022.
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/i...
aponta que “[c]ada vez mais filmes, romances, videogames, dentre outros produtos da arte e do entretenimento, tematizam questões relacionadas à catástrofe ambiental” (2020 p. 148). Particularmente, irei me deter às manifestações antropogênicas na literatura, especialmente na ficção de língua inglesa, conforme anunciado no subtítulo aqui proposto. Meu recorte, naturalmente, não exclui a importância da história e da cultura, ao contrário, dialoga com ambas e soma-se a elas a vertente do sistema capitalista, pois entende-se que a degradação do ser humano na Terra gira em torno de um restrito grupo da humanidade a angariar cada vez mais lucros. A importância do capitalismo para o Antropoceno é tão relevante que levou Andreas Malm a preferir o termo “Capitaloceno” ao proposto por Stoermer. A terminologia foi logo adotada e disseminada por Janson W. Moore e Donna Haraway:

O Antropoceno marca descontinuidades graves; o que vem depois não será como o que veio antes. […] Então, penso que mais do que um grande nome, na verdade, é preciso pensar num novo e potente nome. Assim, Antropoceno, Plantationoceno e Capitaloceno (termo de Andreas Malm e Jason Moore antes de ser meu)

(HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica - pesquisa, jornalismo e arte. Campias, n.5, 139-146. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4197142/mod_resource/content/0/HARAWAY_Antropoceno_capitaloceno_plantationoceno_chthuluceno_Fazendo_parentes.pdf. Acesso: 13 jun. 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, p. 140 – minha tradução).

Ao contrário do que pode parecer na citação acima, as terminologias “Antropoceno”, “Plantationoceno” e “Capitaloceno”, mencionadas por Haraway – que também propõe o “Chthuluceno” como um contra-projeto para pensar os nossos tempos, não disputam entre si a melhor definição epistemológica. Ao contrário, sua pluralidade mostra a dificuldade de se encontrar a nomenclatura que melhor representa a condição atual: “Todos os mil nomes propostos são grandes demais e pequenos demais; todas as histórias são grandes demais e pequenas demais” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica - pesquisa, jornalismo e arte. Campias, n.5, 139-146. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4197142/mod_resource/content/0/HARAWAY_Antropoceno_capitaloceno_plantationoceno_chthuluceno_Fazendo_parentes.pdf. Acesso: 13 jun. 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, p.141).

Adam Trexler, ao propor uma antologia do Antropoceno na ficção com foco especial nas alterações climáticas, deixa claro que seu objetivo principal não é mostrar como a literatura representa essas alterações, mas sim, como a literatura é influenciada por elas. Ele também menciona o poder que romances, poemas e textos dramáticos têm de lidar com determinados padrões sociais como histórias, ideias científicas, discursos políticos, rituais culturais e banalidades cotidianas sem reduzir a suas complexidades e estabelecer certezas predeterminadas. Assim, Trexler fundamenta-se na necessidade de a literatura tornar a compreensão do impacto das mudanças climáticas mais acessíveis ao público comum, pois para não estudiosos do assunto, o entendimento do fenômeno permanece “abstrato, remoto, prognóstico (TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 1474 – minha tradução). Ele ainda reforça: o aquecimento global aparece antes de tudo como uma proposição científica que requer um conhecimento privilegiado e de elite para ser avaliado2 2 No original: abstract, remote, prognostication. (...) global warming appears first and foremost as a scientific proposition requiring elite, privileged knowledge to evaluate. ” (TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 1474-1476 – minha tradução).

É dentro dessa perspectiva social que o autor sinaliza a considerável expansão da representação das alterações climáticas na ficção desde os anos 2000, quando o termo “Antropoceno” se popularizou. O levantamento histórico de Trexler revela que, embora a preocupação com as alterações climáticas já houvesse sido registrada na ficção de língua inglesa antes mesmo das emissões de gases de efeito estufa atingirem amplo interesse científico, a crítica literária não estava preparada para lidar com o boom que eclodiu. Ele aponta que mesmo hoje, vinte e dois anos depois, existe uma confusão significativa entre ficção climática, distopia, ficção científica e especulação futurista e acrescenta que a tradição cli-fi3 3 Cli-fi é o termo estipulado por Dan Bloom para se referir à climate fiction. , por exemplo, tem seus primeiros registros na década de 1950 quando Arthur C. Clarke publica The Sands of Mars (1951). Segundo Trexler (2015)TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., a lista foi se ampliando aos poucos e na década de 1980 começou a se encorpar significativamente. Na década de 1990, ganhou variedade na ficção científica e em futuros distópicos, numa maioria de romances especulativos, até que disparou nas últimas décadas com um fluxo constante de excelente qualidade. As primeiras ficções ecocríticas retratavam as mudanças climáticas como um desastre local imediato resultante do aquecimento global. Enchentes, tempestades, incêndios florestais e longos períodos de seca fazendo com que as pessoas sofressem de fome, caos, exílio e guerra eram as opções preferidas para provocar no leitor a conexão necessária com os efeitos do Antropoceno, ao mesmo tempo em que dialogava com a tradição anglófona ambiental de Wordsworth, Emerson, Thoreau, etc. Nesta fase, a ficção ainda parecia esboçar uma realidade distante e hipotética, contundente apenas com “ambientalistas americanos e britânicos [que] têm argumentado frequentemente que um senso de lugar4 4 Faz-se necessário informar que o termo utilizado pelo autor para se referir a lugar é place que em inglês não se equivale a space, pois subentende-se que place é o space acrescido de sentimento de valor e laços sociais. é central para o projeto de conservação5 5 No original: American and British environmentalists have often argued that a sense of place is central to the project of conservation. ” (TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 1486 – minha tradução). O objetivo desta fase era provocar no leitor a sensação de que seu lar estava ameaçado. Mas, infelizmente, apesar de causar esse efeito no leitor, esses romances não propunham nenhuma ação possível para evitar o que estava por vir, até porque não retratavam uma realidade verdadeiramente possível.

Uma vez que o Antropoceno se tornou reconhecido, mesmo que extraoficialmente, a ficção aproximou-se mais da crítica ambientalista, e os ficcionistas parecem entender que a preocupação com a preservação do lar não é suficiente para lidar com os problemas ambientais. Desse modo, a cidade grande surgiu como alternativa espacial para essa tarefa, sendo representada ora como um lugar de vida mais sustentável, ora como um lugar em degradação. Nesse quesito, o cli-fi atende mais do que o simples foco na natureza selvagem ou nas paisagens pastorais, próprias da ecocrítica inicial. Frequentemente os personagens escolhidos nessa fase são programadores, pessoas urbanas, jornalistas, ativistas e políticos que estão preocupados ora com a extinção humana, ora com a superpopulação do planeta. (TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle.). De todo modo, Trexler conclui que “romances climáticos têm um papel a desempenhar em nossa contabilidade coletiva do Antropoceno, mesmo aqueles que foram escritos na esperança de que tal dia nunca chegaria”6 6 No original: climate novels have a role to play in our collective accounting of the Anthropocene, even those that were written in the hope that such a day would never come to pass. (TREXLER, 2015TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change. Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle., posição 4647 – minha tradução).

Quanto à mistura dos subgêneros literários que abordam a nova era geológica, pode-se dizer que ainda permanece confusa mesmo nos romances mais recentes, pois cada ficção termina por dialogar com mais de um (sub)gênero ao mesmo tempo, o que, naturalmente, só enriquece a abordagem do Antropoceno. Discutirei a dificuldade de se isolar as obras em determinadas categorias a seguir.

2 A distopia e sua contribuição

Assim como as alterações climáticas e a preocupação com o meio ambiente já estavam presentes na literatura antes mesmo de o Antropoceno se tornar conhecido, a distopia também não é novidade, embora esteja se tornando mais frequente nas últimas décadas. Eduardo Marks de Marques e Wendel Wickboldt Butchweitz (2019)MARKS DE MARQUES, Eduardo; BUCHWEITZ, Wendel W. “Da utopia à terceira virada distópica: um breve panorama” (2019). Revista Guará – Revista de Linguagem e Literatura, v. 9, n. 2, p. 5 - 17. Disponível em: <https://seer.puc goias.edu.br/index.php/guara/article/view/7879>. Acesso: 15 abr. 2022.
https://seer.puc goias.edu.br/index.php/...
e André Carvalho (2021)CARVALHO, André. Distopia e utopia na obra de David Simon: uma leitura de The Plot Against America. Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, p. 490-520, 2021. <https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55.47399>
https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55...
já fizeram um breve histórico de como a utopia e a distopia surgiram e têm atuado na literatura de língua inglesa desde então. André Cardoso (2021)CARDOSO, André. C. A. Distopia. In: JOBIN, José L. et al. (Novas) palavras da crítica. Rio de Janeiro: Edições Macunaima, 2021. p. 104-141. também já apresentou a definição desse verbete e elencou os principais estudiosos do assunto. Sem o propósito de repeti-los, venho revisar alguns pontos importantes.

O termo “utopia” surgiu com Thomas More, em 1516, quando ele escreveu sua obra-prima homônima, idealizando uma ilha republicana inexistente totalmente oposta à realidade monárquica corrupta da Inglaterra. O termo, que em sua etimologia grega significa ου (não) e τοπος (lugar), frequentemente é interpretado como gênero relacionado a uma organização política e social ideal em contraste à realidade vigente (SANTOS, s/dSANTOS, Wigvan J. P. Utopia; Brasil Escola, s/d. Disponível em: < https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/utopia.htm> Acesso: 26 abr. 2022.
https://brasilescola.uol.com.br/filosofi...
). Lyman Tower Sargent (2010)SARGENT, L. T. Utopianism: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010. aponta algumas variações conceituais do termo e se propõe a discuti-las dentro do que ele mesmo define como “‘as três faces do utopismo’ – a literatura utópica, a prática utópica e a teoria social utópica7 7 No original: ‘the three faces of utopianism’ – the literary utopia, the utopian pratice and utopian social theory. ” (p. 41).

