Resumo:
Este artigo apresenta uma pesquisa empírica e bibliográfica com base na análise dos artigos publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), tendo como objetivo identificar e apresentar a forma como a produção científica foi considerando suas relações com a política de desenvolvimento científico no Brasil, no decênio de 1950. Nesse sentido, apresenta-se como questão central: quais foram as temáticas mais abordadas nas pesquisas publicadas no decênio de 1950 e sua relação com as políticas de desenvolvimento da época? Considerando o problema e o objetivo dessa pesquisa, o caminho empreendido deu-se pela leitura e análise dos 194 artigos publicados no período de 1950-1959, na RBEP, elaborando-se a partir das temáticas mais publicadas na revista, uma análise sobre a relação entre os primeiros passos do processo de institucionalização da pesquisa no Brasil e o que se disseminava como conhecimento no campo da educação. Como resultados, foram elaborados gráficos e tabelas que demostram uma profunda articulação entre o que vinha sendo produzido e disseminado como conhecimento no campo da educação e os interesses sócio-político-econômicos do Estado no processo de desenvolvimento no país.
Palavras-chave:
institucionalização; pesquisa educacional; RBEP
Abstract:
This article presents an empirical and bibliographic research based on the analysis of the articles published by the Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), aiming to identify and present the way scientific production has been considering its relations with the scientific development policy in Brazil, in the 1950s. In this sense, it presents itself as a central question: what were the themes most addressed in the research published in the 1950s and their relationship with the development policies of the time? Considering the problem and the objective of this research, the path taken was through the reading and analysis of the 194 articles published in the period 1950-1959, in RBEP, elaborating from the themes most published in the magazine, an analysis on the relationship between the first steps of the research institutionalization process in Brazil and what was spreading as knowledge in the field of education. As a result, graphs and tables were drawn up that demonstrate a deep articulation between what was being produced and disseminated as knowledge in the field of education and the socio-political-economic interests of the State in the development process of the country.
Keywords:
educational research; institutionalization; RBEP
Resumen:
Este artículo presenta una investigación empírica y bibliográfica basada en el análisis de los artículos publicados por la Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), con el objetivo de identificar y presentar la forma en que la producción científica ha estado considerando sus relaciones con la política de desarrollo científico en Brasil, en la década de 1950. En este sentido, se presenta como una pregunta central: ¿Cuáles fueron los temas más abordados en la investigación publicada en la década de 1950 y su relación con las políticas de desarrollo de la época? Considerando la problemática y el objetivo de esta investigación, el camino recorrido fue a través de la lectura y análisis de los 194 artículos publicados en el período de 1950-1959, en RBEP, elaborando, a partir de los temas más publicados en la revista, un análisis sobre la relación entre los primeros pasos del proceso de institucionalización de la investigación en Brasil y lo que se estaba difundiendo como conocimiento en el campo de la educación. Como resultado, se elaboraron gráficos y tablas que demuestran una profunda articulación entre lo que se estaba produciendo y difundiendo como conocimiento en el campo de la educación y los intereses socio-político-económicos del Estado en el proceso de desarrollo del país.
Palabras clave:
institucionalización; investigación educativa; RBEP
Introdução
Este artigo é um recorte de pesquisa de doutoramento finalizada que trata do processo de institucionalização da pesquisa educacional no Brasil. Essa pesquisa de doutoramento é fruto de uma pesquisa maior, desenvolvida com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), que discute o processo de investigação em educação, suas questões teórico-metodológicas e processos institucionais.
O entendimento da produção intelectual sobre algum tema em determinado contexto histórico revela a necessidade de compreensão das estruturas iniciais que auxiliaram ou dirigiram o processo de construção de argumentos, debates e iniciativas sobre um campo de conhecimento. Nesse sentido, este artigo, com base na análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), tem como objetivo identificar e apresentar a forma como a produção científica no campo da educação foi desenvolvida a partir das relações com a política de desenvolvimento científico no Brasil, no decênio de 1950.
Para nortear esse trabalho foi levantada uma problemática que, de forma direta e/ou indireta, pareceu direcionar a pesquisa aqui apresentada, no intuito de compreender a relação do que se produzia como conhecimento científico e as intencionalidades ou funcionalidades do conhecimento científico em prol dos objetivos maiores do sistema, onde o conhecimento passou a fazer parte de uma espécie de indústria fomentada pelo anseio de modernização do Estado.
Partindo da hipótese de uma vinculação entre o conhecimento científico e os interesses sócio-político-econômico-institucionais do Estado, no período em questão, este artigo apresenta as temáticas mais abordadas nas pesquisas publicadas no decênio de 1950 e sua relação com as políticas de desenvolvimento da época, bem como suas articulações no processo de institucionalização da pesquisa educacional no Brasil.
Apontamentos metodológicos da pesquisa
Considerando o problema e o objetivo desta pesquisa, optamos por uma investigação empírica e bibliográfica onde trabalhou-se, principalmente, com base nos artigos publicados no periódico RBEP. A base de análise constituiu-se a partir de todos os artigos publicados na RBEP, no decênio de 1950, ou seja, 1950-1959, sendo este o material empírico a ser analisado.
A escolha do periódico Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos para essa pesquisa está fundada em sua natureza de periódico especializado que constitui uma fonte privilegiada para o estudo e a pesquisa de inúmeras questões sobre a educação. Apresenta uma constância de publicação desde sua criação, em 1944, até os dias atuais e tem importância reconhecida como periódico, em especial, no período estudado, 1950-1959. Nessa perspectiva, tornou-se fonte principal dessa pesquisa, uma vez que disponibilizou artigos e documentos que registraram as questões mais abordadas nas pesquisas publicadas na década de 1950.
O trabalho com periódicos deve considerar o processo de escolha do recorte sobre um determinado objeto e a opção e utilização de alguns autores, em detrimento de outros, que contribuam para uma melhor discussão sobre o tema abordado para a pesquisa que se apresenta. Por isso, foi necessário fazer um levantamento inicial com a finalidade de um reconhecimento de nossa fonte principal, ou seja, a RBEP na década de 1950, para estabelecer um caminho de leitura dentro de um total de 194 artigos publicados, distribuídos em 20 volumes, 39 números, mais 2 catálogos publicados nos anos de 1952 e 1959, que traziam um demonstrativo sobre as publicações dos anos anteriores.
