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Hans Kelsen - A Recepção da "Teoria Pura" na América do Sul, Particularmente no Brasil

Hans Kelsen - The Reception of "Pure Theory" in South America, Particularly in Brazil

Resumo

O presente artigo examina o fenômeno da recepção da obra "Teoria Pura do Direito", de Hans Kelsen, em alguns países do continente sul-americano, avaliando os mecanismos institucionais de sua difusão e de adesão com relação aos agentes culturais que representam as instituições acadêmicas e os profissionais do Uruguai, Colômbia, Argentina e Brasil, a partir da década de 1940 até os dias atuais. Embora a referência ao pensamento de Kelsen seja uma constante na produção teórica dos juristas desses países, ao menos até o final da década de 1980, persistem muitos equívocos e preconceitos em relação à teoria científica elaborada por Kelsen e à vinculação dessa vertente epistemológica ao positivismo jurídico.

Palavras-chave:
Recepção; Teoria Jurídica; Direito Sul-Americano; Positivismo Jurídico

Abstract

This article aims to examine the reception of " Pure theory of Law ", of Hans Kelsen in some South-American countries, throughout institutional approaches and also the diffusion of this theory as well its acceptance by cultural agents who represented academic and professional law environment, in Uruguay, Colombia, Argentina and Brazil. The historical period of this study concerns the early times of 40 till our days. Although the reference of Kelsen's thought about theory of law may appear as a constant feature on South-American jurists, mainly till the decade of 1980, actually we can identify real problems that claim for a falsehood about the guidelines of the pure theory of law and ambiguities in connection to theoretical issues within positivist traditions in face of authoritarian governments in Latin America.

Key-Words:
Theory of Law; Positivism; Reception; South-American Law

O tema deste trabalho é fruto de uma atividade de pesquisa no Institut für Staatswissenschaft und Rechtsphilosophie em Freiburg, Alemanha, associada à conferência proferida no Congresso de Direito Internacional sediado pelo Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, sob os auspícios dos Professores Mathias Jestaedt e Arno Dal Ri Jr., respectivamente.

Incialmente, essa escolha revela um traço de ousadia, bem como, um desafio epistemológico, seja no âmbito de questões e significados que tal tarefa entranha, seja em razão dos fundamentos que a teoria Kelsiana estabelece para a compreensão do pensamento jurídico na América Latina, em especial, América do Sul.

Para tanto, seria um tour de force a tentativa de abranger num contexto diminuto o conjunto de características que imprimiram os fundamentos institucionais da "Teoria Pura do Direito" (KELSEN, 1998KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado., São Paulo: Martins Fontes 1998.)" nos sistemas jurídicos dos países sul-americanos, considerando-se, ainda, o processo de colonização desse continente, sob o domínio das Coroas espanhola e portuguesa. Em face desses limites, este autor apresentará sua análise da recepção da obra "Teoria Pura" no Uruguai, Colômbia, Argentina e Brasil, sem pretender exaurir as vias de pesquisa de fontes e de registros nesse percurso. Ademais, seria necessário, também, iniciar esse estudo a partir de aspectos epistemológicos que tangenciam os princípios atinentes ao Direito Comparado, uma vez que o sistema Jurídico sul-americano constitui-se num subsistema jurídico, na classificação de "famílias jurídicas" formulada pela obra clássica de René David (1998DAVID, René. Os grandes sistemas de Direito Contemporâneo. 3. ed. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.), como um dos herdeiros do sistema romano-germânico, via colonização portuguesa, no caso do Brasil, e, espanhola, quanto aos demais Estados vizinhos.

Inspirado por esse viés comparatista, é possível dimensionar o modo pela qual uma teoria, como a "Teoria Pura", de Kelsen, foi recepcionada pelos juristas sul-americanos, em seus limites e seus equívocos, porquanto, além do problema do idioma - a edição original foi escrita em alemão, como quase a totalidade da produção bibliográfica de Kelsen - deve-se considerar a política editorial, com relação a traduções e a disseminação da teoria no âmbito das elites jurídicas dos países.

É nessa ambientação cultural e política que pretende-se a expor os aspectos mais expressivos da questão concernente ao contexto originário da produção teórica do direito - no caso, a "Teoria Pura" e de sua recepção junto às instituições culturais de alguns países sul-americanos.