Embora o termo “utopia” tenha sido cunhado por More, seu conceito já existia. Mas, uma vez criado por More, novas palavras surgiram para se referir a diferentes tipos de utopias, inclusive eutopia (lugar bom) e seu oposto, distopia (lugar ruim). O primeiro registro conhecido para designar um lugar ruim como distopia relaciona-se ao uso feito por Henry Lewis Younge, no livro Utopian or Apollo’s Golden Days, em 1747 (SARGENT, 2010SARGENT, L. T. Utopianism: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010., p. 37-38).

Apesar de sua longa existência, a distopia tornou-se mais frequente a partir do século XX como uma resposta crítica às utopias fracassadas, próprias das ideologias oriundas a partir das duas guerras mundiais. Naturalmente, ao longo desse tempo, surgiram inúmeras obras abordando diferentes modelos distópicos, mas é indiscutível a explosão desse gênero no século XX.

Gregory Claeys (2010)CLAEYS, Gregory. The origins of Dystopia: Wells, Huxley and Orwell. In: CLAYES, Gregory (Org.). The Cambridge Compation to Utopian Literature. New York: Cambridge University Press, 2010. p. 107-135. propõe duas viradas distópicas, sendo a primeira situada durante a Revolução Francesa e a segunda marcada pelas obras clássicas Nós (1924), de Yevgeny Zamyatin, Admirável mundo novo (1932), de Aldous Huxley, e 1984 (1949), de George Orwell. Eduardo Marks de Marques (2014)MARKS DE MARQUES, Eduardo. Da centralidade política à centralidade do corpo transumano: movimentos da terceira virada distópica na literatura (2014). Anuário de Literatura, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 10-29. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2014v 19n1p10>. Acesso: 15 abr. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/lit...
acrescenta ainda uma terceira, iniciada por volta da década de 1960, quando as mulheres começam a ganhar destaque com esse gênero. O autor considera A mão esquerda da escuridão, de Ursula LeGuin (1969), e O conto da aia, de Margaret Atwood (1985), as obras representativas deste marco, mesmo com o espaçamento temporal de 16 anos.

O conceito de distopia não é unânime entre os pesquisadores. Frederic Jameson (2005)JAMESON, F. Archaeologies of the Future: The Desire Called Utopia and Other Science Fictions. London: Verso, 2005. e Jill Lepore (2017)LEPORE, Jill. A Golden Age for Dystopian Fiction (2017). The New Yorker, New York Books. Disponível em: <https:// www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for- dystopian-fiction>. Acesso em: 16 abr. 2022.
https:// www.newyorker.com/magazine/2017...
compreendem a distopia como uma espécie de antiutopia conformista. Sargent (1994)SARGENT, L. T. The Three Faces of Utopianism Revisited (1994). Utopian Studies, University Park, v. 5, n. 1, p. 1-37. e Andrew Milner (2012)MILNER, Andrew. J. Locating Science Fiction. Liverpool: Liverpool University Press, 2012. acreditam que as distopias não são conformistas, mas funcionam como advertência para que não cheguem a acontecer. Para Martin Schäfer (1979), existem antiutopias e distopias, sendo que a primeira equivale ao oposto da utopia e a segunda compreende a possibilidade de um futuro melhor, mesmo que esse futuro não se concretize na narrativa em si. Raffaella Bacollini (2004)BACCOLINI, Raffaella. The Persistence of Hope in Dystopian Science Fic-tion (2004). PMLA/Publications of the Modern Language Association of America, v. 119, n. 3, p. 518-521. e Tom Moylan (2000)MOYLAN, Tom. Scraps of the Untainted Sky: Science Fiction, Utopia, Dystopia. Wesport: Westview Press, 2000., em resposta, irão chamar de “distopia crítica” aquilo que Schäfer denomina distopia e chamam a atenção para a tendência utópica dentro da perspectiva de melhora do futuro. Em se tratando do fato de que toda distopia é naturalmente crítica, a contribuição de Bacollini e de Moylan reforça a contraposição à antiutopia, de modo que as distopias críticas, conforme resume Carvalho, “ainda conservariam um caráter utópico, qualificando e avaliando possibilidades, denunciando exageros e riscos, mas apresentando alternativas de ação” (2021, p. 498).

Apesar da relevância desse resumo, é preciso estar atento à universalidade e às limitações que cada um desses conceitos apontam. Carvalho termina seu texto afirmando que tais ideias precisam ser repensadas diante da diferença das classes sociais:

Distopias não são, essencialmente, conformistas. Também não levam, necessariamente, à tomada de consciência e à ação política eficazes. Elas advêm de perspectivas de classe específicas e, como tal, apresentam funções relativas e limites compartilhados com o campo mais geral do qual fazem parte. [...] O sinal de advertência que as distopias supostamente trazem deve soar tão agudo quanto a potência desumanizadora do capitalismo tardio, ou tão grave.

(CARVALHO, 2021CARVALHO, André. Distopia e utopia na obra de David Simon: uma leitura de The Plot Against America. Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, p. 490-520, 2021. <https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55.47399>
https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55...
, p. 511).

Nesse sentido, vejo que o referido autor coaduna com Torres (2021)TORRES, Sonia.; PENTEADO, Marina P. Literatura e arte no antropoceno: conceitos e representações. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2021. quando convida seus leitores a prestar atenção para o fato de que nem todos são afetados da mesma forma, nem têm o mesmo grau de responsabilidade nas transformações geopolíticas do planeta, provocadas sobremaneira pelo sistema capitalista. Para Torres, o Antropoceno atua como catalizador no processo de conhecimento das narrativas distópicas contemporâneas, pois ele, conforme já foi apresentado, não é simplesmente uma nova terminologia geológica: sua existência nos leva a repensar a ação humana na Terra. Como a sociedade ainda não descobriu um sistema que diminua as disparidades de classe social e a literatura é um tipo de manifestação artística do comportamento social, Torres infere que a distopia contemporânea, diante da modernidade líquida8 8 Torres toma emprestado conceitos de Zygmunt Baumann para sustentar sua análise acerca dos romances distópicos contemporâneos de língua inglesa. na qual ela se encontra, tem dificuldade de apresentar uma contranarrativa de resistência e termina por (re)apresentar o interregno em (in)ação.

Por fim, André Cardoso percebe a distopia “como um gênero essencialmente moderno e, como tal, traz em si a complexidade da própria modernidade” (2021, p.136). Cardoso irá expor ainda a ideia de progresso associada à modernidade. Somo a isso outro aspecto relevante: o fato de a literatura ser um produto de sua sociedade e sua época. Nessas circunstâncias, vejo como justificável o fato de a Irlanda, um país cuja tradição literária é indiscutivelmente reconhecida9 9 A produção literária da Irlanda em língua inglesa se destaca desde o período colonial, iniciando sua principal representação com Jonathan Swift, no século XVII. Após sua independência, o país conquistou quatro prêmios nobéis de literatura a saber: W. B. Yeats (1923), Bernard Shaw (1925), Samuel Beckett (1969) e Seamus Heaney (1995). Em 2010, sua capital, Dublin, foi considerada a capital da literatura pela UNESCO. , ser incipiente em sua produção artística distópica, bem como na exploração dos assuntos antropogênicos. Isto porque o progresso econômico desse país ficou estagnado durante os sete séculos de sua colonização e, quando finalmente atingiu a sua independência, não tinha recursos para modernizar-se. Discuto o contexto irlandês a seguir.

3 A Irlanda e sua tradição literária

Estabelecer o início da produção literária de qualquer país é por si só uma tarefa difícil. O termo “literatura” vem do latim littera que significa letra. Isso implica na obrigatoriedade da escrita e, como se sabe, histórias já eram contadas oralmente antes de seus registros gráficos. Registrar esse início em uma cultura colonial ou neocolonial é ainda mais desafiador, pois, “a nomeação do território sempre foi em contextos literários, geográficos ou históricos uma atividade de carga política”10 10 No original: the naming of the territory has always been in literary, geographical or historical contexts, a political charged activity. (DEANE, 1994DEANE, Seamus. A Short History of Irish Literature. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994., p. 7 – minha tradução), e durante o processo de colonização da Irlanda pela Inglaterra, a literatura produzida naquele país ficou denominada anglo-irlandesa, conforme nos lembra Seamus Deane (1994)DEANE, Seamus. A Short History of Irish Literature. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994.. O crítico, que também é um escritor irlandês laureado por diversos prêmios, enfatiza:

A literatura tem sido inescapavelmente aliada à interpretação histórica e à fidelidade política. A experiência irlandesa, em todas as suas fases, tem levado a um sentido reforçado da fragilidade dos pressupostos que subjazem a qualquer sistema de funcionamento da civilização e da necessidade de criar, por um esforço persistente, as ficções facilitadoras que conquistem o grau necessário de aceitação. Por isso, a escrita irlandesa tem sido tradicionalmente interrogativa. Ela se moveu entre os extremos do esteticismo – vendo-se como um fim em si mesma – e de compromisso político – vendo-se como um instrumento para o alcance de outros propósitos. A maioria dos grandes escritores incorporaram ambas atitudes em seus trabalhos11 11 No original: literature has been inescapably allied with historical interpretation and with political allegiance. The Irish experience, in all its phases, has led to an enhanced sense of the frailty of the assumptions which underlie any working system of civilization and of the need to create, by a persistent effort, the enabling fictions which win for the necessary degree of acceptance. Because of this, Irish writing has traditionally been extraordinarily interrogative. It has moved between the extremes of aestheticism – seeing it as an end in itself – and of political commitment – seeing it as an instrument for the achievement of other purposes. Most of the great writers incorporate both attitudes within their work.

(DEANE, 1994DEANE, Seamus. A Short History of Irish Literature. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994., p. 7 – minha tradução).