Metodologicamente, após o levantamento dos títulos e materiais publicados, foram lidos todos os artigos da RBEP, publicados de 1950 a 1959, que na época se encontravam na seção Idéias e debates da Revista. A busca pelo material publicado nos anos de 1950 a 1959 foi realizada nas seguintes bibliotecas: Biblioteca do Centro de Educação e Humanidades (CEH)/A Comunicação Social, Educação, Nutrição e Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, na parte de periódicos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), campus Praia Vermelha e na Biblioteca Central do Gragoatá, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Após a leitura de todo material, cada um dos artigos foi resumido, uma vez que, à época, não era exigida, para publicação de um artigo, a apresentação de um resumo. Após a preparação dos resumos, foram identificadas as temáticas articuladas, de alguma forma, com o processo de institucionalização que vinha se edificando, principalmente, a partir da inauguração do Instituto Nacional de Pedagogia (Inep) que, atualmente, conhecemos como Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, instituto responsável pela criação do periódico RBEP e, posteriormente, pela inauguração de outros órgãos importantes para o processo de institucionalização da pesquisa em educação.
A escolha do decênio de 1950, como recorte dessa pesquisa, é justificada pela importância institucional desse período, devido a criação de órgãos importantes para o processo de institucionalização da pesquisa científica no Brasil.
Para implementar, organizar e consolidar as atividades de pesquisa foram criados o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 17 de abril de 1951, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em 11 de julho do mesmo ano. Essas iniciativas significaram um passo decisivo para o estabelecimento de um sistema institucional voltado para o desenvolvimento científico e tecnológico no país (Brasil, 2016BRASIL. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (INEP). Um pouco da história do INEP. Disponível em: <Disponível em: http://www.inep.gov.br/institucional/ historia.htm >. Acesso em: 03 de janeiro de 2016.
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). Segundo Martins (2003MARTINS, C. B. Balanço: o papel da CAPES na formação do sistema nacional de pós-graduação. In: CAPES 50 anos: depoimentos ao CPDOC/ FGV. Org: FERREIRA, M. e MOREIRA, R. L. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CPDOC, Brasília: CAPES, 2003.), a criação do CNPq e da Capes foi um divisor de águas no processo de institucionalização da pesquisa no Brasil.
Outro fator importante para a escolha deste recorte temporal foi a nova ênfase do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ou seja, investigações aplicadas, estudando obstáculos e resultados efetivos das políticas educacionais da época. No ano de 1952, Anísio Teixeira assumiu a direção do Inep, dando maior atenção às questões da pesquisa. Com o objetivo de estabelecer centros de pesquisa como uma forma de fundar bases científicas para a reconstrução educacional do Brasil, Anísio Teixeira decidiu pela criação de centros de pesquisas em algumas regiões do país (Brasil, 2016).
Outro ponto que explica a decisão de pesquisar o período 1950-1959 foi a criação do Centro de Documentação Pedagógica (CDP), em 1953. Segundo Rothen (2005ROTHEN, J. C. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: uma leitura da RBEP. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 86, nº 212, p. 189-224, jan./abr, 2005.), apesar de Anísio Teixeira não ter fundado o Inep, ele refunda o Inep com a criação do CDP, que tinha a função de “integrar a atividade de pesquisa e de documentação, facilitando a sistematização dos trabalhos e a posterior divulgação de seus resultados” (Rothen, 2005ROTHEN, J. C. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: uma leitura da RBEP. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 86, nº 212, p. 189-224, jan./abr, 2005., p.196).
Além disso, considerando a preocupação com a pesquisa, outro aspecto que contribuiu para a escolha desse recorte foi a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) pelo Decreto nº 38.460, em dezembro de 1955, pouco antes da posse de Juscelino Kubitschek como novo presidente da República. O CBPE, com sede no Rio de Janeiro, tinha o objetivo de buscar o fortalecimento da pesquisa e descentralizar as ações do Instituto (Rothen, 2005ROTHEN, J. C. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: uma leitura da RBEP. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 86, nº 212, p. 189-224, jan./abr, 2005.). Juntamente com o CBPE, foram fundados os Centros Regionais de Pesquisa (CRPEs), nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre.
O período abordado por este trabalho foi marcado por grande desenvolvimento econômico-político-social no país, que constituiu um pano de fundo importante para o entendimento e a contextualização do momento de criação tanto da Capes, quanto do CNPq, do CBPE e dos CRPEs.
Após justificar o material empírico investigado, ou seja, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, o recorte temporal articulado aos processos econômico-político-sociais da sociedade brasileira referentes ao decênio de 1950 e as condições metodológicas do desenvolvimento desta pesquisa, partiremos para o debate específico sobre a importância da pesquisa educacional no cenário desenvolvimentista do Brasil de 1950-1959, e sobre as temáticas mais abordadas e suas vinculações com o contexto da sociedade, naquele momento.
A pesquisa educacional na RBEP na década de 1950
O objetivo deste tópico é apresentar a RBEP como periódico institucional que carrega um viés político-institucional desde sua criação em 1944. Falar sobre a pesquisa educacional na RBEP significa, neste momento, falar sobre a própria Revista, que em sua concepção mais geral traz a temática educacional em todas as suas nuances, apresentando a complexidade e vastidão do campo da educação no Brasil e em outros países.
Publicada há mais de 75 anos, a RBEP, editada pelo Inep, possui nota máxima no Qualis Periódicos Capes no quadriênio 2013-2016, tendo qualificação A1 na área ‘Ensino’ e A2 em ‘Educação’. A revista científica figurava como publicação B1 desde 2010. Segundo dados da pesquisa apresentada pelo Inep, a elevação do padrão de qualidade da Revista é resultado de uma série de ações da Diretoria de Estudos Educacionais (Dired) do Inep nos últimos anos, como investimento na capacitação da equipe, maior captação de artigos internacionais, indexação em bases de dados nacionais e internacionais, participação da equipe em eventos na área da Educação e a migração para uma versão mais atualizada do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (Seer). (Brasil, 2017BRASIL. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (INEP). Notícias. Disponível em: <Disponível em: http:// http://portal.inep.gov.br >. Acesso em: 03 de dezembro de 2017.
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).