O vocabulário "recepção", tecnicamente, utilizada na teoria do Direito Comparado1 O fenômeno da "recepção" entre as culturas jurídicas não é um processo automático, considerando-se que preexiste uma cultura autóctone que tende a absorver ou a rejeitar a influência da cultura dominante. Nesse sentido, as teorias não são "recepcionadas" e aplicadas segundo a ideação da matriz epistemológica, em razão de diferentes concepções, tanto no plano da política como das instituições locais. não é suficiente, todavia, para se dimensionar a complexidade que o contexto cultural de cada país pode revelar, observando-se sua trajetória histórica. Dessa forma, o fenômeno da "recepção" representa um cenário já constituído, segundo os mecanismos de difusão cultural, pelos quais, as teorias como sistemas de conhecimento científico são adotadas. E, nessa ordem analítica, deve-se atentar para o sistema de difusão de tais teorias, protagonizado por agentes culturais, como autores, juristas, tradutores, editores e políticos, que assumem o papel, disseminados de tendências teóricas de vanguarda proveniente de centros de produção cultural mais fortes, desenvolvidos e dominadores, característica identificada como uma visão eurocêntrica de modelos jurídicos importados, e, portanto, bem distanciada da cultura jurídica local e regional, como no caso de países colonizados (LOSANO, 2007LOSANO, Mario G. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. Rev. Silvana Cobucci Leite., São Paulo: Martins Fontes 2007. p. XVIII.), conforme crítica do autor Mário Losano sobre o "eurocentrismo" da ciência jurídica.

Desse modo, após a difusão de teorias em ambientes institucionais como Universidades, órgãos legislativos, administrativos que as fontes receptoras se instalam no meio cultural, mediante as atividades de ensino, pesquisa, de aplicação de teorias inseridas em programas de cursos, e, no caso, da "Teoria Pura", de Kelsen, em projetos de leis e jurisprudência dos tribunais.

A estrutura cronológica composta pelo Professor Oscar Sarlo (2010SARLO, Oscar. The reception of the Pure Theory of Law in Uruguay. : KELSEN, Hans. Vieira. Freiburg: Schriftenreihe des Hans Kelsen-Instituts, 2010. v. III. p. 288., p. 288), de acordo com seu estudo sobre a recepção da "Teoria Pura do Direito" no Uruguai, será utilizada como parâmetro analítico em face dos graus de semelhança com o processo de formação político-jurídica dos países examinados. Tal articulação, escalonada pelos ciclos da história política do Uruguai, aproxima-se à de seus vizinhos continentais (Colômbia) e fronteiriços (Argentina e Uruguai).

A divisão por décadas, a partir do período da monarquia até a instauração dos governos republicanos, fato que se verifica mais precocemente nos países colonizados pela Espanha - no Brasil a República somente será proclamada no final do século XIX - contém a sequência que se apresenta: a) antes de 1940; b) 1940-1956; c) 1957-1973; d) 1973-1985; e) de 1985 até nossos dias.

Na primeira fase, a cultura jurídica é a expressão viva da cultura francesa, preferencialmente, nos domínios do Direito Privado, no âmbito majoritário do Direito Civil, cuja difusão se expande a partir de traduções em língua espanhola a partir de centros Universitários mais renomados e tradicionais. Ainda não é o momento de se verificar a recepção da obra de Kelsen nos cursos de Direito ou junto a instituições políticas. Sucede que legisladores eram juristas nos períodos políticos que antecederam a década de 1990, particularmente, no Brasil, razão pela qual, fontes teóricas eram inseridas em programas de cursos de direito e, no caso, projetos legislativos com mais frequência, considerando-se o conhecimento jurídico como base de formação acadêmica dos parlamentares.

A adoção da "Teoria Pura" terá lugar a partir da década de 1940, em razão do reconhecimento internacional dos trabalhos e produção teórica de Kelsen, como sua participação efetiva o projeto de Constituição republicana da Áustria, a criação do tribunal das garantias constitucionais da Constituição republicana da Espanha. De outro lado, a experiência de Kelsen em Direito Internacional lhe garantiu um respeito acadêmico, após o curso que ministrou em Haia, lançando as bases do Direito Internacional Contemporâneo, além da projeção intelectual no campo da política, da ciência e da história.