Tendo já apresentado as contribuições que o Antropoceno e a distopia têm trazido para a literatura no que diz respeito a antropogenia no mundo, faço questão de mostrar o envolvimento político que a literatura anglo-irlandesa ou mesmo a irlandesa trouxeram ao longo do tempo. Por isso, não me atentarei às contribuições puramente estética de ambas. Declan Kiberd (2008)KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49. faz um levantamento histórico do envolvimento literário-político da Irlanda e revela que a tradição literária desse país atribui a seus escritores a função de vidente. Desde antes da cristianização da ilha, os poetas gaélicos, conhecidos como filí já desempenhavam esse papel e somava-se a isso o trabalho de “elogiar um bom príncipe, repreender seus inimigos e homenagear heróis mortos em linhas imortais12 12 No original: [T]heir job was to praise a good prince, rebuke his enemies and memorialize dead heroes in immortal lines. ” (KIBERD, 2008KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49., p. 10). Assim o fizeram até a Renascença13 13 Para mais conhecimento sobre o poderio inglês sobre o irlandês, aconselho o estudo sobre a Reconquista da Dinastia Tudor (The Tudor Conquest of Ireland) e a Fuga dos Condes (The Flight of the Earls) em 1607. , quando o poderio inglês se tornou inflexível e eles perderam sua função e seu status quo, tendo que se submeter à nova ordem inglesa. De aristocratas, tornaram-se vendedores de poemas nas feiras e, portanto, precisaram popularizar suas tônicas e rimas. Muitos se suicidaram. De acordo com Kiberd,

As antigas tradições mortuárias receberam assim um novo conjunto de inflexões, tornando-se de fato um dos mais potentes de todos os dispositivos retóricos na política cultural dos próximos 400 anos.[...] Os bardos arruinados fizeram seus versos engordarem na negação. Talvez tenha sido em sua realização poética que a noção de “triunfo do fracasso”, que animaria não apenas a Revolta da Páscoa, mas a estética de Beckett, nasceu tão estranhamente14 14 No original: The old mortuary traditions were thus given a new set of inflections, becoming in effect one of the most potent of all rhetorical devices in the cultural politics of the next 400 years. […] The ruined bards made their verses grow fat on negation. Perhaps it was in their poetic achievement that the notion of ‘the triumph of failure’, which would animate not just the Easter Rising but the aesthetic of Beckett, was so strangely born.

(2008, p. 11, 12 – minha tradução).

Embora, por volta dos anos 1890 e 1925, tenha existido uma tentativa fracassada de recuperar a força da cultura gaélica, durante o movimento conhecido como Renascimento Irlandês – liderado por W. B. Yeats, Lady Gregory e J. M. Synge, vestígios da vidência do poeta nunca desapareceram por completo, tão pouco seu envolvimento político. Kiberd (2008, p. 9,10)KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49. ilustra esse fato, relatando entre outras situações, que uma das perguntas mais frequentes em entrevistas ao Seamus Heaney era a solução para o conflito político da Irlanda do Norte, como se ele pudesse ter a resposta que ninguém mais tinha.

Ao longo do tempo, escritores irlandeses tiveram de se valer da sátira e da ironia para lidarem com seu próprio contexto miserável sem atacarem explicitamente seu algoz. Esse e outros recursos utilizados para esse fim mostravam como a política local interferia na vida privada, como se pode notar em Uma modesta proposta, de Jonathan Swift. Neste famoso texto, o autor enumera diferentes benefícios que o país poderia ter se acaso as crianças irlandesas com menos de um ano de idade fossem vendidas para se tornarem pratos refinados aos mais nobres senhorios ingleses. E as principais vantagens não estariam apenas na diminuição da miséria do país, mas também na perda de prejuízo para os pais, que não precisariam mais alimenta-las após essa idade e, que ainda poderiam lucrar com a venda das mesmas, sem mencionar o deleite dos nobres em degustar uma carne nova.

Swift, assim como os demais escritores anglo-irlandeses que vieram a posteriori, pôde vivenciar alguns anos na Irlanda e outros na Inglaterra. Esse trânsito foi fundamental para a literatura produzida por eles atingir alcance internacional, até mesmo porque suas publicações eram feitas em Londres. Oscar Wilde, inclusive, disse que, apenas em contato com outras artes, a literatura moderna da Irlanda poderia ser moldada (WILDEWILDE, Oscar. Table Talk, et. T. Wright. London: Cassell, 2000. apud KIBERD, 2008KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49., p. 24). Uma observação profunda do contexto irlandês mostra que não há exagero nessa fala de Wilde. Embora ele e Swift estejam distantes um do outro por quase dois séculos, a realidade da Irlanda era praticamente a mesma, isto é, o país não avançou no tempo. O preço para o alcance da modernização, no entanto, passava pelo domínio da língua inglesa. Obrigados a utilizarem essa língua para o público irlandês e inglês, a literatura da Irlanda passa a registrar uma nova estrutura gramatical, que por sinal, resulta em um efeito bastante poético.

A mudança de um idioma para o outro aconteceu tão rápido em muitas áreas desde o século XIX que as pessoas continuaram a pensar em irlandês enquanto usavam palavras em inglês. Uma consequência foi uma reestruturação radical da gramática e sintaxe inglesas em linhas gaélicas. No inglês padrão, a ênfase é alcançada sublinhando vocalmente uma palavra-chave em uma frase: ‘Você vai para a cidade amanhã?’ mas em irlandês a ordem das palavras é alterada e o termo crucial é apresentado: ‘É para a cidade que você vai amanhã? (KIBERD, 2008KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49.,p. 29-30 – minha tradução)15 15 No original: The change-over from one language to another happened so fast in many areas during the nineteenth century that people continued to think in Irish while using English words. One consequence was a radical restructuring of English grammar and syntax along Gaelic lines. In standard English, emphasis is achieved by vocally underlining a key word in a sentence: ‘Are you going to town tomorrow?’ but in Irish the word-order is shifted and the crucial term brought forward: ‘Is it to town that you are going tomorrow?’ .

Eruditos, porém falidos, os escritores irlandeses estavam diante da emigração e da revolução como alternativas inevitáveis. A primeira foi a solução utilizada por James Joyce e a segunda a opção de Patrick Pearse e os demais nacionalistas que lutaram em prol de uma Irlanda livre. Fosse emigrando ou permanecendo na ilha, o país se beneficiava da emigração. Os emigrantes contavam com melhor sorte no exterior e os remanescentes, naturalmente, usufruíam mais dos parcos recursos tendo menos pessoas para dividir, mas nem por isso, o país dava conta de evoluir. É por essa razão que a paralisia está tão presente nas obras de Joyce. Sua terra natal estava estagnada, a independência almejada não era garantia de melhoria social, econômica e nem cultural, de modo que a revolução, apesar de necessária, lhe parecia sem sentido.

Finalmente, em 1922, a Irlanda conquistou sua independência, todavia, às custas de sua divisão em Irlanda do Norte e Estado Livre da Irlanda. Em 1937, o Estado Livre declarou-se soberano chamando-se Irlanda e, em 1949, tornou-se uma república e passou a ser chamado de República da Irlanda ou simplesmente Irlanda. Seis condados ao norte, pertencentes a região de Ulster, seguem como parte do Reino Unido e permanecem conhecidos como Irlanda do Norte desde a ruptura política. Como a seguir irei discutir um romance que se passa em Dublin e em outras localidades ao sul e sudeste da ilha, darei sequência a minha apresentação com foco na República da Irlanda. Eis que a realidade socioeconômica desse país permaneceu praticamente inalterada mesmo após a independência e a criação da república. No caso dos escritores, por exemplo, a situação se tornou ainda pior. Kiberd menciona que os militaristas que assumiram o poder após a independência não simpatizavam com o pensamento livre e introduziram a censura nas publicações: “A legislação de 1929 foi crucial: era como se o estado-nação pretendesse se auto mutilar, ou mesmo se auto mutilasse. Ele estava cortando uma das maiores linhas de abastecimentos que tornaram a independência possível”16 16 No original: The 1929 legislation was crucial: it was as if the nation-state was intent on self-harm, even self- mutilation. It was cutting off one of the major supply lines which had made independence possible. (2017, p. 6 – minha tradução). Em outro livro, o mesmo autor relata:

escritores exilados como Frank O’Connor gostavam de brincar que eles retornavam a cada poucos anos simplesmente para se lembrarem do quanto a Irlanda era um lugar horrível. Beckett falou mais por si mesmo em All That Fall quando ele teve um personagem que observou que enquanto era suicídio estar fora, ficar em casa era cortejar uma dissolução prolongada. Ele disse à sua família em 1939 que ele preferia viver na França na guerra que em uma Irlanda em paz17 17 No original: Exiled writers such as Frank O’Connor liked to joke that they returned every few years simply in order to remind themselves what a terrible place Ireland was. Beckett spoke for more than himself when he had a character remark in All That Fall that while it was suicide to be abroad, to stay at home was to court a lingering dissolution. He told his family in 1939 that he preferred to live in France at war than in an Ireland at peace. (2008, p.44 – minha tradução).