Mas, nem sempre foi assim, até porque, no decênio de 1950, não tinha avaliação, nem Qualis, nem indexação, nem Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas. O que existia eram estudiosos, intelectuais e pesquisadores que investigavam a área da educação e publicavam os mais variados temas de pesquisa que circulavam por inúmeros Seminários, Conferências, Palestras dentre outros eventos na área da educação, a fim de identificar, publicar, discutir e muitas vezes criticar o sistema educacional.
A RBEP na década de 1950 procurava ser um espelho da situação do sistema educacional frente à realidade brasileira, pois tentava traduzir as várias vertentes de pensamento que circulavam na sociedade, trazendo também, um grande contingente de estudos estrangeiros, no intuito de não só apresentar a forma de organização da educação em outros países, mas também com um propósito de analisar as boas iniciativas estrangeiras, a fim de pensar novas perspectivas para a educação no Brasil.
Muitos educadores e importantes intelectuais das mais diversificadas concepções de pensamento deixaram suas marcas na RBEP ao longo de sua história. Mas, na década de 1950, com toda a efervescência política, econômica, social e cultural, a RBEP publicou trabalhos de educadores envolvidos, política e intelectualmente, com o debate sobre a educação brasileira, os quais, até hoje, são referências para se pensar e discutir o campo da educação, como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Almeida Júnior, entre outros. Muitos foram os documentos impressos e eventos que foram transcritos e registrados, naquela década.
Nesse trabalho, a RBEP é apresentada como fonte privilegiada de estudo e pesquisa, pois através das temáticas que eram publicadas à época e dos autores que assinavam essas publicações, pode-se perceber o seu importante papel na história da educação brasileira, uma vez que através de suas publicações, foi capaz de citar, indicar, revelar e registrar inúmeras perspectivas sobre a qualidade do ensino, a forma de estruturação e planejamento da educação e, ainda, pensar em políticas educacionais na década de 1950. Segundo Braghini (2005BRAGHINI, K. M. Z. O ensino secundário nos anos 1950 e a questão da qualidade de ensino. Dissertação de mestrado defendida em 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005., p. 5), a RBEP:
É, pois, uma fonte privilegiada de estudo, porque em suas páginas conflui um universo selecionado de pensadores, intelectuais, modelos pedagógicos, discussões históricas, leis, análises e críticas sobre as leis, histórico de acontecimentos e fatos relevantes para o cenário educacional. As análises que envolvem a conjuntura do momento da escrita são profundas, amplamente debatidas pelos articuladores, pesquisadores e convidados da RBEP.
Ainda para Braghini (2005BRAGHINI, K. M. Z. O ensino secundário nos anos 1950 e a questão da qualidade de ensino. Dissertação de mestrado defendida em 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.), a RBEP, desde sua origem, tinha o objetivo de ser órgão de divulgação dos princípios fundamentais e mais modernos da educação, no intuito de desenvolver uma consciência pública esclarecida, onde a finalidade era explicar para o público leitor como funcionavam e deveriam ser aplicados os princípios educacionais: “Ela propunha, a uma “consciência esclarecida”, os métodos mais modernos, que ela mesma divulgava” (Braghini, 2005BRAGHINI, K. M. Z. O ensino secundário nos anos 1950 e a questão da qualidade de ensino. Dissertação de mestrado defendida em 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005., p. 17).
As publicações da RBEP não tinham como objetivo, somente, divulgar as produções pesquisadas por órgãos governamentais que estabeleciam diretrizes para a educação, mas atuavam como um registro das bases do governo feitos pelos indivíduos que se articulavam para que fossem estabelecidas diretrizes governamentais. Tratava-se de:
Um registro humano, não de normas pré-estabelecidas por um Estado superior que ditava as regras, mas de um grupo que recebia aval do Estado, sua chancela, para que ali fosse produzido o conhecimento e as ordenações em nome dele, para finalmente chegar às páginas da RBEP como um bem público, modelar, a ser publicado. Os colaboradores da RBEP, por este motivo, não eram meros divulgadores, justificadores de idealizações do campo administrativo ou legislativo. Os diretores-gerais e os tecnocratas não estavam ali, simplesmente, para representar um enredo já acabado. O trabalho deles era, exatamente, fazer do governo uma instituição funcional. Na verdade, como intelectuais e técnicos, esses colaboradores foram os articuladores de uma política educacional na medida em que eram colocados estrategicamente em postos de trabalho ligados às direções e atuando para o funcionamento das entidades voltadas para a pesquisa, de modo que o levantamento de dados e a posição de um ideal de país ligavam-se aos acontecimentos do país (Braghini, 2005BRAGHINI, K. M. Z. O ensino secundário nos anos 1950 e a questão da qualidade de ensino. Dissertação de mestrado defendida em 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005., p. 25).
A RBEP, enquanto periódico institucional, não só acompanhou as transformações da educação brasileira, mas também desempenhou um papel disseminador de uma ideologia própria para o período 1950-1959. O que fica para pensar, em relação às articulações e desarticulações que giravam em torno da RBEP, é: qual o conhecimento que se dispunha divulgar? Quais as temáticas abordadas nas publicações no decênio de 1950?
A fim de responder a estas perguntas, foi realizada uma leitura de todos os artigos publicados no período de 1950-1959, num total de 194 artigos, onde se pôde apontar as temáticas que estavam sendo abordadas. A partir dessa leitura, foram elaborados resumos de cada um destes artigos, com o objetivo de apresentá-los, mesmo de forma sucinta e auxiliar em pesquisas futuras sobre o tema, pois através dos resumos pode-se ter uma noção do que estava sendo estudado e pesquisado em cada um dos artigos. No que diz respeito aos resumos, cabe alguns apontamentos sobre a forma como foram feitos, e para isso, cabe apresentar alguns traços da RBEP referentes ao período de estudo.
Quanto às normas de publicação, à época, não foi encontrada uma formatação definida para os artigos. Assim, eram publicados artigos de duas páginas, de dez, vinte, trinta e de mais de sessenta páginas. Por isso, para realizar o trabalho foi preciso ler e resumir os artigos publicados na seção Idéias e debates, no período 1950-1959.
Da mesma forma, como não existiam indicações de formatação dos artigos naquele período, também não havia resumo ou palavras-chave que pudessem identificar as temáticas abordadas, apenas título, texto e algumas notas de referência, pois referências bibliográficas, até 1952, no número 46 da Revista, também não eram exigidas. Mesmo depois das primeiras indicações de aparecimento de notas de rodapé e referência bibliográfica, estas ainda não eram regras, pois apenas alguns artigos registravam esses dados.