Entretanto, na contramarcha da História, num período marcado por um cenário de entreguerras, ressalta-se que a recepção da "Teoria Pura" foi aclimatada pela sucessão de governos autoritários, orientados por ideologias opressivas, a partir da Europa, como Alemanha e Itália, fato que resultou no pedido de asilo por Kelsen nos Estados Unidos da América, após ser exonerado da Universidade de Colônia, em pleno poder nazista nas estruturas políticas do Estado alemão. E a América do Sul integrou esse conjunto de modelos autoritários, por governos ditatoriais, a partir da década de 1930.

No que tange à recepção do pensamento kelseniano no Uruguai, Argentina e na Colômbia, verifica-se que a teoria kelseniana incide no âmbito do Direito Público, na classe do Direito Constitucional. Administrativo, e, posteriormente, no Direito Internacional e Filosofia do Direito. Os profissionais do direito, professores e advogados manifestam interesse na teoria de Kelsen, após a tradução da "Teoria Pura" para o espanhol, mas essa difusão somente adquirirá um estatuto científico com dimensão transnacional a partir do exílio de Kelsen nos Estados Unidos, tornando-se fundamento teórico do Direito, tanto no plano dogmático como filosófico. E nesse diapasão de referenciais, é imprescindível registrar que a difusão da obra de Kelsen também se deve ao apoio de seus ex-alunos que fugiram do regime nazista, imigrando para países da América, inclusive o Brasil, como Hans Klinghoffer que articulou a visita de Kelsen em 1949, para uma conferência e sessão de debates no Rio de Janeiro, e, também, Rudolf Aladár Métall (1979MÉTALL, Rudolf Aladár. Hans Kelsen: vida y obra. Trad. Javier Esquivel. México, DF: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM, 1979.), que escreveu a biografia de Kelsen.

Não se poderia omitir, igualmente, o papel de Josef Kunz que conhecia a cultura da América Latina, aspecto que lhe possibilitou a difusão da "Teoria Pura" por meio de publicações e conferências, além da tradução da obra em língua espanhola, como a de Legaz Lacambra (1999LACAMBRA, Luiz Legaz. La teoria pura del derecho. México, DF: Editorial Colofóns, 1999.), acrescendo-se, ainda, a colaboração de Récasens Siches, aluno de Kelsen. Kuntz escreveu para o volume "Latin American Legal Philosophy", em 1948, reconhecendo que a jusfilosofia latino-americana não seria propriamente latino-americana. Por esse aspecto, verifica-se que a teoria de Kelsen foi absorvida pelo domínio teórico previamente consolidado no positivismo jurídico francês do século XIX.

Em respeito à questão da fidelidade aos fundamentos da "Teoria Pura do Direito" pelos juristas locais, após o fenômeno da recepção, põe-se uma questão: a experiência totalitária vivenciada pela sociedade argentina, uruguaia poderia assimilar uma compreensão adequada dessa teoria ou desencadearia um clima de equívocos e distorções quanto aos fundamentos dessa teoria? A apropriação dos tópicos essenciais teóricos propostos por Kelsen assume uma feição distorcida do pensamento de Kelsen, resultando nas seguintes vertentes: a "Teoria Pura" como expressão do formalismo legal, a negação do universalismo da teoria, a lógica legal, a teoria dos valores dinamizada pelos conceitos do "Sein" e do "Sollen" com relação aos limites jusnaturalistas, ou, ainda, o distanciamento da teoria das necessidades sociais e sua destinação como base política de regimes de governos autoritários.

O caráter referencial dessa ordem de equívocos visualiza as condições contraditórias que a Teoria Pura enfrenta desde há muito tempo e até os dias de hoje, em face de orientações doutrinárias divergentes, no sentido de que a pretendida "pureza" tenderia a justificar os círculos mais conservadores de juristas e de políticos, na visão do direito como estruturação estável, garantindo a segurança do ordenamento jurídico.

Na Argentina, em seu conjunto institucional e universitário, a experiência da recepção da teoria kelseniana não se distancia das características da cultura jurídica uruguaia e colombiana, salvo o aspecto da expressiva produção científica centrada na teoria do direito, pelo grupo de juristas representado por Eduardo Couture e Carlos Cossio. Durante a visita de Hans Kelsen a Buenos Aires, seguiu-se uma sessão de conferências e debates sediada na Escola de Buenos Aires, cujos resultados foram desgastantes para Kelsen que se viu achacado por Cossio e seus seguidores, que buscaram, na verdade, não o questionamento de fatos sobre a Teoria Pura , mas a legitimação da Teoria Egológica de Cossio, com o objetivo de superação da Teoria Pura. Essa atmosfera assumiu ares pouco amistosos e não se pautou pelo respeito à divergência argumentativa e científica do Direito.