Na verdade, a situação da Irlanda só viria a mudar a partir da década de 1990, com o advento do Tigre Celta, momento em que o país contou com apoio estrangeiro por parte dos Estados Unidos e da União Europeia. Por outro lado, o boom econômico durou poucos anos e a Irlanda se viu falida e sem rumo novamente. Consoante a esse histórico, as temáticas do trauma, da recuperação e da identidade são muito recorrentes na literatura e nos estudos irlandeses contemporâneos. É possível perceber esse histórico tomando por base as obras de ficção e poesia dos últimos quarenta anos e dos mais recentes eventos e periódicos importantes sobre estudos irlandeses18 18 Existem importantes associações de estudos irlandeses em diferentes países. No Brasil temos a Associação Brasileira de Estudos Irlandeses – ABEI. No site da mesma (http://www.abeibrasil.org/other-associations.html), pode-se consultar a lista das demais e a partir delas tomar conhecimento de seus respectivos periódicos, como o ABEI Journal, por exemplo. , sem mencionar os livros de crítica literária. A título de curiosidade, um dos mais relevantes periódicos com esse foco chama-se Reimagining Ireland. Ironicamente, ele é publicado pela Peter Lang, uma editora fundada na Alemanha com extensão em outros países, mas não na Irlanda. Em 2019, esse mesmo periódico publicou um volume intitulado Trauma and Identity in Contemporary Irish Culture (GALLEGO, 2019GALLEGO, Melania Terrazas (ed). Reimagining Ireland. Trauma and Identity in Contemporary Irish Culture. Vol. 94, Oxford: Peter Lang, 2019.). Pouco antes, em 2018, Kathleen Costello-Sullivan havia publicado Trauma and Recovery in the Twenty-First-Century Irish Novel, sendo que a obra é publicada por uma editora de Nova York. Na introdução desse livro, a autora menciona duas outras publicações voltadas à temática do trauma, ambas de 201119 19 As obras mencionadas são Étudies Irlandaises, organizada por Anne Goarzin e Trauma and History in the Irish Novel: The Return of the Dead, de Robert F. Garratt. . Segundo Costello-Sullivan, “o desejo de confrontar assuntos traumáticos foi uma faceta da literatura irlandesa durante grande parte do século XX”20 20 No original: The desire to confront traumatic subjects was a facet of Irish literature for much of the twentieth century. (COSTELLO-SULLIVAN, 2018COSTELLO-SULLIVAN, Kathleen. Trauma and Recovery in The Twenty-First-Century Irish Novel. New York: Syracuse, 2018., p. 3 – minha tradução) e está se estendendo pelo século XXI, sendo que nas obras do final do século passado predominavam o silêncio e o sofrimento individual, comum ou social que os traumas induziam e no início deste século, o processo de cura e recuperação dos traumas através do processo narrativo têm recebido mais destaque. De todo modo, parece ser uníssono entre os críticos literários21 21 Tomo por base a trilogia de Declan Kiberd: Inventing Ireland: The Literature of a Modern Nation (1995); Irish Classics (2001) e After Ireland: Writing the Nation from Beckett to Present (2017); Peadar Kirby, Gibbons, Michael Cronin: Reinventing Ireland: Culture, Society and the Global Economy (2002) e Scott Brewster and Michael Parker: Irish Literature Since 1990: Diverse Voices (2009). o fato de que a globalização e o advento das teorias pós-coloniais são facilitadores do novo olhar que permite a (re)invenção da Irlanda. Joe ClearyCLEARY, Joe. ‘“Misplaced Ideas’? Colonialism, Location, and Dislocation in Irish Studies”. In: Ireland and Postcolonial Theory, edited by Clare Carroll and Patricia King. Notredame: Univ. of Notredame Press, 2003. aponta que o advento dessas teorias “desestabilizaram a cultura dominante representada pelo discurso de modernização22 22 No original: destabilized the cultural dominant represented by modernization discourse. ” (2003, p.20 – minha tradução). Se antes desses estudos prevalecia o ponto de vista do colonizador, agora, longe do olhar dominante e com uma curta vivência de aparente autonomia econômica, a Irlanda pôde fazer uma ampla reavaliação da sua própria história.

E a relação da Irlanda com o meio ambiente, o Antropoceno e a distopia? Na introdução da revista Études Irlandaises de 2019, intitulada “Nature, Environnement et Écologie Politique en Irlande”, as organizadoras Catherine Conan and Flore CouloumaCONAN, Catherine; COULOUMA, Flore. “Introduction” (2019). Études Irlandaises. v. 44, n. 1, p. 7 - 15. Disponível em: https://journals.openedition.org/etudesirlandaises/6788. Acesso em 22 abr. 2022.
https://journals.openedition.org/etudesi...
comentam que a Irlanda historicamente apresentou duas facetas antagônicas do meio ambiente: uma selvagem, pantanosa, resistente à modernidade, vista pelas lentes clássicas da representação colonial e outra que exaltava os encantos e a magia de uma natureza domesticada, conforme se pode ver no filme de The Quiet Man (1952), de John Ford e no nacionalismo do De Valera. Essas duas visões foram praticamente dominantes até a queda do Tigre Celta, quando o país foi obrigado a enfrentar os diversos tipos de caos que surgiram, inclusive o ambiental. Surpreendentemente, parcos romances surgiram ainda na década de 1990. Os mais significativos, de acordo com Juan F. Elices (2016)ELICES, Juan F. “Othering Women in Contemporary Irish Dystopia: The Case of Louise O’ Neill’s Only Ever Yours (2016). In: VILLAR-ÁRGAIZ, Pilar. Nortic Studies: Discourses of Inclusion and Exclusion: Artistic Renderings of Marginal Identities in Ireland, v. 15, n. 1, p. 73 - 86. , foram escritos por mulheres23 23 Elices cita The Bray House (1990), de Éilis Ní Dhuibhne e The Dark Paradise (1992), de Catherine Brophy. , o que ao mesmo tempo pode explicar a discreta importância que eles receberam, sobretudo no universo distópico tradicional, dominado pelos homens, conforme já apontei neste texto.

Em todo caso, é a partir da última década que se tem maior incidência de preocupação ambiental na produção literária irlandesa ou mesmo uma nova perspectiva pela qual os olhares mais recentes incidem sobre a literatura e a cultura da Irlanda em geral. É a isso que Malcolm Sem (2022) se propõe, em parceria com outros especialistas, em A History of Irish Literature and the Environment, dezesseis anos após a publicação da primeira edição de The Cambridge History of Irish Literature, organizado por Margaret Kelleher e Philip O’Leary. Sen também é autor de Unnatrual Disasters: Irish Literature, Climate Change and Sovereignty, ainda no prelo. Vale ainda registrar que pela primeira vez, com previsão para julho de 2023, o Simpósio Internacional da IASIL está direcionado ao assunto com a temática “Sustentabilidade”, a acontecer no Egito, país que sediou a COP 27 em 2022. Neste mesmo ano, também foi publicado o Contemporary Irish Poetry and the Climate Crisis, organizado por Andrew J. Auge e Eugene O’Brien.

Como o país ficou estagnado até o advento do Tigre Celta e a degradação ambiental, bem como a ficção distópica estão, em grande medida, relacionados a modernidade que a Irlanda só conseguiu atingir no período mencionado, é razoável inferir que o país antes de seu apogeu econômico acreditava-se blindado contra as consequências negativas do mundo moderno e fingiu cegueira diante das agressões ambientais provocadas pelo crescimento econômico. É justa a fragilidade dessa blindagem e as consequências da invisibilidade aos desastres ecológicos que encontramos na descrição espaço-temporal presente no romance de Danny Denton que comentarei adiante.

4 The Earlie King and The Kid in Yellow: contextualização e algumas considerações

The Earlie King and The Kid in Yellow é o romance de estreia de Danny Denton. O autor é natural de Cork, a segunda maior e mais importante cidade da Irlanda em termos de desenvolvimento econômico. É nessa cidade que também se encontram muitas das multinacionais que impulsionaram a Irlanda durante o Tigre Celta, principalmente do ramo farmacêutico e tecnológico como a Pfizer e a Apple, por exemplo. De pouca idade, Denton provavelmente não conheceu seu país antes de atingir a glória, mas pôde vivenciar o declínio e teve que aprender a lidar com os destroços do Tigre, o que nos remete a lembrança da situação dos filí irlandeses diante da inflexibilidade inglesa a partir da Dinastia Tudor, conforme apresentei no último tópico. Considerando que sua primeira obra de ficção data de 2018, é certo que o autor não vivenciou sua própria fama nos anos anteriores, nem teve que lidar com seu próprio declínio, mas possivelmente acompanhou seus compatriotas receberem diversos prêmios e viu a literatura de seu país ser explorada para fins turísticos de diferentes formas, inclusive com citações literárias estampadas nas poltronas dos aviões da Aer Lingus, uma das principais empresas aéreas do país24 24. C. f. McDiarmid Lucy McDiarmid, review of Margaret Kelleher and Philip O’Leary (eds), The Cambridge History of Irish Literature (Cambridge: Cambridge University Press, 2006), Times Literary Supplement, 6 October 2006, p. 3. . Independente da sua própria experiência, Denton ficcionalizou o contador de história após um suposto apocalipse na Irlanda.

O início do romance por si só já envolve o leitor nessa atmosfera de artista exercendo a função de arauto para atrair a atenção de seu público em um local aberto que bem poderia ser uma feira ou um mercado. No livro físico, imediatamente após a página que anuncia o título do romance, temos a situação de alguém clamando por pessoas para ouvirem a verdadeira história do fim da Irlanda. Tal imediatismo e o contexto que se apresenta a seguir pode levar a interpretação de um certo desespero por parte de quem chama. Esse emissor se intitula “o último 100% autêntico e VERDADEIRO HOMEM IRLANDÊS25 25. No original: the last 100% authentic TRUE IRISHMAN! e se propõe a “desembuchar todo aquele SHOW DE MERDA na Irlanda (...) a VELHA IRLANDA REAL, a ILHA ESMERALDA DOS SANTOS E ERUDITOS, dos quarenta tons de verde... E CHUVA. E FOGO”. (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.2 – minha tradução)26 26 No original: To spill the beans about that whole SHITSHOW in Ireland (...) REAL OLD IRELAND, the EMERALD ISLE OF SAINTS AND SCHOLARS, FORTY THOUSAND SHADES OF GREEN... And RAIN. And FIRE. . Ele também assegura que esteve lá, presenciou tudo “COM SEUS PRÓPRIOS OLHOS!” e que é a “ÚLTIMA TESTEMUNHA OCULAR” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.3)27 27 No original: WITH HIS OWN EYES. LAST EYEWITNESS. . Os recursos gráficos em algumas palavras, como negrito, caixa alta e itálico, muitas vezes usados ao mesmo tempo reforçam a ênfase do emissor e a possibilidade de seu desespero, como quem precisa garantir a sobrevivência no grito: “CORRAM! CORRAM! para ouvir uma história sobre CHUVA e FOGO, sobre CRIANÇA e REI!” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 2 –minha tradução)28 28 No original: ROOL UP! ROOL UP! to hear a tale of RAIN and FIRE, of KID and KING! A parte gráfica da obra é essencial em sua composição, pois The Earlie King & the Kid in Yellow são “FRAGMENTOS ESCORADOS CONTRA RUÍNAS” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 2 – minha tradução)29 29 No original: FRAGMENTS SHORED AGAINS RUINS. , isto é, um texto escrito que se perdeu com o tempo nos escombros da Irlanda. Este anúncio está marcado na folha de rosto seguido do aviso “UM MITO REBELDE”30 30 No original: A WAYWARD MYTH , que acompanha o título da obra. O frontispício está repleto de ilustrações de pingos de chuva que já estão presentes na capa e irão se repetir em outras páginas que marcam as divisões do livro. Portanto, o paratexto prepara o leitor para o que está por vir. Por fim, cabe apresentar que além do aspecto visual, a sonoridade se faz bastante presente no texto de Denton, pois as variações linguísticas e o sotaque de Cork, ainda carregado pela influência da língua irlandesa por meio do Hiberno-English, se manifestam com muita veemência na obra, tal como o Rool up! Rool up!, por exemplo, que é equivalente de Hurry up! Hurry up! Sem mencionar a beleza da rima, resultado que se nota não apenas pela interferência da língua irlandesa na língua inglesa, conforme já anunciei, mas também por ser uma das várias referências que o autor faz À terra devastada, de T. S. Eliot31 31 Danny Denton deixa bem claro em seu perfil de pesquisador da University College Cork seu interesse em autores modernistas e contemporâneos. Todavia entendo que aprofundar essa e as demais referências literárias presentes na obra exige necessidade de discussão exclusiva em outro momento. . O resultado desse efeito somado aos fragmentos da peça que permeia alguns capítulos trazendo subseções intituladas “Um pouco sobre a peça”, “atos”, “cenas” e “interlúdios32 32 No original: A bit from the play”, “acts”, “scenes” e “interlude. ”, provavelmente são o que levaram a crítica Grace Keane a considerar que o texto de Denton ficaria melhor no palco ao apresentar sua resenha em matéria para a RTÉ (KEANE, 2018KEANE, Grace. Reviewed: The Earlie King and The Kid in Yellow. RTÉ, 2018. Disponível em: < https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945176-reviewed-the-earlie-king-the-kid-in-yellow/>. Acesso: 22 abr. 2022.
https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945...
).