Atualmente, para publicação de um trabalho no periódico RBEP, é indicada uma série de normas para submissão de artigos, o que não ocorria na década de 1950. Não se pôde identificar se existia alguma regra definida, pois nos editoriais da Revista não foram identificadas nenhuma informação sobre normas de publicação. Foram analisados do número 38 ao número 76 do periódico e nenhuma informação de norma para publicação foi encontrada. Em alguns números ainda era informada uma Orientação Pedagógica, quando os números eram específicos sobre algum assunto, mas de maneira geral, o sumário era apresentado no início da publicação e em seguida a seção Idéias e debates, que é o foco da análise desse trabalho.
Os autores que colaboraram com o periódico, naquele período, mostravam não só uma heterogeneidade de temas, perspectivas e olhares sobre a área da educação e o sistema educacional em seus meandros mais específicos, mas acrescentaram novas questões à forma de conceber a educação. A educação passou a ser vista como possibilidade real de transformação, dentro de um processo de socialização, o que repercutiu na ideia de uma busca científica aos parâmetros próprios da educação. Com isso, pensando mais criticamente a educação, a industrialização, a urbanização, as relações raciais e especificidades regionais, todo o processo de desenvolvimento e modernização, tudo cabia no novo conceito de educação. Nesse sentido, vimos a necessidade de apresentar as temáticas mais abordadas, no período, com o intuito de pensar as articulações entre a Revista, a produção de conhecimento, o processo de institucionalização da pesquisa e os interesses políticos, administrativos, econômicos e científicos do Estado.
Temáticas mais abordadas no periódico Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, na década de 1950
Com base na leitura dos 194 artigos publicados na RBEP, foram identificadas as temáticas educacionais recorrentes nessa publicação, no período de 1950-1959. Pode-se destacar um total de 15 temáticas. Dentre elas encontram-se, em ordem alfabética: Administração Pública; Antropologia da Educação; Biografia; Didática; Educação Rural; Estrutura e Organização Educacional; Filosofia da Educação; Financiamento da Educação; Formação de Professores; História da Educação; Pesquisa Educacional; Planejamento Educacional; Política Educacional; Psicologia da Educação; Sociologia da Educação. Abaixo, seguem tabela e gráfico com demonstrativos dessas temáticas através de números.
A partir da leitura e dos números apresentados, é possível identificar algumas preocupações que estavam presentes no debate sobre educação naquele momento: Estrutura e Organização Educacional, com 39 artigos e um percentual de 20,10%; Filosofia da Educação, com 26 artigos e um percentual de 13,40%; Psicologia da Educação com 25 artigos e um percentual de 12,89%; Política Educacional com 24 artigos e um percentual de 12,37%. Frente as novas perspectivas que cabiam à educação, era preciso primeiro perceber a forma como se estruturava, não só como área, mas como sistema e pensar sobre novas formas de organização, depois, compreendê-la como área, através de uma perspectiva filosófica, para depois se orientar buscando métodos, metodologias, técnicas para seu aprimoramento diante das necessidades da sociedade a partir de métodos e técnicas fundadas na Psicologia da Educação para, por fim, propor políticas educacionais próprias para que o ideal educacional se sobrepusesse como o melhor caminho do cenário brasileiro.
A tabela e o gráfico acima apresentam, em números, as temáticas que foram publicadas na década de 1950. Dentre elas, as diferenças quantitativas são evidentes, traduzindo as preocupações da época. Em um período no qual a estrutura e a organização educacional precisavam ser consideradas tendo em vista o desenvolvimento da sociedade brasileira, os debates e estudos evidenciavam a forma de estruturação e organização da educação considerando que a organização da educação brasileira, de uma forma ou de outra, deveria acompanhar as formas de organização da sociedade em pleno desenvolvimento.
A valorização crescente da educação aparecia de muitas maneiras nos artigos, onde se percebia sua relação cada vez mais próxima com as novas diretrizes políticas, econômicas, sociais e culturais. O argumento central girava em torno da ideia de que o crescimento econômico, por si só, de nada adiantaria sem um desenvolvimento educacional à altura.
Os artigos analisados versavam sobre temas variados, em sua maioria, dentro da nova perspectiva posta à educação. Era necessária uma visão completa e complexa da educação, e nesse sentido, tornava-se importante pesquisar as temáticas certas e mais urgentes ao processo de desenvolvimento e modernização. Com isso, vimos a necessidade de apresentar alguns apontamentos sobre cada uma dessas temáticas, que seguirá em ordem alfabética.
A Administração Pública na década de 1950 se caracterizava dentro de um período de administração para o desenvolvimento, onde as funções assumidas por ela estavam voltadas para atender as demandas sociais. A Administração Pública destacava-se, assim, por atuar como representante do Estado na busca do bem comum em todas as instâncias da vida em sociedade. Com o predomínio da ideologia do desenvolvimento, a Administração Pública era vista como um ator central para que o desenvolvimento e a modernização pudessem se concretizar no Brasil. Logo, estudar e pesquisar essa temática caminhavam na mesma direção dos interesses maiores da nação.
Já a Antropologia da Educação, apesar do espaço reduzido a apenas 1 artigo em toda década de 1950, apresenta o nascimento da preocupação com a relação entre educação e antropologia, revelando a importância básica de um estudo de educação na análise antropológica de um povo.
As Biografias trouxeram a identificação e a apresentação de alguns nomes importantes no cenário educacional, que mereciam destaque por seus papeis e êxitos no campo educacional. Dentre os muitos nomes importantes que caberiam homenagens, receberam destaque naquele período, através de publicação na RBEP: Lourenço Filho, Roquete Pinto, Mauro Augusto Teixeira de Freitas, Afonso Celso e Vicente Rodrigues.
A área da Didática também foi discutida e analisada em diferentes trabalhos, traduzindo a preocupação com a prática de ensino em algumas disciplinas e com os objetivos de algumas áreas do conhecimento em determinados segmentos e níveis de educação.
As discussões sobre a Educação Rural fazem parte dos 10 primeiros artigos publicados naquele período, mostrando que a preocupação com a educação não se limitava mais aos grandes centros urbanos, e que a educação rural precisava ser compreendida e modificada para melhor atender as necessidades individuais e coletivas.