Na Colômbia, segundo o Professor Diego Medina (2004MEDINA, Diego E. L. Teoría Impura del Derecho: la transformación de la cultura jurídica latino americana. Bogotá: Legis, 2004.), a recepção da doutrina de Kelsen foi objeto de uma leitura crítica com base o argumento diferencial entre "Sein" und "Sollen", em razão da fragilidade cronológica da visão kelseniana no que diz respeito à separação entre natureza e norma, como uma versão superada dos níveis teóricos das ciências sociais renovadas.

O que Medina designa como recepção "pop" em relação ás leituras locais da teoria de Kelsen reflete a assimilação da teoria em contextos hermenêuticos limitados, ou seja, leituras que não são integrados pelo conhecimento de outras fontes textuais da Teoria Pura do Direito. Mas essa situação se modifica após a reconstrução da teoria kelseniana pelos centros de recepção acadêmicos contemporâneos, os quais buscam os contextos originais da produção kelseniana vis-à-vis dos grupos de intelectuais representantes da modernidade centro-europeia.

Na história da formação do pensamento jurídico brasileiro, como foco na difusão da Teoria Pura, de Kelsen, na cultura jurídica local, deve-se considerar, de antemão, o fato de que o ensino universitário, como instituição, somente se inicia no século XX, aspecto que traduz uma sedimentação tardia e precária dos centros de pesquisa, reflexão e crítica de teorias jurídicas, ou seja, no sentido de uma criação autônoma de centro de pesquisa e de debates teóricos como ocorreu na Escola Argentina. Por outro lado, a existência de uma única tradução da Teoria Pura em português reproduziu apenas a versão da primeira edição. Esses fatores evidenciam uma cultura jurídica lacunosa que caracterizará a recepção da Teoria Pura nos ambientes jurídicos nacionais.

Todavia, o pensamento de Kelsen não foi ignorado no sistema jurídico brasileiro. Os grupos de juristas constituídos no âmbito das instituições acadêmicas autônomas, como as Faculdades de Direito, antes da fundação do modelo universitário, favoreceram a difusão e a recepção da obra "Teoria Pura do Direito", embora inexista uma produção de pesquisa que possa configurar as doutrinas mais adequadas à contribuição do pensamento kelseniano, assim como os desdobramentos e as revisões da própria Teoria Pura, difundidos, posteriormente e principalmente, na segunda edição da obra em 1960.

No quadro acadêmico, observando-se o caráter predominante do positivismo jurídico cujos pressupostos fixam os eixos essenciais da "Teoria Pura", deve-se admitir que essa perspectiva implica uma análise das características do positivismo jurídico independentemente de seus vínculos com outros tipos de positivismo.

No seu universo metodológico, o positivismo jurídico no Brasil, a partir da década de 40 até 1990 demonstra, em geral, o aval pelos juristas dos referenciais juspositivistas, como elemento estruturante entre as normas jurídicas, e ordenamento jurídico e sua validade.

Os tópicos principais da Teoria Pura se ilustram nas seguintes questões:

  1. a separação entre o direito e a moral;

  2. o positivismo e o jusnaturalismo como expressão de uma dicotomia enfraquecida, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2008, p. 139);

  3. as funções do Direito e a teoria funcional;

  4. o positivismo jurídico e seu caráter autoritário e coativo;

  5. a questão da validade e da eficácia das normas em face dos pressupostos da validade, a norma jurídica isolada e o pertencimento ao sistema jurídico;

  6. a questão da validade e da justiça de normas e seu perfil objetivo;

  7. o formalismo como fator equivalente ao positivismo;

  8. os fundamentos teóricos do "Ser" e do "Dever Ser" e a questão do Direito Natural;

  9. a Supremacia da Constituição no sistema jurídico;

  10. a teoria da Norma Fundamental: sua aporia e filiação à doutrina de Kant;

  11. a faticidade e a autonomia do Direito Internacional;

  12. o domínio da interpretação das leis - a teoria da moldura e o poder do intérprete;

  13. a hierarquia das normas, do aluno de Kelsen, Adolf J. Merkl, e a dinamização do sistema jurídico;

  14. a interpretação das normas como ato de vontade.