A desgraça do Tigre Celta também pode ser percebida através da chuva ininterrupta da Irlanda que se faz ouvida através da sonoridade lexical das palavras do texto e se torna visível nas vestimentas de seus habitantes. O Kid Yellow – um dos protagonistas – por exemplo, é conhecido dessa forma por usar uma capa de chuva amarela. Sua verdadeira identidade é insignificante, quase ninguém a conhece. Parte porque a chuva penetra até os ossos das pessoas, fundindo-se a elas; parte porque sua condição social não lhe atribui nenhum prestígio; ele é simplesmente um mensageiro do King, e está no mais baixo escalão da gangue.

A chuva é o momento constante. Ela perpetua as ruas da cidade, os becos, as sarjetas os canais [...] Um som sai da nuvem noturna, um padrão interminável, um espectro de notas únicas que são finitas cada uma, mas de alguma forma infinitas ao todo. Batendo, esbofeteando, nocauteando, estapeando, assobiando, martelando, fervilhando, jorrando, cuspindo, debatendo, trovejando... Em capas de chuva as pessoas se mantêm firmes. A umidade penetra nos ossos de cada cidadão, em tudo. O eco da água cobre tudo, acalma tudo33 33 No original: Rain is the constant moment. It perpetuates the city streets, the alleyways, the gutters, the canals. [...] A sound comes out the night cloud, an endless patter, a spectrum of single notes that are finite each but somehow infinite altogether. Pattering, slapping, pounding, tapping, hissing, hammering, teeming, gushing, spitting thrashing, thundering... In plastic skins, people hold themselves.

(DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.11 – destaque do autor – minha tradução).

A quantidade de chuva não garante a qualidade da água, pelo contrário, tanto ela quanto o ar estão carregados de acidez e as consequências disso se reflete nos corpos nas novas gerações: “Crianças sem braço, crianças sem pernas, crianças sem olhos”34 34 No original: Armless children, legless children, eyeless children. (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.18). A economia do país se movimenta através do mercado negro e a esperança de economia estável se foi quando uma das maiores indústrias desapareceu da noite para o dia. As lavouras se perderam, a atividade pesqueira também, por fim, as pessoas foram embora. Ninguém mais aguentava a inundação. Outros negócios também quebraram e o que sobrou do país nenhum outro queria ou poderia custear. Apenas a indústria farmacêutica sobreviveu, mas aqueles que perderam seu sustento por causa dela tornaram-se fantasmas a assombrá-la. A situação ficou tão caótica que o país tornou-se palco para disputa entre gangues de foras da lei. A que mais se destacava era a do Earlie King, pois ela “controlava a indústria de medicamentos, bonecas, órgãos, clones [...] Eles lavavam dinheiro a torto e à direita35 35 No original: Moved pharm, dolls, organs, clones […] They washed money to port and to stardboard. ” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 59-60). As pessoas desesperadas recorrem a tudo em busca de respostas para seus problemas e como o caos vem para toda sociedade, mas cada um lida com ele de acordo com sua própria classe, conforme apresentado por Carvalho (2021)CARVALHO, André. Distopia e utopia na obra de David Simon: uma leitura de The Plot Against America. Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, p. 490-520, 2021. <https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55.47399>
https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55...
e Torres (2021)TORRES, Sonia.; PENTEADO, Marina P. Literatura e arte no antropoceno: conceitos e representações. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2021., cada um apelou para suas próprias condições. Vejamos:

O povo reclamava dos governos corruptos, da maldade na religião, do meio ambiente, da magia negra. Os hippies começaram a falar do retorno de um velho deus chamado Manannán Mac Lir. Tinha muitas teorias nessa época. Lembro-me até de que as pessoas adoravam um satélite extinto. Elas imploravam para ele curar seus filhos doentes. Mas todos estavam... distraídos... confusos demais com diversões diferentes... muito enganados pelas mensagens do governo... para fazer qualquer coisa sobre qualquer coisa. Eventualmente, eles pararam de falar e orar e aqueles que podiam pagar partiram para lugares mais saudáveis36 36 No original: The people moaned of corrupt governments, the badness in religion, of the environment, of dark magic. Hippies began to speak of an old god named Manannán Mac Lir coming bac. There were many theories around this time. I remember even that people worshipped a defunct satellite. They begged it to cure their sick children. But everyone was to... distracted... too addled by different entertainments... too dupey by government messages... to do anything about anything. Eventually they stopped talking and praying and those who could afford it left for healthier places.

(DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 60 - 61 – minha tradução).

Esse desespero e crença em tudo e qualquer coisa se manifesta mais claramente no desenrolar do romance quando surge um grupo de romeiros lunáticos que acreditam que a salvação da Irlanda se encontra na filha do Yellow, como se ela fosse uma espécie de Messias com poder de salvar o país da chuva.

Outro fator que revela que a Irlanda está vivendo o seu apocalipse é a descrição espacial de Dublin. A cidade está tomada de imóveis fantasmas inacabados. Prédios com estruturas fabulosas abandonados ou invadidos por quem jamais teria condições de frequentá-los em outras circunstâncias. O pior deles é conhecido como Croke Park Flats. É onde os Earlie Boys e os mensageiros do Earlie King moram, o lugar mais pobre da cidade. Perceba a descrição:

Seis blocos deles [apartamentos] se reuniram ao redor, encurvados em decadência, unidos por um labirinto de passagens aéreas e becos. Lugares de ecos e gotejamentos, batidas de asas e passos fantasmagóricos [...] Atrás das portas de madeira compensada e cobertores de plásticos que cobriam as varandas, ouvíamos murmúrios e gritos e sons mecânicos assustadores [...] Quando eles construíram o lugar, lá trás, era para ser um lugar de visão utópica do futuro, um lugar de vida comunitária holística. [...] Os próprios blocos formavam um arco que se abriam para a vista da baía, o mar em devir, a profundidade do mistério que ele nos dava. A ideia era que os apartamentos nos devolvessem a sensação de que estávamos todos conectados. Claro que aquela vista para o mar, como toda as coisas utópicas, estava perdida em neblina, garoa e nuvem37 37 No original: Six blocks of them [flats] gathered around, hunched in decay joined up by a labyrinth of skyways and alleways. Places of echoes and drippings, flappings and ghostly footfall. [...]Behind the rooting plywood doors and the blankets and plastics that covered balconies we heard murmurs and screams and eeire mechanincal sounds. [...] When they built the place, way back it was supposed to be a utopian vision of the future, a place of holistic communal living. [...] The blocks themselves formed an arc that opened out to the view of the bay, the ever-becoming sea, the depth of mystery that it gave us. The idea was that the Flats would return us again to that sense that we were all connected. Of course that sea view, like the utopian stuff, was lost in smog and drizzle and cloud.

(DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.66-67 – minha tradução).

Esses apartamentos ficcionalizados por Denton possivelmente foram inspirados na realidade histórica dos Croke Park Villas, um complexo de blocos de torres residenciais construídos bem próximo ao Croke Park Stadium. Porém, a descrição idílica do romance não corresponde a origem desses apartamentos que foram criados para solucionar a crise habitacional dos moradores de baixa renda de Dublin na década de 1960 (HUGH, 2017HUGH, Linehan. Social housing: ‘Let’s not make the same mistakes again. The Irish Times, 2017. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/life-and-style/homes-and-property/social-housing-let-s-not-make-the-same-mistakes-again-1.3325829>. Acesso: 24 abr. 2022.
https://www.irishtimes.com/life-and-styl...
) e construídos a partir da arquitetura econômica de Le Corbusier. Décadas depois, o complexo de 79 apartamentos, que deveria ter sido uma solução, tornou-se um mausoléu praticamente abandonado, salvo algumas poucas famílias que por não ter para onde ir, continuavam por lá. No blog de planejamento urbano, mantido por Brendan Buck, pode-se encontrar depoimentos de alguns moradores de 2008 que revelam as suas próprias condições e a situação de suas moradias:

A cadeira de rodas de Jonathan fica do lado de fora, diante da escada. Já foi roubada duas ou três vezes, por pessoas de fora dos apartamentos [...] Não há elevadores no complexo de apartamentos dos anos 1960, não há escaninho para guardar a cadeira de rodas. Ela é muito pesada para subir as escadas e mesmo que você pudesse subi-la, não haveria lugar no apartamento minúsculo de dois quartos para coloca-la. [...] Os apartamentos foram inaugurados oficialmente pela princesa Grace e pelo príncipe Rainier, de Mônaco, mas, diz Tricia, qualquer prestígio inicial que eles possam ter emprestado ao lugar se foi há muito tempo. “Somos vistos como vermes. Mesmo para as pessoas da região, porque estamos neste complexo não somos ninguém”38 38 No original: Jonathan's wheelchair sits outside at the bottom of the stairs. It has been stolen two or three times, by people from outside the flats [...] .There are no lifts in the 1960s flat complex, there is no shed to store the wheelchair in. It's too heavy to bring up the stairs and even if you could get it up, there'd be nowhere in the small two-bedroom flat to put it. […]The flats were officially opened by Princess Grace and Prince Rainier of Monaco, but says Tricia, any initial cachet they might have lent to the place is long gone."We're seen as vermin. Even to people in the area, because we're in this complex we're nobodies.