Estrutura e Organização Educacional foi o tema com maior número de publicações - 39 artigos. Os autores apresentavam a educação não só como área de atuação para as transformações da sociedade, mas discutiam as formas de estruturação e organização do sistema educacional brasileiro em todos os seus níveis, comparando o Brasil com outros países e reconhecendo essa temática como urgente para que pudessem ser aplicadas medidas capazes de transformar a educação brasileira e assim, alcançar o ideal de desenvolvimento de uma população bem educada e preparada para produzir no momento de crescimento do país.
O tema da Filosofia da Educação considerava a condição de humanidade que faz com que a educação seja mais que um treinamento ou ajustamento acadêmico, ressaltando o potencial da educação como processo capaz de pensar o homem em todas as suas potencialidades, tanto no plano individual quanto no plano coletivo na compreensão do ser no mundo. Os artigos examinam o conceito de educação entendendo a educação como capaz de promover a libertação humana, considerando as crises na educação e suas possíveis soluções.
A discussão sobre o Financiamento da Educação abordava a importância de se investir na educação, uma vez que ela era apontada como caminho para o crescimento nacional. Além disso, os artigos pontuavam os problemas de distribuição e redistribuição de verba para educação a partir do dinheiro que vinha do auxílio federal e das porcentagens estaduais e municipais a fim de financiar a educação do povo brasileiro.
A temática referente à Formação de Professores se embasava na crítica e, ao mesmo tempo, na preocupação com a preparação do pessoal docente para as novas exigências postas à educação em nome do avanço nacional. A todo momento se questionava, nos artigos, o preparo para o ensino. Foram publicados dois artigos que traziam os retratos da formação de professores na Europa e Estados Unidos, apresentando as reais funções do professor no sistema educacional, apontando que a formação de professores deve andar junto com os avanços da educação e da sociedade na qual está inserida.
História da Educação: Como caminhar nas pesquisas educacionais e compreender seus problemas sem analisar a História da Educação? Foram 8 artigos publicados na tentativa de desvelar o passado da educação brasileira, a fim de racionalizar a situação naquele momento, suas crises, problemas e transformações, com o intuito de promover melhoras e soluções ao quadro que se instaurava no cenário educacional.
A temática da Pesquisa Educacional fora representada em 6 artigos. Dos 6 textos sobre essa temática, 5 deles foram publicados no número 63, volume 26, em julho/setembro de 1956, cujo tema era a pesquisa educacional. Esse número continha 7 artigos, sendo um voltado às políticas educacionais e o outro voltado para a organização educacional a partir de um olhar sobre a pesquisa científica no Brasil. Desses 5 artigos, apenas 3 tinham a palavra “pesquisa educacional” no título, os outros 2 continham as palavras “pesquisa “e “educação”, mas atrelados à ciência e ao planejamento.
O único dos 6 artigos publicados nesse decênio que ficou fora dessa edição foi publicado dois anos antes, no número 53, de 1954, cujo autor J. Roberto Moreira tratava da pesquisa educacional pensando o valor da ciência e os estudos educacionais. A forma como a temática da pesquisa educacional foi proposta, nos artigos de 1950-1959, demonstra a importância de um olhar diferenciado para as pesquisas educacionais em seu sentido mais crítico.
Já no que diz respeito à temática Planejamento da Educação, os artigos traçavam planos, programas e pensavam os problemas e as soluções para as questões do ensino no Brasil, identificando o planejamento, principalmente, como uma função burocrática e de controle do trabalho de outras pessoas, tanto no âmbito da organização do sistema de ensino quanto no interior das escolas, como estratégia de organização.
Os artigos referentes à Política Educacional, no período estudado, abordam as políticas educacionais no Brasil, bem como apresentam as políticas educacionais em outros países. Grande parte dos artigos publicados sobre essa temática apresenta as discussões sobre as leis vigentes ou as que, ainda, estavam sendo discutidas para virarem leis, ou seja, trazia alguns pareceres e protocolos de análises de leis. Na verdade, os artigos apresentavam algumas medidas planejadas, outras implementadas pelo governo no campo da educação, além de mostrar como as políticas educacionais tinham o poder de intervir nos processos formativos da sociedade brasileira, naquele período. A importância em se discutir a Política Educacional reflete a necessidade de intervenção do Estado nos assuntos educacionais, a fim de que as políticas estivessem de acordo com os interesses econômicos, sociais e culturais da sociedade. Somente com uma política forte, presente e atuante no cenário educacional seria possível o crescimento do país.
A Psicologia da Educação fez parte de um grande contingente de publicações na década de 1950. Essa temática aparecia nos artigos mostrando que em toda atividade educativa, ou por parte dos alunos ou por parte dos professores, existia uma série de processos de natureza psicológica e que a compreensão desses processos é imprescindível não só para atender o ato educativo, mas para atuar nele. A Psicologia da Educação apareceu de inúmeras formas, desde os artigos que falavam sobre o desenvolvimento humano, em especial da criança e sua relação com a educação, até as técnicas e métodos mais gerais da Psicologia que buscavam descrever os processos psicológicos presentes na educação, principalmente, quando falavam das psicotécnicas vinculadas não só ao processo educativo, mas também no que se referia à orientação profissional e educacional. Todos os artigos apresentavam a Psicologia como uma área capaz de realizar técnicas e métodos capazes de melhorar a educação em prol de mudanças individuais e na sociedade.
Por fim, nos artigos referentes à Sociologia da Educação, existia a preocupação de afirmar que a educação se dá em um contexto de determinada sociedade e que esta oportuniza a compreensão e caracterização da relação entre o homem, a sociedade e seu papel enquanto indivíduo histórico desta sociedade. Além disso, os artigos expunham os processos estruturais, institucionais e organizacionais nos quais a sociedade se baseia para prover a educação dentro de uma determinada ideologia, assim como a seus indivíduos.
No que diz respeito às duas últimas temáticas a Psicologia da Educação e a Sociologia da Educação, um importante ponto precisa ser apresentado. Através da revisão de literatura e estudos e pesquisas bibliográficos empreendidos, é possível identificar, na década de 1950, a passagem de uma perspectiva psicológica para uma perspectiva sociológica nas pesquisas no campo da educação. Uma das justificativas para essa mudança foi a alteração de direção do Inep. A direção de Lourenço Filho e Murilo Braga era marcada por um viés mais psicológico. Ao assumir a direção, Anísio Teixeira imprime uma dimensão mais sociológica no debate e na pesquisa sobre a educação. Uma outra justificativa para essa mudança de perspectiva é o próprio processo de desenvolvimento da sociedade brasileira naquele período, onde se passa a pensar os sujeitos dentro de uma visão de sociedade e não só individualmente.