No plano dogmático, pontifica o princípio da separação dos poderes e a diferença da natureza entre função legislativa e jurisdicional, adotado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme dicção da Emenda Constitucional n. 45/2004, que reconhece a competência do órgão para suspender eficácia de lei julgada inconstitucional. Também, um dos modelos de controle de constitucionalidade de leis, o concentrado, de extração kelseniana. Em que pese, a acentuada utilização da teoria de Kelsen nos segmentos do direito público é no Direito Internacional que a doutrina de Kelsen é amplamente difundida, a partir dos sistemas monista e dualista que refletem seus corolários na dinâmica de internalização de fontes internacionais, mas, nesse campo, o Brasil ainda conserva o predomínio do vetor dualista, no texto constitucional, não obstante as decisões que contemplam a temática dos Direitos Humanos.

Atualmente, no Brasil, após o período do governo militar de 1964 a 1985, que suprimiu liberdades públicas e demais garantias constitucionais em nome da ideologia de Segurança Nacional, a "Teoria Pura do Direito" sofreu uma atmosfera de resistências e de rejeições por sua vinculação ao positivismo jurídico, em razão de sua origem vinculada ao monopólio do poder legislativo do Estado. O novo modelo constitucional consagrará no altar dogmático os direitos e garantias fundamentais, na plataforma da efetividade desses direitos. Retoma-se o império de um moralismo norteado pela diretriz segundo a qual a validade de uma norma somente se afirmará se se apresentar como "junta", com base no brocardo "LEX INIVSTA NON EST LEX". Como ocorreu no pós-guerra, o sentimento negativo da destruição evoca outros fundamentos para a operacionalização do Direito: a linguagem, a semântica, a busca de sentidos, a partir de Perelman (1998PERELMAN, Chain. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução de Virgínia Pupi., São Paulo: Martins Fontes 1998.) com sua "Nova Retórica". Em ambos os contextos, a "Teoria Pura" continua a ser alvo de críticos improcedentes e discriminatórios, análise lucidamente exposta por Dimitris Dimoulis (2006DIMOULIS, Dimitris. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Método, 2006. Coleção Professor Gilmar Ferreira Mendes, v. 2. p. 261-262-263.), quando se refere à associação que Radbruch e outros juristas estabeleceram entre o positivismo jurídico e o nacional-socialismo do modelo alemão. É de se ver que o positivismo jurídico detém inegáveis méritos para as garantias de reconhecimento à condição humana.

Referências

  • DAVID, René. Os grandes sistemas de Direito Contemporâneo. 3. ed. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
  • DIMOULIS, Dimitris. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Método, 2006. Coleção Professor Gilmar Ferreira Mendes, v. 2. p. 261-262-263.
  • FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 139.
  • KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Trad. João Baptista Machado., São Paulo: Martins Fontes 1998.
  • LACAMBRA, Luiz Legaz. La teoria pura del derecho. México, DF: Editorial Colofóns, 1999.
  • LOSANO, Mario G. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. Rev. Silvana Cobucci Leite., São Paulo: Martins Fontes 2007. p. XVIII.
  • MEDINA, Diego E. L. Teoría Impura del Derecho: la transformación de la cultura jurídica latino americana. Bogotá: Legis, 2004.
  • MÉTALL, Rudolf Aladár. Hans Kelsen: vida y obra. Trad. Javier Esquivel. México, DF: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM, 1979.
  • PERELMAN, Chain. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução de Virgínia Pupi., São Paulo: Martins Fontes 1998.
  • SARLO, Oscar. The reception of the Pure Theory of Law in Uruguay. : KELSEN, Hans. Vieira. Freiburg: Schriftenreihe des Hans Kelsen-Instituts, 2010. v. III. p. 288.
  • O fenômeno da "recepção" entre as culturas jurídicas não é um processo automático, considerando-se que preexiste uma cultura autóctone que tende a absorver ou a rejeitar a influência da cultura dominante. Nesse sentido, as teorias não são "recepcionadas" e aplicadas segundo a ideação da matriz epistemológica, em razão de diferentes concepções, tanto no plano da política como das instituições locais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2015
  • Revisado
    28 Set 2015
  • Aceito
    16 Out 2015
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