(BUCK, 2008BUCK, Brendan. Fallout From Collapse of Croke Villas PPP. An Irish Town Planner, 2008. Disponível em: <http://buckplanning.blogspot.com/2008/12/fallout-from-collapse-of-croke-villas.html> Acesso: 22 ago. 2022.
http://buckplanning.blogspot.com/2008/12...
– minha tradução).

Na ocasião em que Buck coletou esses depoimentos, a prefeitura de Dublin estava interessada em reformar o Croke Park Villas em parceria com a Bennett Developments, mas terminou declinando, devido ao colapso econômico de 2008 (KELLY, 2012KELLY, Olivia. Plan for major Croke Park entrance would see 1960s flats demolished. The Irish Times, 2012. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/news/plan-for-major-croke-park-entrance-would-see-1960s-flats-demolished-1.457874>. Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.irishtimes.com/news/plan-for...
, 2016KELLY, Olivia. Demolition of Croke Villas to pave way for €12m Project. The Irish Times, 2016. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/news/social-affairs/demolition-of-croke-villas-to-pave-way-for-12m-project-1.2749536>. Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.irishtimes.com/news/social-a...
). Contudo, a proximidade desse complexo habitacional ao Croke Park Stadium que também é sede da Gaelic Athletic Association – GAA, gerou interesse por parte da GAA em comprar o terreno para se expandir, reformar o centro de handball e construir novas habitações para substituir os prédios que seriam demolidos. A negociação levou anos, mas as obras já estavam em andamento pouco antes de Denton publicar seu livro (NEW HOMES AND RESTORED STREETSCAPE ON BALLYBOUGH ROADNEW HOMES AND RESTORED STREETSCAPE ON BALLYBOUGH ROAD. Dublin City Architects Blog. Dublin, 27.11.20. Disponível em: <http://www.dublincityarchitects.ie/new-homes-and-restored-streetscape-on-ballybough-road/>. Acesso: 15 abr. 2022.
http://www.dublincityarchitects.ie/new-h...
). Diante da realidade histórica do Croke Park Villas, dos projetos de parceria privada e pública, conhecida como PPP (Public Private Partnership), para reformar habitações sociais e do sonho que o país vivia no momento de prosperidade, é possível supor que Denton uniu as duas coisas para representar o fracasso do sonho habitacional vigente no Tigre Celta, tanto por parte de quem tinha dinheiro para investir numa moradia holística – como a descrita no livro, quanto por quem não conseguiu prosperar para melhorar sua própria moradia e dependia de projetos sociais. Ricos, emergentes ou desfavorecidos, todos pareciam sonhar com possibilidades de melhores moradias e, quando o Tigre se foi, restou a frustração geral. Ouso dizer ainda que o Croke Park ficcional em sua circunstância distópica pode ser interpretado como uma crítica à utopia da abundância do Tigre Celta que se imaginava infinita e ao alcance de todos, como se isso fosse possível dentro do sistemas capitalistas tardios e neoliberais nos quais a Irlanda se encontrava.

Por fim, o outro indício da degradação da Irlanda que comunica bem com a crítica a esses sistemas econômicos presentes nas distopias clássicas é o modo como os personagens que trabalhavam fora do mercado negro levam a vida sem conseguirem ser bem sucedidos, contrariando a expectativa neoliberalista, e também sem se importarem de fato com as demais pessoas. O narrador principal, Fran Ward, por exemplo, ao longo de sua conduta, deixa bem claro que só se importa consigo mesmo e em levar uma vida sem problemas ao lado da sua esposa. Logo no início, ele se apresenta como um ex-policial e no decorrer da trama atua como um investigador ineficiente e corrupto perante à realidade que ele observa, como se pode ver nos seguintes trechos:

Fran Ward – ex-policial e o último irlandês legítimo! (DENTON, 2028DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 5 – tradução minha)

E nós, os guardas – the Heavy Gang – estávamos sem pessoal, sem armas, sem-tudo. (DENTON, 2028, p. 60 – tradução minha) Pessoalmente, eu estava mais interessado em viver uma vida útil – ficando longe de problemas – do que em justiça. E para ser sincero, admito agora que nós estávamos no bolso do Rei. (DENTON, 2028DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 66 – tradução minha)

Fui para o posto de investigador só porque preciso de dinheiro extra e minha experiência se encaixa no perfil para promoção.39 39 No original: Fran Ward – former officer of the law, and the last true Irishman! [...] And us, the guards – the Heavy Gang – were understaffed, under-gunned, under-everythinged. [...] Personally, I was more interested then in living a handy life – staying out of trouble – than any justice. And if I’m honest, I admit now that we were in the King’s pocket. [...] I went to the rank of Detective only because I need the extra money, and my experience fit the profile for promotion.

(DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 155 – destaque do autor – minha tradução).

Ward não se importava nem mesmo com o repórter O’ Casey que passou a lhe ajudar na investigação sobre o Yellow. Ao se lembrar do tipo de ligação que eles tinham, irá dizer que a cordialidade que existia entre ambos era mais um tipo de “obrigação”: “Nós nos conhecemos então; não éramos amigos nem nunca seríamos, mas depois de provações como essas, há uma obrigação entre duas pessoas que se encontram de um mesmo lado”40 40 No original: We knew each other then; we were not friends and would never be, but after trials like these, there is an obligation between two people who find themselves on the same side. (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p. 59 – minha tradução). O próprio O’ Casey não era diferente. Ele ganhava a vida através de pequenas matérias e sonhava em adquirir fama, tirando vantagem a partir de uma lista de nomes de pessoas aniquiladas pela gangue do King, que ele esperava um dia ser reconhecida e publicada por algum editor notável. Ele corrobora com a investigação de Ward, mas abandona o caso quando percebe que está correndo risco de morte enquanto Ward segue adiante, sem saber exatamente o motivo.

O romance inicia informando que a Irlanda como toda cultura tem suas próprias lendas e cita sua origem através da invocação do poema de Amhairgin para em seguida anunciar que ela também foi perdida para o fogo, o colapso digital e o afogamento ambiental. Os responsáveis, dessa vez, teriam sido o King e o Yellow. Várias versões e burburinhos sobre ambos são mencionados, mas, de acordo com o narrador, elas são contadas a partir de “fragmentos de informações, fragmentos de dados; vozes que variam, conflitam, lutam para... recordar41 41 No original: scraps of information, shreds of data; voices that vary, conflict, struggle to... recall ” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.5 – minha tradução) e ele assegura que a melhor de todas é a que ele mesmo irá contar a partir da sua própria memória, pois ele vivenciou tudo. Ele afirma que mesmo que ele tenha consigo “fotografias manchadas de água”, “outros trechos de material audiovisual”42 42 No original: water-stained photographs”, “someother snippets of audiovisio stuff. , ele tem “tudo na cabeça, na caixola” (DENTON, 2018DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow. London: Granta, 2018., p.5 – minha tradução). Ward ainda reforça que o colapso digital quase acabou com tudo, mas não com ele. Neste ponto, ele assume a função que Torres denomina de “arconte do futuro”, isto é, a pessoa iluminada responsável por narrar “o nosso momento presente pela perspectiva futura – em geral distópica, pós-humana e marcada por mudanças climáticas intensas” (TORRES, 2020, p. 102 – minha tradução).

Por fim, The Earlie King & The Kid in Yellow não propõe nenhuma alternativa para solucionar os problemas que estão sendo causados durante o Antropoceno, mas sugere que em algum momento a revolução digital, símbolo da modernidade da nossa era, entrará em colapso – por algum motivo impossível de se detectar com precisão e os verdadeiros culpados igualmente não poderão ser identificados – e se destruirá por completo a ponto de os sobreviventes retrocederem ao momento anterior à revolução tecnológica que estamos experimentando por ora. Assim, eu acredito que por trás do mito de um garoto apaixonado pela princesa impossível e que se arrisca heroicamente para lhe ser fiel às juras de amor, mesmo depois da morte da amada, essa obra de Denton alerta a humanidade para a necessidade de repensar a busca desmedida pela modernidade e rever os princípios que realmente importam. O comportamento do Yellow ao longo da trama nos leva, inclusive, a refletir sobre as escolhas impensadas do presente e as consequências que elas nos trazem no futuro. Yellow rouba sua filha do King para exercer seu direito de pai e cumprir sua promessa à T, mas nem mesmo sabe cuidar de um bebê. Vejo aqui o Yellow como uma analogia à Irlanda que aventurou-se a se enriquecer, sem nunca antes ter experimentado a bonança e depois se desespera sem saber o que fazer. Quando o Yellow consegue executar o sequestro, ele também rouba a bolsa de cuidados imediatos da sua filha e dentro ele descobre várias cédulas de dinheiro, mas nem por isso ele sabe alimenta-la, oferece-lhe refrigerante e uma porção de guloseimas que ela não consome. É preciso que as pessoas que estão indo com ele para Dingel lhe orientem como cuidar de babba, mesmo assim, em um dado momento, ele tem uma crise de desespero e abandona a filha por alguns dias – comportamento análogo aos vários irlandeses que partiram da Irlanda ao longo da história, mas principalmente ao dos abastados do romance que fugiram depois da inundação. Porém, até quando a humanidade conseguirá continuar fugindo? Se seguirmos o princípio de Trexler que se dispôs a observar como a literatura é influenciada pelas alterações climáticas, mais do que perceber como a literatura representa essas alterações, eu digo que Denton é um escritor millennial que já se lança após a popularização do Antropoceno e a experiência de seu país com o capitalismo tardio.