Com base em tudo que foi lido nas publicações da RBEP de 1950-1959, e, principalmente, pensando sobre as mudanças sociais no Brasil, os dilemas referentes ao processo de desenvolvimento e modernização que se firmaram como ideologia na década de 1950 (Fernandes, 2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. ) e a relação entre a educação e as transformações estruturais da sociedade brasileira (Fernandes, 1966), são entendidas aqui como razão para a mudança de uma perspectiva psicológica para uma perspectiva sociológica, o próprio conjunto de todas as articulações entre a nova visão de educação que surgia na década de 1950 e a implementação da ideologia desenvolvimentista, naquele período.
A educação que passava a ser vista sob o olhar de promotora de mudanças radicais na sociedade pelo seu poder socializador, dentro de uma proposta de formação global para o indivíduo como ser produtivo, juntamente com as ideias de educação democrática, auxilia a mudança da percepção da sociedade em relação ao homem puro, simples e meramente psicobiológico. O homem, a partir das novas concepções de mundo que adentravam o país como um grito de liberdade e soberania, passa a ser visto não só como ‘o homem’, mas como homem social, político, economicamente produtivo e culturalmente capaz, que precisa caminhar de mãos dadas às transformações da sociedade.
O mundo mudava, a sociedade brasileira mudava, as instituições mudavam e os indivíduos precisavam mudar. A educação foi porta de entrada e saída para tantas transformações, além de janelas para a produção de conhecimento que passava a ser condição essencial naquele processo. A mudança de foco nas pesquisas não se deu por mera conveniência ou naturalidade, ou por simples mudança de poder na direção de determinadas instituições, mas ocorreu por necessidade. As pessoas que estudavam e pesquisavam não se podiam fazer alheias ou indiferentes aos processos de mudanças na sociedade.
A visão da pesquisa, em especial da pesquisa educacional passa a considerar essa nova sociedade, esse novo homem e esse novo momento da história dentro de uma relação de interdependência. Como afirma Silva (2002SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. ), o alargamento da concepção de educação como socialização teve repercussão direta na produção científica, não só do CBPE, mas em toda a produção da época. O fato de enxergar o Brasil como um todo, suas regiões, suas diferenças, seus problemas, sua história e suas potencialidades, promoveu não só a mudança de um viés psicológico para um viés sociológico, mas promoveu mudanças em toda a concepção de fazer ciência e pesquisa em educação.
Muitas mudanças foram publicadas na RBEP frente as mais diversificadas temáticas e frente as mais variadas interpretações da realidade e do novo contexto de sociedade que se apresentava. De forma direta ou indireta, os textos publicados na Revista entre 1950-1959 demonstram as preocupações com a educação, sua relação com as transformações da sociedade brasileira e o papel desse campo para os interesses do Estado.
Os interesses para além da educação
A relação entre o que se produzia como conhecimento e sua inserção no panorama nacional é analisada agora não do ponto de vista das suas implicações num contexto educacional propriamente dito, mas na perspectiva do desenvolvimento nacional, isto é, o enfoque das condições de produção da pesquisa educacional para atender aos fins da educação é substituído por uma abordagem do papel da pesquisa educacional na produção para desenvolvimento social e cultural, mas, principalmente, político e econômico.
Para Fernandes (1966FERNANDES, F. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus Editora, 1966.), a educação pode ser um fator de progresso ou um instrumento opressor, de direcionamento e/ou aprisionamento ideológico. Tudo depende do uso que a sociedade fizer dela como instrumento social e como força cultural:
A educação é verdadeiramente uma força de grande poder, mas que ela seja boa ou má depende, não das leis da aprendizagem, mas da concepção de vida ou de civilização que ela exprime” [...] a educação jamais pode ser um processo autônomo, independente de tempo e lugar, conduzido de acordo com as suas próprias leis. Tem havido tantas educações na história quantas têm sido as sociedades humanas. Ela constitui parte integrante de uma cultura ou de uma civilização, como um sistema econômico ou político. A própria maneira em que se concebe a educação, quer o seu objetivo seja escravizar, quer seja liberar a mente, é expressão da sociedade a que serve (Fernandes, 1966FERNANDES, F. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus Editora, 1966., p. 612).
Fernandes (2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. ), quando analisa o papel do Estado na organização da vida política, o que ao longo de sua reflexão acaba esbarrando nas instituições, apresenta o que ele denomina como “demora cultural” (p.101), que se caracteriza na presunção de que, quando o ritmo das mudanças das diferentes esferas culturais e institucionais não é homogêneo, acontece um desequilíbrio na integração delas entre si. A partir do momento que isso ocorre, são produzidos atritos e tensões resultantes das próprias condições de mudança: “As expectativas de comportamento antigas e as recém-formadas coexistem, inevitavelmente, durante algum tempo, criando fricções nos ajustamentos dos indivíduos às situações sociais que são por elas reguladas socialmente” (Fernandes, 2008, p. 101).
Nesse sentido, em meio às tensões que nascem nos momentos de mudanças, passam a coexistir disputas de interesses, uma vez que, como dito por Fernandes (2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. ), as mudanças não acontecem em todas as instancias da vida em sociedade, ao mesmo tempo. Daí resulta ou uma apatia à espera de novas mudanças que deem conta, por si só, de resolver essas tensões ou uma corrida em busca de poder para que essas tensões sejam sanadas na direção de determinados interesses.
Ainda na concepção de Fernandes (2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. , p. 102), a partir daí, resultam dois caminhos a serem seguidos pelos homens públicos:
Um, que vem sendo seguido e pressupõe uma filosofia política baseada na crença no futuro e nos efeitos dos processos espontâneos da evolução da sociedade brasileira. Outro, que implica a escolha de uma ética de responsabilidade e a decisão de ampliar, onde for possível a previsão e a intervenção racional, as articulações orgânicas que devem existir entre Estado e a nação na sociedade brasileira.
No caso do Brasil, se pensarmos na década de 1950 e nos anos de seu entorno, devido às inúmeras transformações pelas quais passou a sociedade brasileira, defender o primeiro caminho seria se isentar, de maneira cruel, em face dos problemas do país, pois as desigualdades, principalmente, sociais e culturais não só iriam aumentar como iriam influir em todo o processo de crescimento da nação, já que o Estado continuaria a exprimir mais os interesses econômicos e os ideais políticos da classe dominante, abandonando os interesses essenciais do povo.
Com isso, a opção seria o segundo caminho, ou seja, seria feita a opção pela responsabilidade em ampliar onde for possível sua intervenção, na tentativa de articular os interesses do Estado e os interesses da coletividade, a fim de alcançar os interesses da nação.
Segundo Silva (2002SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. ), nos anos de 1950, a ênfase no desenvolvimentismo abriu novas esferas de atuação para que os interesses tanto do Estado quanto do povo fossem atingidos, sendo a educação, um caminho para isso, especialmente, em se tratando dos novos diálogos abertos entre o campo da educação e as ciências sociais, em particular, após a criação CBPE, em 1955.
À época, a educação tanto para o governo quanto para o povo era o caminho para mudanças, para o crescimento e para o pleno desenvolvimento. O discurso de uma educação democrática passou a ecoar nos mais diferentes núcleos da sociedade brasileira. Entretanto, como afirma Fernandes (2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. ), “a educação para a democracia começa nas práticas políticas - não termina nelas” (p, 103). Daí, as obrigações e as funções especiais do governo.
Segundo Bianchetti (2009BIANCHETTI, L. Os dilemas do coordenador de Programas de Pós-graduação: entre o burocrático-administrativo e o acadêmico-pedagógico. In: BIANCHETTI, Lucídio e SGUISSARDI, Valdemar. Dilemas da Pós-graduação: gestão e avaliação. p. 15-99, 2009.), o protagonismo do Estado na emergência e no desenvolvimento das instituições de educação, no Brasil, é decorrência de seu papel e sua trajetória ao longo da própria história da educação no contexto dos processos por que passou a sociedade brasileira.
Sendo assim, o papel da educação, na sociedade brasileira, segundo Fernandes (2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. ), não se restringe à instrução propriamente dita, pois seu papel é muito mais amplo. Cabe às instituições, que fazem parte do corpo dessa educação, tornarem esse papel mais amplo possível. De qualquer forma, o “ajustamento do ensino brasileiro aos fins pressupostos por uma educação orientada segundo as inspirações definidas acima exige uma estratégia” (Fernandes, 2008, p. 111). O que se entende a partir da ideia de uma educação que é orientada, segundo as aspirações definidas acima, é que educação é pensada segundo as aspirações do Estado, que são definidas pelo próprio Estado:
De qualquer forma, a intervenção do Estado, com propósitos definidos de ajustar o sistema educacional brasileiro às necessidades mais urgentes da vida política nacional, poderia alcançar dois efeitos presumíveis. Primeiro, criar condições dinâmicas essencialmente favoráveis à transição de uma ordem democrática incipiente para uma ordem democrática plenamente construída. [...]. Segundo, concorrer ativamente para que essas condições dinâmicas se reproduzam similarmente, provocando efeitos socializadores relativamente uniformes, nos diferentes tipos de comunidades brasileiras (Fernandes, 2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. , p. 111).
Com base na citação, o mais complicado é saber se a educação, enquanto sistema escolar, poderia chegar, de fato, a toda população brasileira, em suas diversas camadas, pois, no discurso, isso é possível. Já na prática, dependeria de uma organização de meios e fins na educação nacional, principalmente, no que diz respeito às políticas que seriam implementadas:
A educação sistemática se apresenta, sociologicamente, como um fator suscetível de ser controlado, dentro de certos limites, e que exprime alterações ocorridas ou provocáveis em uma coletividade como um todo. Isso no que diz respeito à situação brasileira. As evidências discutidas permitem supor que as possibilidades de manipular a educação como uma técnica de criação ou de controle de ajustamentos e de valores políticos democráticos dependem, fundamentalmente, da organização do sistema educacional brasileiro tendo em vista necessidades educativas de alcance nacional, que, no entanto, não foram atendidas até o presente (Fernandes, 2008FERNANDES, F. Mudanças sociais no Brasil. 4 ed. São Paulo: Global, 2008. , p. 113).
Partindo da ideia de que a educação é suscetível a ser controlada, mesmo que dentro de certos limites, é necessário que sejam pensadas estratégias para que isso aconteça de forma tênue, mas eficiente.
Todo o debate até aqui empreendido sobre as articulações entre Estado e educação, vai ao encontro da ideia de que, sendo a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos um periódico institucional de grande visibilidade política no decênio de 1950, por ser uma revista criada pelo Inep, que é um órgão subordinado ao Ministério da Educação, e, em contrapartida, ao governo federal, seria ela uma estratégia inteligente de disseminar uma determinada ideologia, trazendo convicções nada ingênuas ou neutras para o campo da educação.
Com isso, acredita-se que as temáticas abordadas pela Revista, bem como os autores colaboradores que, à época, em sua quase totalidade, sendo convidados, assinavam as publicações da RBEP, de alguma forma, com vinculação direta ou indireta aos setores públicos da sociedade, emitiam mais que seus interesses de pesquisa, mas imprimiam, naquelas páginas, um interesse maior, um interesse do Estado.
Generalizar esses autores e as publicações como um todo seria pretencioso ou até mesmo errado, pois com base nas leituras dos artigos, muitos deles diziam respeito aos interesses de pesquisa dos estudiosos da época, o que em muitas ocasiões iam na direção contrária do que se esperava em um determinado contexto pelos dirigentes ligados à Revista. Segundo Silva (2002SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. ), por exemplo, após a criação e implementação efetiva das atividades do CBPE, a partir da segunda metade da década de 1950, muitos autores “ao invés de engajarem-se em um projeto comum aplicado, valeram-se do orçamento para pesquisar seus temas individuais - relevantes, por certo, mas sem pertinência para os objetivos originais do Centro” (Silva, 2002SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. , p. 178).
O compromisso com uma política prática para o campo da educação tornou-se um imperativo para que, de fato, ocorresse no país uma transformação que o levasse a um patamar de nação desenvolvida. Com isso, a pesquisa passou a ser um condicionante significativo nesse processo e a RBEP, um espaço institucional de larga influência para que essa pesquisa se disseminasse.