Notas

  • 1
    No original: Dating the Anthropocene remains contentious. Possible dates includes James Watt’s invention of the steam engine in 1784, the increase in background radiation from Cold War nuclear tests in the 1950s, and the beginning of human agriculture ten to twelve thousand years ago.
  • 2
    No original: abstract, remote, prognostication. (...) global warming appears first and foremost as a scientific proposition requiring elite, privileged knowledge to evaluate.
  • 3
    Cli-fi é o termo estipulado por Dan Bloom para se referir à climate fiction.
  • 4
    Faz-se necessário informar que o termo utilizado pelo autor para se referir a lugar é place que em inglês não se equivale a space, pois subentende-se que place é o space acrescido de sentimento de valor e laços sociais.
  • 5
    No original: American and British environmentalists have often argued that a sense of place is central to the project of conservation.
  • 6
    No original: climate novels have a role to play in our collective accounting of the Anthropocene, even those that were written in the hope that such a day would never come to pass.
  • 7
    No original: ‘the three faces of utopianism’ – the literary utopia, the utopian pratice and utopian social theory.
  • 8
    Torres toma emprestado conceitos de Zygmunt Baumann para sustentar sua análise acerca dos romances distópicos contemporâneos de língua inglesa.
  • 9
    A produção literária da Irlanda em língua inglesa se destaca desde o período colonial, iniciando sua principal representação com Jonathan Swift, no século XVII. Após sua independência, o país conquistou quatro prêmios nobéis de literatura a saber: W. B. Yeats (1923), Bernard Shaw (1925), Samuel Beckett (1969) e Seamus Heaney (1995). Em 2010, sua capital, Dublin, foi considerada a capital da literatura pela UNESCO.
  • 10
    No original: the naming of the territory has always been in literary, geographical or historical contexts, a political charged activity.
  • 11
    No original: literature has been inescapably allied with historical interpretation and with political allegiance. The Irish experience, in all its phases, has led to an enhanced sense of the frailty of the assumptions which underlie any working system of civilization and of the need to create, by a persistent effort, the enabling fictions which win for the necessary degree of acceptance. Because of this, Irish writing has traditionally been extraordinarily interrogative. It has moved between the extremes of aestheticism – seeing it as an end in itself – and of political commitment – seeing it as an instrument for the achievement of other purposes. Most of the great writers incorporate both attitudes within their work.
  • 12
    No original: [T]heir job was to praise a good prince, rebuke his enemies and memorialize dead heroes in immortal lines.
  • 13
    Para mais conhecimento sobre o poderio inglês sobre o irlandês, aconselho o estudo sobre a Reconquista da Dinastia Tudor (The Tudor Conquest of Ireland) e a Fuga dos Condes (The Flight of the Earls) em 1607.
  • 14
    No original: The old mortuary traditions were thus given a new set of inflections, becoming in effect one of the most potent of all rhetorical devices in the cultural politics of the next 400 years. […] The ruined bards made their verses grow fat on negation. Perhaps it was in their poetic achievement that the notion of ‘the triumph of failure’, which would animate not just the Easter Rising but the aesthetic of Beckett, was so strangely born.
  • 15
    No original: The change-over from one language to another happened so fast in many areas during the nineteenth century that people continued to think in Irish while using English words. One consequence was a radical restructuring of English grammar and syntax along Gaelic lines. In standard English, emphasis is achieved by vocally underlining a key word in a sentence: ‘Are you going to town tomorrow?’ but in Irish the word-order is shifted and the crucial term brought forward: ‘Is it to town that you are going tomorrow?’
  • 16
    No original: The 1929 legislation was crucial: it was as if the nation-state was intent on self-harm, even self- mutilation. It was cutting off one of the major supply lines which had made independence possible.
  • 17
    No original: Exiled writers such as Frank O’Connor liked to joke that they returned every few years simply in order to remind themselves what a terrible place Ireland was. Beckett spoke for more than himself when he had a character remark in All That Fall that while it was suicide to be abroad, to stay at home was to court a lingering dissolution. He told his family in 1939 that he preferred to live in France at war than in an Ireland at peace.
  • 18
    Existem importantes associações de estudos irlandeses em diferentes países. No Brasil temos a Associação Brasileira de Estudos Irlandeses – ABEI. No site da mesma (http://www.abeibrasil.org/other-associations.html), pode-se consultar a lista das demais e a partir delas tomar conhecimento de seus respectivos periódicos, como o ABEI Journal, por exemplo.
  • 19
    As obras mencionadas são Étudies Irlandaises, organizada por Anne Goarzin e Trauma and History in the Irish Novel: The Return of the Dead, de Robert F. Garratt.
  • 20
    No original: The desire to confront traumatic subjects was a facet of Irish literature for much of the twentieth century.
  • 21
    Tomo por base a trilogia de Declan Kiberd: Inventing Ireland: The Literature of a Modern Nation (1995); Irish Classics (2001) e After Ireland: Writing the Nation from Beckett to Present (2017); Peadar Kirby, Gibbons, Michael Cronin: Reinventing Ireland: Culture, Society and the Global Economy (2002) e Scott Brewster and Michael Parker: Irish Literature Since 1990: Diverse Voices (2009).
  • 22
    No original: destabilized the cultural dominant represented by modernization discourse.
  • 23
    Elices cita The Bray House (1990), de Éilis Ní Dhuibhne e The Dark Paradise (1992), de Catherine Brophy.
  • 24.
    C. f. McDiarmid Lucy McDiarmid, review of Margaret Kelleher and Philip O’Leary (eds), The Cambridge History of Irish Literature (Cambridge: Cambridge University Press, 2006), Times Literary Supplement, 6 October 2006, p. 3.
  • 25.
    No original: the last 100% authentic TRUE IRISHMAN!
  • 26
    No original: To spill the beans about that whole SHITSHOW in Ireland (...) REAL OLD IRELAND, the EMERALD ISLE OF SAINTS AND SCHOLARS, FORTY THOUSAND SHADES OF GREEN... And RAIN. And FIRE.
  • 27
    No original: WITH HIS OWN EYES. LAST EYEWITNESS.
  • 28
    No original: ROOL UP! ROOL UP! to hear a tale of RAIN and FIRE, of KID and KING!
  • 29
    No original: FRAGMENTS SHORED AGAINS RUINS.
  • 30
    No original: A WAYWARD MYTH
  • 31
    Danny Denton deixa bem claro em seu perfil de pesquisador da University College Cork seu interesse em autores modernistas e contemporâneos. Todavia entendo que aprofundar essa e as demais referências literárias presentes na obra exige necessidade de discussão exclusiva em outro momento.
  • 32
    No original: A bit from the play”, “acts”, “scenes” e “interlude.
  • 33
    No original: Rain is the constant moment. It perpetuates the city streets, the alleyways, the gutters, the canals. [...] A sound comes out the night cloud, an endless patter, a spectrum of single notes that are finite each but somehow infinite altogether. Pattering, slapping, pounding, tapping, hissing, hammering, teeming, gushing, spitting thrashing, thundering... In plastic skins, people hold themselves.
  • 34
    No original: Armless children, legless children, eyeless children.
  • 35
    No original: Moved pharm, dolls, organs, clones […] They washed money to port and to stardboard.
  • 36
    No original: The people moaned of corrupt governments, the badness in religion, of the environment, of dark magic. Hippies began to speak of an old god named Manannán Mac Lir coming bac. There were many theories around this time. I remember even that people worshipped a defunct satellite. They begged it to cure their sick children. But everyone was to... distracted... too addled by different entertainments... too dupey by government messages... to do anything about anything. Eventually they stopped talking and praying and those who could afford it left for healthier places.
  • 37
    No original: Six blocks of them [flats] gathered around, hunched in decay joined up by a labyrinth of skyways and alleways. Places of echoes and drippings, flappings and ghostly footfall. [...]Behind the rooting plywood doors and the blankets and plastics that covered balconies we heard murmurs and screams and eeire mechanincal sounds. [...] When they built the place, way back it was supposed to be a utopian vision of the future, a place of holistic communal living. [...] The blocks themselves formed an arc that opened out to the view of the bay, the ever-becoming sea, the depth of mystery that it gave us. The idea was that the Flats would return us again to that sense that we were all connected. Of course that sea view, like the utopian stuff, was lost in smog and drizzle and cloud.
  • 38
    No original: Jonathan's wheelchair sits outside at the bottom of the stairs. It has been stolen two or three times, by people from outside the flats [...] .There are no lifts in the 1960s flat complex, there is no shed to store the wheelchair in. It's too heavy to bring up the stairs and even if you could get it up, there'd be nowhere in the small two-bedroom flat to put it. […]The flats were officially opened by Princess Grace and Prince Rainier of Monaco, but says Tricia, any initial cachet they might have lent to the place is long gone."We're seen as vermin. Even to people in the area, because we're in this complex we're nobodies.
  • 39
    No original: Fran Ward – former officer of the law, and the last true Irishman! [...] And us, the guards – the Heavy Gang – were understaffed, under-gunned, under-everythinged. [...] Personally, I was more interested then in living a handy life – staying out of trouble – than any justice. And if I’m honest, I admit now that we were in the King’s pocket. [...] I went to the rank of Detective only because I need the extra money, and my experience fit the profile for promotion.
  • 40
    No original: We knew each other then; we were not friends and would never be, but after trials like these, there is an obligation between two people who find themselves on the same side.
  • 41
    No original: scraps of information, shreds of data; voices that vary, conflict, struggle to... recall
  • 42
    No original: water-stained photographs”, “someother snippets of audiovisio stuff.