Para Almeida (1989ALMEIDA, M. H. T. Dilemas da institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. p. 188-216, 1989.), partindo de um olhar nos estudos das Ciências Sociais, é possível que se manifestem tensões quando se pensa as imbricações no conteúdo de determinada produção e determinados interesses. Para a autora, a discussão sobre a relevância política do conhecimento produzido e sobre seu compromisso com a ação transformadora, constitui-se em tema relevante.
A produção, disseminação e apropriação de conhecimentos educacionais, desde sua história, organização, planejamento, administração até suas configurações políticas, desempenharam um papel central na sociedade brasileira, na década de 1950, tornando estratégica a reflexão sobre as temáticas publicadas e sobre as repercussões das mesmas no cenário político, social, cultural e econômico do país.
Considerações gerais
Apesar da demarcação de um determinado tempo/espaço para a construção desta pesquisa, que se caracterizou, principalmente, pela análise dos artigos publicados pela RBEP, no decênio de 1950, no contexto em que se configurava a sociedade brasileira, ainda assim, precisamos ratificar que não se trata de uma pesquisa histórica ou sobre a história da educação, mas sobre a compreensão de um contexto que justifique a articulação entre as temáticas produzidas para o campo da educação e os interesses do Estado.
O processo de investigação aqui empreendido tentou estabelecer conexões não só entre as temáticas da RBEP e a educação, mas pensar o processo de institucionalização da pesquisa educacional e as instituições representativas do Estado que permeavam as produções no campo da educação. Analisando-se os dados pesquisados e levantados com os seus condicionantes históricos, produz-se uma tensão que possibilita ver, entre outros aspectos da realidade no recorte temático e temporal, o desenho por de trás das intencionalidades aparentes, as tendências que se propagam para atender um fim, e as articulações e desarticulações entre as instituições produtoras de tal cena e contexto.
Para pensar o processo de institucionalização da pesquisa no Brasil, as instituições que colaboraram nessa trajetória e o contexto em que se configuravam, torna-se necessário um olhar direcionado para a pesquisa educacional no Brasil, nesse contexto e no período escolhido para o recorte da pesquisa.
Após leitura e análise dos 194 artigos publicados de 1950-1959, pela RBEP, e elaboração de gráfico e tabela para visualização das temáticas no campo da educação, percebemos uma profunda articulação entre o que vinha sendo produzido e disseminado como conhecimento no campo da educação e os interesses sócio-político-econômicos do Estado no processo de desenvolvimento no país. Pode-se identificar que, naquele período, as temáticas mais abordadas nas pesquisas e os autores que assinavam a maior parte das publicações tinham algumas relações com o Estado.
Partindo da afirmação de Anísio Teixeira em seu texto “A administração pública brasileira e a educação”, no ano de 1956TEIXEIRA, A. A administração pública brasileira e a educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , Rio de Janeiro, v. 24, n. 61, p. 3-23, jan./mar. 1956, publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, “O Estado, como organização, busca a centralização como forma de exercício do seu domínio - não para produzir, mas para controlar” (p.4), compreendemos que uma das formas de centralizar e controlar o que vinha sendo discutido e pensado sobre a educação, desde seu papel, sua identidade, suas relações e articulações sócio-político-econômicas e suas possibilidades de ação, seria a criação de uma instituição que regulasse os debates, as ideias e abrangesse as problemáticas voltadas para a educação.
A RBEP como iniciativa do Inep e, consequentemente, do Ministério da Educação, nos pareceu uma boa opção ou estratégia para que o Estado realizasse seus objetivos. Apesar de perceber, a partir da leitura dos artigos publicados no período de 1950-1959 nesse periódico, muitas articulações e desarticulações entre um emaranhado de interesses, ficou uma dúvida sobre os direcionamentos da Revista. Foi a RBEP que, através de suas publicações, acompanhou as transformações da educação brasileira, que por sua vez, se modificavam em nome das transformações da sociedade, ou foram as imposições governamentais sobre a educação brasileira que se fizeram acompanhar na Revista?
Que existia algum tipo de relação, bem próxima, entre o Estado, a educação, a Revista, dentre outras instituições da época, não se pode negar, mas o exato ponto de onde partiam, ou a direção precisa para onde essas relações caminhavam ou desembocavam, não se pode revelar nesse trabalho, se é que é possível fazê-la.
A proposta deste trabalho consiste no argumento de que a conjuntura na qual os artigos eram publicados influenciava não só na escolha pelas temáticas trabalhadas, mas também no próprio desenvolvimento da pesquisa. Em nosso entendimento, as opções e escolhas não se deram de forma neutra e ingênua, mas se constituíram dentro de uma lógica de produção que foi legalizada e legitimada ao longo dos processos de institucionalização da pesquisa científica no Brasil.
Referências
- ALMEIDA, M. H. T. Dilemas da institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil p. 188-216, 1989.
- BIANCHETTI, L. Os dilemas do coordenador de Programas de Pós-graduação: entre o burocrático-administrativo e o acadêmico-pedagógico. In: BIANCHETTI, Lucídio e SGUISSARDI, Valdemar. Dilemas da Pós-graduação: gestão e avaliação. p. 15-99, 2009.
- BRAGHINI, K. M. Z. O ensino secundário nos anos 1950 e a questão da qualidade de ensino Dissertação de mestrado defendida em 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.
- BRASIL. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (INEP). Um pouco da história do INEP Disponível em: <Disponível em: http://www.inep.gov.br/institucional/ historia.htm >. Acesso em: 03 de janeiro de 2016.
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- MARTINS, C. B. Balanço: o papel da CAPES na formação do sistema nacional de pós-graduação. In: CAPES 50 anos: depoimentos ao CPDOC/ FGV Org: FERREIRA, M. e MOREIRA, R. L. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CPDOC, Brasília: CAPES, 2003.
- ROTHEN, J. C. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: uma leitura da RBEP. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 86, nº 212, p. 189-224, jan./abr, 2005.
- SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
- TEIXEIRA, A. A administração pública brasileira e a educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , Rio de Janeiro, v. 24, n. 61, p. 3-23, jan./mar. 1956
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
-
Recebido
27 Fev 2021 -
Aceito
09 Set 2021