Referências

  • BACCOLINI, Raffaella. The Persistence of Hope in Dystopian Science Fic-tion (2004). PMLA/Publications of the Modern Language Association of America, v. 119, n. 3, p. 518-521.
  • BUCK, Brendan. Fallout From Collapse of Croke Villas PPP. An Irish Town Planner, 2008. Disponível em: <http://buckplanning.blogspot.com/2008/12/fallout-from-collapse-of-croke-villas.html> Acesso: 22 ago. 2022.
    » http://buckplanning.blogspot.com/2008/12/fallout-from-collapse-of-croke-villas.html
  • CARDOSO, André. C. A. Distopia. In: JOBIN, José L. et al (Novas) palavras da crítica. Rio de Janeiro: Edições Macunaima, 2021. p. 104-141.
  • CARVALHO, André. Distopia e utopia na obra de David Simon: uma leitura de The Plot Against America Gragoatá, Niterói, v.26, n.54, p. 490-520, 2021. <https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55.47399>
    » https://doi.org/10.22409/gragoata.v26i55.47399
  • CLAEYS, Gregory. Dystopia: a natural history. New York: Oxford University Press, 2017.
  • CLAEYS, Gregory. The origins of Dystopia: Wells, Huxley and Orwell. In: CLAYES, Gregory (Org.). The Cambridge Compation to Utopian Literature New York: Cambridge University Press, 2010. p. 107-135.
  • CLEARY, Joe. ‘“Misplaced Ideas’? Colonialism, Location, and Dislocation in Irish Studies”. In: Ireland and Postcolonial Theory, edited by Clare Carroll and Patricia King. Notredame: Univ. of Notredame Press, 2003.
  • CONAN, Catherine; COULOUMA, Flore. “Introduction” (2019). Études Irlandaises v. 44, n. 1, p. 7 - 15. Disponível em: https://journals.openedition.org/etudesirlandaises/6788 Acesso em 22 abr. 2022.
    » https://journals.openedition.org/etudesirlandaises/6788
  • COSTELLO-SULLIVAN, Kathleen. Trauma and Recovery in The Twenty-First-Century Irish Novel New York: Syracuse, 2018.
  • DEANE, Seamus. A Short History of Irish Literature Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994.
  • DENTON, Danny. The Earlie King and the Kid in Yellow London: Granta, 2018.
  • GALLEGO, Melania Terrazas (ed). Reimagining Ireland Trauma and Identity in Contemporary Irish Culture Vol. 94, Oxford: Peter Lang, 2019.
  • GOMES, Anderson S. Subjetividade verde: ficção e identidade em The Overstory. Porto das Letras, Porto Nacional, v.6 n.4, 146-167. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/10369> Acesso: 22 mar. 2022.
    » https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/10369
  • ELICES, Juan F. “Othering Women in Contemporary Irish Dystopia: The Case of Louise O’ Neill’s Only Ever Yours (2016). In: VILLAR-ÁRGAIZ, Pilar. Nortic Studies: Discourses of Inclusion and Exclusion: Artistic Renderings of Marginal Identities in Ireland, v. 15, n. 1, p. 73 - 86.
  • HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica - pesquisa, jornalismo e arte Campias, n.5, 139-146. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4197142/mod_resource/content/0/HARAWAY_Antropoceno_capitaloceno_plantationoceno_chthuluceno_Fazendo_parentes.pdf Acesso: 13 jun. 2023.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4197142/mod_resource/content/0/HARAWAY_Antropoceno_capitaloceno_plantationoceno_chthuluceno_Fazendo_parentes.pdf
  • HUGH, Linehan. Social housing: ‘Let’s not make the same mistakes again. The Irish Times, 2017. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/life-and-style/homes-and-property/social-housing-let-s-not-make-the-same-mistakes-again-1.3325829>. Acesso: 24 abr. 2022.
    » https://www.irishtimes.com/life-and-style/homes-and-property/social-housing-let-s-not-make-the-same-mistakes-again-1.3325829
  • JAMESON, F. Archaeologies of the Future: The Desire Called Utopia and Other Science Fictions. London: Verso, 2005.
  • KEANE, Grace. Reviewed: The Earlie King and The Kid in Yellow. RTÉ, 2018. Disponível em: < https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945176-reviewed-the-earlie-king-the-kid-in-yellow/>. Acesso: 22 abr. 2022.
    » https://www.rte.ie/culture/2018/0306/945176-reviewed-the-earlie-king-the-kid-in-yellow/
  • KELLY, Olivia. Plan for major Croke Park entrance would see 1960s flats demolished. The Irish Times, 2012. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/news/plan-for-major-croke-park-entrance-would-see-1960s-flats-demolished-1.457874>. Acesso em: 15 jun. 2022.
    » https://www.irishtimes.com/news/plan-for-major-croke-park-entrance-would-see-1960s-flats-demolished-1.457874
  • KELLY, Olivia. Demolition of Croke Villas to pave way for €12m Project. The Irish Times, 2016. Disponível em: <https://www.irishtimes.com/news/social-affairs/demolition-of-croke-villas-to-pave-way-for-12m-project-1.2749536>. Acesso em: 15 jun. 2022.
    » https://www.irishtimes.com/news/social-affairs/demolition-of-croke-villas-to-pave-way-for-12m-project-1.2749536
  • KIBERD, Declan: Inventing Ireland: The Literature of a Modern Nation. Rushden: Random House, 1995.
  • KIBERD, Declan. Irish Classics. Cambridge: Havard University Press, 2001.
  • KIBERD, Declan. Literature and Politics. In: KELLEHER, Margaret; O’LEARY, Philip (eds), The Cambridge History of Irish Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 9-49.
  • KIBERD, Declan. After Ireland: Writing the Nation from Beckett to Present. London: Head of Zeus Ltd, 2017.
  • LATOUR, Bruno. Anthropology at the Time of the Anthropocene – a personal view of what is to be studied. American Association of Anthropologists, Washington, Dec. 2014 (drat for comments). Disponível em: <www.bruno-latour.fr/sites/default/files/139-AAA- Washington>. Acesso: 22 mar. 2022.
    » www.bruno-latour.fr/sites/default/files/139-AAA- Washington
  • LEPORE, Jill. A Golden Age for Dystopian Fiction (2017). The New Yorker, New York Books. Disponível em: <https:// www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for- dystopian-fiction>. Acesso em: 16 abr. 2022.
    » https:// www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for- dystopian-fiction
  • MARKS DE MARQUES, Eduardo. Da centralidade política à centralidade do corpo transumano: movimentos da terceira virada distópica na literatura (2014). Anuário de Literatura, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 10-29. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2014v 19n1p10>. Acesso: 15 abr. 2022.
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2014v 19n1p10
  • MARKS DE MARQUES, Eduardo; BUCHWEITZ, Wendel W. “Da utopia à terceira virada distópica: um breve panorama” (2019). Revista Guará – Revista de Linguagem e Literatura, v. 9, n. 2, p. 5 - 17. Disponível em: <https://seer.puc goias.edu.br/index.php/guara/article/view/7879>. Acesso: 15 abr. 2022.
    » https://seer.puc goias.edu.br/index.php/guara/article/view/7879
  • MELNYCZUK , Fred. Short Review: The Earlie King & the Kid in Yellow by Danny Denton. Financial Times, 2018. Disponível em: <https://www.ft.com/content/10e8fa7 0-372a-11e8-8b98-2f31af407cc8>. Acesso: 15 jun. 2023.
    » https://www.ft.com/content/10e8fa7 0-372a-11e8-8b98-2f31af407cc8
  • MILNER, Andrew. J. Locating Science Fiction. Liverpool: Liverpool University Press, 2012.
  • MOYLAN, Tom. Scraps of the Untainted Sky: Science Fiction, Utopia, Dystopia. Wesport: Westview Press, 2000.
  • NEW HOMES AND RESTORED STREETSCAPE ON BALLYBOUGH ROAD. Dublin City Architects Blog. Dublin, 27.11.20. Disponível em: <http://www.dublincityarchitects.ie/new-homes-and-restored-streetscape-on-ballybough-road/>. Acesso: 15 abr. 2022.
    » http://www.dublincityarchitects.ie/new-homes-and-restored-streetscape-on-ballybough-road/
  • SANTOS, Wigvan J. P. Utopia; Brasil Escola, s/d. Disponível em: < https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/utopia.htm> Acesso: 26 abr. 2022.
    » https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/utopia.htm
  • SARGENT, L. T. The Three Faces of Utopianism Revisited (1994). Utopian Studies, University Park, v. 5, n. 1, p. 1-37.
  • SARGENT, L. T. Utopianism: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010.
  • SEN, Malcolm (ed). A History of Irish Literature and the Environment New York: Cambridge University Press, 2022.
  • SEN, Malcolm. Unnatural Disasters: Irish Literature, Climate Change and Sovereignty. Under Contract with Syracuse University Press.
  • SCHAFER, Martin. The rise and fall of Antiutopia: Utopia, Gothic Romance, Dystopia. (1979) Science Fiction Studies, v. 6, n.3, p. 287 - 295. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/pdfplus/4239285.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2022.
    » http://www.jstor.org/stable/pdfplus/4239285.pdf
  • THORPE, David. Interview: Dan Bloom on CliFi and Imagining the Cities of the Future. Smartcitiesdive, 2017. Disponível em: < https://www.smartcitiesdive.com/ex/sustainablecitiescollective/interview-dan-bloom-clifi-and-imagining-cities-future/1037731/>. Acesso: 13 abr. 2022.
    » https://www.smartcitiesdive.com/ex/sustainablecitiescollective/interview-dan-bloom-clifi-and-imagining-cities-future/1037731/
  • TORRES, Sonia. “O Antropoceno e a Antropo-cena Pós-humana: narrativas de catástrofe e contaminação” (2017). Ilha do Desterro, v. 70, n. 2, p. 093-105. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175-8026-ides-70-02-00093.pdf> . Acesso: 22 mar. 2022.
    » http://www.scielo.br/pdf/ides/v70n2/2175-8026-ides-70-02-00093.pdf
  • TORRES, Sonia.; PENTEADO, Marina P. Literatura e arte no antropoceno: conceitos e representações. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2021.
  • TREXLER, Adam. Anthropocene Fictions: The Novel in a Time of Climate Change Virginia: University of Virginia Press, 2015. Edição Kindle.
  • WILDE, Oscar. Table Talk, et. T. Wright. London: Cassell, 2000.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al. Are We Now Living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4-8, Fev. 2008. doi: 10.1130/GSAT01802A.1
    » https://doi.org/10.1130/GSAT01802A.1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2022
  • Aceito
    06 Jun 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Bloco B- 405, CEP: 88040-900, Florianópolis, SC, Brasil, Tel.: (48) 37219455 / (48) 3721-9819 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ilha@cce.ufsc.br